01

Uma semana. 

Selene levou exatamente uma semana inteira para se recuperar. 

Apesar do médico do Red Force ter lhe prestado os primeiros socorros no instante em que seu Capitão a levara até o navio. Ela ainda teve de lidar com muitos outros sintomas, considerando a quantidade exorbitante de veneno que havia em sua corrente sanguínea. 

Ela lidou com os mais diversos tipos de mal-estar. Além de continuar vomitando tudo o que ingeria, ainda passara três noites queimando em febre. Por diversas vezes ela tivera algumas lembranças, as quais nunca soube dizer se realmente as viveu, ou se estava apenas delirando. Como o fato de ter visto Shanks durante as três noites sentado ao lado da cama, colocando compressas em sua testa e falando sobre o quanto estava preocupado com ela. 

Isso provavelmente havia sido apenas um delírio. 

Sua cabeça doeu de forma absurda nos dias seguintes, mas no quinto dia, ela já estava conseguindo se alimentar. E isso foi o bastante para que ela tivesse forças pra se levantar sozinha e ir se lavar. Sentindo que seu corpo inteiro cheirava a remédios e mofo por ter ficado tanto tempo prostrada naquela cama. 

No oitavo dia, ela finalmente levantou se sentindo disposta. Como se todas as suas energias tivessem retornado para seu corpo. O que a fez ter coragem de finalmente sair de dentro daquele quarto e lidar com a claridade do lado de fora. 

O sol estava no topo do céu. Ela sentiu seus olhos queimarem ao lidar com o calor e a claridade extrema. O que a fez tampar sua visão com um braço, enquanto via o vulto de algumas sombras paradas logo adiante dela. 

Piscou várias vezes e abaixou o braço, encarando vários homens parados a sua frente. A maioria tinha esfregões e baldes nas mãos, indicando que provavelmente estavam fazendo uma faxina no navio, antes de pararem para encara-la. Suas expressões eram de puro pavor, dava pra sentir o medo deles de longe. 

— Onde está o capitão de vocês? 

Um rapaz magro e mais baixo de todos, que segurava um esfregão na mão e tremia por inteiro. Apontou pra cima. 

— Ele está na cabine dele, em reunião com os Vices Comandantes das frotas. — Até mesmo seu tom de voz era trêmulo. E isso fez Selene se sentir bem melhor, já que aparentemente sua presença ainda causava medo nos Piratas. 

— Obrigada. — A morena sorriu antes de dar as costas para todos e seguir em direção as escadas. 

Ela subiu pro segundo andar do navio, tendo seus passos extremamente silenciosos. Já que não estava com suas botas de costume, e sim, descalça. Pisando levemente sobre a madeira do piso do navio, indo em direção a cabine do ruivo. 

De longe ela já pode ouvir algumas risadas masculinas. Se eles estavam tendo alguma reunião séria, provavelmente ela já deveria ter acabado. 

Selene segurou na maçaneta e tomou a liberdade de abrir a porta antes mesmo de bater. Todos que estavam rindo, pararam imediatamente, no instante em que Shanks também parou de rir e direcionou seu olhar para ela. Fazendo com que todos os outros fizessem o mesmo e o ambiente mergulhasse no mais perturbador e profundo silêncio. 

Diferente dos outros piratas que ela encontrara no convés. Esses não pareciam nem um pouco assustados com sua presença. Ela reconhecia todos os rostos familiares deles. Mesmo que já tivessem se passado anos, não tinha como não se esquecer da tripulação cômica do ruivo. Que combinava perfeitamente com a personalidade dele. 

Uma sensação familiar tomou conta de seu peito. Mas ela lutou ardentemente para afastar isso, se recordando que ela tinha objetivos a cumprir e não tinha tempo para ter nostalgia alguma. Ainda mais com aqueles, que agora, eram seus inimigos. 

— Olha só quem finalmente levantou da cama. — Shanks tomou a dianteira em puxar assunto, se levantando de seu lugar atrás da mesa e caminhando na direção dela. 

Os dedos de Selene pressionaram com força a maçaneta, enquanto ela via o homem alto quebrar a distância entre seus corpos. 

Por um breve momento ela prendeu a respiração. Erguendo a cabeça para manter seu olhar fixo no dele. 

— Estou atrapalhando vocês? — Ela tentou manter sua voz firme, por mais que tivesse o peitoral forte do ruivo a poucos centímetro de seu rosto. 

— Não, nós já terminamos. — Ele sorriu. — Como está se sentindo? 

— Bem melhor, obrigada. 

— Não há de que. 

A conversa se desenrolava como se eles não tivessem uma plateia com mais de dez homens, que os observavam em silêncio. 

Selene desviou os olhos de Shanks, para virar a cabeça pro lado e encarar os outros que nem se quer disfarçavam a curiosidade em acompanhar o desenrolar da conversa deles. 

— Que bom que melhorou, Selene. — Ela reconheceu a voz de Benn do outro lado, encarando o homem alto que tinha um cigarro na boca. Um hábito que aparentemente ele nunca largara. 

— É verdade, a gente não aguentava mais o capitão choramingando pelos cantos todo preocupado com você. — Yasopp riu. Fazendo a mulher desviar os olhos do imediato, para encarar o atirador. 

A morena voltou seus olhos para o ruivo, que agora tinha um sorriso contido em seus lábios,  abaixando o olhar de modo constrangido. 

— Vocês são um bando de fofoqueiros. Não sabem mais respeitar seu capitão? — A voz rouca dele ressoou num tom mais grave que o normal. 

Mas ninguém ali pareceu realmente se sentir intimidado com isso. 

Por um instante Selene se viu sorrindo com toda aquela situação. Até ela finalmente notar que estava a vontade demais entre eles. 

Shanks a estava encarando, o sorriso dele se alargou em sua face e só então ela percebeu que era por sua causa. O que a fez recuar um passo para longe do capitão e fechar sua expressão novamente. Cruzando os braços abaixo do busto. 

Ela pigarreou antes de voltar a falar. 

— Agradeço por terem me salvado. Mas qualquer tipo de vínculo que acham que possamos ter tido, se encerra agora. Preciso de um barco para partir. 

Ninguém ali se quer moveu um músculo. Parecendo ignorar as palavras da mulher. 

Ela olhou para o capitão, que apenas franziu as sobrancelhas. 

— Você ainda não está liberada pelo médico. 

— Estou me sentindo muito bem, preciso ir embora. 

— Mas não vai. — Shanks reforçou, voltando a uma postura mais firme e séria perante a mulher. — Enquanto o médico não lhe der alta, você não vai pra lugar nenhum. E outra, estamos sem barcos no momento. Mandei alguns homens resolverem algumas coisas pra mim e estamos no meio do oceano da Grand Line, não tem como ir a lugar algum até pisarmos em terra firme. 

Sem barcos. 

Selene sentiu sua respiração pesar com aquela informação. 

Como assim não tinha como ela sair daquele maldito navio? 

Por um mínimo momento, ela desejou ter morrido envenenada, se soubesse que teria de passar mais tempo dentro daquela embarcação, ainda mais na presença de um dos Piratas que ela mais odiava. 

Shanks sabia o que ela estava sentindo no momento, por isso, manteve seu olhar sobre a morena. Com a expressão mais divertida do mundo. Ele deveria estar adorando aquilo, enquanto que a Katsaros, sentia que poderia enlouquecer nos próximos mínutos. 

— Quanto tempo falta pra próxima ilha? — Ela perguntou, lutando internamente contra seu nervosismo. Não querendo transparecer o quanto aquela situação lhe deixava desesperada. 

— Embarcamos da última ilha ontem a noite, agora vai levar algumas semanas até a próxima. 

Noite passada. 

Ela não sabia que eles tinham aportado em uma ilha, porque passara tempo demais dormindo e as poucas vezes em que acordava, mal tinha noção do que estava acontecendo ao seu redor. 

Tinha perdido uma oportunidade de finalmente ir embora. E agora estava condenada há semanas junto do ruivo. 

O quão ruim aquilo poderia ser? 

Ela respirou fundo por um breve instante e então se lembrou de quem realmente era. Que havia um grupo de Piratas no andar de baixo que tremia de medo apenas em ver a sua figura. 

— Acho que a minha presença aqui pode acabar dispersando uma boa parte da sua tripulação, Ruivo. 

— Eles são novatos, mas tenho certeza de que podem lidar com isso. — O homem balançou os ombros com certo desdém. 

O que irritou intensamente a morena. 

Seus olhos azuis tão gélidos quanto os climas mais frios da Grand Line não parecia intimidar nem um pouco um dos Yonkou. 

Ela abriu e fechou os punhos por diversas vezes, seu coração começou a bater mais forte no peito. E a única reação que Selene conseguiu ter, foi de dar as costas para o Pirata e caminhar em passos largos pelo corredor, subindo os últimos degraus da escacada para ter acesso a popa do navio. Onde ela deslizou seu corpo até a borda, se sentando na lateral, tendo uma vista privilegiada de todo o mar. 

Foi uma sensação estranha aquela que sentiu ao olhar pro enorme oceano. 

Era familiar demais o cheiro do oceano. Mas ela tinha a sensação de que havia passado anos demais longe do mar, mesmo que constantemente ela viajasse de ilha em ilha. Mas não era a mesma coisa, ficar inclusa dentro de pequenas cabines de navios gigantes, não lhe dava a mesma sensação de liberdade que apenas um navio Pirata poderia proporcionar. 

Por que ela estava sentindo pontadas em seu peito com aquela constatação? 

Ela era livre, não era? 

Não era uma Pirata, mas era livre. Por que ela sentia como se tudo isso não passasse de uma farsa? 

Ficou ali sentada por mais tempo do que ela poderia se quer ter reparado. 

Se assustando no instante em que ela notou a presença do ruivo ao seu lado. Ele lhe estendeu um prato com duas fatias de pães e algumas frutas. 

Só então Selene reparou que ainda não havia comido nada desde que acordara. Seu estômago roncou e ela aceitou o prato de bom grado, pegando uma fatia de pão com geleia e dando uma mordida. 

— Não precisa ser tão arisca aqui, você não é uma prisioneira. Está mais para convidada. — O ruivo começou a falar depois de ver que ela já tinha devorado metade do conteúdo do prato. 

Selene o encarou elo canto dos olhos, tendo suas bochechas inchadas pelas uvas que havia colocado na boca. 

— Sabe que somos completamente diferentes. — Ela ressaltou depois de engolir as frutas. 

— Fala como se também não fosse uma Pirata. 

— E eu não sou. Não me confunda com sua espécie, Shanks. Eu sou aquela que um dia vai eliminar todos vocês. — A morena estreitou seus olhos para o ruivo, num tom ameaçador que não surtiu efeito como ela queria. 

Shanks maneou a cabeça e deu um pequeno sorriso a ela. 

O que a deixou ainda mais irritada. A simples existência daquele homem, testava todos os limites neurológicos de Selene. Ele parecia ter nascido especificamente para leva-la ao limite de sua sanidade. 

— Você tem falado com seu pai? 

O desvio de assunto do ruivo, enfatizado naquela pergunta, fez Selene se contrair no lugar. Rosnando para o homem como se ela fosse um animal selvagem. 

— Ele não é meu pai. 

— Não de sangue, mas ele criou você. E isso já é muito mais do que muitos pais fazem por ai. De qualquer forma, seu pai biológico era um pirata, o adotivo também. Você tem o mesmo sangue que eu correndo em suas veias. Não sei porque ainda se comporta dessa maneira. Quando vai aceitar seu destino, Selene? Quando vai se olhar no espelho e confessar para si mesma, que você é filha do mar? Que você também faz parte da escória que tanto diz repudiar? 

Seu sangue ferveu. 

Ela sentiu como se tivessem brasas percorrendo toda sua corrente sanguínea. 

Seu corpo todo tremia perante a raiva contida em cada palavra dele que ela simplesmente teve de engolir. 

Fazia tanto tempo que ela não era confrontada daquela forma. Que realmente não esperava ainda ser tão afetada por esse assunto. 

E mal percebeu quando sua mão foi de encontro ao rosto do ruivo. Fazendo com que apenas o som do tapa ecoasse por todo o local, afundando o coração dela numa bola pesada e maciça de puro rancor perante a si mesma. 

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