Prólogo
- São dez mil beris.
- Sério? Você não acha que cobra muito pouco para algo tão valioso? - O simpático senhor a encarava com certo espanto enquanto lhe estendia as moedas correspondentes ao pagamento pelo seu trabalho. - Você é uma grande artista, Perséfone. Deveria valorizar mais o seu trabalho.
- Não posso cobrar mais do que os habitantes dessa cidade poderiam pagar, Sr. Magnus.
Ele apenas balançou os ombros e pegou o quadro embrulhado para presente que havia encomendado para sua esposa, pendurou abaixo do braço e partiu pelas ruas movimentadas da cidade.
Persefone enfiou as moedas na pequena bolsa que carregava presa ao redor da cintura e girou sobre os calcanhares para voltar até a barraca de frutas que ela havia deixado sobre os cuidados de Elizabeth.
Sua amiga estava escorada no balcão, com o queixo apoiado sobre a mão e uma expressão de tédio que parecia ser a única que possuía em toda a sua vida.
A mesma ergueu o corpo novamente quando viu Persefone se aproximar e lançou-lhe um sorriso quase constrangido.
- Você não pode sair daqui, as pessoas não querem comprar comigo. Elas passam aqui só pra perguntar onde você está.
- Porque você não sabe ser simpática com eles. - Brincou, vendo a outra revirar os olhos e cambalear pra trás, lhe dando espaço para assumir o balcão de atendimento.
- Eu nunca seria simpática com essas malditas pessoas, você sabe, elas são o reflexo do caráter do rei Arthur. E eu odeio imensamente aquele homem esnobe que se acha um deus.
- Ele não é tão ruim assim. - Assentiu vagamente, ajeitando as frutas que estavam quase caindo dos caixotes. Realmente, desde que ela sairá Elizabeth não havia vendido uma fruta se quer.
- Você diz isso, porque ele não resiste aos seus encantos. Todo mundo da cidade sabe que ele arrasta uma tropa inteira de homens por você. -A morena inclinou seu corpo pro lado, virando a cabeça na direção da amiga de forma que ficasse com o nariz quase colado ao seu. - Você é uma maldita bruxa, sabia? Me conta seu segredo. Por que todos os homens dessa merda de cidade parecem se apaixonar por você?
- Que exagero. - Balançou a mão no ar, começando a sentir um nó em seu estômago com aquela informação. Ter de ouvir diariamente que tinha algum tipo de encanto sobre os homens, a deixava extremamente desconfortável. - Pare de falar merda e me ajude a organizar essas frutas.
- Tsc... - Elizabeth estalou a língua no céu da boca, empurrando-a com o quadril para lhe dar espaço para organizar a caixa. - Não vejo a hora de aparecer um homem que vai deixar a grande Perséfone tão louca de amores, que ela vai perder todo esse encanto de bruxa.
Persefone não conseguiu segurar o riso ao ouvir aquelas palavras, Elizabeth era sempre tão dramática e intensa com suas palavras que ela nem se quer conseguia levar a sério. Mas no fundo sabia que ria para tentar afastar a verdade por trás de todas as suas palavras, não que achasse que tivesse algum tipo de encanto sobre os homens daquela cidade, ou até mesmo do Rei Arthur, a verdade era que ela apenas era simpática com eles. E diferente da amiga, não tratava as pessoas como se elas fossem desprezíveis. Porque até mesmo as mulheres de Ons Island gostavam dela e eram suas amigas.
Elizabeth que era amarga demais. Tão amarga que Persefone ainda se questionava como havíam virado melhores amigas? Elas eram totalmente o oposto de tudo uma da outra, mas mesmo assim, não conseguia imaginar a sua vida sem aquela maldita morena.
Tentou se concentrar no trabalho enquanto ouvia a mulher do seu lado reclamar de tudo, desde as pessoas da cidade, até as roupas que elas usavam, ou então de suas próprias roupas, ou sobre o fato das horas não estarem passando. Mas Persefone achou que estivessem, na verdade, o final do dia chegou tão rápido que ela só havia se tocado que o sol já desaparecia no horizonte, quando uma sombra pairou logo acima da caixa de frutas, lhe chamando atenção para um grupo de homens que haviam parado logo a sua frente.
- Boa tarde, senhoritas. - Um dos homens, o que estava logo a frente de outros que eram tão altos quanto ele, a encarava enquanto segurava seu chapéu de palha contra o peito, fazendo com que a brisa do fim da tarde balançasse seus cabelos negros e rebeldes. - Poderiam nos vender o restante dessas frutas?
Persefone piscou um pouco perdida, levou longos segundos para conseguir processar o que ele estava lhe pedindo, tudo isso porque seus olhos não conseguiram se desviar das Iris escuras dele que a observavam com uma intensidade que ela não conseguia destinguir o que significava, ou se aquela era realmente a forma como ele olhava para todos. Fora que havia um largo sorriso em seu rosto, destacando todos seus dentes perfeitamente alinhados e brancos. Um sorriso bonito.
- Perséfone!
A loira se sobressaltou ao sentir sua amiga acertar o cotovelo nela, chamando sua atenção.
Balançou a cabeça para os lados, se sentindo tão atordoada que precisou respirar fundo para se concentrar no trabalho enquanto o homem ainda a encarava com aquele enorme sorriso no rosto. Bom, tudo nele era enorme ou remetia a isso, porque claramente era um dos homens mais altos que ela já tinha visto na vida, não que os outros que estivessem com ele fossem menores, haviam alguns que pareciam ser mais altos até mesmo que ele, mas ela mal conseguia prestar atenção.
-Desculpe. - Se atrapalhou um pouco, conforme Elizabeth lhe estendia uma sacola para colocar as frutas dentro. - São... São dois mil beris. - Conseguiu dizer com um pouco de dificuldade, mal tinha reparado que seu coração estava batendo de forma mais pesada no peito e que sua respiração se encontrava no mesmo estado.
- Muito barato para tantas frutas bonitas. - Ele respondeu, mas seus olhos não abandonaram os dela em nenhum momento, mesmo quando ele pegou a sacola de suas mãos e seus dedos ásperos deslizaram contra os dela, de uma forma que a mesma sentisse uma carga elétrica percorrer todo seu corpo, tão leve que fora o suficiente só para lhe causar arrepios.
- Eu sempre digo isso pra ela. - Elizabeth comentou de forma animada. - As frutas do pomar da Perséfone são as melhores de toda Ons Island.
- Tenho certeza que são. Pegue, pode ficar com o troco. E tenham uma ótima noite, senhoritas.
Persefone só percebeu que ele havia jogado um saco cheio de moedas sobre a bancada, quando o mesmo maneou a cabeça em sinal de reverência e colocou o chapéu novamente sobre sua cabeça, lhe dando as costas e seguindo na direção oposta do centro da cidade, junto dos outros homens que o acompanhavam.
- Cacete! - O grito estridente da morena ao seu lado a assustou, fazendo com que ela encarasse sua amiga, que estava olhando para dentro do saco de moedas, balançando enquanto parecia contar mentalmente. - Deve ter uns cinquenta mil beris aqui.
Mal pode conter a expressão de choque com aquilo, era um valor muito mais alto do que ela cobrava. Aquilo não deveria ser verdade.
Pegou o saco de moedas das mãos de Elizabeth e passou a contar uma por uma, mal contendo seu nervosismo ao perceber que ali realmente tinha cinquenta mil beris. Era dinheiro demais, ela não podia aceitar tudo aquilo de forma alguma, aquelas frutas eram especiais, mas não valiam tudo aquilo, ainda mais a pequena quantidade que eles levaram.
-Eu vou devolver. - Avisou depois de guardar tudo dentro do saco novamente, tendo deixado fora apenas os dois mil beris que realmente era o preço exato.
- O que? - Elizabeth gritou sem se importar que as poucas pessoas que passavam ali naquele fim de tarde estivessem olhando na direção delas. - Não, você não vai devolver. São quarenta e oito mil beris a mais, isso vai ajudar muito a gente.
- São quarenta e oito mil beris a mais desnecessários. - Brandou, afastando o saco para trás do seu corpo para impedir que sua amiga tomasse dela.
- Sério, Perséfone. Deixa de ser chata, a vida te dá tantas oportunidades e você consegue jogar todas elas pro alto como se não fossem nada. Pode deixar de ser justa ao menos uma vez na vida?
- Não dá, parece que estou fazendo algo errado se eu ignorar esse dinheiro. Eu não mereço.
- Eles também não, inclusive, nem vão se importar. Esse dinheiro é claramente roubado, já que eles são piratas.
-Piratas? - Arqueou uma sobrancelha com curiosidade quanto aquela informação. Ela mal sequer havia reparado em todos eles para constatar que tipo de grupo de homens eram.
- Eu ouvi o pessoal comentando mais cedo que um navio pirata tinha aportado no cais essa manhã, acho que são eles, já que nunca os vi na cidade antes. Aquele cara deve ser o capitão deles, o de chapéu e bigode engraçado. - Persefone continuou piscando confusa para sua amiga enquanto ela lhe explicava. Só então percebeu que ela mal havia prestado atenção direito nele, exceto seus olhos e o sorriso. - Então deixe de ser chata e vamos ficar com esse dinheiro.
Ponderou por mais alguns minutos sobre aquilo e chegou a conclusão que mesmo que eles fossem piratas e aquele dinheiro fosse realmente roubado, ela não podia simplesmente ignorar que era dinheiro demais e que não deveria ficar com tudo aquilo. Por isso, fechou a sua tenda e se pos a caminhar pelas ruas de Ons Island, enquanto sua amiga corria logo atrás dela, gritando pra cidade inteira ouvir que ela não deveria fazer aquilo. Mas não tinha outra opção, Persefone não conseguiria relaxar enquanto não devolvesse aquelas moedas.
Andou por toda a cidade tentando encontrar algum vestígio daqueles homens, mas não tinha nenhum sinal deles, perguntou para alguns moradores e ninguém sabia lhe responder para onde eles tinham ido, fora que fizeram algumas caras e bocas pra ela, como se a sua pergunta tivesse ofendido a eles. Tentou ignorar esses gestos e passou a procurar de estabelecimento em estabelecimento. Elizabeth não parava de xingá-la e dizer que já estava cansada de tanto andar e que talvez os piratas já tivessem ido embora. Persefone tentou mandar ela ir para casa, mas a mesma recusou a deixá-la sozinha, dizendo que já estava tarde demais pra isso.
Caminharam até o outro lado da cidade e o som de risadas altas vindo de um dos bares atraiu a a atenção das duas, rumaram na direção do estabelecimento e assim que empurraram as portas duplas de madeira, encontraram o grupo de piratas que Persefone tanto procurava. Eles estavam amontoados ao redor de uma mesa pequena, bebendo e rindo muito alto, de forma que as poucas pessoas da cidade que estavam ali, pareciam extremamente desconfortáveis com toda aquela baderna.
Mas a loira não se importou, seu único objetivo era devolver aquele dinheiro que já estava pesando demais em sua cintura. Caminhou em direção a mesa deles e assim que os olhos do homem de chapéu pousaram sobre ela, sentiu suas pernas vacilarem, era como se ela tivesse perdido o controle do seu corpo.
Todos eles pararam de rir e passaram a dirigir seus olhares na direção das duas mulheres. Persefone senriu quando Elizabeth agarrou seu braço e apertou com um pouco de força, como se ela estivesse apavorada com toda aquela situação. Sinceramente, ela não se sentia assustada, sentia outra coisa, mas que não sabia descrever naquele momento o que realmente era.
- Com licença... - Conseguiu dizer assim que se aproximou deles. Elizabeth apertou seu braço ainda mais forte, sentiu que ela estava tremendo. E Persefone também estaria se não estivesse tão concentrada com a sensação estranha de algo se movendo na sua barriga.
- Olha se não é a moça bonita de mais cedo. -A forma animada como ele proferiu aquelas palavras num elogio destinado a ela, fez com que a mulher sentisse suas bochechas queimarem.
- Me perdoe por atrapalhar vocês...
- Não está atrapalhando. - Ele lhe interrompeu antes que a mesma pudesse prosseguir.
Pelos deuses, por que era tão difícil falar com aquele homem? Sentia que minha sua voz ia falhar a qualquer instante, enquanto seus dedos trêmulos pegavam a sacola de moedas dentro da bolsa em seu quadril.
- Eu vim devolver os quarenta e oito mil beris a mais que me deu.
Viu ele arquear suas sobrancelhas grossas conforme ela deixava o saco sobre a mesa. Todos os outros homens que estavam com ele também a encararam da mesma forma, como se não entendessem o que a loira estava fazendo.
- Por que?
- Não posso aceitar todo esse dinheiro.
- Mas eu disse que era o troco.
- Quarenta e oito mil beris não é troco, é muito mais do que eu deveria receber.
- Pense como um bônus. - Ele segurou o saco e estendeu na direção dela novamente, mas Persefone balançou a cabeça de forma negativa.
- Não posso aceitar.
- E eu não quero isso de volta, acho que estamos com um impasse aqui.
- Pelos deuses, Perséfone, pegue logo esse dinheiro e vamos embora. - Elizabeth ralhou logo atrás da amiga, seu tom soou mais irritado que o normal.
- Não, eu já disse que não posso. - Retrucou e escutou o som de sua respiração pesada.
- Deveria escutar a sua amiga. - O homem de sorriso bonito insistiu, balançando o saco de moedas em suas mãos. - Você não vai deixar de ser uma pessoa boa por aceitar algumas moedas a mais.
- Você não sabe se realmente sou boa. - Rebateu, apoiando uma mão na cintura e batendo a sola de minha bota contra o piso de madeira, estava começando a ficar ansiosa demais. E a culpa era toda daquele estranho.
- Sim, você é. - Ele riu alto, uma risada áspera e grossa, mas tão contagiante que ela quase sorriu com a alegria dele. - Vamos fazer o seguinte, então. Beba comigo e eu aceito essas moedas de volta.
- E se eu não quiser? - Protestou em tom de desafio.
- Então terá de conviver com o peso em sua consciência por carregar moedas a mais do que deveria receber.
Xeque-mate.
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