XXXIV. Tormento

O tremor da gigantesca catedral expõe a feroz luta que ocorre dentro de si, a fundação de pedra se racha enquanto as paredes de madeira se chocalham de tal forma, que ameaçam se desprender.

Apavorados, os gritos dos pacientes acompanham o desespero dos fiéis para o completo caos, afinal, estão isolados naquele momento. O forte nevar impede uma ajuda externa imediata, os soldados do reino estão muito distantes, confinados nas muralhas e no quartel. Além disso, a proteção interna é realizada por míseros 10 templários jovens, o que eles farão diante da luta dos mais fortes?

Um confronto de grandes generais ocorre dentro da mais poderosa cidade, quem imaginaria que tal conflito fosse acontecer justamente ali? Será o começo do fim da próspera cidade das cinzas?

Por enquanto, o embate se limita aos confins da Catedral de São Rafael, todavia, isso não é um indicativo de falta de poderio. A luta acabou de começar.

Uma parede de madeira escura é rompida com uma enorme força. Do outro lado, Moretti se ergue ileso, como se nem tivesse sido jogado, ele usou suas sombras para abrirem um buraco no recinto antes que colidisse. Desse modo, evitou maiores danos.

Sua respiração se mantém ofegante, o rei não esperou se encontrar com Wem daquela forma, pelo menos encurtou o tempo de tortura e da busca. Seus olhos se mantêm furiosos para a nuvem de poeira, finalmente terá sua batalha prometida na noite tão clara.

O sem mãos não hesita em roubar todas as sombras que pode, mesmo que tenham um formato patético, talvez servissem como atraso daquela fera. No mesmo ritmo, as manchas negras em seu braço se expandem, necrosando a carne conforme o poderio de Moretti se expande. Uma troca equivalente.

Os passos para trás daquele homem servem para se distanciar do eterno, já que ele ainda é um humano. Se o Wem o acertar precisamente, sua maldição não o salvará. Por causa disso, o rei manterá uma postura defensiva e uma luta à distância, são suas melhores chances de êxito.

Como o previsto, Wem surge através do buraco na parede, sua enorme velocidade devido ao impulso de seu braço cristalizado o auxilia a se aproximar do oponente. Entretanto, seu impulso é gradativamente diluído por dezenas de sombras até ficar praticamente parado.

Nesse momento, Wem já teve sua sombra roubada, o rei sempre a prioriza nos duelos. Todavia, a sua escuridão não parece deter a mesma força que o ser original, ela sozinha não é o bastante para deter o imortal.

Isso é devido às particularidades das sombras, a sua força está ligada ao ser amaldiçoado, não ao verdadeiro dono. Por causa disso, Moretti mantém um corpo forte e treinado, para que sua maldição seja mais efetiva, todavia, seu esforço não se compara à aberração que enfrenta, o ápice do corpo humano.

Wem se aproxima lentamente, mesmo com diversos cortes e lesões que aparecem em diversos locais em seu corpo. Apesar de se deixar ser ferido, a regeneração suicida não é ativada, haja vista a impossibilidade do brutamonte em prever ou se defender de um inimigo invisível e intangível.

Moretti sabe disso, cada custo e poder daquela maldição já foram catalogados e repassados para todos os militares importantes dos Sacros-Reinos-Libertos. No entanto, é sensato presumir que tal vantagem é mutua, Wem também deve conhecer bem a maldição de Moretti, já deve ter a enfrentado em outro ser amaldiçoado no passado.

O rei ignora os pequenos avanços do brutamonte, sua atenção é focada no ambiente em sua volta, precisa de mais escuridões ao seu lado. O cômodo é um salão lotado de macas e pessoas doentes, há muitas sombras humanoides a serem roubadas, as preferidas do grande general.

Aproveitando desse momento de descuido, Wem ergue seu braço de cristal e golpeia o ar, culminando em uma forte rajada de vento em direção ao sem mãos. Porém, tal ataque à distância é interceptado por uma tábua de madeira que se desprende do chão, a destruindo em 5 partes. O rei deixou algumas sombras de guarda para sua proteção.

— Por que você fugiu? — Moretti volta a olhar para o eterno. — Você não recusaria uma batalha como aquela.

— Onde está Aurora? — Wem ignora totalmente a pergunta do grande general.

— Desde quando você se importa com alguma vida? — O rei reúne todas as sombras coletadas dos pacientes e as direciona ao gigante.

Wem começa finalmente a perder a batalha de fúria, ele é empurrado para trás de forma bem devagar. Os ferimentos estrategicamente feitos em suas juntas e músculos auxiliam na diluição da força do brutamontes. Todavia, os danos são apenas temporários, o braço de cristal aumenta a cada pingar de sangue.

Moretti sabe muito bem disso, está apenas o distraindo por um tempo até que a força em seu braço vermelho fique descomunal. Todavia, não há uma forma de evitar isso, Wem nunca foi derrotado por um motivo.

Apesar de se enganar, o rei ainda não sabe como detê-lo eficientemente, um aprisionamento é uma alternativa à imortalidade, mas o que prenderia aquela fera? Há algum material capaz disso?

O limite foi ultrapassado estrondosamente, Wem deixou de se esforçar no avanço para esconder a força acumulado nos temporários cristais. Quando satisfeito, o brutamonte agarra o chão e se projeta em direção ao seu oponente, as sombras não podem o deter.

Wem sente seu corpo ser arrastado para trás a cada metro que avança, mas seu embalo inicial ainda o mantém na trajetória. Já Moretti se surpreende com tamanha força, não esperou que suas sombras fossem sobrepujadas tão rapidamente.

Devido a isso, Wem e Moretti ficam de frente ao outro, com a escuridão se esforçando ao máximo para prender os braços do atacante, se um golpe for desferido naquela distância, é o fim.

— Onde está Aurora? — Wem pergunta com mais sinais de raiva.

— Está viva. — Moretti o olha com desdém. — Por que não lutou na queda da capital?

— Vocês não poderiam me matar. — Wem consegue aproximar seu braço lentamente em direção ao seu inimigo.

— Está mentindo. — Mais sombras se juntam às inúmeras defensivas e empurram Wem para trás novamente. — Você não perderia tal tentativa sem nada em troca.

O brutamontes parece desistir daquela investida ilógica, nada sairá de um avanço tão desengonçado. Um pulo para trás retira as sombras que marcam seu corpo com ferimentos, então, some mais uma vez na nuvem de poeira.

Moretti se mantém atento, certamente Wem retornará por algum lugar, só precisa saber de onde será. Suas sombras o cercam em volta de um círculo, uma defesa bem sólida contra um inimigo que se espreita. Por isso, Moretti vive há tanto tempo como militar, a defesa é a melhor de suas vantagens.

Alguns ruídos e passos pesados ecoam pelas paredes, todavia, é difícil determinar de onde veem, podem ser apenas um truque. Entretanto, a demora começa a preocupar Moretti, será que Wem buscou a Aurora? Será que o eterno está apenas esperando uma brecha?

O surgir do sol escondido pelas nuvens gélidas é a resposta para tais questionamentos. O teto da grandiosa catedral é brutalmente destruído, diversos pedaços de madeira e pedra caem em direção ao chão.

No meio da nuvem de fumaça, a fraca luz solar ilumina o vermelho escarlate, os cristais de sangue brilham enquanto demonstram o quão afiadas são suas pontas. Wem despenca pelo enorme rombo precisamente sobre Moretti, o único local que não foi guarnecido pela escuridão.

As sombras reagem rapidamente, mas o cair daquele monstro acontece antes que as mais distantes cheguem. Devido a isso, as remanescentes tentam desesperadamente parar aquele avanço, uma medida desesperada e fútil.

Moretti sente o ódio e o medo exalado daquele ser aumentarem conforme olha o cintilar dos cristais, a morte nunca esteve tão perto. Aquela sensação marca sua alma perturbada, todas as histórias e lendas fazem finalmente sentido, ali está o abatedor de maldições, o invencível.

Quando a imagem do mensageiro da morte domina completamente sua visão incrédula, Moretti apenas se deixa cair em direção ao chão, com uma mínima esperança que aquilo lhe desse alguns míseros milésimos de vida.

Durante esse tempo tão curto, mas tão longo, uma lembrança volta à sua cabeça do rei, aquela triste manhã surge como uma sintonia da origem e do fim.

Os dias naquela época não eram tão cansativos e longos, o ventar dos pastos junto ao cochicho dos insetos tornou a rotina tão agradável, nem parecia que a guerra os espreitava. Moretti se lembrou de cortar uma árvore qualquer, ele apenas precisava de sua madeira dura.

Nessa época, suas mãos eram normais, cheias de calos devido à vida dura. Além disso, nenhuma cicatriz acometia seu rosto soado, nem mesmo parecia tão cansado como agora, afinal, essa lembrança se passa há 7 anos.

Quando a árvore caiu, um enorme estrondo ecoou pelo pequeno bosque, espantando os pequenos animais. Enquanto isso, Moretti se apoiou em seu próprio machado, orgulhoso do seu esforço debaixo do sol escaldante de meio-dia.

Uma voz o chamou nesse momento, uma que ele não gosta nem de se relembrar pela dor. A mais bela e meiga das mulheres surgiu em suas costas, o abraçando com um enorme sorriso, era sua amada esposa, o amor de sua vida.

Seu rosto é borrado, a mente não quer se lembrar da face daquela paixão, doeria demais. Todavia, sua enorme barriga denunciou o motivo de tanta felicidade, mais uma criança estaria naquele tão agradável lar.

Um beijo apaixonado aconteceu antes deles caminharem à sua humilde casa. Na varanda, havia diversos utensílios de mercenária, algo bem previsível para a casa de um marceneiro. Esse era o motivo da derrubada da árvore, um novo móvel foi encomendado para o tão hábil trabalhador.

Depois de abrir a porta, cinco crianças brincavam entre si com uma enorme alegria, uma vez que o papai ainda não solicitou ajuda no ofício. Além deles, existia um mais velho sentado em uma mesa, com ele, havia dois livros bastantes usados, um dicionário de latim para italiano e uma bíblia.

Este era o primogênito da família, o qual se dedicava muito nos estudos para ser um padre, seu bom coração prenunciou a sua futura caridade. O orgulho e a esperança da humilde família, seu exemplo era passado aos seus irmãos.

Após cumprimentar todos com muita alegria e amor, a refeição era servida, um simples caldo de legumes. Todavia, aquela comida era tão gostosa devido às pessoas em volta, muitas risadas e sorrisos aconteciam nessa época. Moretti sente tanta falta desses momentos.

A tão bela lembrança mudou seu tom naquele instante, a casa começou a tremer levemente, prenunciando o aproximar de algo. Moretti decidiu averiguar o que acontecia lá fora, enquanto deixou sua família comer o restante da sopa humilde.

Uma grande tropa imperial adentrou a vila, apontando suas bandeiras e armas aos céus, as pontas pareciam tocar nas mais altas nuvens. O medo tomou o corpo do simples marceneiro, a vila era pacifica e inofensiva, para um batalhão se agrupar ali significava que a guerra civil chegou a eles.

O comandante da legião subiu em um caixote no meio da praça e começou o seu discurso, anunciando uma possível investida inimiga no anoitecer. Além disso, convocou todos os homens aptos para lutarem pelo vilarejo estratégico no cerco de Sunderland. Os rebeldes estavam perto de tomar a tão preciosa cidade.

Sussurros ecoaram pela população apavorada, todavia o desespero era inútil, os soldados obrigaram o alistamento dos mais novos. Até chegarem na casa do marceneiro.

Os militares não vestiam uma armadura ideal, pareciam que foram convocados às pressas. Estes homens observaram o senhor perto dos seus 50 anos e logo o descartaram, estava velho demais para uma guerra.

Por isso, adentraram na casa e prenderam seu olhar no futuro padre, ele teria que lutar pelo Império Valôm. Moretti se negou a ceder seu filho, não deixaria um adolescente tão bom e fiel ver os horrores da guerra.

Dessa forma, Moretti se alistou no lugar de seu filho após muita insistência, uma pequena comoção da família se formou ao redor do progenitor. No entanto, ele respondeu com um sorriso, dizendo que tudo ficaria bem.

Antes de partir para a formação do batalhão improvisado, o velho vestiu suas melhores e mais grossas roupas, talvez isso o salvasse. Após isso, segurou no machado em que mais confiava e deu ao seu primogênito, ele era o responsável pela casa agora.

Moretti o abraçou e disse para proteger a família caso os inimigos adentrassem na casa. O consolou dizendo que lutaria para que isso não acontecesse, mas era bom se precaver.

O jovem concordou com os olhos repletos de lágrimas, defenderia sua família até que pudessem fugir das mãos do oponente. Moretti respondeu com um sorriso antes de sair pela porta. Aquela será sua última visão deles.

Com uma espada enferrujada em mãos, o comandante planejou uma defesa entre as vielas, lutariam casa por casa até que um reforço chegasse ao amanhecer. Não deveria ter rendições ou fugas, lutariam até a morte para defender a sua terra e seus amados entes.

Em posições de combate, Moretti viu seus conhecidos e até mesmo alguns soldados tremerem de medo. No fundo, eles sabiam que não chegaria nenhum reforço, Sunderland só se prepararia para o inevitável cerco. A batalha daquela noite era suicida.

Com o chegar da escuridão, a tremedeira deixou de ser originada somente pelo medo. O frio extremo daquela noite nem denunciou o calor ardente que aquele vilarejo se tornaria.

O silêncio da madrugada foi sobrepujado pelo enorme estrondo de passos advindos de todas as direções, o exército inimigo chegou no horário prometido. Flechas flamejantes ofuscaram o brilhar das estrelas sobre as cabeças dos condenados, era uma bela visão.

As chamas consumiram rapidamente as casas de madeira e palha que tocaram, um enorme incêndio surgiu por detrás dos homens. Entretanto, não havia tempo para contramedidas, o exército inimigo avançou sobre os despreparados.

Um massacre aconteceu, os simplórios morados nunca tiveram alguma chance de vencer um exército regular. Moretti observou horrorizado o genocídio, todas as pessoas que conviveu durante sua humilde vida eram esquartejadas e desmembradas em sua frente.

O resultado já foi premeditado antes mesmo das tropas chegarem, o comandante só guiou suas fracas tropas para aquela vila a fim de determinar seu sepultamento entre corpos e cinzas.

Diante de tamanho caos, Moretti não hesitou em correr em direção à sua casa, não deixaria sua família ser parte da futura vala comum. Os soldados e seus vizinhos desdenharam de tal decisão, mas não existiam maneiras de detê-lo, o inimigo atacava com muita força.

Ao chegar na frente de seus filhos, mais um desafio surgiu: sua amada entrou em trabalho de parto. O sangue escorreu entre as tábuas de madeira, os olhos apavorados de seus filhos pelo que acontecia dentro e fora de casa atormentou o velho.

Ele não pôde perder tempo, a vida de sua esposa junto à de sua nova criança estavam em risco. Moretti olhou para o seu primogênito com seriedade, aquilo era uma missão de proteção aos seus irmãos. O jovem respondeu apertando mais as mãos no cabo de madeira, era o suficiente para aquele momento.

Moretti correu adoidado em direção à parteira da vila, sua amada tinha que sobreviver mesmo diante da morte. No meio do desespero, ele nem notou o enfraquecer das posições defensivas, que seriam rompidas em breve.

Por sorte, a pequena tenda da parteira ainda não foi devorada pelo fogo, Moretti orava como nunca para que ela estivesse ali. Sua entrada brusca assustou a coitada, que o quase o feriu com uma adaga.

Ao explicar a situação, a parteira pareceu receosa, mas decidiu realizar o parto o mais rápido que pôde. A amada clamou ao seu marido que salvasse seus filhos logo, Moretti se negou, ele falou convicto que salvaria todos.

Os gritos denunciaram a quebra da linha de resistência, o invasor começou a atacar o interior do vilarejo, era cada um por si nesse momento. Moretti observou horrorizado a situação, mulheres e crianças eram estupradas e esquartejadas em suas casas, os revolucionários não eram para serem "salvadores"?

A devastação acontecia no outro lado da vila, ainda tinha um tempo até que chegassem nessa morada. Por isso, o marceneiro correu até a porta para salvar seus filhos de tais crueldades. Ele disse que traria todos os seus filhos em segurança para fugirem logo em seguida.

Os primeiros horrores da guerra marcaram a alma daquele pai desesperado, tanta dor e sangue por uma mísera vila diante de sua visão cansada. As chamas se proliferaram de forma tão rápida, que a noite se tornou clara igual ao dia, elas se expandiram além do que deveriam.

O velho chega em frente à sua moradia, as cinzas incandescentes da árvore recém cortada grudaram na pele do homem apavorado. Sua casa foi devorada pelas mais altas labaredas, o local que tanto amou, que tanto viveu e que tanto sonhou desapareceu em frente aos seus olhos.

Suas mãos arderam ao tentar mover a madeira em brasa, tais queimaduras não eram o suficiente para deter o pai que clamava pela vida de seus filhos. O fogo só aumentou com tais esforços.

Quando enfim conseguiu adentrar, seus olhos temerosos se encheram de lágrimas ao ver os corpos de suas crianças ao chão. Algumas já estavam carbonizadas, mas a maioria ainda mantinha seu rosto intacto. O mais velho deles não os pôde proteger da fumaça negra, o Deus que tanto adorou não lhe foi piedoso.

Agarrado aos defuntos, Moretti chorou e pediu para encontrar algum em vida, qualquer filho. Entretanto, o destino era muito impiedoso, lhe retirou cada um de sua prole, nem teve a chance de se despedir deles. Além disso, suas últimas palavras a eles foram uma mentira, ele quebrou a sua promessa.

A dor da perda de seus filhos foi suprimida ao seu coração, ainda havia duas vidas restantes que ele precisava tanto proteger, não as perderia também.

Para seu azar, mais frentes dos defensores cederam ao avançar dos inimigos, a carnificina se tornou generalizada de tal forma que não existia lugar seguro entre as chamas e brasas.

Essa parte da memória se torna turva, Moretti não sabe explicar como chegou na tenda da parteira, quantos teve que matar no caminho? Entretanto, a lembrança se torna mais vivida ao chegar de frente ao seu objetivo, a esperança ainda o iludia.

As labaredas ainda se mantinham distantes, queimando a vida de outras vítimas. No entanto, o calor infernal não era a única ameaça se espreitando, os invasores invadiram a tenda. Estes saíram do local com sangues que não lhe pertenciam, marcando a terra barrenta de vermelho.

Os punhos furiosos de pai que perdeu tudo amedrontaram os soldados, a espada enferrujada marcada de carmesim não parecia tão obsoleta. Talvez a sorte junto a raiva o ajudaram, talvez foi sua experiência como lenhador e marceneiro, não importou o motivo, aqueles soldados foram brutalmente mortos, a breve e insignificante vingança foi realizada.

Esperançoso, o coração de bater forte ainda iludiu e enganou aquele velho homem, sua amada ainda pôde estar viva, aquele sangue pôde não ser dela. A resposta de tais expectativas seria amarga e cruel, assim como a guerra era.

Degolada e esquartejada, isso que os olhos em pânico do marceneiro tão exausto viram ao olhar para sua amada. A mulher, tão bela, tão doce, o amor de sua vida, estava fria, estática em frente ao homem que tanto lutara para vê-la sorrir.

Todas as dores, fraquejas e arrependimentos daquele trágico dia pesaram nas costas do sofrido. A culpa consumiu sua alma enquanto chorou agarrado no corpo da amada, sua família e sua história acabaram quando falhou em proteger aqueles que já amou.

Não havia mais propósito em sua existência, falhou como pai, marido e indivíduo, se deixaria morrer consumido por aqueles fogos que tocavam ao céu. Todavia, algo muda esse trágico destino, um chorar de um bebê.

Moretti observou a criança se esperneando no chão, ali estava a sua última família, a única que a morte não levou. Quando a segurou em seus braços trêmulos, sua vida conseguiu um novo propósito, um novo sonho.

Debaixo daquela lua sangrenta, uma criança foi nomeada com um nome para punir o seu pai, para lembrá-lo do que perdeu por falhar e para que isso nunca acontecesse novamente. Este foi o nascimento de Luar.

Naquele exato momento, Moretti foi amaldiçoado. O verdadeiro custo não seria imediato, demorará diversos anos para acontecer, mas levará o que mais importa para a alma daquele sujeito.

Quando os invasores voltaram a ameaçar a tenda ensanguentada, a sombra do pai começou a se mover estranhamento, como se fosse por puro impulso. Um genocídio acontecia lá fora devido a ela, mas Moretti ignorou enquanto abraçava sua filha. Ele daria uma boa e segura vida para ela, não importa o que teria que fazer.

Após embrulhar a Luar em um pano branco, tirando assim a sujeira sobre sua pele, o marceneiro se preparou para fugir. Entretanto, ele notou que a ponta de seus dedos começou a se necrosar, o custo de sua maldição apareceu.

Ainda confuso, Moretti apenas correu contra as chamas, encontraria uma fuga daquele grande inferno. Enquanto isso, a sua sombra estranha ainda o seguia, destroçando todos que se aproximaram, não importando se eram invasores ou residentes.

Um caminho perfeitamente livre surgiu em sua visão, uma esperança fútil como as outras cresceu em seu peito. No entanto, um homem de pele levemente escura pela exposição ao sol surgiu em frente a essa passagem.

Ele não parecia como os outros invasores, suas roupas eram mais refinadas e conservadas, além de que ele detinha um chapéu igual ao que Moretti apresenta atualmente, era um grande general. Sua aparência era envelhecida, com cabelos brancos dominando a sua cabeça junto a algumas rugas.

A sombra de Moretti avançou em direção àquele militar, mas falhou na investida, o alvo sumiu misteriosamente após dizer uma simples palavra, "Dash".

— Um ser amaldiçoado. — O grande general observou do topo de uma casa. — Há quanto tempo isto lhe infortuna?

— Apenas me deixe ir embora! Por favor! — Os olhos de Moretti lacrimejaram enquanto ele esconde a filha atrás de si. — Eu não sei do que você está falando, sou apenas um civil!

— Não sabe? — O grande general seguiu a linha de corpos até chegar em uma barraca recém em chamas. — Só lhe restou a filha além de cinzas?

— Não toque nela! — A sombra de Moretti ficou mais agitada, o grande general observou isso.

— Não haverá paz nessa região, nenhum local do Império Valôm é seguro. Dash. — O grande general surgiu em frente ao marceneiro. — Eu te prometo a vida de sua filha em troca do seu poder.

— O que você quer dizer? — Moretti deu um passo para trás.

— Se aliste no exército revolucionário e sua filha ficará segura durante a guerra, não lhe faltará nada. — O de cabelos brancos estendeu a sua mão.

Moretti hesitou, aqueles desgraçados condenaram a vida de sua família, não poderiam ser perdoados. Todavia, não lhe restou nada além de sua criança, como dará uma boa vida para ela? Passarão necessidade? Se a matarem em outro conflito?

A decisão sentimental de culpa e esperança envolveram seu coração. Talvez não tenha feito a melhor das decisões, mas sua mente e coração estavam muito quebrados para pensarem logicamente. Moretti aperta a mão do homem.

Este é o fim da memória que mais dói na alma dele, além do motivo de sua vida. Por isso, não aceitará o fim diante das mãos daquele brutamontes, ele precisa viver para que Luar seja feliz, para que ela esteja segura, não importa o sacrifício a ser tomado.

Quando as centenas de carmesins brilhosos ameaçam tocar em sua face marcada pela dor, a vontade de viver diante da morte inevitável se intensifica. Em resposta a isso, seus olhos ficam completamente negros, como se a pupila se dissolvesse no branco, algo surreal.

Uma explosão acontece diante de seus olhos, acertando precisamente o invencível Wem, no entanto, não há som nem fumaça, é como se ela nem tivesse existido. Porém, o gigante é lançado contra uma parede, a demolindo no processo. Tal poder só funciona em coisas que não têm mais sombras.

Moretti cospe um líquido negro, um sangue necrosado escorre por seus lábios. "O que é aquilo? O que eu fiz? De onde veio este poder?"

O rei se questiona enquanto se levanta do chão imundo de destroços. Ao passar sua mão de madeira sobre a boca, uma resposta surge em sua mente, uma nova área de seu corpo foi afetada pelo custo de sua maldição, talvez um órgão.

Orgulhoso, o antigo marceneiro sorri ao compreender o que aconteceu. Não são mitos ou exageros os relatórios dos antigos grandes generais. Moretti despertou a sua maldição, um novo poder, um novo custo.

Cortando o momento de aprendizagem, Wem anda em direção ao fracassado pai. Sua barriga aberta, acompanhada da falta de sua mandíbula, indicam a força daquela explosão, todavia, assim como todo dano, estes são apenas temporários, a carne já retorna ao seu local.

Moretti se prepara, cercando-o com todas as sombras que detém. A batalha dos maqis fortes acabou de começar.

— O destino daquela noite flamejante acaba agora. — Ambos reconhecem tal acontecimento, no entanto, não pensam na mesma noite.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top