Capítulo 5 - Mestre dos Magos e Oráculos ~ Parte 2

Alisha estava nervosa e não sabia o que olhar primeiro: a rainha neutra, as pessoas revoltadas ou o homem pronto para ser queimado. Todos pareciam desejar que a execução tivesse início, e as crianças que mal tinham noção do que estava acontecendo eram incentivadas pelos pais a jogarem alguma coisa no condenado.

Para Alisha, aquilo era totalmente novo apenar de ter visto a mesma cena várias vezes em filmes. Ela havia ouvido falar de tal punição nos livros de história, era algo muito praticado pela igreja para punir as bruxas, porém, também era cruel e injusto, afinal, muitos inocentes foram condenados a fogueira apenas por serem diferentes ou não seguirem os dogmas religiosos impostos na época.

Por um instante ela se imaginou no lugar daquele homem. Ela sabia que ele havia tirado a vida de uma pessoa inocente e que isso era imperdoável mesmo que tenha sido um terrível acidente, mas algo naquele caso a preocupava, aquele homem não parecia fora de si como anteriormente, não parecia ser nada além de um homem de bem que exercia seu ofício com maestria, o que podia tê-lo induzido a tal ação era um mistério para ela, por isso, prestou atenção no homem de cabelo negros e olhos bicolores que estava no lado contrário ao dela. Heilos trajava roupas pretas cobertas com um tipo de armadura de couro para o proteger dos mais simples golpes e o deixar leve o suficiente para contra atacar, aparentemente ele preferia se preocupar em ferir o oponente do que se proteger dos golpes desferidos contra ele, pode ser excesso de confiança, talvez? Lancer também estava ali, quieto ao lado de Heilos, segurando sua grande lança azul marinho presa diagonalmente em suas costas, e ele estava usando uma armadura de couro similar e que se mostrava mais apertada e resistente do que a do guerreiro a seu lado.

Guardas cercavam a praça para proteger as pessoas e bloquear qualquer ataque que fosse desferido do meio da multidão. Ao todo eram dez guardas camuflados e espalhados estrategicamente pela multidão e quatro expostos, um em cada extremidade do retângulo em que estavam, todos os quatorze soldados visíveis estavam preparados e armados para qualquer combate. Com tal esquema de segurança era quase impossível que alguém que desse valor a própria vida tomasse coragem o suficiente para atacar a realeza ou tentar um resgate de última hora, seria uma missão suicida que viria a fracassar em frente de toda a cidade.

Quando Damian conseguiu acalmar os ânimos exaltados da platéia, a ordem foi dada, uma tocha fora acesa e lançada na palha seca, que começou a queimar. O fogo começou fraco, mas logo foi ganhando força a medida que a palha era consumida ao ceder ao calor e se tornar cinzenta. A madeira encharcada de álcool, Whisky provavelmente, passou a queimar por inteiro, levantando uma cortina de fumaça que subia preta para o céu e impedia a plateia de ver com clareza o homem ser queimado, apenas os gritos ecoavam e os urubus eram espantados pelo cheiro de carne queimada. Sua pele queimou e se tornou vermelha, as queimaduras de terceiro grau pelos braços e ombros revelavam sua estrutura óssea, ele trincava o maxilar e fechava os olhos com força ao mesmo tempo em que gritava para aliviar a dor e, mesmo em carne viva, suas mãos se contorciam contra as amarras para tentar liberta-lo, porém, já havia sido comprovado que tal esforço era em vão.

Aquela cena despertou em sua mente inconveniente o que era retratado em filmes e jogos: centenas de pessoas sendo condenadas a queimarem até a morte nas fogueiras. Porém, nas mídias, era tudo mais leve, na vida real, era repugnante. O cheiro de carne queimada que era alastrado pelo vento invadiu suas narinas, ela quase pôde sentir como seria o gosto de comer aquilo e seu estômago começou a revirar. O cheiro era simplesmente repugnante!

Todos os presentes assistiam com naturalidade, algumas pessoas tinham um brilho de satisfação no olhar, a satisfação de ver um criminoso a menos para roubar comida e matar pessoas. No entanto, o estômago de Alisha estava um pandemônio! A comida ainda não digerida estava sendo mandada de volta para sua garganta juntamente com a água e o ácido estomacal, ela estava sentindo vontade de vomitar a cada camada de pele que se desprendia ou de carne que queimava. Ela fora obrigada a assistir àquela tortura até que não houvesse mais vida no corpo daquele homem, agora apenas havia restado carne queimada que continuaria a queimar até que sobrasse apenas uma pilha de ossos cinzentos.

Ao perceber que o ferreiro havia morrido, os cidadãos começaram a se dispersar para voltarem a seus afazeres. Damian e Zithar voltaram para dentro do castelo para terminarem os deveres da realeza e alguns soldados foram encarregados de limpar os restos do condenado ao mesmo tempo em que Marilyn segurou Alisha pela mão e correu para o banheiro a puxando, com isso, ambas se uniram para vomitar, a serva na pia e a Hyd no vaso sanitário.

* * *

Alisha retornava para seu quarto, algo a deixava preocupada, era como se a sensação da aura pesada causada pelo Kniga estivesse a perseguindo não importa onde fosse. Até agora, todos os seus planos para retornar para casa foram barrados pela preocupação do governante de Ophiocus, mas nada se comparava a frustração que sentia quando pensava no quanto Richard e Marla estavam preocupados com seu desaparecimento. Ela estava com saudade, ela sabia que já havia sentido isso quando pensava na sua mãe quase nunca presente, no entanto, não lembrava-se da última vez que pensou nela. A única coisa que a confortava além de saber que tinha alguém para se preocupar com ela do outro lado, era o fato de estar sendo bem tratada pela rainha, a mulher que sabia como permanecer impassível apesar de toda a sua doçura.

Seu quarto estava bem a sua frente, algo fez com que ela diminuísse a velocidade de seus passo até parar em frente a porta fechada. Ela queria entrar no quarto para se deitar, no entanto, permaneceu parada analisando todos os detalhes da porta, logo concluiu que a mesma era de madeira bruta de carvalho e era limpa impecavelmente quase todos os dias para evitar que poeira e teias de aranha fossem acumuladas pela superfície.

Ela sentia como se um monstro fosse saltar para cima dela assim que abrisse a porta. A tensão estava se alastrando a ponto de uma música de suspense começar a tocar na mente de Alisha, até que, subitamente, a música parou quando a sensação se dissipou. Instantaneamente a Hyd girou a maçaneta e abriu a porta, encontrando seu quarto totalmente revirado. As gavetas da cômoda estavam no chão, as roupas espalhadas, o colchão sem roupa de cama e as tolhas dentro da banheira. Por um instante ela gelou processando o ocorrido e no minuto seguinte estava revirando todos os tecidos procurando pela chave octogonal. Não havia mais nada.

Tomada pelo desespero Alisha saiu correndo do quarto para encontrar Damian e Zithar, no entanto, uma confusão havia começado silenciosamente no castelo e havia se agravado em uma velocidade impressionante. Não só os guardas, como também as armaduras vivas que protegem os corredores a noite, lutavam contra uma ameaça. Era um grande lagarto bípede, como os que a tapeçaria a obrigou a ver. Seus músculos super desenvolvidos eram facilmente a largura de quatro braços de Alisha; sua cauda era longa e poderosa; o focinho era pontudo como o de um crocodilo; as garras afiadas eram capazes de rasgar carne com um único golpe; seus dentes eram tão afiados quanto espadas de esgrima e sua língua comprida era capaz de se enrolar em um crânio e o puxar com facilidade para o fazer descer pela garganta larga.

O rugido da besta irrompeu pelos corredores, sacudindo as paredes e estourando os vitrais. Uma das armaduras olhou por cima do ombro diretamente para Alisha e seus olhos vazios brilharam, logo sua atenção se voltou para o Armyasenki a sua frente e avançou com seu Machado duplo. Como se tivesse entendido o que a armadura tentou dizer para Alisha (que não havia entendido a mensagem), a criatura desferiu um único e poderoso golpe com suas garras contra a armadura, que caiu sem sinal de "vida" e com o peitoral destroçado. Com a visão, a Hyd quase pôde ver perfeitamente o que teria acontecido se aquele golpe tivesse sido contra um corpo humano, e sua imaginação não havia sido piedosa quanto a isso, lhe causando mais um embrulho no estômago quando se pôs a correr para tentar fugir do perigo.

Suas rasteirinhas voaram para fora de seus pés quando ela sentiu que os calçados diminuíam a velocidade que usava para fugir pelos corredores conhecidos e desconhecidos pelos quais passava, sendo seguida pelo Armyasenki que se chocava com as paredes a cada curva e levava móveis e lustres ao chão. Durante a fuga improvisada, Alisha se bateu com alguém na esquina de um dos corredores, fazendo ambos os corpos irem ao chão.

Do corpo desconhecido, o Kniga e sua chave caíram. Antes que a pessoa, ou a besta, pudessem conseguir os dois, Alisha se agarrou a chave e voltou a correr, desta vez com ambos os inimigos em seu encalço. Algumas armaduras que ainda não haviam se envolvido em batalha tentaram ganhar tempo, mas foram massacradas pelo Armyasenki enquanto o ladrão saltava os membros metálicos espalhados pelo chão e continuava seu caminho atrás da Hyd.

Um vulto passou por Alisha e se pôs entre ela e seus perseguidores. No momento a única coisa que ela foi capaz de fazer foi, em sua mente, chamar de louco a pessoa que correu direto para o invasor, no entanto, ela não conseguiu proferir nada porque sua garganta pareceu se apertar para impedir que suas cordas vocais fizessem seu trabalho.

O tecido bege cobria todo o corpo daquela pessoa; o cabelo castanho, antes arrumado, estava desgrenhado e sem a tiara que revelava sua posição social; e em suas mãos, fogo azul dançava sem queimar sua pele. Sem hesitar o invasor sacou duas lâminas pequenas, eram facas e pareciam vivas e sedentas, prontas para matança.

- A rainha e a Hyd - um sorriso branco brilha no escuro do capuz negro do invasor. - , duas coelhas com uma única cajadada. Que raridade!

Como um vulto ele desapareceu. Zithar e Alisha se puseram de costas uma para a outra, ambas procurando algum sinal do agressor. Ele parecia ter desaparecido completamente, não havia pegadas ou sons, apenas as duas mulheres naquela parte do corredor cujo final levava diretamente para a sala do trono.

- Ele parece ter desaparecido, temos de nos juntar aos outros!

- Não! - Zithar responde quase de imediato. - Se sairmos seremos um alvo muito fácil. Ele poderá nos pegar desprevenidas e pelas costas. Essas pessoas não são do tipo que jogam limpo, trouxeram um Armyasenki para derrubar as armaduras e se aproveitaram da execução para se infiltrarem no castelo. Ainda não sabemos quantos são, mas tenho certeza que não é só ele, seria muito imprudente vir nos enfrentar sozinho, mesmo que seja um grande feiticeiro ou uma das experiências horrendas de Khoasang. Aconteça o que acontecer, temos de nos manter juntas e nessa posição para que uma proteja a retaguarda da outra, assim evitaremos um ataque mortal e poderei te proteger até alguém chegar com ajuda.

- Nossa, você não parece tão estrategista assim... Desculpa por julga-la em mente por sua posição.

- Zithar, rainha de Ophiocus, como sempre tão protetora. Será que proteger essa menina irá preencher o vazio que sente em seu coração? - memórias inundam a mente da rainha, inevitavelmente lágrimas começaram a rolar por seu rosto e a pingar no carpete. - Isso é normal, todos erram, inclusive você, por isso, não sinta-se culpada pelo tratado com o rei de Dragonstone não ter sido bem sucedido.

Zithar cogitava a ideia de ataca-lo, fazê-lo desaparecer perante sua magia, no entanto, não houve outra saída além de deter-se, ela estava disposta a se sacrificar, mas não podia arriscar a vida da jovem garota que estava ali. Mais uma vez ela pagaria o preço que a posição exigia, a coroa pesava cada vez mais em sua cabeça, dia após dia ela era obrigada a condenar e executar pessoas sob o Código de Hamurabi, analisar e assinar pergaminhos de importação, exportação e alianças, além de atender a parte da população que deseja falar diretamente com alguém no poder. Ela era o poder, quando seu coração parar de pulsar, Damian não conseguirá manter um reino dessa proporção sozinho e tudo o que conquistaram durante toda a vida não valeria de mais nada.

Quando o agressor apareceu preparado para atacar, uma muralha de fogo saiu do chão queimando tudo em seu caminho até o teto, impedindo sua investida. Zithar, naquele momento, percebeu que os ensinamentos que lhe foram passados na juventude estavam dando frutos, graças a isso conseguia manusear a magia sem muitas complicações e a defesa se tornou tão firme quanto um forte que recebia o impacto das ondas de um mar em fúria e, que mesmo assim, permanecia invicto.

Puxando de dentro de si seu poder, fazendo cada molécula do seu corpo vibrar ativando a energia da sua alma e a usando para criar as muralhas e lanças de fogo que eram usadas para contra o adversário. No entanto, a energia passou a se esgotar, suas defesas foram tão fragilizadas quanto uma represa repleta de rachaduras e seu corpo passou a desejar que ela caísse nos braços de Morfeu para que não acordasse por um longo período de tempo.

Com um grito de guerra a rainha estendeu suas mãos e usou todo o resto de seu poder para mudar o tipo de magia que estava usando, liberando agora um forte choque elétrico que poderia ser comparado a um trovão. Toda a eletricidade percorreu ambos os corredores e o homem fora incapaz de se defender da descarga, tendo seu corpo queimado. Alisha viu aquele corpo despencar no chão com um baque e o som da respiração ofegante de Zithar tomou conta daquele canto.

- Zithar, porque fez isso?!

- Eu... Jurei... Não deixar... Acontecer... - o estado da rainha era lamentável, metade do seu vestido havia sido queimado pela própria magia de fogo e seu cabelo estava totalmente desgrenhado, as ondulações haviam dado lugar a fios rebeldes e um coro cabeludo encharcado de suor. Ela se esforçava para puxar o oxigênio mesmo com um chiado apesar de seus pulmões não parecerem encher. Cedendo, suas pernas se curvaram e a deixaram de joelhos. - Nunca mais...

Alisha abaixou-se para ajudá-la, algo na mulher havia lhe chamado a atenção: a determinação em protegê-la mesmo a conhecendo a apenas poucos dias. Um gemido de fúria ecoou, a Hyd se desesperou ao ver o corpo do homem caído se erguer largando fumaça como se nada tivesse lhe acontecido, então, aquele brilho no olhar, o brilho insano de alguém disposto a esfolar uma pessoa viva.

Alisha estava sozinha, Zithar não tinha condições de se levantar para lutar, não havia ninguém e aquele homem olhava fixamente para a chave do livro em sua mão esquerda. Sem pensar, a Hyd fechou a mão em punho com força em volta da pequena caixa, desejava poder fazer algo para proteger a rainha e retribuir o favor.

Subitamente um vulto veio como um projétil guiado em direção ao agressor, seu braço foi perfurado e atravessado pela lâmina afiada que ficou presa a parede. Lancer se aproxima com as mãos nos bolsos e retira sua lança do inimigo depois de girar sua lâmina dentro da carne, proporcionando muita dor ao atingido.

- Suma daqui. - a voz do lanceiro ecoa firmemente apesar dos olhos inexpressivos. - Você não possui mais seu Armyasenki, está em desvantagem. Aproveite que estou de bom humor.

Levando a mão ao ombro ferido, o homem recua e sobe no batente da janela, pronto para sair. Lancer gira sua lança e caminha até às mulheres para ajudar sua rainha. Algo reflete no lustre - que milagrosamente restou inteiro mesmo que tenha ido ao chão -, uma lâmina fora atirada em direção ao lanceiro, que bloqueou o ataque com sua lança.

- Mudei de ideia, irei mata-lo

Empunhando sua lança, Lancer se posiciona deixando seu braço dominante recuado para dar mais força ao ataque. Impulsionando a lança balanceada ele preparou o lançamento, no entanto, seu adversário tirou de sua roupa algo pequeno que reluzia na luz do sol. Era metal, o gatilho fora pressionado com a boca do revólver apontando para a testa do lanceiro. Alisha sentiu o corpo paralisar com medo do que viria a seguir.

- LANCER!

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