X. Fumaça
O frio do quase inverno domina o ventar do nascer da lua, em uma pequena vila ferreira, onde as cinzas são destaque, a população se prepara para a escuridão. As ruas ocupadas por somente por carroças de carvão expõe a solidão dos becos. Entretanto, dois forasteiros se diferenciam da paisagem mórbida e cinzenta, um com um olhar encantado diante as últimas fumaças serem expulsas pelas chaminés e outro apenas procurando algum lugar para dormirem.
A admirada é Aurora, aquelas nuvens negras sumindo conforme sobem ao céu noturno a espantam, uma vez que nunca viu de perto uma forja antes. O som dos martelos e o cheiro da fuligem são experiências novas para aquela ingênua jovem, já para Wem é algo completamente comum e talvez, por isso, ele procura algum abrigo, pois aquele ar não é dos melhores. Porém, mesmo com muita procura, não achou nada, nenhum lugar oferece algum serviço de hospedagem na pequena vila.
Quando estão prestes a desistir da procura, eles notam um único lugar aberto, uma forja. Não é das maiores, mas é a única disponível, devido a isso, rumam a ela sem questionar muito. A entrada simplória junto as paredes de madeira cinzenta deixam uma dúvida sobre ser um abrigo viável. Além disso, o som de metal que ecoava pelas frestas da porta intimida a Aurora ainda mais, todavia, ela ainda mantém a curiosidade sobre o interior.
Ao passarem pela porta, a primeira visão é diversas prateleiras com utensílios comuns, como: pregos, martelos e ferramentas agrícolas. Isso desaponta a jovem sonhadora, haja vista a ilusão que ela detém sobre ferreiros, que seriam pessoas incríveis capazes de forjar qualquer arma ou armadura. Apesar disso, ela se conforma um pouco, coisas comuns devem vender melhor.
Wem toma iniciativa e adentra no estabelecimento sem demonstrar interesse pelos objetos. No fim do corredor, há uma mesa com um pequeno sino, ambos bem em frente a uma robusta porta. Com um pequeno peteleco, o vibrar do metal ecoa por todo cômodo, o que parece alertar o residente, porque os ruídos cessam após isso.
O som de passos antecede a abertura da porta, de lá surge um velho que deve ter seus 60 e poucos anos. Cabelo grisalho, rosto bem redondo com uma face desgostável, já seu corpo é forte, mas magro. Suas vestimentas consistiam em calças e uma bandana suadas.
— O que querem?— O velho pergunta após olhar de pés a cabeça ambos os forasteiros enquanto mantém uma face de desdém.
— Você é o ferreiro? — Wem pergunta ao ignorar o questionamento anterior.
— O que parece?— O homem retruca como se fosse óbvio.
— Parece que senhor é o ferreiro, está todo suado!— Aurora responde sem entender a ironia do velho.
— Queremos estádia para uma noite.— Wem muda o ruma da conversa.
— Se não conseguirmos, vamos ter que dormir nas árvores!— Aurora complementa com clara desavença com a ideia.
— A vila não é muito turística.— O ferreiro dá uma risada irônica.— Não vão conseguir facilmente.— Na última parte, ele diz olhando fixadamente para Wem, um olhar de desprezo.
— Uma moeda de prata. — Wem oferta mesmo diante da afronta.
— Prata? Estão desesperados, não é? — Nesse momento ele começa a procurar algo sobre as pilhas de papéis. — Mas, isso não é o suficiente para me arriscar assim.
— Ah! Por favor! Pode ter grilos lá fora! — Aurora insiste com uma careta de "cachorro pidão".
O velho a observa e levanta uma sobrancelha questionável.
— Quem sabe por um serviço a mais eu deixe vocês ficarem. — Ele fala enquanto puxa um papel do monte.
— Não mexa com ela. — Wem o encara mais sério que o normal.
— Não estou falando disso, encapuzado. — A última palavra ele estica a pronúncia, como se fosse uma ofensa. — Você irá minerar carvão abandonado pelo império, quem sabe você espanta os concorrentes. — Ele volta a rir de forma desprezível.
— V-você é ferreiro de qual especialidade? — Aurora tenta mudar o clima hostil, ela realmente não quer dormir lá fora.
— Materiais básicos e armaduras. — O velho a responde menos agressivo.
— Legal! E por que não tem nenhuma armadura nas prateleiras? — Aurora pergunta olhando para os lados, conferindo que se realmente o que disse.
— Só são feitas sobre medida e são caras demais para ficarem a amostra. — Ele diz como se fosse óbvio.
— Quanto seria uma cota de malha para ela? — Wem pergunta.
— Para mim? — Aurora fica surpresa.
— Normalmente algumas moedas de prata, mas para você uma moeda de ouro. — O ferreiro diz grosseiramente.
O mexer dos casacos incomoda o arrogante, "não é possível que alguém pagará uma quantia tão alta por uma armadura tão simples" é o que pensa. No entanto, ao ver o cair do áureo junto ao da prata sobre a mesa, o rabugento percebe que aquele que tanto desteta sem motivo pagou a sua oferta.
— O quarto é minúsculo e sem janelas. A tranca é para o lado de fora e só será aberta amanhã cedo. — O homem fala com certo amargor.— Armas serão confiscadas.
O velho observa a cintura da Aurora, onde vê a espada estranha presa no velho cinto. A jovem animada com as bugigangas das prateleiras não nota tal olhar.
— Suas armas, forasteiros. — O ferreiro pede mais alto.
— A-a minha espada? — Aurora dá um passo para trás e observa sua lâmina, não quer se distanciar dela.— M-mas por quê?
— Não sei se vocês são bandidos ou sei lá o que.— Ele parece perder sua paciência.— Apenas me dê isso ou vai dormir lá fora!
— M-mas. — Aurora pensa nas suas péssimas noites em cima de árvores.— Está bem... só toma cuidado com ela!
— Eu sou um ferreiro, conheço o metal.— O velho olha brevemente a lâmina antes de se virar para Wem.— E a sua?
— Não uso armas.
— Então você deixa a garota lutar sozinha? — Ele dá uma risada antes de virar.— Se tentarem algo serão expulsos.
A porta cinzenta se abre, mostrando o interior do lugar. Paredes grossas de pedra com fuligem junto ao chão negro de restos de carvão são predominantes na paisagem mórbida daquela residência. Além disso, só 3 grossas portas negras pela imundice ficam avista no estreito corredor.
O destino deles é a última, que parece a mais abandonada. Dentro dela, há diversos mantimentos secos além de materiais para a forja que cercam uma minúscula cama abarrotada de poeira.
Aurora parece um pouco receosa para entrar ali, caberiam os dois? Todavia, antes que pudesse repensar de ideia, ouve a porta atrás de si ser fechada e trancada.
— Não quero ouvir nada! — A voz do ferreiro se distancia. — Se não a porta ficará trancada!
O pequeno espaço logo se torna escuro com o apagar das velas no corredor, nem a lua poderia ajudar agora, pois não há janelas. Aurora fica um pouco sem graça naquela situação, será uma noite complicada para ambos.
— P-pequeno né? — Aurora tenta achar a cama. — Como vamos dormir aqui?
— Durma na cama, eu sento perto da porta. — Wem responde já se acomodando.
— Mas não vai incomodar? — Aurora senta no colchão duro. — Você fez isso na floresta... agora você não precisa ficar de guarda!
— Descanse, você continua ferida.
— Mas você vai se machucar assim! — Aurora se deita na cama e mexe os braços para ver o tamanho dele. — Acho que cabe nós dois se dormirmos de lado.
— Apenar durma. — Wem diz mais sério.
— Não, não! — Aurora balança a cabeça. — Se você ficar no chão, não vou dormir!
Antes que Wem possa responder, o ferreiro grita para calarem a boca. Aurora encolhe um pouco com o som, porém, volta rapidamente a olhar para o seu companheiro.
— Está vendo? É melhor vir logo antes que ele nos expulse. — Ela cochicha enquanto o convida com suas mãos.
Wem resmunga um pouco no momento que se levanta. Nesse meio tempo, Aurora dá algumas batidinhas na minúscula cama para limpa-lá, desse modo, a jovem começa a espirar pela quantidade de pó.
Quando fica satisfeita, ou melhor, desisti da limpeza improdutiva, olha para seu amigo e o vê retirar o último casaco. Apesar do escuro, seu vulto não diminuiu de tamanho sem os tecidos, ele realmente é enorme, o maior humano que já viu. Ela se pergunta se isso tem algo haver com sua maldição, não é normal ser tão forte.
Quando ele se deita, Aurora quase é jogada para fora da cama, talvez ela tenha calculado mal o real tamanho do móvel. Todavia, com alguns segundos de preparação, eles já estabeleciam suas posições de tal modo que pelo menos metade do corpo ficasse em cima do colchão. Suas costas se toca, por isso, ela sente o calor e a respiração pesada dele, e por algum motivo, isso parece a confortar, se sente segura.
Com tal mordomia, não demora para que a jovem sonhe com algo normal, não com aquele campo florido. O frio da noite de quase inverno é avassalador, até mesmo em um ambiente fechado e abafado ele congela a pele desprecavida, nem mesmo a mente inconsciente está livre.
Parte da noite se passa com o tremular da garota, no entanto, em um certo ponto do escuro, a frio passou. A imaginação trivial acelera o tempo, pois Aurora já estava farta de descansar.
O dia já subjugou a tormenta gélida, até mesmo naquele quarto sem janelas há claridade. Com olhos cansaços, a sonhadora se espreguiça na cama para começar o seu dia. Nesse momento, ela percebe que está sozinha no quarto, a porta já está aberta.
Todavia, há uma marca de seu companheiro remanescendo no alojamento insalubre, um dos seus casacos cobria a Aurora, por isso parou de tremer no meio da noite. Não pôde evitar ficar um pouco rosada por tal ato de afeto, por menor que seja.
Ao se levantar, tenta retribuir a boa ação ao organizar o quarto, o que ela falha miseravelmente. Percebendo sua incapacidade, tenta ao menos dobrar o casaco, falhando mais uma vez. Ela sai do aposento derrotada e decepcionada consigo mesma, pelo menos carrega o casaco consigo.
Percebendo que a porta já estava aberta, deduz que dormiu de mais, logo se levanta e tenta dobrar aquele casaco, mas falha miseravelmente e acaba deixando ele todo embolado em cima da cama. Depois disso passa pelo corredor e ouve a batida metálicas e uma porta aberta.
Com uma pequena espiada, ela percebe que o corredor está vazio, porém um forte e estridente som de metal ecoava por uma porta aberta. Com passos delicados ela caminha até a origem do barulho, encontrando lá o velho ferreiro.
Um metal radiante era moldado sobre uma bigorna, Aurora se encanta ao ver a incrível arte da ferraria, pois um verdadeiro espetáculo de faíscas acontece. O brilhar da peça flamejante a deixa tão espantada que ela nem percebe ser uma simples foice.
— O que você quer? — O ferreiro pergunta sem desviar o olhar.
— B-bem... você sabe onde o Wem está? — Aurora sai da hipnose do metal.
— Esse é o nome dele? Foi para a mina como o combinado. — O velho dá uma última marretada antes de jogar a foice incandescente em um balde de água. — Finalmente posso ter paz sem ele por perto.
— Entendi... você sabe para onde fica esse lugar? — Aurora ignora os sutis insultos do velho.
— Lá não é lugar de mulher. — O ferreiro puxa a picareta já escura e a leva para uma mesa.
— Hum! Então posso esperar aqui? — Aurora pergunta com o intuito de ver mais de perto a forja.
— Não, você já está aqui a tempo demais.
— ... E cadê a minha espada? — Aurora fica emburrada.
Ao se aproximar, a jovem nota que o tecido, na verdade, é feito de correntes de ferro trançadas umas sobre as outras. A cota de malha brilha com o arder da forja, iluminando os olhos da jovem. Ela não se lembrou da cota quando acordou, o dia começa com uma surpresa agradável.
Aurora rapidamente prende sua espada em seu cinto e segura a sua nova defesa. Seus braços tremem um pouco com o peso do metal, ela não acredita no peso de uma armadura com furos. Ela parece ansiosa para experimentar, por parecer condizer com seu tamanho. Dessa forma, ela se vira com um sorriso em direção ao velho.
— Nossa, ficou muito legal! — Ela comemora ainda fascinada. — Posso vesti-lo?
— Ela é sua, faça o que quiser. — O ferreiro responde aborrecido com o barulho da jovem.
— Valeu! Mas será que posso colocar aqui?— Aurora pergunta enquanto coloca a armadura em frente ao seu corpo, como se o experimentasse. — É por que tem que ser debaixo das roupas, né?
O velho para de forjar a olha com o canto dos olhos, um olhar suspeito, talvez até mesmo malicioso. Todavia, em alguns segundos ele suspira e volta a olhar para o fogo.
— Vá no quarto e não volte. — Ele fala entre os sons do martelar.
— Obrigado! — A de olhos verdes agradece animada.
Uma pequena corrida a leva ao quarto insalubre em poucos segundos, assim, ela rapidamente coloca sua armadura por debaixo de seu vestido. Extremamente curiosa para ver como está, ela não hesita em sair do quarto em busca de algo reflexivo para se vangloriar.
Ao passar em frente da forja, nota o ferreiro reclamando sozinho, no entanto, ela decide não intervir, apenas sai sem dizer nada.
Ao chegar na porta da pequena forja, ela olha para os lados a procura de um rio ou um poço. Todavia, a pequena vila só parece ter mais e mais construções fumegantes. Apesar disso, ela respira bem fundo o ar contaminado de cinzas e sai a procura de algo, portanto apenas sua espada e o casaco de seu amigo.
Enquanto caminha sem rumo aparente, percebe o intenso fluxo de pessoas, uma imagem bem diferente da noite deserta. A maioria delas não parece ser do exército ou de um grupo de mercenários, são apenas pessoas comuns. Entretanto, gastam suas últimas e preciosas moedas em armas devido ao medo do incerto.
Não se sabe exatamente o que acontecerá com as antigas terras do Império Valôm. Uma era de paz ou de guerras pode surgir, isso amedronta os refugiados de suas vilas destruídas.
O movimento do Contra-império surgiu com a união de diversas resistências regionais, por isso, há uma grande expectativa na divisão das terras em vários reinos. Por outro lado, nenhum movimento para essa tal repartição aconteceu até o determinado momento, será que uma nova guerra civil acontecerá? Nem mesmo a Igreja Católica parece ter a certeza do futuro incerto.
*Isso explicava porque nenhuma chaminé daquela vila não estava suja, deve ser um dos únicos centros urbanos que tiveram alguma melhoria com todo esse caos.*
Todos esse sentimento triste começou a afetá-la. Ela queria fazer algo por aquelas pessoas, mas sabia que naquele momento não podia, não conseguiria mudar o mundo sendo tão fraca. Além de que sua jornada era outra, derrotar o possível mestre das maldições já era uma tarefa que beneficiaria aquelas pessoas, visto que os seres amaldiçoados não seriam mais usados como arma.
Conforme ia andando começa a perceber algo estranho. Sentia como se visse um senhor de uns 35 anos várias vezes em seu caminho, mas nunca ele passava de volta por ela, só aparecia em sua frente. Até que em determinado momento ele passa ao seu lado e ela sente como se sua espada tivesse sido puxada, foi um movimento bem sútil, se ela não tivesse desconfiada nunca sentiria tal movimento. Ela olha para sua bainha e constata que a sua espada não estava mais lá. Dá meia volta e vê aquele homem tentando se disfarçar na multidão.
— EI! VOLTA AQUI! Grita a Aurora.
Ele começa a correr e a Aurora o segue, embora tivesse dificuldade em acompanhá-lo, já que ele era muito ligeiro apesar da idade. Mesmo se esquivando dos obstáculos de maneira perfeita, teve o azar da cidade estar quase vazia, desse jeito a Aurora começou a se aproximar pouco a pouco até quase conseguir encostar nele. De repente, ele pula sobre uma carroça de carvão e dá um chute para trás neles, jogando fuligem nos olhos dela.
— AI! VOLTA AQUI! SEU BOBOCA! Ela grita tentando limpar sua visão.
Quando consegue abrir os olhos novamente, não consegue mais o encontra. Mesmo olhando para todos os lugares, não havia nenhum sinal e, quando mais tempo passava, mais desesperada se tornava.
— NÃO, NÃO, NÃO! CADE! CADE! Diz quase ficando tonta.
Até que um brilho começa a ir em direção aos seus olhos, como se quisessem chamar sua atenção. Desse modo, ela olha em direção a origem de tal luz e o vê com metade do corpo escondido atrás de uma parede. Nas suas mãos segurava sua espada, a qual realizava essa clareza.
Ela sem nem pensar duas vezes avança naquela direção e vê o homem sumir para de trás da parede, mas ela ainda não desiste da sua procura.
Ao chegar no local ela se vê cercada de muros, não havia nenhuma passagem convencional ali, logo começa a se perguntar como ele havia saído dali.
Ao procurar mais um pouco percebe uma caixa, não era tão grande, porém havia marcas de pegadas deixadas por fuligem, por isso ela começa a olhar a parede a qual a caixa estava encostada e supõem que ele havia escalado.
— Mas que cara malandrinho... quando eu te achar vou uma bofetada no bumbum! Diz a Aurora enquanto tentava escalar o muro.
Depois de alguns esforços ela cai de bunda no chão no outro lado. Ao se levantar, dá uma batida em seu vestido para limpá-lo e depois começa a correr tentando encontrá-lo.
Até que passa por um beco e sente algo segurá-la. Antes mesmo de qualquer reação, ela é puxada e jogada contra a parede, ficando cara a cara com o ladrão.
— Me achou estrelinha. Ironiza o ladrão com um sorriso.
— Me solta cabeça de melão! A Aurora Responde brava.
— Cabeça de melão não é um bom nome, pode me chamar de Sadh, haha!
Nesse momento ela lembra do cartaz que avistou no império: "Roubos em pequenos vilarejos ao sul da Capital, relatos dizem que o suspeito parecia 'desaparecer' e aparecer alguns metros adiantes. Conhecido pelo nome Sadh".
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