Capítulo 5 - Mestre dos Magos e Oráculos
"Toc Tocs" em uma porta ecoaram, o guerreiro ignorava totalmente o som das batidas, para ele, a sagrada hora de dormir era o mais importante a ponto de ignorar uma missão de resgate.
No entanto, as batidas extremamente irritantes não paravam. Heilos grita abafado pelo travesseiro em que enfiava o rosto e pelo lençol que o cobria até a cabeça. Que tipo de idiota poderia estar o incomodando tão tarde da noite e logo na hora mais sagrada do dia? Coisas assim o deixavam irado. Ele sempre detestou ser acordado não importando o motivo, principalmente depois que foi nomeado um dos Generais das tropas de Ophiocus.
Mas era justo que ele dormisse, afinal, o mesmo passava o dia todo durante todos os dias da semana guiando os guardas, cuidando da segurança das muralhas e traçando estratégias de defesa que não envolvessem padrões, coisas que não são tão fáceis quanto parecem. Exigem muita concentração e cansam a mente, deixando Heilos com vontade de ouvir mais nada, apenas dormir por toda a noite. Mas sempre tem alguém para interromper a hora de dormir e todas as pessoas odeiam isso.
Quando finalmente Heilos estava voltando a dormir as batidas voltaram mais fortes. Isso o fez se levantar da cama e abrir a porta com violência, a fazendo bater na parede, rachando a maçaneta.
- E ai Heilos, estava dormindo? - o guerreiro olhava mortalmente para o lanceiro a sua frente, que estava acompanhado pela jovem Hyd invasora de mundos. Então ele notou no que Lancer falou, "e ai", uma expressão Hyd informal para falar com alguém, provavelmente a garota havia o ensinado enquanto conversavam, o sangue do guerreiro quase começou a ferver diante aquela situação - Pelo visto estava.
- O que vocês querem? Como se já não bastasse a gritaria de vocês, resolveram vir me acordar pessoalmente?
- Ele não está de bom humor. - Lancer sussurra, recebendo um "ah jura? Nem notei" na mesma altura da jovem a seu lado. - Legal... Heilos, se você nos escutar, eu faço todo o seu serviço por cinco dias. O que acha?
Instantes depois os dois visitantes estavam sentados no colchão enquanto o guerreiro caminhava de um lado a outro do cômodo, ele estava pensativo com uma mão como se segurasse o queixo. Que tipo de história poderia criar para que uma criança de outro mundo se passar por alguém deste? Era uma missão difícil, seria como apagar toda uma história e então ter de reescreve-la totalmente diferente em poucos minutos, inclusive no enredo em si. Porem, o que deixava esse trabalho pior, é que não havia inspiração ou prazer naquilo, apenas a vontade de ser deixado em paz para que pudesse voltar a dormir.
- Certo. Você é uma garota, camponesa para ser mais específico, e veio para a cidade com o intuito de comprar frutas frescas e usar suas sementes em sua plantação para poder viver da agricultura. No entanto, se encontra com Lancer, o filho do irmão de seu pai, e ele a convida a ficar na cidade por um tempo. Mas você simplesmente tem de desaparecer antes que o inverno chegue e você morra de fome. Pronto, ja criei a história, agora sumam do meu quarto e me deixem em paz! E... - Heilos se vira para Alisha. - Nada das suas expressões humanas informais. Diga uma delas e saberão que você não é desse mundo. Portanto, se houve algum espião de Khoasang por perto, sua vida não durará mais que algumas horas, e ele conseguirá o que deseja: dominar nossos mundos. Então preste atenção no que fala, com quem fala e onde fala, porque se duvidar, até as árvores podem revelar os seus segredos mais profundos.
Mesmo depois de todo o aviso, a garota apenas o olhou e disse:
- Cara, você precisa de terapia.
Lancer se pôs a rir e ao perceber o quanto seu parceiro se irritava a cada segundo que permanecia com eles, o sorriso desapareceu de forma instantânea.
- Vamos Alisha. Obrigado Heilos, até a próxima.
Com pressa o lanceiro saiu do quarto levando Alisha para outro lugar. Com isso Heilos suspirou voltando a ficar tranquilo e bateu a porta a trancando, então ele se lançou na cama e cobriu o rosto com o travesseiro para voltar a dormir, no entanto, o sono não veio.
- Maldição!
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Eles riam e corriam pelos corredores, tentando por o máximo de distância possível entre o quarto do guerreiro e seus corpos. Se pudessem evitar que uma espada voasse pela porta e acertasse suas costas, evitariam. Dentro de pouco tempo a dupla parou de correr e passou a andar recuperando o fôlego perdido durante a breve corrida que pareceu ser uma maratona.
- Foi legal, já tenho uma história falsa, gostei daqui e você é uma graça. - Alisha começa ainda ofegante. - Mas eu preciso ir embora.
- Porque quer ir embora? Você mesma disse que gostou. Não há motivos para ir embora.
- Lancer, eu tenho família e responsabilidades. Eu aposto que meu pai já ligou para a polícia me procurando e que já é dia de colégio. E se eu faltar eu não acompanho o assunto nem as atividades e irei tirar nota baixa nas avaliações, então ficarei em recuperação e perderei de ano porque meu pai nunca vai pagar aquele preço absurdo para que eu faça a recuperação final e passe de ano.
-... Me perdi assim que você chegou na parte em que seu pai ligou para alguém.
Os olhos e boca de Alisha se arregalaram, ela não acreditava que ele havia entendido tão pouca coisa do que lhe foi dito, mas então lembrou-se que era um mundo totalmente diferente do seu. Internamente ela estava desesperada. Havia deixado seu cachorro sozinho no quarto sem comida ou água, seu pai não fazia ideia do que lhe havia acontecido e ela nem havia mandado uma mensagem para Marla pelo menos para dizer "ei, estou sendo mandada para outro mundo, ficarei sem celular por tempo indeterminado".
- Alô alô marciano! Presta atenção! Meu pai vai comer meu couro quando eu chegar em casa!
- Ah sim... Bom, então você realmente está em uma enrascada.
- Ah jura? Mas não importa agora, já tô ferrada mesmo. Eu só quero ir para casa.
Diante a aflição da garota, Lancer suspira.
- Tudo bem. Pela manhã falaremos com o rei para que ele lhe devolva o livro.
- Pela manhã? Vai demorar muito!
- Não vai não. - ele percebe o olhar entediado de Alisha. - Talvez seja, para você apenas.
- Fica comigo? Eu não tenho nada para fazer, nem ninguém para conversar.
Um sorriso convencido surgiu nos lábios do lanceiro, ele sabia que ninguém conseguia resistir a sua companhia. Durante toda a noite Alisha e Lancer permaneceram juntos, ela aproveitava cada segundo da noite para poder ir embora pela manhã sem remorsos.
O primeiro lugar no qual visitaram foi a cozinha do castelo. As grandes caixas frias, popularmente conhecidas como geladeiras, abrigavam grande variedade de alimentos, bebidas e sobremesas dos quais a dupla se deliciou até seus estômagos estarem tão cheios que nem líquido poderia ser ingerido sem sacrifício.
Em seguida ambos se arriscaram a sair do castelo. As flores do jardim eram ainda mais belas iluminadas pelo luar, porém, a grande Torre do Relógio tornava todo o lugar obscuro, suas gárgulas pareciam famintas, ansiosas para devorar a alma daqueles que ousam invadir a cidade. Algumas tinham bocas aberta deixando os afiados dentes de pedra a mostra enquanto as outras tinham um brilho sombrio no olhar, vigiando tudo e todos.
Alisha engoliu em seco. Novamente aquelas gárgulas pareciam segui-la com o olhar e ela não conseguia afastar a sensação ruim de impotência que elas lhe davam. Lancer parece ter percebido a tensão da garota, então a afastou dos arredores do castelo e as ruas da cidade se tornaram suas novas opções de caminho.
A dupla caminhou por muitas ruas antes de retornar ao castelo logo pela manhã, quando alguns dos moradores saiam de suas casas e iam para suas barracas renovar o estoque de vegetais que havia nelas, o que estava bom permanecia a venda, mas os estragados iam direto para o lixo onde eram pegos por algumas senhoras para fazer adubo para as plantas de suas casas.
A maioria dos serviçais do castelo já estava a postos preparando o café da manhã e o almoço da realeza, que logo iria para a mesa juntamente a Alisha. Alguns guardas haviam voltado a circular pelos corredores como no dia anterior, usando suas armaduras de couro e mantendo suas espadas em suas bainhas.
Foi então que ela entendeu, a noite os guardas eram dispensados para que pudessem descansar e então eram substituídos por armaduras vazias que se mexiam sozinhas e obedeciam ordens. E pensar alguns dias atrás ela não acreditaria que tal coisa existisse.
Lembrando-se de seu objetivo principal ela correu pelos corredores usando as tapeçarias das quais se lembrava para se guiar, conseguindo alcançar a grande sala de jantar cuja mesa era novamente limpa pelos hábeis servos, todos ocupados demais para dar alguma informação sobre a localização da rainha.
Milagrosamente uma das servas falou com ela, era a mesma serva que a guiou para aquela sala noite passada, só então Alisha descobriu que aquela moça que sempre trajava um vestido de qualquer tom azul chamava-se Marylin. A informação foi bem passada e a gentil mulher se ofereceu para mostrar para a visitante o salão em que Zithar estava, em contrapartida, Alisha não poderia entrar por ser um lugar sagrado, era o salão de orações a Maharpayã do castelo e apenas a família real e aqueles permitidos podiam entrar naquele espaço. Ela lhe informou que se alguém de outro mundo principalmente que culta outro ser superior não podia entrar ali, que seria um ultraje a grande serpente que, de forma benevolente, concedia aos dignos seu poder e capacidade de enxergar a verdade. É, estou ferrada. Só me esperar que a rainha saia para falar comigo. Depois de prometer a Marylin que não entraria, começou a pensar. Eu posso muito bem falar com Zithar e pedir a ela que entre em contato com o rei para que ele arranje um jeito de me mandar para casa ainda hoje.
Quando a conversa chegou ao fim a mesa já estava pronta e todos os servos estavam posicionados em locais diferentes da sala e as portas foram abertas, Zithar e Damian entraram e se sentaram a mesa. Com um sorriso a rainha a convida como a outra vez e Alisha se senta a seu lado.
- Como passou a noite, depois do ocorrido?
Alisha percebe que ela se referia ao fato de ela ter saído de seu quarto e fugido de armaduras vivas através de magia ou espíritos serviçais.
- Passei bem. Lancer foi gentil comigo e me mostrou todo o castelo... - ela percebe o olhar de Damian como quem quisesse confirmação do que foi dito. - menos as áreas proibidas, é claro.
- Você me parece desconfortável. O que gostaria de compartilhar conosco?
- Eu tenho um pedido. - Zithar a observava com um olhar amável e gentil, era literalmente impossível resistir a vontade de desabafar com aquela mulher. O casal a observava esperando que ela continuasse. - Eu quero o livro de volta, para eu poder voltar para casa.
O silêncio se instaurou a mesa. Zithar parecia compreender bem a situação a jovem, a contrário de seu marido, que assumiu um semblante preocupado e pensativo. Ele parecia observar com cautela todos os prós e contras de entregar o Kniga a jovem Hyd. Felizmente Zithar tomou a frente do assunto interrompendo Damian assim que ele abriu a boca para falar
- Claro que podemos, afinal, a família é algo valioso que não deve ser perdido de jeito nenhum. No entanto, será perigoso para você e quem estiver a seu redor. Por isso, iremos providenciar um dos nossos guerreiros para acompanhá-la em sua aventura.
- Calma meu amor, calma. Primeiramente temos de pensar em como mandá-la de volta e, se conseguirmos, teremos de encontrar um guerreiro disponível para cuidar dela, afinal, não podemos deixar o livro vulnerável.
- Sim, é claro. — Zithar concorda com o marido. — Mas de um jeito ou de outro, Alisha voltará sã e salva para seu lar, e cuidaremos para que seus familiares não tenham memórias do seu desaparecimento.
- Espera, vocês podem fazer isso? - Alisha interfere desejando uma resposta direta - Apagar as memórias de alguém fácil assim?
- Podemos sim - a Hyd passa a prestar atenção ao que o rei tinha a dizer. -, porém, não é fácil. Qualquer erro poderia não apenas apagar o acontecimento, mas também apagar você da vida deles. Por tal motivo precisamos de um mestre feiticeiro totalmente capaz.
- Entendo. Sinto muito por incomodá-lo com isso...
- Não sinta. - ele diz voltando o olhar para o servo que chegou com uma bandeja cheia de cartas lacradas - É normal se preocupar com a família e o lar.
Durante todo o café da manhã Alisha se manteve quieta para não atrapalhar o trabalho que o rei adiantava a mesa, eram muitos pergaminhos para serem lidos e cartas para serem carimbadas e lacradas com o selo real de Ophiocus, o interessante é que, apesar de tudo estar escrito em uma língua que se ela não soubesse que era diferente diria que é japonês, ela estava sendo capaz de ler e interpretar tudo que podia ver daquela extremidade da mesa. Aparentemente os pergaminhos eram relatórios sobre a situação daquela cidade e as cartas eram dos governantes de outros reinos provavelmente distantes, nada muito relevante naquele momento, nada falava sobre o livro dito "amaldiçoado", a garota de outro mundo ou uma pessoa desconhecida e aleatória tentando encontrar o livro e outra pessoa que "sumiu do mapa" misteriosamente anos atrás.
Tudo estava sendo tratado com naturalidade. Talvez porque ninguém tenha sido avisado sobre o que realmente está acontecendo, ou por pura ignorância e sigilo? Era difícil saber.
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Durante toda a manhã Alisha foi acompanhada pela serva Marylin, sobre a qual ela descobriu ser a serva pessoal do rei, ela simplesmente fazia tudo o que ele mandava não importando o momento que fosse ou o referente assunto. Ela sempre o atendia e recebia um quarto no castelo e comida à mesa em troca, do mesmo jeito que todos os outros servos.
Aquele lugar era de fato incrível, capaz de dar para Alisha uma era medieval com tecnologias que usam e usaram magia como propulsor, não era apenas uma fantasia criada pela imaginação humana como o senso comum diz, era algo totalmente real.
Quem diria que Stephen Hawking e Hartle estavam certos ao dizer que o Big Bang não originou apenas um universo? A garota ali presente estava sendo a prova viva que era possível viajar de um universo para o outro sem haver efeitos colaterais aparentes, ela poderia descrever toda a experiência em um livro ou então mostrar ao público que isso era capaz. Aquela poderia ser sua chance de subir na vida, precisava apenas escrever uma matéria e torcer para ser aceita pelos cientistas. Com isso, poderia dar a sua família a boa vida que sempre sonharam e lutaram para um dia ter. Ela sorriu diante os devaneios. Marylin não fazia ideia do que estava fazendo a Hyd sorrir, mas sentiu-se contagiada a iluminar seu rosto com um sorriso.
Ambas passaram bons minutos conversando até a hora do almoço, porém, esse momento não ocorreu como devia. Guardas chegaram arrastando um homem de pele branca amarelada de forma suave e corpo robusto de quem faz trabalho que exige grande esforço braçal durante várias horas por todos os dias, mãos e pés calejados e cicatrizes de queimaduras pela pele. Suas roupas eram largas e sujas de terra e fuligem, porém, haviam respingos de sangue e suas mãos grandes estavam sujas de carmesim e terra.
Alisha pode ver o olhar triste de Zithar, ela aparentemente conhecia aquele homem e parecia saber o destino que lhe aguardava, então, a rainha deixou a sala do trono rapidamente assim que seu olhar se cruzou com a face do homem, que parecia possuído por algum tipo de espírito animalesco ou maligno.
Damian suspirou e deu a palavra ao guarda que tinha em mãos uma adaga suja de sangue. O relatório consistia em uma descrição detalhada de todo o ocorrido, aquele ferreiro havia sacrificado o seu assistente para um ritual a muito tempo proibido, Alisha não entendeu o nome do tal ritual mas estava disposta a procurar sobre isso depois. A sentença foi clara sem precisar que o homem acusado levantasse a voz para se pronunciar em sua própria defesa, ocorreria a morte em praça pública para que todos pudessem ver a carne maligna ser destruída e o espírito purificado pela Grande Serpente, Maharpayã.
Com isso, o homem fora arrastado para o lado de fora do castelo e amarrado a um mastro de madeira que possuía palha seca ao redor.
Logo a multidão curiosa começou a se aglomerar. Velhos, homens, jovens, mulheres e crianças pararam para saber do que aquele homem fora condenado. Então, Damian começou a discursar sobre o relatório, e ao ouvir o nome estranho do ritual todos começaram a vaiar o homem e a jogar nele as primeiras coisas que viram pela frente: pedras, frutas e verduras podres e terra.
- Fique do nosso lado. - Alisha olha para o lado e percebe estar entre Zithar e Marylin, que estavam com as expressões impassíveis. - Não faça nem um som, não demonstre piedade, medo ou descontentamento, ou então será julgada por todos no futuro. Notícias se espalham com o vento.
Alisha engoliu em seco.
- Sim, senhora.
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