Capítulo 1
Examino minha imagem no espelho e arrumo os fios desfiados da franja que agora emoldura meu rosto, bem como o subtom castanho avermelhado da tinta constantemente desbotada. Guiada por meu relógio de pulso, percebo que estou atrasada para minha consulta semanal com a psicóloga; o compromisso que de início rejeitei tem me ajudado a superar e a enxergar com menos culpa tudo que passei no último ano. Corro para colocar em um copo d'água o único ramo de gardênia deixada por Arthur, atitude essa adotada por ele nos últimos dias e, seguidamente, deixo a casa e em frente a ela, passo a esperar com pressa pelo motorista de aplicativo que solicitei minutos atrás, como se minha impaciência adiantasse de algo. Antes de ser inteiramente afetada pelo mau humor, noto um carro se aproximar e lentamente, encostar no meio-fio. Checo sua placa, até então poder entrar em segurança no veículo, o motorista volta-se para mim:
— Bom dia, o endereço do destino está correto?
— Sim! – Respondo, seca. Prefiro deixar evidente a minha não vontade de prosseguir com um possível assunto.
Ele comprime a sobrancelha e segue o caminho em silêncio.
Por estar familiarizada com o percurso, me limito a prestar atenção somente no celular, na leitura de um curto artigo que foi recomendado pelo novo professor da matéria de política social, o qual a turma ainda não havia conhecido pessoalmente, apenas trocado mensagens através do e-mail institucional. A anterior, coitada, professora Amélia, morreu vítima de um AVC, decorrente á uma crise de hipertensão. Isso logo na terceira semana do semestre, há boatos que foi seu ex-marido que a encontrou sem vida, em seu apartamento, pobre professora! Uma tragédia que certamente pegou todos de surpresa.
Volto a focar na leitura, estou determinada a causar uma boa impressão no docente recém-chegado, principalmente, depois de pesquisar sua vida inteira na internet. Além de possuir doutorado, o homem mantém sua própria organização não governamental e, não sendo o suficiente, também realiza palestras mundo á fora, um verdadeiro especialista em cidadania.
Dispersa, sinto que o trajeto passou estranhamente rápido e quando vejo o carro estacionar, a voz eletrônica do GPS confirma minha intuição, informando o fim da corrida.
— A senhora não vai descer?
— Acho que houve um engano, não foi esse o endereço que eu coloquei no aplicativo!! – Meu coração acelera no peito, mas consigo manter a calma e informo o erro. Aquele lugar nem de longe parecia com o consultório da Dra. Carla, estava mais para um terreno abandonado, com sua fachada coberta por entulhos e plantas de espécies invasoras. O motorista checa o endereço no painel e volta a confirmar, e eu, contrariada, vejo que ele está certo. Por fim, juntos concordamos que houve um erro da plataforma, que acabou direcionando a corrida para um outro endereço e ele decide não cobrar o valor do percurso. Peço então a ele para me levar até o campus da faculdade, visto que eu não chegaria á tempo para minha consulta, o que era uma droga. Desde que a mãe da Laura decidiu desligar os aparelhos que a mantinham viva, há quatro meses, sinto que cada sessão é fundamental para minha redenção. Embora fosse minha vontade, não consigo prosseguir com a leitura, meus pensamentos se perdem na saudade esmagadora que eu sentia da minha melhor amiga, e que eu acho que sempre vou sentir. Sua memória estará presente comigo enquanto eu viver e faço disso uma promessa.
O motorista agora me deixa no endereço correto e mais uma vez, pede perdão pelo erro cometido há pouco. Digo a ele que não há com o que se desculpar, afinal, foi um vacilo do próprio sistema, que não oferece segurança aos seus passageiros. Me despeço e agradeço.
***
A primeira aula do dia começa ás duas da tarde, olho no relógio e vejo que ainda são onze e quarenta e sete da manhã, não estou nem um pouco atrasada, mérito do aplicativo que redirecionou meus planos. Vejo que alguns colegas estão nas dependências do prédio e outros se agarrando nos corredores, como se o lugar fosse apropriado. Cumprimento alguns que vejo passar, mas nada além disso. Para mim, eles não passam de pessoas que eu tenho que aturar até o fim da graduação. Sem ter com o que me ocupar, decido ir buscar no refeitório um café expresso maravilhoso que vendem em uma máquina dali, coloco meus fones de ouvido no máximo e vou até o compartimento, pouco me importando se alguém me ouviria cantar The Outfield pavorosamente em voz alta, uma banda que conheci através de Arthur, um verdadeiro bálsamo para os ouvidos. Coloco a nota na máquina e fico esperando até que a bebida seja despejada por completa e nesse meio tempo, resolvo enviar uma mensagem para ele, perguntando sobre seu dia. Desde que largou seu emprego como investigador, Arthur tem tentado se encaixar em qualquer outra ocupação, mas sem sucesso. Retiro o copo de sua base quando o equipamento começa a apitar e com ele em mãos, acabo me chocando contra um homem que aguardava por sua vez. Me assusto com sua proximidade, deixando cair o copo em seus sapatos.
— Merda, essa droga está quente!!! – Ele reclama, tirando rápido o que vestia. — Olha só o que você fez, cacete!!! – Resmunga novamente.
— Eu??? Você quem estava grudado em mim, e ainda me fez desperdiçar café!! – Retruco. — Vê se aprende a olhar por onde anda, seu sem noção!!! – Pelo jeito, meu dia estava fadado a dar errado. Deixo o rapaz para trás e saio a procura de alguém da limpeza para dar um jeito na bagunça, mas não encontro ninguém. Incomodada, escapo para o meu refúgio, o polo de artes plásticas e fico sozinha lá até a hora passar, entretida entre a leitura que comecei pela manhã e as mensagens do meu namorado, que depois de todo esse tempo, ainda insistia em me chamar de pulguinha.
— E ainda tem mais, mas depois eu conto com mais detalhes, preciso voltar aqui, te amo! – Ouço a mensagem de voz de Arthur, uma fofoca deixada pela metade que envolve seu atual supervisor, a esposa que descobriu que foi traída e fez um escândalo e o pivô disso tudo, outro HOMEM!
Antes de bloquear de vez o celular, vejo que estou quase atrasada para o horário da aula, é admirável a minha capacidade de me atrasar, um dom indescritível misturado com irresponsabilidade indireta. Pego minha mochila e saio em disparada e para minha sorte, o professor não havia chego. Sento como de costume na primeira mesa da fileira do meio, ansiosa para conhecer o homem que tanto ouvi falar e seus feitos.
A sala papeava exageradamente quando um pigarro interrompeu o ânimo coletivo e, de modo sorrateiro, um espanto me toma os sentidos, me deixando paralisada e sem fala, quando finalmente percebo de quem se tratava.
— Boa tarde, turma! – O professor ajeita sua mala na mesa, incluindo uma garrafa d'água de alumínio, que aparenta ser pesada. — Para quem não me conhece, meu nome é Fernando Morato e eu vou assumir a matéria de política social com vocês! – Ele pega um giz e começa a fazer algumas anotações na lousa, datas. — Eu vou deixar registrado o cronograma que eu pretendo seguir, espero que não tenhamos nenhum empecilho quanto a ele e se houver alguma dúvida, peço que me procurem no final da aula. – Prosseguiu. — Até se por acaso, alguém achá-lo sem noção!
Me faço de desentendida, como se aquela indireta não fosse diretamente para mim. Que culpa tenho eu, se ele desconhece o significado da palavra distância? Nenhuma!! Garanto que nem uma baliza esse homem sabe fazer!! Anoto o que julgo ser importante e me concentro na introdução a matéria, apesar de que agora, minhas chances de conseguir um estágio com ele seja um total de zero. Eu não acredito que nenhum site foi bom o suficiente para anexar uma foto dele com qualquer artigo, teria me poupado de passar tamanho constrangimento.
— Professor, esse trabalho que está programado para a próxima semana é individual ou em grupo? – Benjamin, o mais aplicado da turma questiona.
— Em grupo de até três pessoas, no máximo quatro!!! – Reviro os olhos quando ouço a resposta que me desagrada. Na minha concepção, atividades em grupo era algo totalmente abominável! O que se espera, é que na faculdade as pessoas criem senso de responsabilidade, mas na pratica não era bem assim. Ergo a mão, mas sou ignorada e só depois de muita insistência, sou atendida.
— Pode ser entregue individual? – Recebo uma risadinha sarcástica como resposta.
— Você sabe o significado da palavra grupo, senhorita? – Fico chocada com sua antipatia, mas não esboço reação alguma. — Vejo que você possui um sério problema de atenção!
Grosso e desnecessário!!
Me comunico através de olhares com Rebeca e ela parece entender o recado, acenando que sim com a cabeça. Não erámos necessáriamente amigas, no entanto, praticávamos a política da boa vizinhança e sempre que dava, ela me incluia nas atividades em grupo. Rebeca é uma garota alta, de corpo largo e cabelo de fios curtos e castanhos, muito próximo ao mel, assim como seus olhos, que mal eram vistos devido ao reflexo das lentes grandes e redondas do seu óculos de grau. Ela gesticula com as mãos para conversarmos no intervalo e eu concordo, eu não responderia por mim se levasse outro fora na frente da sala e aí sim, com toda razão, o Doutor Fernando Morato encontraria um motivo para me odiar.
***
Me encontro com Rebeca no salão do refeitório, dessa vez ela está acompanhada por Mariane, sua dupla intragável. Me aproximo para conversar com as duas para combinarmos os detalhes da atividade, que por mim, cada uma faria em sua casa e depois encontraríamos um jeito de unificá-la sem que o professor perceba, porém elas não aceitam minha sugestão.
— O que você quer? Que façamos na praça de alimentação do shopping de novo, como na última vez? Aquela ideia foi horrível! – Mariane diz e lamentavelmente, tenho que concordar. A penúltima atividade de marcadores sociais da diferença foi um caos!!
— Não me levem a mal, mas eu não consigo frequentar um lugar que eu não me sinta segura ou conheça! – Falo. — Mas, se não for um incômodo para vocês, vocês podem ir lá em casa!! – Ainda que atuassem e evitassem tocar no assunto, todos conheciam a história da garota que o irmão mais velho tentou matar. Elas concordam, então damos o assunto por encerrado.
Os dez minutos do intervalo passam depressa. Volto para sala, onde algumas garotas riam em burburinhos e comentavam sobre a beleza do novo professor, que eu particularmente, não achei tudo isso. Esse carrasco de cabelo claro foi classificado como gato, gostoso e até mesmo comparado com um ator pornô! Se ele soubesse, capaz de reprovar a turma inteira por puro capricho! Ele entra na sala apressado e os comentários sobre ele se cessam, vejo que em sua mão esquerda há um copo da máquina de café que nos esbarramos mais cedo, ele me pega encarando e eu desvio a atenção.
— Eu costumo fazer chamada depois do intervalo, eu mesmo faço para que nenhum engraçadinho burle a lista de presença, pedindo para o coleguinha assinar! – Ele leva a bebida até a boca, enquanto prepara o documento em sua mesa. — Eu vou começar por quem, deixe-me ver... – Seu olhar fixa no meu. — Alana Rivera?
— Presente!!!
*
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