1.Rua Cornélia e um amor de mil cortes

Taylor Swift disse que dizer adeus é uma morte de mil cortes. Eu discordo. Enxugar as lágrimas de despedida não doeu tanto quanto encarar essa Polaroid amassada, esquecida em um dos meus cadernos de poesia. Um caderno recheado de versos sublimes, rimas com seu nome e a palavra amor em vários idiomas. Poemas sobre nós, sobre seus olhos singulares, suas mãos grandes, seu cabelo camaleão e aquele sorriso retangular único. Um caderno velho, com capa de couro, presente de uma amiga que prezo muito. Um caderno recheado de você, e nem é só pela fotografia que passo pelos dedos encarando a parede cinzenta do meu apartamento.

Amá-lo dói tanto, porque você não está aqui agora. Tudo que me resta é essa Polaroid amassada e olhos em brasa. me lembrando de nossos momentos naquela rua que passou a ser um local proibido para mim. Amá-lo é uma morte de mil cortes. Sangro todos os dias ao me lembrar de seus olhos cortantes, sorriso bonito e lábios de coração que já percorreram cada extremidade do meu corpo. Taehyung, dói demais amar você pelo simples fato de eu ainda amá-lo.

Eu ainda te amo, droga.

Mesmo depois daquela despedida fria e dolorosa, mesmo após a promessa de nunca mais voltar. Mesmo após os trezentos e sessenta e cinco dias sem ter qualquer notícia sua, eu ainda te amo. Achava que não, que tinha superado, disse à todos os meus amigos que você é uma página virada, mas cá estou eu. Segurando sua fotografia que amassei em um momento de fúria, mas que não tive coragem de jogar fora e a escondi em um dos meus cadernos. E, ao encarar seu cabelo castanho escorrido, lhe tampando o rosto que percebi o quanto sou idiota, o quanto ainda sou completamente apaixonada. Achei que poderia superar, achei que seria fácil, mas não é. Trezentos e sessenta e cinco dias de uma desilusão amorosa que talvez seja impossível esquecer.

Impossível esquecer todos os nossos momentos, em especial o retratado nessa fotografia pequena. Me lembro de admirar como seus dedos pareciam conhecer cada nota do violão, como seus lábios se repuxavam em um sorriso ao atingir a melodia desejada e em como parecia ainda mais lindo escondido atrás daquela pequena cortina acastanhada que lhe cobria o rosto. Ah, Tae, você estava tão lindo de uma forma tão espontânea que não resisti e eternizei aquele momento. Te eternizei tocando aquele violão com a minha câmera instantânea e a minha caneta brilhosa que me deu de presente de aniversário. Escrevi um conto sobre um garoto bonito que tocava em um barzinho e nunca se separava de seu violão negro. Porque, assim que te vi segurar aquele instrumento, percebi como ele combinava com você. Na minha opinião não deveriam se separar.

Mas vocês se separaram, assim como nós.

Quando deixei aquela casa, ele ficou lá, no cantinho da galeria, seu cômodo favorito. O violão ficou exatamente onde você o deixou pela última vez, com uma promessa silenciosa de que iria voltar para pegá-lo e tocar alguma coisa coerente que não fosse um mix de acordes desconexos. Mas você só voltou para pegar o restante das suas roupas e sua réplica da Noite Estrelada que pendurou na galeria. Seus olhos gélidos nem mesmo fitaram o instrumento esquecido no cantinho do cômodo, seus dedos longínquos apenas agarraram a alça da mala e abandonaram a cópia da chave da casa sobre a mesa de centro.

Você apenas se foi, Tae.

Deixou eu e aquele violão para trás.

Você nem se quer olhou uma última vez para o que estava deixando. Nenhuma única vez. Percorreu seu caminho convicto, seguro de si e irredutível. Doeu te ver partir, assim como doeu deixar aquela casa com todas as nossas lembranças. Doeu tanto que jurei nunca mais ir à Rua Cornélia, mas não foi uma morte de mil cortes. Não doeu tanto quanto agora, na constatação de que eu ainda te amo, no saber que talvez eu nunca te esqueça e nem consiga voltar àquela rua novamente.

Como poderia? Como poderia andar por aquela rua sem sua companhia? Como poderia pisar naquela calçada sem ter você e seus sorrisos direcionados às árvores bonitas que sempre nos faziam sombra? Como poderia passar por aquela casa que já foi nosso refúgio particular e hoje é só mais um imóvel dentre tantos de lá?

Eu não poderia. Nunca.

Quando o proprietário vendeu a casa, ele me ligou para falar sobre o violão. Avisou que eu havia o esquecido lá e que deveria pegar. Mas como poderia, Tae? Eu não esqueci. Apenas fiz como fez comigo e o deixei. Não conseguiria encarar aquele instrumento e sempre me lembrar de você e todas as vezes que tentou tocá-lo. Então apenas disse ao David que era um objeto sem importância e que ele poderia fazer o que bem entendesse com aquilo.

E nem isso doeu tanto, Taehyung.

Nem isso doeu tanto quanto encarar essa sua fotografia amassada.

Me desfazer de você não doeu tanto quanto te amar. Porque esse amor que sinto, esse amor que venero, que permanece vivo por trezentos e sessenta e cinco dias afinco, é um amor de mil cortes. Algo pior que a morte, algo mais dolor e sofrido, algo intenso, algo lindo, algo ruim. Te amar me entorpece, me deixa fora de mim, me faz chorar de rir e rir de chorar.

Eu sinto sua falta, Tae.

Por isso estou agora dentro do meu SUV Chevrolet preto, aquele que você me ajudou a escolher porque disse que combinaria com a casa da Rua Cornélia. E de fato combinou, me lembro do seu sorriso largo quando estacionei na garagem ao dizer que ele ficou perfeito ali. Me lembro de admirar as ruguinhas dos cantinhos dos seus olhos de lua minguante e desejar que nunca te perdesse.

Pois eu nunca conseguiria voltar à Rua Cornélia novamente.

Então aqui estou, um ano depois daquela despedida dirigindo sem rumo pelas ruas de Nova York com sua foto amassada no banco ao meu lado. Pensando agora, nosso fim foi tão... normal. Nós tínhamos grandes planos, você dizia ser um amor épico, que duraria o resto de nossas vidas, que nossa história deveria se tornar um filme. Mas esqueceu disso tudo ao dizer uma única palavra:

"Cansei."

Foi o que disse seguido de um suspiro profundo, e somente essa única palavra foi o suficiente para desencadear uma sequência de discussões que nunca terminavam, que nunca terminavam bem. Desistiu de mim como se eu fosse uma droga ruim, um vinho barato que se arrependeu de comprar ao experimentar. Se cansou dos meus dramas, como você próprio costumava dizer. Se cansou da minha falta de paciência, do meu leve egocentrismo e até da casa da Rua Cornélia.

Você simplesmente se cansou de mim.

Até você, Taehyung. Até você que pensei que seria diferente, que não fugiria como os outros, que provaria a todos que eu valia sim a pena. Mas você não fez isso, só... desistiu. Talvez por isso ainda amá-lo dói tanto, talvez por isso esse amor seja de mil cortes, pois me rasga o peito me lembrar de seus olhos naturalmente afiados me cortando a alma naquela despedida. Tenho negado há muito tempo, tenho fingido para mim e para todos muito bem como te superei. Menti tanto que até mesmo eu comecei a acreditar, mas eu também cansei, Tae. Cansei de fingir que tudo está bem quando não está. Cansei de mascarar meu amor, minha dor e minhas lágrimas. Agora elas caem sem parar e não consigo mais controlá-las.

Paro no sinal vermelho aos soluços, pergunto ao semáforo se tudo irá ficar bem e ele responde que não sabe. Isso tudo é tão triste, tão dramático, tão... eu. Talvez você tenha razão, Tae. Sou mesmo a rainha do drama. Mas mesmo assim, não deveria ter ido, não deveria ter desistido assim tão rápido. Deveria ter ficado mais, aprendido tocar aquele violão ou somente olhado para trás naquele dia que foi embora. Pois assim veria meus olhos chuvosos, minha expressão arrependida e talvez ganhasse um pedido de desculpas verbalizado. Mas você não olhou, não me procurou mais, você se foi.

Me diga, consegue passar pela Rua Cornélia sem sentir nada? E aquela sua camiseta manchada de café que eu derrubei no nosso primeiro encontro? Ainda a tem? Você disse que nunca se livraria dela, disse que sempre se lembraria de como um desastre tinha nos unido. Por que isso parece tão distante agora? Por que sinto que para você sou somente uma página virada, um jogo dos muitos que enjoou? Por que sinto que talvez você não me ame mais? Mas mesmo se ama, do que adianta agora, não é? Não há o que possa ser feito, nossa história terminou, você colocou um ponto final quando virou as costas para mim sem nem olhar para trás.

Acabou.

A casa ainda é a mesma vista de fora, ainda tem a mesma cor estranha que não consigo definir, algo entre cinza e marrom. Ainda são as mesmas janelas que sei que têm uma visão linda vista de cima, que serviu como plano de fundo para uma fotografia nossa que você carregava em um colar no pescoço. A árvore da frente que você chamava de amiga está tão linda quanto antes. Com folhas verdinhas, galhos altos e um tronco forte. A casa ainda faz jus ao apelido que demos, ainda parece que saiu de um conto de fadas, ou um filme de terror. Você sempre ria quando dizia isso, dizia que eu tinha que decidir se gostava ou não do imóvel. Mas óbvio que gostava, óbvio que gostaria de qualquer lugar que você estivesse nele.

O toque do celular me desperta do meu transi. Nem sei o que faço nessa rua, jurei que não voltaria mais, achava que não conseguiria nem ao menos passar por ela, mas aqui estou. Encarando a casa que um dia foi nosso refúgio, desejando que esses sentimentos sejam vomitados para fora de mim e fiquem aqui ao seu local de origem. Quero deixar de amá-lo, quero poder passar por essa rua sem sentir o coração doer e não chorar quando ver seu rosto em uma fotografia velha. Quero apagar você de mim, Taehyung. Quero ter paz.

O celular continua tocando e me obrigo a vasculhar minha bolsa a procura desse objeto barulhento que me tira o sossego. Porém, quando vejo a sequência de números familiares, hesito. É você. Apesar de ter apagado seu número, eu ainda me lembro dele. Conheço esses vários noves em uma sequência só e os últimos quatro números que por conhecidência é a data do seu aniversário. Queria não atender, querido. Queria poder desligar o celular e continuar aqui lamentando sozinha, mas a curiosidade é maior. Por que está me ligando a essa hora da noite depois de um ano sem nenhuma notícia? Por isso atendi, em silêncio, com medo da minha voz me denunciar.

"Oi..."

Diz tímido, sua voz aveludada me arranca arrepios e permaneço calada. Tenho medo de proferir qualquer coisa e minha voz fanha entregar que passei horas a fio chorando.

"Desculpa ligar assim de repente, eu... eu só queria conversar."

Por que, Taehyung? Bem quando oro para ter paz, quando desejo me ver livre do seu fantasma, você volta. Por quê? Por que ainda me atormenta? Não já fez o suficiente? Não já faz o suficiente? Me recuso ainda a dizer qualquer coisa, mas também não desligo. Sou uma vergonha e uma confusão.

"Andei pensando, Jana... Talvez eu tenha sido muito duro com você. Nós... Podemos conversar?"

Queria gritar que não, queria desligar e dirigir de volta para casa. Mas não faço nada disso, permaneço em silêncio e suspiro algumas vezes. O que quer de mim afinal, Taehyung Kim? O que pretende me ligando a essa hora em plena quarta-feira?

"Sim."

Minha voz não me denuncia como pensei que faria, mas ainda sim é estranha. Sinto a garganta arder e os olhos lagrimejarem novamente. De novo não, por favor. Escuto seu silêncio do outro lado da linha, enquanto traço rotas na minha cabeça de como me portar diante de você.

"Onde você está? Eu vou até você."

Suspiro, encarando a construção mal iluminada pelos postes amarelados da rua e apoio minha cabeça no volante do carro sendo invadida por inúmeras lembranças nossas bem aqui nessa rua, dentro desse carro.

"No Castelo."

Fecho os olhos, me sentindo entorpecida ao escutar seu silêncio do outro lado da linha e posso jurar que ouvi um suspiro, igual aqueles que dava ao admirar as estrelas ao som dos seus jazz.

"No nosso Castelo?"

Abro os olhos, encarando os riscos do painel do carro. Como eu fiz isso mesmo? Parece que transportei um gato selvagem aqui, nunca tinha notado. Será que foi você? Será que foi aqueles seus anéis que eram onipresentes em seus dedos longínquos? Talvez. Nem mesmo meu carro escapou desse amor de mil cortes.

"É."

Respondo, só porque você ainda aguarda uma resposta enquanto evitava pensar em sua frase anterior e no efeito que ela teve sobre mim. Nosso Castelo. Como se ainda fosse, como se nós ainda existíssemos. Silêncio, é o que nos acompanha nessa noite fria. Silêncio, pois você deve estar pensando o que raios estou fazendo aqui.

"Me espere aí, estou indo."

E é aqui, Taehyung. É aqui que percebo que talvez eu nunca tenha paz, que talvez nunca me veja livre de você, que talvez essa seja minha última vez indo nessa rua, e que de fato não conseguirei mais. Você se recusa a me deixar e eu me recuso a te mandar embora. Quando desligo, conto os segundos para sua chegada, vago os olhos pela rua e batuco as unhas no volante impaciente. E quando te vejo, dentro de um sobretudo longo marrom do mesmo tom do meu cabelo, com as mãos no bolso da calça cáqui e ombros caídos, sinto meu coração errar uma batida. Seu cabelo parece mais claro, a cabeça baixa e anda como se desfilasse. Mas não é uma postura arrogante, é algo natural. Você é belo por natureza.

Vejo quando seus olhos avistam meu SUV e apressa o passo imediatamente. Mãos trêmulas agarram a maçaneta, enquanto conto até dez mentalmente. Você está aqui, e não sei bem o que fazer com isso. Você hesita quando vê o papel amassado no banco e eu o pego jogando de qualquer jeito dentro da bolsa. Os olhos amendoados me encaram antes de assumir o lugar ao meu lado com toda sua elegância. Suspira, batuca os dedos no joelho e ainda não me encara. Fita a rua vazia a nossa frente como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

A primeira coisa que reparo é que está loiro, um tom queimado que valoriza seu tom de pele. A segunda coisa é que seus olhos parecem cansados, há bolsas escuras abaixo e estão inchados. A terceira coisa é que trocou de perfume, agora usa algo mais adocicado que não combina muito com você. A quarta coisa é que parece mais magro, mas talvez seja o sobretudo de um tamanho desproporcional. A quinta é que tem os lábios crispados, sinal que suas manias ainda são as mesmas, pois sempre fazia isso quando não sabia o que fazer ou dizer. A sexta é que está usando a camisa manchada de café que eu derrubei em você em nosso primeiro encontro. E a sétima... O colar. Está usando o colar com a nossa foto.

Por isso não precisa dizer nada, Tae. Apenas esses dois últimos objetos já falam muito sobre o que está fazendo aqui, apenas seus olhos brilhantes e cabelo bagunçado já dizem muito. Olhos estelares me encaram com afinco e sinto que talvez eles estejam prestes a transbordar todas essas estrelas.

"Jana, eu..."

"Eu sei, Tae. Eu sei..."

Ainda não acabou.

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