XXXIII. Necrose

O ar pesado e estático do ambiente desafia os desesperados pulmões da jovem aterrorizada, a falta de fôlego machuca seus rígidos músculos. Um pavor enorme congela seu corpo, nunca sentiu nada assim, mesmo contra outros seres amaldiçoados.

Será por que está sozinha? Não, não é isso, também esteve só contra aquele padre. A verdade é o passado, quando seus olhos focavam na queda da muralha, ela pôde ver uma enorme sombra consumindo os homens que lutavam em seu nome. Aquele era o seu destino, mas ela se recusou a aceitá-lo, não importasse as consequências.

Todavia, sua fuga desesperada e seu sonho ridículo foram em vão, o passado a condena. Diante daquela imagem hostil, Aurora se pergunta como aquilo é possível, quanto azar ela tem. Dentre tantas pessoas nessa terra, Luar tinha que ser filha daquele homem?

Fora do entendimento da criança, a inocência dela faz com que nem perceba os olhares ao redor. Para ela, aquilo é um momento feliz, afinal, as duas pessoas que adora estão reunidas, será uma festa sem fim. Por isso, Luar solta a mão de seu pai e pula sobre a cama, abraçando sua única amiga.

— Olha! Aurora, é meu pai! — Luar aponta com um sorriso. — Vocês vão se adorar! Ambos têm histórias legais de guerra!

A criança sorri enquanto balança alegremente as pernas, mas não ouve uma resposta vinda de nenhum deles, devido a isso, ela olha melhor para a face de sua amiga. No entanto, mesmo assim, ela não percebe o terror, apenas foca na cicatriz descoberta na boca de Aurora.

— Ah! Você tirou o curativo! — Luar toca com delicadeza no queloide. — Uau! Que legal! Parece com as suas, pai!

— Bjorn. — Moretti abre a sua boca pela primeira vez, sua voz é estridente e grave. — Tire minha filha do quarto.

— Certo, meu rei. — Bjorn surge por detrás da porta, antes de reagir, ele percebe a felicidade da criança. — Senhor, sua filha parece feliz...

— Agora! — Moretti curva a cabeça em direção ao padre, seu olhar parece mortal.

— C-claro! — Bjorn se aproxima da cama com muita cautela. — Luar... vamos passear um pouco! — Ele tenta parecer feliz, mas sua voz desesperada o entrega.

— Não, não! — Luar balança a cabeça acompanhada de um gesto negativo com os braços. — Agora vou brincar com o pai e a amiga!

— M-mas, Luar, tem carne de porco lá fora! — Bjorn tenta a convencer com sua comida predileta, enquanto estende seu braço.

— Não! Carne de pouco fica para depois... — Antes que a criança terminasse a frase, ela ouve a voz grossa de seu pai.

— Saia, Luar. — Sua voz ameniza um pouco ao falar com a filha, mas ainda é extremamente agressiva. — Quero perguntar para sua amiga se você foi uma boa menina.

— M-mas... está bem. — Luar não contraria o pai, mas antes de segurar o braço de Bjorn, ela cochicha no ouvido de Aurora. — Fala que fui uma boa menina! Se não, ele não vai dar carne de porco para a gente!

A criança acena e sorri para os dois enquanto sai do quarto acompanhada do padre medroso. Quando cruzam a porta, suas vozes ecoam pelo corredor, principalmente a da menina que diz: "Quero minha carne de porco assada!".

Enquanto seus passos ainda podem ser escutados, Aurora toma a primeira ação e aponta sua espada para o grande general. No exato instante em que seus dedos tocam a arma, seus olhos se tornam negros com as pupilas brancas diagonais com um simples piscar.

Após isso, ela se afasta ainda em cima da cama, claramente desesperada. Tais acontecimentos parecem surpreender Moretti, apesar de não esboçar muita reação, seus olhos se fixam nos olhos negros apavorados.

Quando olhar mortal desce em direção a espada, Aurora fica com ainda mais medo, será que ele sabe como a espada funciona? Será que sabe quais maldições ela armazenou? Não que faça muita diferença, afinal nenhuma delas será útil em um quarto fechado, não há plantas nem chamas por perto.

— Qual deles é a maldição da Rell? — O rei pergunta.

Aurora fica um pouco receosa em responder, sua garganta acovarda muito para qualquer palavra entendível seja proferida. Todavia, um dedo trêmulo aponta para a escrita estranha encravada na lâmina, a qual só Aurora consegue ler, "Combustão".

O rei nada responde, apenas encara os dizeres que desconhece na lâmina, antes que seus olhos voltem para a jovem. Suas sobrancelhas se curvam em um olhar raivoso e imponente.

— Solte a espada. — Moretti ordena ao dar um passo para a frente.

A jovem obviamente se recusa a soltar sua única defesa, ela continua parada sobre o mesmo local, apontando a sua arma para a mesma pessoa.

Com a demonstração de resistência, o grande general suspira com raiva antes de mexer sua mão de madeira. Sua sombra começa a se portar estranhamente, a mesma muda de direção e tamanho sem que haja uma alteração na iluminação local. O escuro desafia até mesmo a luz para ir ao local de Aurora.

Suas mãos tremem, sua respiração junto ao seu coração explodem de adrenalina, uma sombra a persegue. A jovem sai da cama com enorme dificuldade, mal consegue dar alguns passos sem demonstrar riscos de queda, sua perna ferida dói demais.

Além disso, esse esforço enorme apenas a levará até a parede de seu quarto, não há fugas possíveis, ela terá que lutar naquelas condições. Sua perna fraqueja, haja vista o abrir do corte, o sangue tinge a madeira seca de vermelho, de sofrimento. A sombra a alcançou.

A desesperada jovem tenta se arrastar em direção à janela inútil, o vidro não poderá lhe ajudar. No entanto, ela se sente presa, como se algo a segurasse com uma força tão grande que a arrasta para trás.

Quando sua cabeça toma coragem de olhar, percebe que a escuridão daquele homem agarrou na sua, a ferida sente o aperto da sombra como se fosse na própria carne, o medo a domina.

Ignorando a dor e suas limitações físicas, a jovem usa toda a sua força para ir em direção à parede a qualquer custo. O apertar e o puxar se fortalecem conforme os dois lados lutam um cabo de guerra imaginário.

A jovem não percebeu um fator importante, sua sombra é deformada e esticada conforme resiste, parece prestes a se romper, até que isso ocorre. Os olhos vidrados na janela dão uma falsa sensação de proteção à garota, uma esperança fraca.

A luz da tarde adentra no pequeno quarto pela janela, criando belas formas de sombras e claridade. Entretanto, tudo isso some tão rápido quanto um piscar. Não há mais trevas ou excesso de luz, tudo parece igualmente iluminado, como se as sombras não existissem.

O puxar também se extinguiu e a jovem colide com a parede devido à sua própria força. Seu nariz sangra um pouco com o impacto, mas a jovem logo arruma alguma energia para se erguer na esperançosa janela.

Sua arma volta a ser apontada para aquele homem, porém, sua intimidação se deteriora ainda mais, o seu balançar pelo terror aumenta. A jovem fica delirada, não há nenhuma mísera marca de sombras em nenhum lugar. Onde está a dele? Onde está a sua?

Ele a roubou, junto a qualquer percepção de luminosidade. Um inimigo invisível e intangível, não há defesas possíveis.

Aurora pensa em avançar, ser a primeira a atacar. No entanto, seu estado atual não permite tal movimento, nem conseguiria alcançá-lo nesse tempo, imagine acertá-lo.

Não há outra alternativa a não ser esperar o primeiro movimento, mesmo que seja não o consiga ver. "O que Wem faria?", essa pergunta ecoa por sua mente, mas não há tempo para pensar em uma resposta. O primeiro ataque foi realizado.

Seus dedos da mão esquerda são brutalmente quebrados e entortados para trás, em um simples segundo, ela está indefesa. Antes da dor chegar, antes do pavor a dominar, a jovem observa sua espada cair no chão, um barulho de metal ecoa pela sala.

O vermelho rapidamente se junta ao metal, molhando o fio da lâmina com o próprio sangue de sua dona. Os olhos negros e brancos não podem mais protegê-la, o verde já domina sua córnea.

Aurora está incrédula, todo o esforço para a sua melhora, para ser alguém que possa lutar de igual com seus amigos, para não ser fraca, tudo isso foi em vão. Foi humilhada, derrotada antes mesmo que pudesse dar o primeiro golpe.

Isso não pode estar acontecendo, ela se recusa a perder daquela forma, não pode ser o fim. Mesmo com sua quase inútil mão direita, a qual mal consegue segurar uma simples colher, ela decide arriscar, já que só tinha isso a fazer.

Ela pula em direção à espada, seus dedos quase tocam o cabo frio dela. No entanto, a arma é bruscamente puxada em direção ao grande general, os inimigos invisíveis atuam mais uma vez. Aurora só pode ver a cena caída no chão, completamente inofensiva, não tem condições de correr nem de lutar, se tornou apenas uma refém.

Moretti se ajoelha para pegar com cuidado a espada no chão com suas duas mãos de madeira. Os símbolos inscritos na arma são o suficiente para o rei perder sua atenção, não há mais ameaças para si naquela sala.

Aurora percebe isso, talvez se passasse daquela porta teria alguma ajuda. Essa ideia a faz se sentir mais patética ainda, mas só tem essa oportunidade de vida. Por isso, ela corre mancando em direção à porta, orando para que as sombras não a alcancem.

No trajeto, a jovem passa ao lado de Moretti, porém, ele não dá o menor interesse a ela, nem desvia o olhar da lâmina, ela é insignificante. Devido a isso, Aurora tem uma breve esperança de êxito, a qual será despedaçada tão rápido quanto surgiu.

A coxa da perna intacta de Aurora é completamente dilacerada em um piscar de olhos, diversos cortes como garras rasgam seu vestido junto a sua carne de uma forma que nenhuma perna da jovem possa ter alguma utilidade.

Nesse momento, lágrimas escorrem do rosto da jovem, são resultados da dor, do medo e da frustração. Um desejo passa por sua mente, ela gostaria de voltar a andar com seus amigos, aquelas intermináveis caminhadas eram tão cansativas, mas tão felizes. Ela gostaria de dizer um adeus.

Enquanto se lamenta, Moretti finalmente perde seu interesse na arma peculiar, a embainhando em seu cinto por debaixo do casaco de pele. Seus olhos se vidram na deplorável jovem ensanguentada, seus passos a intimidam ainda mais.

Quando chega em frente à desesperada, ele se agacha para encarar diretamente a fugitiva. Sua face marcada pela guerra está repleta de ódio e desdém, o que é justificável, aquela pessoa ferida representa seu oponente passado, a última esperança do Império Valôm.

— Onde o Wem está? — Ele volta a perguntar sem abaixar sua repreensão.

Aurora novamente não responde, já basta a humilhação de ser derrotada, não entregaria quem ama, não mais. O silêncio descontenta o grande general, o qual não faz esforços em esconder a raiva em sua face.

A verdade é que a princesa estar viva ou não é praticamente irrelevante, ela está morta para o povo. No entanto, o mistério de sua fuga ainda indigna Moretti, o que aconteceu naquela noite foi armado e arquitetado pelos dois poderes do mundo.

Nenhum grande general do Império Valôm defendeu a capital, por causa disso, foi uma vitória absoluta. Wem não desistiria dessa batalha, uma clara chance de morte.

Algo foi oferecido em troca, só basta saber de qual lado o trato foi feito. Já para a princesa, a resposta é praticamente obvia, Meroveu negociou a vida dela em troca dos outros nobres. Por que justamente ela? Ele sabe de algo sobre a espada?

Isso que Moretti precisa saber, afinal, o rei não gosta de ser somente mais uma peça no grande tabuleiro. Está cansado de sua filha ser usada como moeda de troca para sua lealdade, ele precisa de outro meio.

Os remédios dela tem origem no antigo movimento revolucionário, isso que o fez lutar desde o início. Durante 5 dos 10 anos de guerra, ele liderou as tropas para a vitória, para que sua filha pudesse viver bem, sem que a fraqueza da doença a tanto infortunasse.

O sorriso dela o motivou a não morrer durante esse tempo, algo bem impressionante dado a expectativa de vida em um ser amaldiçoado. Os horrores das batalhas em sua mente se diluem ao vê-la brincar como uma criança normal.

Por isso, ele fará tudo que for preciso para mantê-la segura, nem que tenha que caçar o imortal sozinho.

— Onde ele está? — Sua voz fica mais alta.

— Não vou dizer. — Aurora nega com convicção, mesmo que nem saiba exatamente onde seu companheiro está. — Não se trai amigos!

— Você irá. — O dedão da mão direita da jovem se quebra para trás. — Talvez a dor te ajuda a lembrar.

A jovem se contorce de dor, a adrenalina começa a perder efeito sobre os ossos despedaçados. O enfraquecer de sua mente prenuncia seu desmaio, o desgaste físico e mental sobre seu ser já debilitado ultrapassam o limite.

— Não desmaie. — Moretti coloca sua mão de madeira debaixo do queixo dela. — Você não acordará em um lugar seguro.

Tais palavras não param o inevitável, a jovem fecha seus olhos junto ao amolecer de seu corpo. Sua mente busca abrigo dentro de si mais uma vez, longe das dores e das complicações do mundo.

Em resposta a isso, Moretti expressa descontentamento, as suas perguntas ainda não foram respondidas, deveria ter considerado melhor o estado de saúde da jovem. Todavia, ela continua em sua posse, só precisa mantê-la até que não seja mais útil do que um cadáver.

O rei de Occitânia se levanta sem tirar os olhos da mulher desacordada, apenas confirmando se não é apenas um truque. Depois da certeza, ele se retira do cômodo para garantir a sobrevivência da garota.

No entanto, a primeira pessoa a se deparar não é uma enfermeira ou um padre, mas sim um homem loiro de seus 30 e poucos anos, o qual segura uma pequena rosa-branca e um pano com um certo queijo. Os dois se encaram por algum tempo, obviamente não sabem nenhuma informação sobre o outro.

Quando Sadh percebe algumas gotas de sangue na roupa de Moretti, seus olhos se atentam a mais detalhes, vidrando na espada de Aurora presa no cinto daquele homem. "O que aconteceu lá dentro?"

O companheiro não esperará uma resposta ou ação, aquele homem fez algo com a jovem que tanto ama. Lâminas surgem repentinamente por detrás dos olhos azuis, enquanto a sombra daquele homem começa a se movimentar de forma estranha. Os dois percebem que enfrentam um ser amaldiçoado.

Sadh solta a flor e o queijo em suas mãos e rapidamente agarra duas de suas sete lâminas, as demais ficam em sua volta. Já Moretti usa a sua própria sombra e agarra a de Aurora, que escapa pelo vão, cuja escuridão é arrancada de seu corpo. Duas sombras estão sob o controle dele agora.

O olhar de pavor do loiro expõe seu medo, com a demonstração de tal poder, finalmente Sadh percebe que enfrenta o antigo grande general da revolução, Moretti. Sua insegurança afeta sua postura de batalha, como venceria dele?

Apesar disso, não pode recuar, Aurora está, no melhor dos casos, machucada dentro daquele quarto. Além disso, Wem não está perto, sua presença é improvável, somente Sadh pode salvá-la nesse momento.

O apertar de seus punhos contrasta com o tremor de sua mão, a única vantagem que possui é que seu oponente desconhece quais seus poderes e custos. Sadh joga 4 de suas adagas em direção ao grande general, não utilizará todas até ter certeza da capacidade das sombras.

Moretti permanece parado, o esforço físico não é o seu forte, afinal, como machucaria alguém com aquelas mãos de madeira?

Entretanto, não sobreviveu e venceu a guerra por mero acaso, sua maldição compensa sua falta de aptidão física. As duas escuridões humanoides se jogam em direção às adagas flutuantes. Quando o fio das lâminas se aproxima de seu alvo, as armas param imediatamente.

As sombras as seguram, uma adaga em cada mão negra, é até contraditório ver algo que flutua se tornar obsoleto diante algo preso ao chão. Sadh até tenta movê-las com toda sua vontade, porém, apenas leves balançares estáticos acontecem, uma enorme força atua sobre o metal.

Para piorar ainda mais, Sadh só pode observar as sombras de seu próprio armamento se virarem contra si, são arrancadas de suas formas reais, no entanto, ainda preservam a mesma forma, lâminas intocáveis.

As adagas penduradas são amassadas e cortadas pelas sombras sem nenhuma piedade. Apesar da situação, isso demonstra algo peculiar: objetos sem sombras sofrem mais dano, já que, se pudessem deformá-las daquela forma, já teriam feito desde o início.

Com esse pensamento rápido, Sadh se prepara para lutar defensivamente, não pode ter sua sombra roubada de nenhuma forma. Quando as adagas arruinadas ressurgem em suas costas, um dilema percorre a mente do loiro, uma investir ou recuar?

Os dois pontos são válidos, afinal, quanto mais o tempo passasse, mais sombras aquele homem acumularia. No entanto, será que Sadh conseguirá mesmo vencer um grande general de frente?

A incerteza novamente o espreita e, por causa dela, terá dificuldades. No meio dos seus pensamentos, as sombras continuam atacando, se aproximando da sua, como se estendessem o máximo que podem para puxá-la.

Com o medo o dominando, uma mistura de seus planos ocorre, Sadh joga as suas sete lâminas em direção ao inimigo, torcendo que alguma passasse pelas seis sombras. No entanto, ele vê suas armas sendo novamente destruídas assim que suas escuridões foram capturadas, apenas alimentou ainda mais o poder daquele homem.

Ao observar a figura imóvel do agressor, Sadh percebe o subir e o crescer das manchas negras em seus braços, como se sua carne estivesse morrendo lentamente. Seria o custo daquele homem?

Ainda se precisa de mais provas, todavia, aquilo não é o foco do jovem no momento. Com suas defesas derrotas, Sadh em fim decide recuar, mas foi tardiamente.

Enquanto a palavra "Dash" sai de sua boca, a sombra de Aurora se aproxima em uma velocidade estrondosa e consegue segurar a escuridão. Sadh desaparece instantaneamente e ressurge a 5 metros de distância, mas algo está errado, o mundo não tem sombras.

Ele só pode levar consigo algo que esteja segurando ou tocando, no entanto, sua sombra não é tangível. Ela ficou presa à escuridão que a segurou enquanto seu dono desaparece, um erro tão simples lhe custou tudo.

O inexperiente se apavora ainda mais, "o que é isso?", "para onde elas foram?". Tais perguntas martelam a sua mente em desespero. O desespero o faz querer fugir, mas isso não é possível, ele não abandonará a Aurora novamente.

Suas sete armas tocam em seu corpo, ele avançará com tudo. Seu plano é quase suicida, já perdeu a sua sombra e não pode ver onde estão as demais, no entanto, é tudo que lhe resta para a ocasião.

Quando as afiadas pontas miram no alvo de casaco peludo, Sadh abre a sua boca para proclamar o seu avanço. Todo o medo do seu corpo o tentam parar, mas a memória daquele caloroso abraço, o sorriso em cada visita o motivam a continuar.

— DAS... — Sua boca se fecha com tanta força, que seus dentes sangram.

O vermelho desliza pelos seus lábios e garganta, junto a isso, um pedaço de sua língua cai no chão, cortada pelos seus próprios incisivos. A força não cessa, algo segura sua mandíbula com uma força sobre-humana, uma sombra o alcançou.

Imóvel, isso que sua boca se tornou, nem mesmo o menor ranger dos dentes consegue ser feito. Mais uma vez falha, não conseguiu salvá-la.

Com uma medida desesperada, Sadh lança suas armas em direção a Moretti com toda força que consegue, porém, o esperado aconteceu, foram detidas. Todavia, dessa vez não são dilaceradas, apenas ficam paradas no ar. Moretti já entendeu como funcionam as maldições de Sadh, e as inutilizou completamente.

O primeiro movimento do vitorioso ocorre, seus passos ecoam pelas paredes de madeira conforme se aproxima do que sangra. Sadh até tenta correr, mas a sombra que o segura não permite tal ação, está à mercê da vontade daquele homem.

Moretti o encara por alguns segundos como se estivesse curioso. Sua mão de madeira sobe até o queixo ensanguentado do loiro, o vermelho se junta à lenha moldada. É um registro daquela batalha, daquela vitória.

Aquele ritual mostra as batalhas vencidas pelo grande general, sua mão tem várias marcas de sangue seco, Sadh foi um oponente digno.

— Duas maldições, que azar. — Moretti não tem nenhuma piedade em seu olhar. — Onde está o Wem?

Com a pergunta, a força sobre a mandíbula diminui, no entanto, o apertar de sua pele indica que a sombra ainda permanece ali, não há como usar seu poder.

— O que você fez com a Aurora? — Sadh estreita suas sobrancelhas, não cooperará com alguém que feriu a sua amiga.

— Imaginei que se recusaria. — Moretti fala enquanto passa por ele, outro inofensivo.

Apesar do movimento indiferente, o rei não deixará Sadh solto. A força da escuridão retorna e a mandíbula do loiro é brutalmente deslocada, o incapacitando de dizer qualquer palavra até que seja recolocada em seu devido lugar. Além disso, as sombras ainda prendem as adagas no ar, para não serem utilizadas como arma.

Sadh pode apenas se lamentar enquanto segura a sua boca, não conseguiu proteger a Aurora em seu momento de maior fraqueza, ele é uma decepção. Lágrimas escorrem pelo rosto, é difícil julgá-lo, é apenas um adolescente de 15 anos no final de tudo, não é ele que deve se arriscar tanto.

Uma sensação entra em seu coração, um desconforto, um ódio. Tais sentimentos repugnantes são uma esperança, afinal, Sadh sabe a origem deles, o Wem apareceu.

Por que justamente hoje ele decide aparecer? A pergunta parece complexa, mas a resposta é simples: o forte nevar deixou as ruas vazias, logo, ele pode perambular pelas vielas sem se preocupar em chamar a atenção.

Sadh consegue ouvir alguns ruídos no corredor, todavia, a confirmação da luta ocorre quando Moretti é jogado para trás, surgindo antes de uma curva. A batalha dos grandes generais começou.

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