Capitulo 7 - Lamentações ~ Parte 2
As horas se passavam devagar durante a cavalgada. Todos, principalmente Sieron, sentiam fome, mas não podiam se alimentar para regrar comida quando o caminho se tornou fechado pela mata, e Kauane os impedia de sacrificar algum animal para tal finalidade, afinal, eles ainda possuíam comida o suficiente para alguns dias.
Sem perceber, em pouco tempo o grupo havia se distanciado demasiadamente tanto de Ophiocus quanto de Drakkar, agora, não restara nada além de florestas e campos.
Alisha olhava ao redor, observando a paisagem, lembrando do dia em que chegou a Daechya, trajando uma camisola e tendo em mãos nada além do Kniga e sua chave. Sua mão desceu até a bolsa, a apertando para sentir a forma da chave, a única coisa que havia conseguido salvar durante a invasão do castelo.
— Heilos, como está Lancer?
— Ele está bem. Foi algo fundo, mas os curandeiros estão cuidando dele. — o guerreiro responde, pegando da bolsa de suprimentos de Sieron uma garrafa de bebida — Logo vai estar de pé, enchendo meu saco e fazendo meu trabalho.
Kauane, ao perceber, os repreende.
— Parem de beber! Estamos em missão!
— Não seja tão chata.
Heilos e Kauane discutiam de forma amigável, enquanto Alisha permanecia pensativa. Sieron, ao perceber, bate as rédeas do cavalo até estar cavalgando ao seu lado.
— O que foi, pequena menina? O que te incomoda?
— Se eu tivesse lutado, poderia ter impedido que Zithar e Lancer fossem feridos?
— Não. Se considerarmos que você não tem experiência alguma de luta... — o viking coçou a barba ruiva e torceu o bigode. — Você não teria chances, e apenas seria raptada por Khoasang e teríamos sérios problemas. Por isso, não se acanhe, foi sábia em não lutar.... Ei, está sentindo esse cheiro? Ele não devia existir.
— Cheiro de quê?
Com a pergunta, todos se atentaram aos cheiros da floresta. O cheiro de terra molhada e flores se sobressaem, no entanto, um odor distinto se propaga, não era natural, afinal, era atraente demais para ser uma dádiva da natureza. Então, Alisha grita em animação:
— Pizza!
A Hyd bateu as rédeas, seu cavalo relinchou e galopou com velocidade para a clareira que, em algum momento, se tornaria visível. Kauane gritou por ela e a seguiu, tentando impedi-la de chegar a seu destino, mas a garota parecia hipnotiza, tentada a chegar na origem do cheiro a qualquer custo. A clareira se fez visível, e nela havia um casebre, cujo cheiro saia pelas janelas, libertando o delicioso odor para atrair suas vítimas.
Quando o resto do grupo chegou, se organizaram para entrar. Quando estavam prontos e com armas em mãos, a porta da frente foi aberta, revelando uma jovem mulher de longos cabelos negros, trajando um vestido verde musgo. Seus olhos brilharam como duas esmeraldas, então, ela sorriu.
— Sejam bem vindos, bravos guerreiros. — o trio se entre olhou, então, os três pares de olhos caíram sobre a mulher, que não desfez seu sorriso gentil. — Por favor, entrem.
Ao acompanharem a mulher, encontraram Alisha sentada em uma poltrona de estampa florida, a garota estava tranquila, se alimentando de pizza e refrigerante, revirando os olhos a cada mordida. Sieron a observa espantado.
— O que ela está comendo? — a mulher revira os olhos, entediada. — Está envenenando ela!
— Não, ela está comendo algo chamado pizza, e bebendo um líquido colorido e cheio de gás chamado refrigerante, dois alimentos famosos em Hydarth.
Heilos se ajoelhou na frente da Hyd, balançando a mão na frente de seu rosto, esperando chamar-lhe a atenção. Entretanto, ela não pareceu o perceber
— Você a enfeitiçou. Ela não nos vê, nem nos ouve.
— Eu precisei. Mas relevem isso. — a feiticeira balança a mão, como se lançasse a situação para outro lugar. — Era o único jeito de atrai-los para cá. E fiquem tranquilos, não estou com Khoasang.
— Como posso ter certeza?
— Eu não fiz nada contra ela, ou contra vocês. Agora, por favor, nenhum de vocês tem grande domínio sobre a magia, portanto, não seria sábio me desafiarem.
Heilos deixou um rosnado selvagem escapar; a feiticeira se afastou, magia circulando suas mãos. Com isso, o guerreiro sorriu maldoso para ela, ao mesmo tempo em que se aproximava com sua espada em mãos.
— Está viagem está me deixando com um mal humor imenso, feiticeira. Melhor tirar a Hyd da hipnose, afinal, não seria sábio me desafiar.
A feiticeira fez uma careta de nojo, então recobrou a postura, era difícil prever o que ela viria a fazer, mas Kauane estava preparada com uma flecha apontada para a cabeça dela. Sem escolhas, a mulher cessou sua magia e Alisha saiu do transe, encontrando Sieron bebendo e comendo com ela. Ignorou seus companheiros e seu olhar percorreu todo o espaço, sentindo a quentura aconchegante do fogo baixo na lareira e o assento macio. Alisha sentiu-se bem, quase deixando de lado o fato de que foi hipnotizada, mas não fazia mal, afinal, ela estava em um lugar adequado para a morada, sentia-se acolhida e em casa.
— Estão vendo? Ela gosta daqui. — a feiticeira volta a sorrir e vai até a garota, se ajoelhando a sua frente. — Alisha, você é uma garota extremamente valiosa, possui um dom incrível que deve ser explorado.
— Por quem? Por você? — Alisha encara a feiticeira, então, sorri. — Prefiro que esse poder seja explorado primeira e unicamente por mim.
— Ótimo! Tenho um presente para você!
Todos pararam para olhar, no entanto, a feiticeira sorriu grande, deixando todos confusos. Ela levantou-se e seguiu para a estante cheia de elixis, pegando do topo uma pequena caixa de madeira, que tem animais entalhados por toda a sua extensão. A feiticeira, com seu longo vestido arrastando no chão, se dirigiu para a Hyd, entregando-lhe a caixa. Dentro dela havia uma pulseira, cujo pingente era um cristal branco, que brilha mesmo sem receber a luz do sol.
— É um cristal encantado por mim para garantir sua proteção. Ele impedirá que espíritos malignos tenham sucesso em tirar sua vida. — Alisha sorriu ao por a pulseira no braço, no entanto, foi cortada pela feiticeira quando foi lhe agradecer. — Porém, eu preciso de um favor em troca. É rápido e fácil para vocês, que estão familiarizados com tais atos.
Heilos a olha confuso.
— Espíritos?
— Sim, espiritos. Esta Hyd é especial. Ela possui o poder de interagir com os mortos que não se transformaram em Rionags, ou não foram levados por Mautke para Dunjoi. E então, por não saber controlar, ela é controlada por eles. — ela olha para Alisha — Estou errada, querida?
— Não senhora. — Alisha responde, um pouco tímida.
Sieron cruza os braços.
— O que quer, bruxa?
— Bruxa não, feiticeira. E eu quero o coração de um cervo branco. — ela diz, em suas mãos aparece uma folha de papel, onde havia desenhado a imagem de um cervo totalmente branco e olhos ferventes como fogo. — Ele é de uma espécie rara, do tipo que ataca outros animais. Preciso de seu coração para fazer poções, e de sua galhada para criar utensílios e amuletos. Eles gostam de rios e mata fechada. Ah, Se não conseguirem, sinto informar, mas a Hyd não sairá viva desta casa.
A feiticeira criou uma faca de pura magia, precionando a lâmina contra a garganta de Alisha, lhe fazendo um pequeno arranhão no pescoço, mas fundo o suficiente para que algumas gotas de sangue fossem vistas. Com a dor, a Hyd fez uma careta ao fechar um olho com força.
— Como estão com pressa para continuar a viagem, vocês têm até o meio da tarde para voltar com o meu pedido.
Heilos encarou a feiticeira nos olhos, que não mais se abalou sob seu olhar ameaçador. Então, aceitando a oferta, o guerreiro passou pela porta, montando o cavalo e batendo as rédeas, fazendo o cavalo cavalgar floresta a dentro, seguido por Kauane e Sieron, cada um em sua própria montaria.
Com um ar vitorioso, a feiticeira afastou a lâmina do pescoço da mais nova e a fez desaparecer. Alisha suspirou de alívio e levou as mãos ao pescoço, procurando pelo corte que lhe foi feito, entretanto, não havia mais nada. Sob o olhar confuso da garota, a mulher sorriu:
— Se acalme, foi apenas uma ilusão. Não te machuquei de verdade.
— E por acaso, era preciso?
— Sim, ou eles não iriam. E sim, o cristal é de verdade e irá protegê-la. — Alisha espantou-se, e a feiticeira levou a mão ao lado esquerdo do peito. — Eu juro, de todo o meu coração.
— De todo o seu coração?
Apesar de confusa, aquelas palavras ecoavam na mente de Alisha. Já havia as escutado anteriormente, ditas por alguma outra voz, afinal, eram familiares. Olhou para o próprio corpo, parando na pulseira em seu pulso, o peso do cristal era, de certa forma, reconfortante.
***
Distante da casa, os cavalos do trio de guerreiros trotavam, tendo os sons das ferraduras abafados pelo chão de terra molhada, deixando pegadas para trás. Kauane é a mais alerta, com o a flecha preparada no arco, observando de rabo de olho todo o ambiente a seu redor, em contrapartida, estava impaciente:
— Será que está perto?
— Está sim. Consigo sentir. — Sieron responde, com um sorriso orgulhoso nos lábios. — Bem aqui na minha barriga.
Com a declaração, Kauane desatou a rir, relaxando e deixando de puxar a corda do arco, que voltou para o lugar sob o comando de suas mãos.
— Deve ser o que você comeu na casa da bruxa, Sieron.
— Eu garanto que minha barriga sempre acerta nas previsões. — Ao vê-lo fazer a barriga de tambor, a nativa de Hydarth passa a rir mais. — Ela é minha companheira. Tão boa quanto o Raniel no quesito previsões. Além disso, ela faz sucesso em Drakkar.
— Como assim?
— Como Drakkar é localizada suspensa no ar, é natural que o tempo seja um tanto frio. Portanto, nós, os moradores, devemos ter uma estrutura mais rechonchuda para sobreviver às noites frias. Lá, a minha barriga do jeito que está, faz tanto sucesso quanto os corpos de guerreiros em Ophiocus. Além do mais, ponha eu e Heilos nas Cordilheiras e veremos qual de nós irá durar mais. Garanto que ganho de lavada.
— Ah. Claro. Com toda a certeza. — o sorriso estampado no rosto de Heilos era faminto. — Você seria um ótimo jeito de me alimentar.
Abruptamente, os cavalos pararam, com medo de algo. Kauane desmontou e retornou a posição de alerta, caminhando pela mata, abrindo caminho com a ponta da flecha, em direção ao som da água.
— Sieron, vá por trás. — ela disse, é assim ele fez.
A beira de um rio raso e corrente, havia um cervo, tudo nele era igual a qualquer outro macho da espécie, no entanto, sua tonalidade branca e sua grande galhada o tornavam único. Sua paz de espírito transbordava, alcançando a nativa que, por um único e passageiro instante, hesitou. Ela estreitou os olhos, mirando o lado esquerdo do peito do animal, que saciava a sede.
— Ele é lindo, majestoso. Eu não consigo mata-lo.
Heilos solta um som de desaprovação.
— É apenas um animal, Kauane. Atire.
— Certo.
Quando sua mão relaxou para largar a flecha e deixá-la cortar o ar, o cervo olhou por cima do ombro, seus olhos vermelhos encontraram os olhos castanhos de Kauane, que os sentiu queimar sobre o olhar penetrante do animal. Ela queria chorar, a dor ocular era forte, como se ela olhasse diretamente para uma lâmpada acesa. Precisou piscar várias vezes e esfregar os olhos para aliviar a sensação, em contrapartida, esse pequeno gesto foi o suficiente para que o cervo encontrasse uma abertura para fugir, saltando por cima do pequeno rio e correndo para a mata.
Com o bater das rédeas, o cavalo de Heilos passou a seguir o cervo, saltando as pedras e troncos de árvores caídas. O cervo era rápido, abrindo caminho com sua galhada, e o guerreiro tentava acerta-lo com sua espada. Imaginou que o animal iria fugir, até que é lançado no chão por um golpe forte e um pedaço de galho de árvore encravado como uma lança em suas costelas.
— Obrigado Sieron. — Heilos diz ao viking, que sai do meio do mato alongando os braços.
— Não há de quê.
O animal se contorcia no chão, grunhindo por ajuda. Ele tentava se erguer, mas a dor o obrigava a voltar para o chão. O coração de Kauane se apertou, mata-lo devia ser uma necessidade, não um capricho de uma feiticeira. Uma das criaturas mais majestosas que já viu, estava sentindo uma dor que não deveria sentir, estava prestes a perder a vida. Para terminar com seu sofrimento, a nativa puxou uma faca do cinto e ajoelhou-se ao lado do animal, levando a mão livre a seu focinho e o acariciando, recebendo um grunhido como resposta.
— Sinto muito, meu amigo. Tua vida devia ser simples, pastando e reproduzindo, para que sua espécie não chegue a extinção, no entanto, isso não ocorrerá pois uma feiticeira tinha um desejo, teu coração em troca da liberdade de nossa companheira. Eu Não queria vê-lo nesta situação, mas priorizamos nossos colegas. Agora, eu acabo com sua dor, para que seu corpo retorne a terra, e que sua essência possa correr eternamente por entre as estrelas. — Como se soubesse o que estava por vir, o cervo se acalmou e fechou os olhos. Kauane respirou fundo contendo as lágrimas e dei-lhe o golpe de misericórdia, arrancando-lhe a fonte de sua vida. — Obrigada pelo sacrifício.
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