Capitulo 3 - Efeitos

Alisha pegou o livro e o pôs dentro da bolsa junto com seu material escolar. Já tinha em mente uma ideia do que faria para se livrar dele e do que ele provavelmente a trouxe.

Dentro do carro, o livro fez com que o clima ficasse pesado, Alisha não queria fechar os olhos, tinha medo de retornar ao pesadelo e não acordar mais.

- Filha, hoje não posso te buscar na escola. Recebemos um pedido de vinte pizzas para hoje a noite e ainda estamos na metade do pedido e... - Alisha o interrompe.

- Você ficou responsável por terminar. Eu sei e não tem problema, eu pego um Uber.

- Estarei te esperando para me ajudar. Agora vá estudar, boa aula, qualquer coisa me liga que eu pego o carro e venho na hora.

— Tudo bem. E tome cuidado na estrada e na cozinha. Te amo.

Eles se despediram com um abraço e Alisha entrou no colégio ao mesmo tempo que o sinal tocou indicando o início das aulas. Ela foi rapidamente para o segundo andar subindo de dois em dois os degraus da escada. Não havia mais nenhum aluno ou professor circulando, estavam todos em suas devidas salas, alguns ainda conversando e outros em aula. Para o azar de Alisha, a primeira aula era a de física, cujo professor começava a copiar o assunto no quadro antes mesmo dos alunos entrarem na sala e darem "bom dia" a ele.

Ela abriu a porta com pressa, seu coração trabalhando duro para bombear o sangue, os pulmões exigindo que o ar fosse inspirado constantemente, o suor começando a molhar sua testa mesmo que suavemente.

- Professor — Todos os presentes olharam para ela, Marla sorriu e acenou alegremente para a garota na porta. — , posso entrar?

- A senhorita está atrasada.

- "Quale fessor". So estou três minutos atrasada e o limite é cinco.

- Tudo bem, pode entrar. Mas saiba que estou quase no final do capítulo.

Com isso, Alisha entrou e se dirigiu para seu lugar na cadeira ao lado da de Marla.  Não é culpa minha você consegue ensinar um capítulo inteiro em um minuto.

Ao se sentar, ela deixou a mochila no chão e se encostou na parede com os olhos voltando a pesar. O sono queria domina-la, arrasta-la de volta ao pesadelo. Não poderia se permitir adormecer, não enquanto não se livrasse do provável causador de seu sonho perturbador.

- Alisha. Qual foi o "babado"? Você está morrendo de sono, seus olhos estão vermelhos parecendo que jogaram spray de pimenta neles. - Marla pergunta a observando minuciosamente, Alisha a Olha cansada. - Foi pra balada com quem? Me conte tudo!

- Não fui para balada nenhuma. A única companhia que tive foi Lucky. — no entanto, sua amiga nao aceitou essa explicação tão simples para seu estado. — Promete não rir se eu te contar o que realmente aconteceu?

- Prometo. - Marla responde convicta.

Alisha suspira e começa a falar baixo:

- Estou assim porque eu tive um pesadelo. Mal consegui dormir.

- Foi só um pesadelo? Quale, todos sabem que Não é realidade nem vai se tornar. - Marla responde, mais alto do que deveria, atiçando a curiosidade dos alunos mais próximos, que passaram a olhar as duas.

- Fala baixo miséria! Isso é pra ficar entre nós!

- Desculpe.

— E vocês, estão olhando o que?

Os colegas de classe voltaram a olhar pra frente e prestar a atenção na aula quando o professor de física lhes chamou a atenção por estarem se sentando de forma incorreta em suas cadeiras.

- Bom, continuando. Havia um dragão que devorou Lucky e incendiou minha casa, meu pai havia sido assassinado enquanto dormia e eu também fui assassinada, mas pelas costas e por uma garra de caranguejo gigante. - Marla estava quieta, prestando atenção a cada mínimo detalhe para não deixar que nada lhe escapasse. - Eu sei que foi apenas um sonho ruim, mas sinto que não foi aleatório ou sem algum propósito.

- Sabe o que eu acho? Você deveria ter tentado fazer carinho no focinho do dragão e ficar com ele no lugar do cachorro.

Alisha estreitou os olhos assim que sua amiga começara a rir do próprio comentário.

- Sério que você OUSOU dizer isso?

- Me desculpe. É que você melhorou meu dia com essa história. - ela finge enxugar lágrimas inexistentes.

- Isso não tem graça alguma Marla!

- Agora é serio. Para de ler tantos livros sobre essas coisas. Um dragão não vai brotar do chão só pra comer seu cachorro. Acho que ele faria isso por carne bovina, mas não canina.

- Não falo mais com você.

- Já acabaram mocinhas? - a voz do professor assustou as duas jovens, que o olharam no mesmo instante.

Elas respondem em uníssono.

- Foi mau.

- Não quero mais as duas conversando na minha aula. Na próxima, ambas sairão da sala e terão o nome escrito no caderno azul.

Marla e Alisha se entre-olharam e não se falaram mais durante as aulas que se seguiram, justamente para evitar reclamações no Caderno de Acompanhamento, o "caderninho azul", e ter alguns décimos retirados da nota de comportamento.

O tempo continuava a correr sem indícios de pausas, assim se passou as duas aulas de física e as duas de literatura. Faltava apenas alguns minutos para o sinal tocar marcando o fim da aula e início do intervalo.

Todos saíram da sala e foram comprar suas refeições, mas Alisha nunca sentiu fome a esse horário. Porque comer no colégio enquanto seu pai é um pizzaiolo e sempre deixa pizza que acabou de sair do forno para a filha?

Por sorte, nada estava anormal, todos comiam e se divertiam. Todos eram rostos conhecidos, com exceção dos três que estavam no topo da escada que leva para o andar do auditório. Alisha nunca havia os visto antes, talvez fossem alunos ou funcionários novos?Não. Não seria possível, eles não estão fardados.

- Alisha, ta olhando pra onde? - Marla pergunta, trazendo Alisha de volta a realidade.

Com apenas um piscar, as três pessoas misteriosas haviam desaparecido, e ninguém ao redor notou sua presença ou sumiço, nem os alunos do terceiro ano que normalmente ficam sentados e conversando naquela escada.

- Eu pensei ter visto alguém. Mas foi apenas um engano.

- Ih. Você tá muito estranha. - Marla começa. - Aposto que não é só por causa do pesadelo. Vamos, dezembuche logo. Sou sua amiga e guardo os mais variados segredos.

Marla sorriu orgulhosa de si mesma com as mãos na cintura, seus cabelos crespos estavam arrumados em um penteado Black e sua pele morena brilhava por causa do hidratante com aroma de Jasmim que ela nunca deixa de usar. Alisha riu e puxou Marla consigo para debaixo da escada:

- Claro que eu sei disso, em falar nisso, se lembra daquele meu segredo?

- Aquele segredo que deve continuar segredo até que você diga que não é mais segredo e eu possa gritar pra todo mundo o quando é incrível e finalmente deixar de ser segredo? - ela fala baixo, sabia o quanto era importante omitir a informação o máximo possível. — É esse o segredo?

Alisha suspira, às vezes a mania de Marla de repetir uma palavra várias vezes em uma única frase a irritava, porém, ela sempre tentava não lhe dar uma lição de gramática para não ser vista como uma amiga estraga-prazer.

- Esse mesmo. Eu vi três deles em cima da escada.

- Espera. Como você viu três aqui, se o colégio não tem histórico de mortes e você mesma disse que nunca viu nenhum antes?

- Eu não sei, mas podem ser espíritos malignos ou não. - a voz de Alisha estava baixa, revelando em seu tom para a amiga tudo o que ela nao pode revelar aos outros e muito menos para os fantasmas, ela pode se comunicar com as almas daqueles que não puderam descansar. E se essas almas descobrirem que ela sente medo, usarão seu medo como um meio para  controla-la e  atingir a liberdade, ou conseguir possuir um corpo vivo, ou seja, a própria Alisha Poderia ser possuída. - Há várias opções. Pode ter ocorrido mortes em algum lugar próximo ou no terreno antes da construção do colégio, eles terem se escondido, e várias outras coisas. Difícil saber.

- O que pretende fazer?

- O que sempre fiz, ignorar.

Marla encarou Alisha por alguns instantes, deixando a amiga desconcertada perante seu olhar penetrante naquela situação. O descontentamento era claro nos olhos da morena, ela sempre incentivou Alisha a nao temer e resistir às presenças fantasmagóricas que viviam a atormentando quando descobriam que a mesma podia os ver e ouvir claramente. Não aceitaria que ela se pusesse em perigo porque estava ignorando o chamado das almas, principalmente das malignas.

- Você sabe que não pode simplesmente ignorar. Vai que um deles te possui? Não tenho dinheiro para chamar um exorcista. Isso é caro! - Alisha Não pode deixar de rir da indagação da amiga que a olhou seria. - estou falando sério! Eu não trabalho e meus pais não vão pagar nada.

- Não se incomode com isso. Não vou ser possuída.

Um sorriso caloroso surgiu no rosto de Alisha, quando se trata de esconder o medo e a hesitação ela é profissional, sempre agradecendo mentalmente por não ter nascido na Idade Média, onde pessoas com essas habilidades eram acusadas de bruxaria e pacto com demônios e condenados a forca ou a fogueira.
Não gostava de pensar o quanto era horrível sentir seu pescoço se deslocando, ou seu corpo sendo queimado lentamente pelas chamas que a cercavam sem que pudesse fazer nada para impedir além de gritar a plenos pulmões para tentar aliviar a dor.

Ela finalmente pôs um ponto final na conversa, alegando precisar ir ao banheiro para tirar a calça jeans e vestir o short de educação física - que era horrível por sinal - para a aula que teria início logo após o término do intervalo.

O banheiro feminino se localizava no final do corredor. O corredor era pequeno e dava apenas para duas pessoas passarem lado a lado; no final dele havia a porta que era aberta apenas pelos funcionários de limpeza, a sala que guarda os produtos químicos; do lado direito havia a porta que levava para o lastimável banheiro masculino (destruído pelos próprios alunos) e em frente a porta do banheiro masculino havia a porta do banheiro feminino.

Ao entrar Alisha percebeu estar sozinha, então recordou-se que nenhuma menina utilizava o banheiro por causa dos garotos que espiavam pela fechadura da porta que sempre aparece quebrada "do nada".

Para se trocar ela se fechou dentro de um dos boxes, mas se sentia observada apesar de estar praticamente trancada naquela pequena caixa, o que a fez acelerar o processo de troca de roupa.
Ao sair ela estava com a calça dobradas nas mãos com o cinto enrolado por dentro do tecido para não cair.

Ela precisou parar para molhar o rosto e afastar o sono para poder acompanhar completamente as aulas sem estar quase dormindo em pé, sentada ou encostada na parede ou alguém. Quando levantou o olhar e encarou o espelho, ela viu o próprio reflexo.

- Estou com uma cara horrível. - ela tocou sua pele, analisando as manchas pretas das olheiras visíveis com estranheza. Ela suspira descontente. - Mas que coisa! Parece que não durmo a dias. Não deveria estar assim... Quando eu chegar em casa vou é dormir com tudo apagado e a porta bem trancada, quero ver alguém me acordar cedo no sábado.

Ela pegou suas vestes e ameaçou se virar. Um som se batidas agudas vieram do vidro como se alguém pedisse para entrar. Então seu olhar retornou para o espelho e ali estava seu reflexo, batendo no vidro com um sorriso insano nos lábios.
Alisha foi apressada para a porta e puxou para abrir, no entanto, para seu descontentamento, ela não abriu.

- EI! QUEM FOI O PALHAÇO QUE TRANCOU A PORTA?! - ela gritava forçando a porta e batendo nela com o punho fechado, tentando chamar o máximo de atenção possível. Ninguém atendeu mesmo com o som das batidas ecoando pelos corredores- ALGUÉM ABRA AQUI!

- Ah Alisha, Não aprendeu nada com o sonho? - seu reflexo se distorce, se tornando uma das Essências Vitais que ela viu em cima da escada, uma mulher com o pescoço torto para o lado direito e olhos suavemente esbugalhados. Um sorriso amarelo tomou conta do rosto do espírito - Ninguém te ouve, ninguém te vê, ninguém sabe o que acontece a você. Nem sua querida amiga, Marla.

Alisha parou de gritar e olhou para a mulher no espelho, os olhos de ambas se encontrando ferozmente, a viva e a morta frente a frente.

- Então não foi apenas um sonho...

- É tão tola que não chegou a tal conclusão sozinha. Grite mais, seu medo me fortalece.

A viva estreita os olhos:

- Eu não tenho medo de vocês. - Alisha começa, forçando sua voz firme para esconder seu medo. - Mortos não matam vivos, demônios o fazem. E vocês não são demônios. Além disso, duvido que existam.

O espírito aumentou seu sorriso:

- Não ponha tanta fé em suas palavras de auto ilusão, elas não passam de mentiras reconfortantes.

A lâmpada do banheiro apagou, nenhum fio de luz atravessava os cantos da porta, banhando todo o cômodo em uma escuridão aparentemente infinita.

Alisha tentou ascender a luz, apertava o interruptor o ligando e desligando várias vezes para tentar forçar o retorno da iluminação, no entanto, com o liga e desliga, a lâmpada estourou espalhando pequenos cacos de.vidro pelo chão. Ah ótimo, sem luz e sem saída. Quanta sorte a minha. O suor frio começou a molha-la na testa, mãos e pescoço. Ela pensou ter ouvido o rosnado bestial do dragão atrás de si quando tentou se libertar. Ela sentiu em sua nuca o familiar sopro quente do bufo do dragão, ela não ousou se mexer e mesmo assim parecia ficar mais quente. Entretanto, a porta do banheiro finalmente foi aberta quando ela pensou que seu fim seria aquele.

- Alisha, o que aconteceu? Porque não está em aula? - era a senhora responsável pela limpeza do banheiro feminino, conhecida como Tia Nill por todos os alunos. Ela estava com um balde cheio de água e sabão em uma mão e na outra a vassoura de piaçava que usa para esfregar o chão. Percebendo que a garota a sua frente tremia abraçando a vestimenta com força, ela deixou tudo de lado e foi a seu socorro. - Você está fria. Venha, vou lhe dar um cházinho.

A única coisa que Alisha conseguiu fazer foi assentir positivamente. A gentil senhora a levou para a sala dos professores agora vazia e a sentou no sofá, lhe servindo o chá quente de erva doce em um copo plástico.

- A aula de educação física já começou, porque não foi participar?

- Eu fui me trocar para ir a aula, mas me senti observada e a luz do banheiro se apagou. Eu não conseguia abrir a porta, deve ter emperrado. E eu, bom.... Tenho medo de escuro. - ela encolhe os ombros e abaixa o olhar enquanto dava um gole no chá.

- Ah minha querida. Fique aqui e me espere. Irei dar um jeito na luz do banheiro. - Tia Nill voltou para o banheiro e Alisha suspirou.

Que bom que sei mentir. Ela pensa e da mais um gole no chá, apreciando seu sabor doce.

A adolescente se sentia revigorada. O líquido quente descendo pela sua garganta esquentou todo o seu corpo de uma forma tranquilizante, a enchendo com uma misteriosa sensação de paz repentina.

Por um instante ela parou e observou o líquido, pensando se podia haver algum feitiço de bem estar ou uma droga tranquilizante. Lembrou-se do sabor, era o mesmo de qualquer chá de erva doce, so que bem mais doce e delicioso por causa do adoçante, de acordo com a Tia Nill. Havia decidido, estava paranóica com o assunto magia e iria parar de ler ou assistir qualquer coisa relacionada a ele.

Naquele momento, Nill retorna chamando a atenção de Alisha.

— Minha querida, tem certeza do que aconteceu? Não há nada com a porta do banheiro, e a luz esta em perfeito funcionamento.

Com a notícia, Alisha quase engasga com a própria saliva e engole em seco, encarando a senhora a sua frente. Como pode tudo estar em perfeito estado depois de ver com clareza a lâmpada explodindo ao se apagar? Que fantasma desgraçado.

— Bom, então deve ter sido coisa da minha cabeça, sabe? Acho que foi por causa do filme de terror que assisti de madrugada e minha mente resolveu me pregar peças. — ela ri nervosa e sorri. — Desculpe-me por preocupa-la, nao foi minha intenção.

— Tudo bem. Bom, de qualquer forma, irei olhar para ver se ela não está próxima de piscar. E você, nada de filmes de terror mocinha. Já está ficando paranóica. Agora vá para sua aula.

Ela assentiu e se dirigiu para sua sala. O Retorno para a sala de aula foi um pouco perturbado, o professor não queria que ela entrasse porque estava muito atrasada, então houve uma discussão entre ele e Nill, que conseguiu o fazer permitir que a garota a assistisse a aula.

Alisha não havia se recuperado completamente do susto que levou no banheiro, e para esconder ela se permitiu ficar calada durante o resto das aulas mesmo que Marla puxasse conversa e duvidasse que a mesma estivesse bem.

Aquelas aulas se passaram lentamente, nenhum aluno suportava mais ficar calado ou no colégio. Era do anseio de todos que a última aula chegasse logo ao fim para poderem ir para suas casas almoçar, dormir ou jogar videogame.

Subitamente, o sinal da liberdade soou. O alarme do ensino médio havia finalmente tocado o horário alto o suficiente para que todos os professores ouvissem e dissessem as palavras mágicas que os alunos tanto esperam: "Estão liberados".
Não havia restado ninguém em sala após tais palavras, assim como nos dias que se passaram.

Marla se apressou para alcançar Alisha na passarela, ela mexia distraída no celular chamando um Uber, então tocou o ombro da amiga para lhe chamar a atenção.

- O que aconteceu? - os olhos de Alisha carregavam uma tristeza que Marla não compreendia. - Porque está calada e me evitando?

- Eu tenho motivos. Mas saiba que você é minha amiga, e eu nunca deixarei que algo de ruim lhe aconteça.

Um vulto jazia ao lado de Marla, mas apenas Alisha podia ver o que se escondia na sombra da garota. O que viu a fez encher seus pulmões para não proferir palavras de ódio e sua amiga pensar que é com ela.

- Alisha, o que foi?

"Nao deixaria que nada a acontecesse, não é, Alisha?"

- Marla, afaste-se.

- De onde? - Marla a Olha confusa, mas já reconhecendo o olhar de Alisha, o olhar de quem vê o que não deseja. - Onde está?

A pergunta de Marla fora respondida com sua amiga lhe agarrando o pulso com firmeza no mesmo instante em que sentiu sua mochila ser puxada com uma força sobrenatural para a jogar na estrada cuja passarela passava por cima, a obrigando a ir junto.

Com um grito de pavor a morena segurou-se em Alisha com força e tentou se equilibrar enquanto o espírito continuava a puxa-la para baixo, onde os veículos passavam rápido pela estrada sem sinaleira ou quebra-molas.

- ALISHAAAA!

- Não solte! - o olhar de medo estava estampado no rosto que sempre sorriu, Alisha odiou mais ainda o espírito por isso.

- PRA QUE EU VOU SOLTAR SE NÃO QUERO MORRER SUA ENERGÚMENA?!?! - Marla grita em desespero.

O medo de Marla alimentava a alma que puxava cada vez com mais força, tendo o objetivo de derrubar as duas amigas para serem atropeladas. No entanto, Alisha sentiu alguém abraça-la por trás e subitamente foi puxada com força, trazendo Marla consigo, fazendo ambas caírem no concreto da passarela.

- Vocês estão bem?

A voz era tão familiar que Alisha olhou por cima do ombro, vendo ali a pessoa com quem iria falar pelo telefone assim que estivesse dentro do Uber.

- Sr. Mingzhi? - a confusão era facilmente vista em Alisha. - O que faz aqui?

- Senti que algo ruim lhe aconteceria. Então resolvi vir para tirar minhas próprias conclusões, aparentemente cheguei em... Boa hora, por assim dizer.

- Como soube onde me encontrar?

Mingzhi a olhou gentilmente e sorriu brincalhão:

- Quando começou a trabalhar em minha loja, Você disse que estudava aqui.

Alisha o olhou estupefata, ela não lembrava do fato. Como poderia ele, que é seis décadas mais velho que ela, lembrar-se com tanta clareza? Muito Omega-3 talvez?

- Muito obrigada, senhor. - Marla recuperava o oxigênio. Ela olha pra Alisha, o pavor se transformando em raiva. - Que viagem foi aquela "véi"? Que fantasminha sacana! Não dava pra ser mais como o Gasparzinho?!

- Também gostaria que fossem como o Gasparzinho, mas não são.

- Uma alma sendo agressiva dessa forma? Normalmente não fazem isso a céu aberto. - Mingzhi se pronuncia surpreso pelo relatório prévio que recebeu acidentalmente.

Apesar de furiosa, Marla ainda estava pasma com a tentativa de assassinato, foi a primeira vez que tentaram mata-la, e a primeira vez que fora atacada por um espírito. Era tudo tão novo para ela que parecia que desconhecia o fato de sua amiga poder vê-los.

Mingzhi volta a falar.

- Marla vá para casa, é mais seguro que esteja longe de Alisha, por hora. E Alisha... Para onde você iria?

- Para o trabalho de meu pai. Prometi a mim mesma que iria o ajudar com algumas coisas por lá, em troca de pizza sabe?

Mingzhi pensava em todas as possibilidades capazes de se tornarem realidade após ter visto o que viu, uma Essência Vital atacando as duas amigas publicamente em pleno dia. "Uma forma de enfraquecer Alisha talvez?"," Porque?", "Qual o próximo passo é mais seguro para ela?", Era o que o velho chinês tentava decifrar.

Os longos anos vividos o tornaram um sábio, disso não haviam dúvidas, mas estava longe de ser possuidor de todo o conhecimento do mundo, não é possível se aprender cem porcento do que existe e nao existe, pois o universo modifica-se constantemente com ou sem a interferência humana.

O Uber que Alisha chamou minutos antes finalmente chegou e parou no ponto de ônibus, que é onde fica o final da passarela. Incapaz de opinar, Alisha entrou no veículo com Sr. Mingzhi e então foram levados para a pizzaria Pizza la Pizza com vista para o mar e a casa do farol. A jovem desembarcou e o senhor aproveitou que estava no Uber para ser levado de volta a sua loja e pagar as duas viagens.

A pizzaria não estava com todas as mesas ocupadas pelo simples motivo de que a essa hora a maioria das pessoas trabalham, mas era certo de que a noite estaria lotado e quando chegassem em casa, Richard dormiria rapidamente deixando Alisha sozinha.

O garçom andava agilmente entre as mesas pegando os pedidos habilmente, a caixa atendia os clientes que estavam prestes a sair e os outros estão na cozinha. Pela porta de funcionários ela entra na cozinha e encontra todos trabalhando com os ingredientes para as pizzas e um forno a lenha. O cheiro de massa invadia suas narinas a deixando cada vez mais faminta.

Haviam muitos armários e prateleiras. Nas prateleiras ficavam os potes de azeitonas, ervilhas, milhos e algumas garrafas de bebidas alcoólicas para os sabores da casa. Nós armários ficavam os não perecíveis, e em suas bancadas metálicas lisas untadas com farinha, a massa era moldada para então ser recheada e mandada para o forno.

Também havia uma porta metálica que guardava um grande freezer, onde as carnes são devidamente guardadas para não estragarem.

Ela deixou a mochila de lado e vestiu um avental para ajudar Richard com as pizzas que devem ser devoradas a noite. O tempo passa sem que a garota perceba, todas as pizzas estavam prontas e emanando um cheiro delicioso.

Como recompensa, Richard deu uma pizza média para a filha, que se escondeu em um canto para comer tudo sozinha com refrigerante para haver mais sucesso em extinguir sua fome.

Quando Alisha terminou seu jantar, Richard não estava mais na cozinha e o forno a lenha estava ligado, o fogo crepitando baixo lutando para não apagar.

- Pai? - ela chama, mas não há resposta.

A atmosfera se torna tensa novamente, o olhar de Alisha trava em sua mochila e seu corpo se dirige a ela. Dentro da mochila estava o livro, a garota o olhou com ódio e o pegou em mãos, observando sua intocada fechadura octogonal. No couro da capa em volta da fechadura estava totalmente arranhado das muitas tentativas que fizeram para forçar a abertura do livro aparentemente anos atrás. Mas ali estava a estrela de oito pontas, brilhando invicta sem sequer um arranhão, amassado ou mancha, como se uma inquebrável barreira invisível a protegesse de toda e qualquer coisa do mundo exterior.

- Você parece bem resistente... - Alisha indaga com os dentes cerrados. - Resista a isso então!

Ela ergueu o livro no ar com a intenção de joga-lo no forno, no entanto, alguém chutou suas costas a fazendo bater a cabeça nos tijolos do forno a lenha e largar o livro, que escorregou pelo piso para longe dela.

Com a mão no local do impacto Alisha olhou para trás e viu uma massa de ar distorcida como aquela sombra que atacou Marla, estava se movendo em direção ao livro, subitamente para e o ergue no ar. Ao tocar o livro, a massa de ar começa a ganhar uma forma mais reconhecível.

Era um homem. Ou talvez um adolescente? Não era tão claro quanto gostaria que fosse, seu rosto estava coberto de sangue seco apesar de seu corpo estar inteiramente molhado e sua pele podre estava descascando em alguns lugares deixando a primeira camada de carne a mostra. Sua perna esquerda era pendurada apenas pela carne da parte debaixo da cocha tornando visível os músculos e ossos do joelho.

Alisha sentiu vontade de vomitar enquanto olhava a figura. Apesar de se comover por alguém ter uma morte como essa, não deixava de ser nojento o jeito que aquela pessoa ficou.

O fantasma encarou a garota com seus olhos vazios e passou a ir em sua direção com passos lentos como se quisesse evitar que sua perna caísse.

Se Alisha não tivesse o conhecimento de ser uma Essência Vital, sairia correndo e gritando "Apocalipse Zumbi" para que os presentes corressem por suas vidas.

O espírito parecia desejar falar alguma coisa, entretanto, de sua boca saiam apenas água e burburinhos. Provavelmente o último som que o mesmo pôde fazer antes de perecer nas profundezas.

Ao perceber que nenhuma palavra era proferida, o espírito levou a mão a carne exposta de sua cocha e afundou o dedo nela, fazendo um buraco que jorrava sangue podre e pastoso.

Com o cheiro Alisha se sentiu obrigada a tampar o nariz e a boca para controlar a enorme vontade de vomitar.

Ao perceber que o fantasma escrevia na parede com seu sangue, Alisha se pôs a ler.

"Não há como escapar. Você está cercada, como um mergulhador em um mar de tubarões. "


Um sorriso maldoso cresce em seu rosto e seu olhar sai da garota para os utensílios de cozinha que estavam em cima do balcão de cozinha, que começaram a tremer.

Percebendo as intenções, Alisha se levantou e correu para a porta. A maçaneta girava mas a tranca não abriu, como ocorrido no colégio.

Como uma explosão, todos os armários se abriram e os utensílios de cozinha começaram a voar de um lado para o outro como se um tornado estivesse levando tudo com seu vento.

Para se proteger Alisha entrou em um dos armários de chão, fechou a porta e continuou a segurar para a pequena porta quadrada não ser atirada longe.

Quando os sons cessaram a garota saiu do armário e deu de cara com uma enorme bagunça. Facas presas nas paredes, panelas no chão, garrafas de bebida alcoólicas e azeitonas quebradas e o chão encharcado. Poucas garrafas e potes sobreviveram ao se chocarem com o chão.

O espírito levou a mão ao forno cujo fogo crepitava fraco e jogou um carvão em brasa em cima do álcool que fora derramado. Rapidamente o fogo se iniciou e se espalhou por todo o líquido.

- SEU SACANA! - Alisha grita em fúria com os punhos cerrados. - ESPERO QUE TUBARÕES FANTASMA TE COMAM! CACETE!

Alisha correu para a porta do freezer e tentou a forçar a abrir pois estava trancada. O metal jazia tão frio quanto gelo, como se todo o gelo que guardava o deixasse congelado.

O calor tendia a aumentar enquanto o fogo se alastra continuamente e o espaço seguro a se tornar quase nulo.

- Que merda!

Ela tirou o avental e o jogou por cima do álcool criando do um pequeno caminho entre o fogo, que começava a derreter o plástico. Assim Alisha engoliu em seco e saltou em direção ao fantasma, agarrando o livro e o jogando dentro do forno.

Quando o afogado avançou para resgatar o livro, Alisha pegou uma das garrafas de bebida alcoólica sobrevivente e a lançou na lenha, atiçando o fogo o fazendo explodir e consumir todo o livro. O couro e as folhas queimaram lentamente, produzindo uma fumaça peculiar de coloração vermelha e roxa. Em seguida houve uma onda de energia que atingiu tudo naquela sala, mandando Alisha para o chão com a força do impacto.

Tudo havia desaparecido permitindo que a cozinha retornasse a sua normalidade. O fogo, o livro, o espírito, tudo de anormal havia desaparecido em um piscar de olhos.

- O que diabos aconteceu? - Alisha ouve e olha para a porta , dando de cara com um Richard entrando na cozinha com uma expressão preocupada ao ver a filha caída no chão. - O que você fez?

- Eu cai.

Ela riu nervosa e seu pai balançou a cabeça para os lados levando a mão ao rosto com um estalo leve.

- Você não tem jeito.

- Realmente não tenho. Agora junte suas coisas que eu estou desesperada para ir para casa.

Após terminar de cumprimentar seus colegas de trabalho com tamanha demora que fez Alisha o arrastar para fora, Richard a levou para casa, onde foram recebidos calorosamente pelo pequeno canino que nao deixava de balançar a cauda em alegria.

Sua higiene não fora deixada de lado, apenas adiantada. Ja relaxada ela vestiu sua camisola azul celeste e se deitou na cama. Lucky saltou no colchão deitando ao lado de sua dona e recebendo nos pelos o seu carinho até ambos adormecerem.

Uma chama verde toma a escuridão.

Um insano sorriso brilhando em branco.

Uma cachoeira vermelha como sangue.

Gritos de dor ecoam ao longe.

Alisha desperta sobressaltada. Sua respiração estava descompassada e sua visão a fazia ver tudo em um movimento circular, só então concluiu que lhe faltara oxigênio por um longo período apenas por perceber que o sol começara a nascer ao longe.

— Eu fiquei sem respirar a noite toda? Como é possível? — piscou várias vezes para conseguir focar sua visão enquanto as engrenagens começavam a girar em perfeita sincronia dentro de sua cabeça. Seus olhos circularam pelo quarto escuro e ela ofegou com o desespero da revelação. — Não não não! Que merda!

Com um salto da cama Alisha  calça os chinelos que estavam encostados na parede e se dirige a mesa de computador, encontrando ali o livro que havia jogado no fogo. O mesmo estava invicto, não havia nenhum vestígio que indicasse que fora queimado até as cinzas pelo forno a lenha. 

— Que macumba é essa "véi"? Eu queimei isso!

"Abra" — a jovem ouve um sussurro em sua mente e a caixa octogonal que Alisha deixou de lado se materializou devagar ao lado do grande livro. — "Você deve fazê-lo"

Uma vontade incontrolável de abrir o livro a dominou. Suas mãos agarraram a pequena caixa e seu indicador direito tocou o minúsculo botão fazendo com que as oito pontas fossem estendidas transformando a caixinha em uma estrela.

O controle que Alisha tinha sobre seu corpo se esvaiu por completo.

A chave fora encaixada e girada.

Houve um estalo e as quatro barras metálicas se desprenderam da fechadura que era fixa no couro.

Ao abrir o livro, não havia nada além de folhas lisas prontas para serem escritas.

Como se soubesse que havia algo, ela começa a folhear as páginas com rapidez ate alcançar a primeira de todas.

Nela havia algo escrito em letra cursiva. Era um antigo feitiço aparentemente gravado em eras passadas. Uma relíquia desconhecida jazia em suas mãos. A herança em forma de grimório deixada para a sociedade descrente em acontecimentos sobrenaturais da atualidade.

Sem rodeio, ela se pôs a ler com tanta precisão que nem parecia a mesma pessoa:

dee kêí veg.

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