Capítulo 7 - Lamentações ~ Parte 1
Na casa de Sieron, Alisha era a única acordada, afinal, os três mais velhos haviam bebido até o cair da noite. A casa era aconchegante, e o quarto era grande, a lareira mantinha todos aquecidos e a vontade. Inquieta, a Hyd passou a caminhar pela casa, que era enfeitada com machados, e cabeças e peles de animais selvagens eram ostentadas sem remorso. Em cima da lareira, havia uma prateleira de madeira bruta, que abrigava um retrato desenhado, onde havia o Sieron e outro viking.
Lembrou-se de conhecê-lo, era o irmão mais velho do lenhador, e o atual líder de Drakkar, no entanto, apesar de estar ocupado, ele estava presente no salão na hora do almoço e cumprimentou os amigos do irmão. Chama-se Dranka, ele consegue ser maior que Sieron, atingindo os dois metros e meio de altura. Além de ser tão grande e forte quanto o irmão mais novo, era tão intimidador quanto.
Alisha sorriu com o pensamento, seu coração havia se acalmado, estava passando a se acostumar com os povos de Daechya. Ela se dirigiu a estante, pegando os livros grossos de capa de couro e os abrindo para conhecer seu conteúdo. Em geral, eram livros sobre a história de Drakkar, e um deles mencionava aqueles conhecidos em Hydarth como "deuses nórdicos", no entanto, não eram deuses, apenas entidades poderosas que viveram, morreram e marcaram a história, tanto Hyd quando Dae.
Toda a estrutura estava fria pela chuva; a casa foi iluminada repentinamente, poucos segundos depois, o som de um trovão ecoou estrondoso, próximo o suficiente para Alisha assustar-se. Temendo que algo ocorresse, ela guardou o livro e voltou para o quarto, encontrando Heilos e Sieron dividindo uma cama, enquanto Kauane permanecia sozinha na cama que devia dividir com a Hyd. Ela sabia que seu medo era bobo, afinal, Sieron havia a assegurado que as moradas de Drakkar são construídas visando aguentar os dias de fúria da natureza. A casa se iluminou mais uma vez, no entanto, o raio, desta vez, havia sido atraído para a rua ao lado da casa, fazendo Alisha se deitar ao lado de Kauane e se cobrir até a cabeça, afinal, não fazia ideia se as tempestades de Daechya eram piores ou melhores que as de seu mundo.
Fechou os olhos, concentrando-se apenas no som da chuva. Sentiu-se tranquilizada, com isso, entrou em meditação profunda. Sua mente havia se esvaziado, primeiramente, ela se viu no castelo, revendo a cena da batalha de Zithar e do ferimento de Lancer; sentiu-se inútil, lembrando que ambos saíram feridos por terem a protegido, sendo o lanceiro o mais prejudicado. Em seguida, estava em um tipo de prédio antigo, atrelado a um vulcão ativo, cercado por um antigo campo, agora morto e alimentado por um rio de lava. A sua frente, na sacada quebrada, havia uma pessoa de pé, olhando a paisagem com um semblante triste. Ela não podia aproximar-se, e ele percebeu, por isso, olhou por cima do ombro. O rosto jovem estava banhado em lágrimas, ele era familiar e sofria por algo, seus lábios partidos se moveram devagar, dizendo algo sem proferir qualquer som, então, tudo foi tomado pelo branco, restando apenas o lilás do céu Dae.
Sentia-se voando pelo céu, na realidade, ela estava, literalmente, voando. Naquele momento, ela apenas aproveitou a sensação, ela havia, finalmente, encontrado uma gota de paz no oceano de tormentas. Logo, ela foi retirada do transe pelo som de asas batendo e, ao olhar mais para cima, viu duas imagens pouco nítidas, uma escarlate e a outra branca, voando em sincronia, dançando de forma graciosa por entre as nuvens, coloridas pelo por do sol. Era uma visão linda, suas cores se misturavam ao céu lilás e as cores de fogo, como um quadro feito com tinta aquarela. Um rugido familiar irrompeu, tão perto que quase estourou os tímpanos de Alisha, que precisou tampar os ouvidos para se proteger. As figuras se separaram, cada um fazendo uma acrobacia para trás e então, se dirigindo para Alisha. Ela não conseguiu se mexer, seus movimentos se tornaram impossíveis, tanto pelo medo quanto por algum bloqueio. A branca passou direto pela garota, fazendo a volta e confrontando o vulto escarlate, que se apresentava duas vezes mais forte que seu rival, portanto, conseguiu vencer o confronto e avançou em Alisha com suas asas batendo. O vulto tomou uma forma, e ela se viu frente a frente com uma grande mandíbula cheia de dentes. Ela gritou, aquela cena familiar a apavorou, então, simplesmente parou de flutuar quando os vultos desapareceram como fumaça no ar. A Hyd tentava agarrar em algo inexistente, seus gritos não podiam ser ouvidos e seu corpo estava se aproximando demais do chão.
Alisha despertou suando frio, seu grito saia de forma automática por pensar que ainda caia. Ela apenas parou quando sentiu mãos firmes a segurando, ao abrir os olhos, a primeira coisa que viu foi a barba ruiva de Sieron, então, sem pensar duas vezes, ela envolveu os braços em volta de seu pescoço, o abraçando visando se acalmar.
- Alisha, calma. - o viking retribuiu o abraço de forma apertada, batendo a mao calejada nas costas da Hyd de forma amigável, tentando conforta-la. No entanto, ela solta um resmungo, sentindo dor com esse simples gesto, que devia ser indolor. - Está tudo bem, já acabou.
- Cheguei! - Kauane entrou apressada no quarto, ela carregava um balde cheio de água quente. Logo, Heilos entra, com duas toalhas em mãos. - A água demorou de aquecer.
Eles se aproximaram, Sieron banhou uma das toalhas na água e torceu, tirando seu excesso. Ele obrigou Alisha a se deitar, então pôs uma toalha enrolada em sua testa, enquanto a outra, também banhada e torcida, foi posta aberta, cobrindo todo o seu corpo dolorido. Ela sentiu-se aquecida, uma onda de prazer invadiu seu corpo e, por tal motivo, não conseguiu conter um suspiro.
Sem mesmo perguntarem, Alisha começou a contar todo o seu sonho, ela não fazia ideia do que significava, nem entendia porque seu corpo continuou dolorido mesmo depois do fim da ilusão.
- Eu não quero mais ficar aqui! Eu quero ir pra casa!
Ela olhou ao redor, procurando sinais de que a tempestade ainda ocorria, no entanto, a luz do sol entrava com força pela janela, iluminando todo o quarto. Agora, nada parecia assustador, ela sentia-se mais segura ao olhar para os objetos no quarto naquele momento, afinal, não havia sombras para que sua visão fosse distorcida. Repentinamente, a Hyd lembrou-se de algo que ocorreu em sua infância, logo nos primeiros dias em que dormiu sozinha no quarto. O sentimento, naquela época, era de medo, afinal, ela pensou que o casaco pendurado atrás da porta fosse um alienígena a observando, mas agora, ela apenas sentia vontade de rir da situação.
- Alisha - Heilos afasta Sieron e traz a Hyd para perto, a olhando profundamente. -, você vai voltar pra casa, no entanto, só há uma forma. Khoasang tem o Kniga na palma da mão, e aquele livro é sua única chance. Se quiser voltar, vai ter de lutar ao nosso lado, como parte dos meus soldados. Por isso, não aceito que você se enfurne em um canto e comece a chorar como uma criança medrosa.
- Heilos, não seja tão duro com ela. - o guerreiro desviou a atenção para a fala de Kauane, que estava tranquila ao seu lado. - Lembre-se de que ela não é daqui, nunca precisou passar por isso. Lembre-se também que eu tive uma reação pior que a dela quando vocês me encontraram, uma nativa Hyd congelada por quatrocentos anos em uma fenda do espaço tempo. Além disso, vocês precisaram me ensinar sua língua nativa, o que demorou muito tempo. Por isso, se você teve paciência para lidar comigo, não precisa se preocupar em lidar com ela, não é mesmo?
Com isso, Heilos deixa um resmungo escapar e Sieron leva uma mão a barba, a acariciando de forma pensativa:
- Mas de qualquer forma, sendo ela mais fácil de lidar do que você, não podemos ficar passando a mão pela cabeça dela, ou a salvando sempre que estiver em perigo. Eu sugiro que comecemos a treina-la o mais rápido possível.
- Obrigado! Pelo menos, quando você põe a cabeça pra funcionar, sai algo que preste. - Heilos pega uma bolsa de couro, e a joga por cima do ombro. - Vamos, quanto mais tarde sairmos, menos iremos avançar.
Sem hesitar, todos concordaram. Sieron foi o primeiro a sair, indo para a ilha ao lado para pegar os cavalos, enquanto isso, Kauane ajudava Alisha a caminhar pelas ruas, que agora possuíam alguns buracos queimados no chão de pedra. A Hyd engoliu em seco, nunca havia visto um raio fazer tanto estrago, então, agradeceu mentalmente por ter permanecido em um local seguro durante a tempestade.
Milagrosamente, a ponte da ilha principal para a terra firme estava intacta, não houve problemas com a travessia, a estrutura nem ameaçou tremer sobre os passos do grupo ou os cascos dos cavalos. Havia um cavalo a mais, esse era um pouco maior e mais robusto que um cavalo comum, portanto, era mais resistente, forte o suficiente para carregar o corpo robusto de Sieron durante a jornada. O animal se apoiou nas patas traseiras para empinar e então relinchou, desencadeando a mesma atitude nos outros três cavalos, que estavam carregando suas bolsas repletas de suprimentos.
- Nós temos MESMO de atravessar isso? - Alisha diz, olhando a primeira ponte que atravessaram no dia anterior. Ela estava em situação pior por causa da tempestade. - Sabe, ela está parecendo que vai cair, principalmente se quatro pessoas e quatro cavalos carregados de comida atravessarem. Mas é só uma observação, nada demais.
Heilos suspirou.
- Sim, nós temos de atravessar. Mas não pense que gosto da ideia. Vamos atravessar um por um, para não sobrecarregar a ponte.
Como dito pelo guerreiro, o grupo atravessou a ponte um por um com seus cavalo, entretanto, por sentir medo, Alisha fez questão de atravessar por ultimo com Kauane, enquanto Sieron e Heilos as esperavam do outro lado, prontos para as ajudarem.
No céu, corvos voavam, circulando o grupo, como se fossem capazes de sentir a morte. Foi então, que uma das estacas, onde as cordas estavam amarradas, se soltou da terra, deixando a ponte inclinada e as garotas penduradas na madeiras, gritando por ajuda. Com o susto, Sieron agiu rápido, agarrando a estaca antes que fosse lançada para longe, com isso, conseguiu manter a ponte segura o suficiente para que as duas garotas não caíssem.
Os corvos se agitaram, todos começaram a grasnar em uníssono, para então voarem lado a lado, formando um corvo gigante, que desceu para Kauane e Alisha com um rasante. Ele era tão grande que suas garras eram capazes de perfurar a pele de um elefante; suas asas passavam dos dois metros de comprimento para sustentar seu corpo no ar e seus olhos negros ganharam um brilho sanguinário.
Kauane choramingou, se lamentando por não poder usar seu arco. Alisha gritou quando o corvo enrolou as garras em sua cintura, a arrancando da indígena, com isso os olhos de Heilos se clarearam em pura raiva. Sieron se firmou ao chão quando o guerreiro tomou seu machado, enquanto tentava manter a ponte firme para Kauane se levantar.
Kauane conseguiu se levantar, tirou o arco das costas e preparou uma flecha, fechando um dos olhos em seguida. Ela focou no corvo, vendo Alisha lutar contra o aperto das garras em sua cintura, fazendo penas voarem para todos os lados. Quando o animal ficou exposto, a flecha cortou o ar até atingir-lhe o coração. O corvo grasnou em desespero, suas asas bateram arduamente para tentar levá-lo embora, entretanto, seu corpo não aguentou o ferimento e caiu, cortando o ar e partindo galhos de árvores.
Heilos havia cronometrado o tempo e calculado a distância, por isso estava em cima da árvore certa e na hora certa para agarrar Alisha e cortar as patas do corvo com o machado, para que ele não a levasse consigo para a morte.
Kauane saiu da ponte para que Sieron pudesse soltar a estaca e viu o guerreiro e a Hyd em cima da árvore, ambos riam para descontrair.
- Cuidado! - o aviso foi dado tarde demais, ela viu o galho em que estavam se partir sobre o peso dos dois e os derrubar. Com o barulho, os cavalos se agitaram, e a responsabilidade de os acalmar ficou com o viking. - Eu avisei.
Kauane se aproximou do corvo abatido, evitando pisar no líquido gosmento que se espalhava pelo gramado e sujar suas botas. Com uma flecha, ela cutucava o corpo, analisando toda a sua estrutura física, então, subiu para o rosto, abrindo suas pálpebras e encarando seus olhos. Ela franziu o cenho, percebendo que os glóbulos oculares do animal continuavam vivos e penetrantes mesmo após sua morte, então, eles rolaram, a encarando com uma fúria quase humana.
Ela estava atônita, portanto, não se permitiu oscilar. Antes que ele pudesse reagir, Kauane usou duas flechas, a que estava na mão e a que havia atingido o peito do animal, e furou seus olhos, até às pontas atravessarem o crânio e atingirem a terra.
- Qual o veredicto? - Heilos se aproxima, Kauane toma o machado viking de sua mão e degola o corvo. - Pelo menos essa coisa horrenda está morta.
- Essa criatura é estupenda, repleta de peculiaridades. - Kauane diz, devolvendo o machado para Sieron e mostrando que, ao invés de sangue, um líquido negro e gosmento circulava por seu corpo. - Em momento algum foi um animal de verdade, é um tipo de marionete composta de misturas mortais, por isso não se aproximem, temo que seja venenoso, ou algo do tipo. Alisha, você está ferida?
- Não. Por mais que o aperto fosse forte, ele sequer me arranhou. Tinha a necessidade de me levar intacta...
- Temos de ir, e não revelem informação alguma, apenas digo que iremos fazer um desvio.- Heilos analisou a situação, rangendo os dentes de raiva, em contrapartida, já imaginava o que devia fazer. - Como eu disse no castelo, até as árvores ouvem.
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