Capítulo 97 - Xeque-mate Kamikaze

Xeque-mate Kamikaze


Marcela

— Tutti, nada contra, mas eu acho que você está fazendo errado. Ele fala para colocar primeiro o parafuso Plastciser e depois o parafuso francês — eu li nas instruções na minha perfeita pose de prima-dona, sentada em seu sofá com uma taça de Barbera, porque eu havia sido proibida de ajudar Getúlio Alves na sua missão de montar a nova adega de madeira mogno que ele havia comprado para seu marido.

"Pela minha honra", foi o que ele disse e eu não ousei discutir, mesmo que ele já tivesse espanado dois parafusos por usar a chave errada e tivesse tentado martelar outro por pensar que era um prego.

Possivelmente aquele móvel seria um perigo para integridade dos vinhos de Retúlio? Com certeza, mas, novamente, eu havia sido proibida de ajudar, mesmo que meu estômago estivesse revirando ao ver Túlio girar o parafuso no sentido oposto.

Não é que eu achava que ele era incompetente... mas é sério? Era uma afronta contra o bom senso!

— Eu tenho cara de quem sabe a diferença entre os dois, senhorita eu-cursei-engenharia-civil? — ele resmungou, muito mais irritado do que estava duas horas antes, quando começou a tentar montar o móvel.

Eu pousei minha taça na mesa de centro deles e andei até o pequeno espaço entre a sala e a cozinha, que ficaria a adega, pegando os dois parafusos e colocando na frente do Tutti.

— Esse daqui que tem formato de cogumelo é o francês. Agora o Plastciser tem sulcos mais afastados, está vendo? — eu passei o seu dedo na extensão do parafuso e depois no de outro para que ele sentisse na sua pele a diferença — e você não deve nunca fazer força. Se fizer força, está fazendo errado, porque ele encaixa como uma luva quando está na posição correta — eu mostrei para ele, ajustando as duas placas de madeira e girando o parafuso ali com facilidade.

— Eu odeio que você consegue fazer isso como se estivesse passando fio dental — ele murmurou, soltando seu peso no chão feito um boneco de posto sem ar e eu comecei a rir — sorte a minha que o Rommi ainda vai ficar umas horas naquela feira de vinhos e eu tenho você para me salvar.

— Aposto que ele vai ser o último a ir embora e ainda vai vir com várias garrafas de "cortesia" — eu comentei, ajudando Túlio com o móvel, porque claramente ele havia desistido depois de tantas tentativas frustradas, então eu estendi para ele algumas peças com entalhes e as encaixei — consegue segurar esse nicho para mim, por favor?

— Consigo, isso é... ai! — ele mal havia colocado o dedo na madeira e logo o puxou e o colocou na boca — farpa — murmurou em um muxoxo chateadíssimo e eu sorri.

— Pega uma pinça que eu tiro antes que você pense que vai perder o dedo — eu comentei, segurando o nicho com meu pé, como uma macaca velha, para equilibrar tudo enquanto encaixava os parafusos para que a estrutura não desmoronasse.

Getúlio nem ao menos hesitou, apenas saltou do chão e correu até o seu banheiro enquanto eu seguia com as instruções que o manual deu — exatamente como ele deveria ter feito se não tivesse dado uma de macho eu-entendo-tudo-de-marcenaria e tentado montar só com a força da sua testosterona —, então ele voltou para a sala e se sentou na minha frente com os olhinhos lacrimejantes e eu tombei meu rosto para o lado, pegando a pinça de sua mão e retirando a farpa com um puxão preciso, porque ela estava metade para fora.

Ele, por sua vez, se jogou de novo no chão, como se a farpa fosse uma espada e eu tivesse esfaqueado o seu dedo.

Minhas noções de Dramaqueen foram atualizadas com sucesso.

— Um beijinho para sarar mais rápido? — ele me pediu com um biquinho manhoso quando se sentou de novo e eu comecei a rir, pensando em quantos homens haviam me pedido um beijo de cura nos últimos tempos, mesmo que eu tivesse a prova concreta que minha saliva só era molhada e não tinha nenhuma cura mística regenerativa.

No entanto, beijei seu dedo mesmo assim, porque eu tinha um fraco pela sua meiguice e ele estava batendo os cílios como se fossem um leque.

— Agora me ajuda aqui, não é tão difícil assim — eu apontei com o queixo para as instruções que ele finalmente decidiu olhar e, em menos de quinze minutos, nós montamos a adega.

Ele ficou tão animado com a vitória que até mesmo sugeriu que encaixássemos as garrafas que estavam perdidas no apartamento em cada vão que existia ali, deixando-a perfeitamente habitada por uvas de todo mundo — e uma garrafa suspeita de jurupinga, porém eu decidi não questionar quando ele quase acertou meu dedão com um Alvarinho.

No final, o móvel ficou harmonioso com a casa desarmoniosa deles, afinal combinou com o chão de taquinho — frescura do Rommi — e a parede de tijolinho — desejo do Tutti.

As pessoas sempre pensam que por eles terem uma amiga e madrinha e confidente engenheira, significaria que o apartamento seria a oitava maravilha do mundo moderno, porém não era nenhum pouco o caso. Eu só dei palpite na parte estrutural do apartamento tipo "Não derrube esse pilar que vai desmoronar o prédio todo!" ou "vocês realmente não vão colocar uma coifa decente na sua cozinha americana?" ou "o seu banheiro não tem janela e nem exaustor? Tem certeza?".

Foram meses de debates e Merlots até que conseguíssemos encontrar o meio termo que agradava a todos nós, mas acho que a única parte que eles concordaram de verdade foi a mesa de centro da sala com uma lareira embutida, porque lembrava o primeiro encontro deles na Serra regado de Syrah e era apenas um móvel e não uma lareira — mas eles só desistiram da ideia de uma lareira de verdade quando eu expliquei que a fumaça teria que ir para algum lugar e que teria fuligem pela casa inteira.

Depois que terminamos os trabalhos, Tutti colocou a garrafa de Barbera entre nós, repondo o vinho que havia evaporado das nossas taças misteriosamente, e deixou alguns petiscos em cima da mesa para comermos enquanto ele buscava um filme no Netflix para passarmos o tempo.

— Tem um filme que é a sua cara! Tipo, de verdade — ele me garantiu e colocou um título chamado "Plano Imperfeito" — a atriz se parece muito com você.

E logo nos primeiros minutos eu franzi meu cenho, enfiando um salame na boca e tentando encontrar de onde que ele achou que a Harper era parecida comigo, porque a gente não tinha nada a ver. O rosto dela era meio redondo, seu cabelo ruivo demais, o nariz parecia pequeno e ela deveria ter ficado cinco anos sem tomar sol de tão branca que era.

Nós éramos zero por cento parecidas!

Se bem que...

— Esse ator é a cara do Rogger! — eu apontei na tela, para o rapaz loiro que claramente era o par romântico da minha dita sósia, o Charlie, que era basicamente a reencarnação do Rogério.

— Tá louca, Marcela? O Rogger é mais desengonçadão! — Tutti apontou para a desenvoltura do Charlie ao chegar atrasado na casa da namorada com aquele discurso sobre todas as maneiras que ele poderia acordá-la e parecendo cada vez mais bizarro — ok, talvez nem tanto, mas o Charlie não tem cara de quem ri durante o sexo.

Eu comecei a gargalhar sozinha, porque eu adorava e detestava me lembrar desse triste fato.

— Você nunca vai esquecer essa história? — eu perguntei, limpando as lágrimas dos olhos de tanto rir — até eu já relevei.

— Cara, ele ri durante o sexo, Cela, não tem como esquecer e não trazer isso à tona toda vez que a gente quiser rir um pouco. Eu só fico pensando na sua cara quando ele começou a rir e não sei como você não matou o pobre coitado. Vida longa ao Rogger! — ele brindou com a minha taça mesmo que eu não tivesse me movido e bebeu um gole — mas então, ok, vamos concordar que nós dois estamos alucinando e ninguém é parecido com ninguém?

— Você está errado, Tutti, só não está pronto para essa conversa — eu levantei uma sobrancelha de maneira desafiadora e ele rolou seus olhos.

Meu celular começou a vibrar em cima da mesa e eu olhei por cima que era o Eduardo, possivelmente mandando perguntas sobre o bem estar de suas blusas de frio que estavam em minha posse (e que eu não pretendia devolver tão cedo) junto com as fotos que estava me devendo do churrasco do final de semana, porque eu, com certeza, não havia tirado nenhuma e ele era um bêbado meio blogueirinho.

E depois do pedido de casamento... bem, eu estava nas nuvens por Andreia, porque eu sabia o quanto o Galileu a fazia feliz e como os dois estavam loucos um pelo outro, então eu havia passado mais tempo abraçando minha amiga e reclamando da flor amarela que ela queria enfiar no meu cabelo para o casório do que querendo marcar o momento com fotografias das pessoas com caretas de alegria chorosas.

Galeia tinha aquele amor parecia fácil, mas que você sabia que tinha dedicação e carinho e devoção por trás, sempre cuidando um do outro e encontrando um ponto de equilíbrio que fizesse ambos felizes — como a discussão completamente amigável da blusa de abacaxis laranja neon que a Deia sem querer jogou na churrasqueira... resolvida de maneira completamente pacífica.

Acho que eu estava fazendo escola e não de uma maneira muito boa, porque eu tenho certeza de que o Gali estava me culpando pela falecida blusa.

E, mesmo depois disso, ele não conseguiu ficar bravo por muito tempo com ela, porque sempre que ele olhava para Andreia reluzindo de amor e alegria com o seu pedido de casamento... bem, acho que ele não poderia ter desejado nada diferente de presente de aniversário. Eu havia testemunhado na pele como Getúlio fazia Romeu feliz, então... eu apenas desejava essa mesma felicidade para os dois, porque eu sabia que se eles tivessem isso, seriam felizes para sempre.

— Por que você está com seu olhar apaixonado para o celular? Recebeu alguma promoção de rejunte para banheiro? — Tutti questionou, pegando meu aparelho e olhando as mensagens na minha tela de bloqueio — ok, definitivamente não é promoção de rejunte para banheiro — então ele elevou seus olhos de novo para os meus e eu os desviei, tentando ser discreta como um flamingo na dança do acasalamento.

Minhas mãos suaram e eu comprimi meus lábios para não delatar que eu ainda sentia o fantasma dos dedos do Edu contra os meus, primeiro em um toque sutil e incerto, para depois segurar minha mão com a sua sem medo e sem hesitar durante o acústico do Golden de Listen To Your Heart e sentindo que eu estava mesmo escutando meu coração — e ele cantava o nome de Eduardo em repetição. Em cada batida. Em cada suspiro. Em cada espaço de tempo que conseguisse encontrar.

Eu dormia todas as noites lembrando-me do beijo que ele deu em meu ombro nu e da sua voz contra o meu pescoço "se me pedir para parar, eu paro", sendo que eu não queria que ele parasse, eu queria que ele cobrisse cada pedaço de pele meu com os seus lábios, mas eu acabei me afastando, porque seria errado em tantos níveis beijá-lo em algo apressado e desajeitado na piscina de Gali que eu não consegui, por mais que meu corpo inteiro ainda estivesse vibrando, querendo, pedindo, amando...

Era tão fácil eu me perder nele, que as vezes eu poderia esquecer todo o restante enquanto me encantava com a sua covinha na bochecha, nos seus lábios subindo um sorriso discreto quando achava que não estava sendo observado, mas que eu notava, porque meus olhos estavam programados para olhar e buscar Eduardo Senna.

E eu poderia jurar que durante o churrasco, quando os seus olhos buscaram os meus, eles me desbravaram por inteiro, passando por todos os meus pedaços apenas para sorrir, como se ele conseguisse me ver — de verdade e sem edições — e gostasse de tudo o que via.

Bem, eu amava tudo sobre ele, então acho que...

— Ora ora ora, Marcela Noronha, essas bochechas rosadinhas não escondem nada, mesmo que a sua cara de culpada desse para ser usada em um anúncio de como não fingir algo para os amigos — Túlio subiu e baixou suas sobrancelhas algumas vezes para mim, em um sinal nada secreto de que eu havia sido desmascarada, colocando mais vinho para mim antes de atacar os amendoins da sua mesa.

Romeu diria que aquilo era uma ofensa — comer amendoim com vinho —, mas ele não estava ali para nos julgar, então eu enfiei minha mão ali e aproveitei o momento, lambendo primeiro o sal e depois comendo de fato o amendoim.

Fiquei tentada até a colocá-lo no seu sofá, porque era no mínimo justo sujar a sua casa o mesmo tanto que ele sempre sujava a minha, né? Só que eu me parei, porque ele era escorpiano e vingativo.

— Não sei do que você está falando, claramente meu rosto tem uma pigmentação rosada natural e você nunca apreciou isso antes — eu comentei com pouco caso e ele franziu o nariz levemente, algo que eu imitei imediatamente, porém parei, vendo que Eduardo continuava me mandando coisas no whatsapp, então eu aproveitei o momento de distração de Getúlio para roubar meu celular de volta para que ele parasse de bisbilhotar meus particulares.

— Para quem não sabe do que eu estou falando, você está suando, vermelha e tremendo — ele pontuou e eu respirei fundo para não acertar um travesseiro nele e nocautear sua taça de vinho no sofá e tapete — ou eu tenho que ligar pro Samu e avisar que você está tendo um ataque do coração? Ou avisar que você foi acometida por um caso de amor fatal?

— O que você quer de mim, Tutti? — eu massageei meu ombro com a mão livre, sentindo que de repente eu estava cheia de nós e tudo o que eu mais queria era Eduardo me chamando de crocante e colocando suas mãos mágicas em mim.

Parecia uma eternidade atrás daquele jantar no telhado do prédio dele, mas, se eu fosse mesmo pensar no assunto, não davam nem quatro meses completos.

— Sabe, Celinha, se você quiser falar sobre algo comigo, eu posso ser um bom ouvinte — ele ofereceu, aproximando-se de mim e deixando seu braço em cima do apoio de pescoço do sofá atrás de nós — e eu juro que consigo manter um segredo melhor do que o Rom, porque ultimamente se você contar algo a ele, é o mesmo que contar para a torcida do Corinthians e ele nem é corinthiano.

— Não tem o que falar... — eu dei de ombros e bebi mais um gole, sentindo minha perna tremendo, porque... porque aquilo era uma mentira sem precedentes e tinha sim o que falar.

Dos olhos dele em mim.

Da sua boca no movimento mais sexy do mundo ao dizer meu nome.

Das suas mãos envolvendo meu corpo.

Do seu aroma tomando conta dos meus sentidos.

Do seu carinho ao me emprestar um casaco, fosse para me aquecer, fosse para me proteger.

E eu...

Eu só... não era boa em compartilhar.

Não era boa em deixar que as pessoas vissem minhas fissuras, meus receios e meus dilemas.

No entanto, se eu não contasse aquilo para alguém, eu sentia que iria trincar sem reparos. De novo. E de novo. E de novo. E nem mesmo o mais forte dos superbonders conseguiria colar meus caquinhos.

— Quero dizer — eu complementei, encarando as lágrimas da minha taça e vendo como elas escorriam devagar de volta para o líquido, como um rio indo em direção ao mar e eu sempre buscando Eduardo em qualquer ambiente que estivéssemos — eu queria que não tivesse nada para falar, mas...

Eu parei e soltei um suspiro baixinho, frustrada com as minhas próprias limitações.

— Não é crime querer conversar, Cela, e muito menos é errado deixar que seus amigos te ajudem de vez em quando — ele colocou a sua palma contra a minha e eu elevei meus olhos para os seus, vendo o seu topete meio achatado depois de um dia de trabalho, mas os seus olhos me davam uma sensação boa no peito.

Por algum motivo, sempre que eu conversava com Getúlio, eu sentia que estava conversando com alguém que me conhecia uma vida inteira, que me amava por mil vidas, mas que — diferente de Rom — me diria se eu estivesse fazendo uma cagada colossal com a minha vida e tentaria me ajudar aos eixos.

As vezes amar incondicionalmente tinha seus defeitos — não que eu julgasse Romeu Sampaio por esse amor, porque eu o amava com a mesma intensidade e estaria disposta a entrar na frente de um patinete elétrico para salvá-lo de um atropelamento ridículo no meio da Paulista.

— Não gosto de ser um incômodo. Todo mundo já tem problemas demais sem ter que escutar os meus — eu argumentei, sentindo a mão de Túlio contra a minha perna agitada e eu parei de movê-la, notando que o tremor passou para dentro de mim, como um incômodo interno que não aguentava mais permanecer quieto e precisava escapar de qualquer maneira.

Eu me sentia uma versão live action do quadro "O Grito", onde meu corpo inteiro queria dar um berro para os quatro ventos para ver se aquela comoção no meu peito se acalmava.

— Ajudar um amigo nunca é incômodo — ele me garantiu com seus olhos negros que me aqueciam com ternura — e você é mais do que amiga. Você é família, né?

Eu enchi mais a minha taça e a sua, terminando a garrafa e notando que eu quase fiz o líquido transbordar de tanto que coloquei nos cristais, mas acho que aquilo era um bom começo para tentar me abrir.

Um dia eu havia visto em uma placa: "In Vino Veritas" que no meu latim inexistente significava "no vinho, há verdade", então enquanto algumas pessoas buscavam coragem no destilado, eu buscava a verdade na uva fermentada.

— Tem algo rolando entre o Edu e eu — eu comecei, olhando para cima e gesticulando com as mãos para tentar fazer com que ele conseguisse acompanhar melhor minha linha de raciocínio, porque eu sentia que apenas palavras não seriam suficientes para explicar a tormenta que havia dentro do meu peito sempre que o nome do arquiteto era invocado.

— Não diga! — ele colocou a mão no peito em uma falsa surpresa — então quer dizer que toda a tensão sexual que eu sinto quando estou perto de vocês não veio de nós dois? Eu me sinto enganado, Marcela!

— Cala a boca, Doutor Alves — eu ri, empurrando-o pelo ombro e ele gargalhou ao meu lado, provavelmente se divertindo por me ver sem jeito e sem tato, porque isso era algo completamente não­-Marcela, mas era assim que o Edu me deixava e eu não poderia mentir e dizer que não gostava de todos os efeitos exóticos que ele causava em mim. Desde a palpitação em momentos inoportunos quanto os sorrisos involuntários — a questão é... antes eu achava que tinha algo rolando entre nós. E eu achava que era algo unilateral meu e que eu estava...

— Apaixonada? — ele me ajudou e hesitei antes de concordar.

Era tão estranho verbalizar aquilo, porque mesmo que o sentimento estivesse ali, aquecendo meu peito todos os dias, eu acho que nunca havia propriamente dito aquelas palavras...

— Que eu estava apaixonada por ele e... — eu umedeci meus lábios e engoli a seco, tentando encontrar a melhor maneira de falar, mas sempre travando nas verdades mais básicas de todas.

— Não está mais? — ele me provocou e eu grunhi de frustração, fuzilando-o com o olhar que teria feito a inquisição temer o fogo da danação que eu estava lançando no pediatra — ok, parei, parei, não atire amendoins no coleguinha, por gentileza.

— Eu amo esse cara, Tutti. Eu amo o Eduardo e... — confessei de uma vez, vendo que o rapaz quase engasgou quando escutou as palavras e eu senti trinta quilos saindo dos meus ombros — amo tanto que é ridículo, e eu meio que tinha aceitado que era um sentimento de mão única e estava vivendo pacificamente a minha vida desse jeito, mas depois do último final de semana, eu... eu acho que ele sente algo por mim de volta.

Eu bebi dois goles de vinho como se fossem Coca e voltei a olhar para Túlio, esperando que ele pudesse me iluminar com seus conselhos paternalistas que ele sempre dava como se eu fosse uma de suas pacientes — verdade fosse dita, acho que os pacientes dele de oito anos davam menos trabalho do que eu.

Mais ou menos, na verdade, porque última quarta-feira, um garoto engoliu um lego e foram horas de laxante para que a peça fosse expelida — esse tipo de situação eu ainda não havia proporcionado ao meu amigo, e esperava nunca ter que experienciar pelo meu bem e o bem da nossa amizade e respeito.

— E por que você diz isso como se fosse algo ruim? — ele me perguntou com calma, franzindo o cenho e coçando a sua barba por fazer que deixava o seu queixo mais acinzentado do que as bochechas — até o último momento que eu fiquei sabendo, amor recíproco é dádiva e não maldição.

— Por que você lembra do que aconteceu da última vez que a gente tentou esse lance de "vamos ficar juntos"? — eu apontei minha taça para ele, como se ela fosse uma arma e não uma fonte esgotável de felicidade — deixa eu te recordar com um breve e preciso resumo: muitas lágrimas, estranhamento na empresa, uma fossa inesgotável, um estoque de sorvete e vinho que deixou meus vizinhos preocupados, e até mesmo você e o Rom acabaram no fogo cruzado.

— Bem, o problema mesmo foi que eu tentei ser racional em um momento que você precisava de um carinho sem perguntas — ele me deu um sorriso tranquilo, porque mesmo que já tivéssemos falando muito e eu tivesse pedido desculpas, parecia que eu nunca conseguiria apagar da minha mente a sua imagem indo embora naquela noite.

— Desculpa — eu pedi pela septuagésima nona vez.

— Mais do que perdoada — ele beijou minha mão e eu sorri.

— O que eu quero dizer, Tutti — eu peguei mais um salame, voltando para minha sessão de terapia não oficial e não paga — é que deu tudo muito errado da primeira vez e eu não sei se eu... eu não quero fazer o Eduardo passar por isso de novo. Boatos que ele chorou com absinto e abraçado à uma begônia! Você tem noção do que é alguém chorar abraçado com uma flor?

— Bem, estamos falando do Cristal, então... — Tutti arqueou suas sobrancelhas antes de dar um sorriso contra a sua taça e eu apenas chutei o seu pé, porque eu estava falando sério ali.

— Tutti, nós dois sabemos que eu não sou lá uma pessoa fácil de conviver.

De acordo com o Davi Gomes, o guru da anti-reatividade da CPN, o primeiro passo era você aceitar os seus defeitos para conseguir mudá-los, mas eu já havia aceitado que eu não era uma pessoa fácil fazia uns bons anos e até hoje estava esperando a mudança acontecer.

Spoiler: não aconteceu.

— E você decidiu isso por vocês dois? Que o Cristal não vai mais sofrer por sua causa? — ele passou a mão em seus cabelos e se arrumou melhor no sofá, colocando uma perna em cima da outra, quase como um terapeuta em um divã.

Só faltaram os óculos de gatinho de Gisele para que ele incorporasse por completo a persona.

— Não quero perder ele de novo se der tudo errado — eu fechei meus olhos e me afundei no sofá, querendo ser engolida por ele para deixar de ter que lidar com os meus dilemas e problemas — e seria muito egoísmo entrar nessa de cabeça sem ter certeza das coisas, porque eu estou ciente que posso quebrar a cara, mas será que ele está? Não dá para chegar para o cara que você gosta e quase beijou enlouquecidamente no último final de semana e falar "oi, tudo bem, bora tentar de novo aquilo que não deu certo da primeira vez?" e...

— Vocês quase se beijaram pesadamente? No churrasco de trabalho? Marcela, como eu só estou sabendo disso cinco dias após o fato? — Getúlio bateu com um travesseiro em mim e eu fiz uma manobra digna de um ninja muito bem treinado para fazer com que o vinho não saísse da minha taça direto para o sofá e até agora eu não fazia ideia de como consegui.

Acho que Deus sempre protege as crianças e os bêbados.

Não que eu estivesse bêbada, eu só estava... bem, bêbada.

— Não! Não! Não foi exatamente da maneira que você está imaginando! — eu me defendi, abrindo minha boca cinquenta vezes por segundo para tentar me explicar direito, porém eu não conseguia verbalizar porcaria nenhuma e tudo o que me vinha era tudo o que quase aconteceu. Como eu conseguiria explicar o que foi aquela cena na piscina para alguém que não era nem Marcela nem Eduardo? — só... a gente se olhou, ele mordeu os lábios, sorriu, segurou minha mão, meu pé, me puxou para perto e me empurrou para longe, me imprensou contra a parede de azulejo e beijou meu pescoço, deixou suas mãos deslizarem pela minha pele daquela maneira gostosa que só ele sabe fazer e...

— Ok, ok, ok! Eu sei que normalmente eu peço mais informações, mas eu sinceramente acho que você me contar mais do que isso seria o mesmo que um pai escutar que a sua filha está transando. É... informação demais para o meu coraçãozinho! — ele me explicou e eu comecei a rir, notando que o seu rosto havia ficado seriamente vermelho e eu tinha quase certeza de que não era por causa do vinho — E isso daí que vocês fizeram na minha terra se chamam preliminares, sabia? — ele estreitou seus olhos para mim antes de enfiar um parmesão na boca e mastigar considerando as implicações daquela frase — agora qual parte de você não tem certeza de que ele gosta de você de volta? Porque se não foi recíproco, você estava apalpando o Cristal contra a vontade dele?

O que? Claro que não! — eu me sobressaltei e ele estreitou ainda mais os olhos, como se não acreditasse em mim — foi ele que veio para cima de mim!

— Então me explica qual parte de você não entendeu que ele te quer de volta, Marcela? Porque pra mim está bem óbvio que o cara só está esperando uma chance pra ter lindos filhos de olhos incrivelmente azuis com você! — ele cuspiu as palavras na minha direção e eu coloquei as mãos na frente do meu rosto, apoiando meus cotovelos nos joelhos, porque uma parte de mim tinha medo de ele ter razão — Cela...

Era só... muito.

Era demais.

Enquanto tudo estava no plano das ideias, daquilo que jamais se realizaria, eu conseguia lidar com tudo.

No entanto, agora, sabendo que havia uma mínima possibilidade de ele corresponder aquela loucura que eu sentia fazer com que meu corpo entrasse em sublimação...

— Eu prometi pro Chico que eu cuidaria melhor do Edu. Eu prometi que eu não faria mais nada no impulso — eu sussurrei para fora, sentindo meu coração com buraquinhos — e eu fiz essa promessa depois de quase morrer em uma cama assassina, então foi basicamente a vida me dando mais uma chance pra não fazer mais merda, sabe?

Túlio deu tela azul por vinte segundos com a minha explicação e tombou a cabeça para o lado, como um labrador confuso, sorvendo um pouco do seu vinho para tentar me encontrar na linha de raciocínio que estava tão turva em minha mente que nem mesmo eu conseguia localizar.

— Eu não entendi a parte da cama, às vezes eu me pergunto se você não usa o capacete apertado demais e isso danifica suas sinapses — ele riu pelo nariz em uma piada interna e eu jurei que ele iria expelir uma cachoeira de tinto pelas narinas — mas volta um pouco a fita para eu me encontrar, por favor. Henrique Francisco pediu para você cuidar do Cristal, e nesse pedido tinha alguma cláusula sobre não se envolver romanticamente com ele sob coação mortal irresistível?

— Acho que a expressão é coação moral irresistível — eu retifiquei, porque já havia escutado aquela expressão vezes demais vinda de Patrício para não saber a versão correta.

— Neste caso vai ser mortal, porque eu estou falando mortal, ok? — o pediatra me cortou com pouca paciência e eu arregalei meus olhos, assustada — você tem uma tendência a editar o que as pessoas falam e interpretar da sua maneira, que nem sempre é 100% fiel a realidade, então, o que, exatamente, ele disse?

— Ele pediu que eu não me jogasse de cabeça e não fizesse as coisas sem medir as consequências — eu respondi, buscando as suas palavras com o máximo de precisão que eu conseguia, mas eu não gostava de me recordar daquilo, porque com esta lembrança, vinha a briga e o sofrimento e a dor. E tudo isso me fazia lembrar que mesmo que eu estivesse quebrada e sozinha, Eduardo também estava. E fui eu que causei tudo aquilo nele e... quem ama, cuida, não é? — e disse que o Edu era a porra da perfeição encarnada e que ele não merecia se sentir menos do que isso e que era para eu cuidar dele...

— E desde quando isso significa "não se envolva mais com Eduardo Senna"? Todo mundo já entendeu que vocês brigaram por motivos que não tinham nada a ver com vocês e, na parte que tinha, vocês já não se entenderam naquele dia que ele fez cosplay de Frankenstein? — o pediatra passou a língua na frente dos dentes e eu imitei o movimento, com medo de ter farelo de algo nos meus caninos.

— Mas a gente se entendeu — eu argumentei a meu favor com a voz fraca.

— Então por que você ainda está hesitando? — ele elaborou a pergunta de um milhão de dólares e eu notei pelo seu olhar que ele estava a um passo de me esganar.

— E se a gente brigar de novo? — eu soltei as palavras de uma vez. Aquela pequena pulguinha. Aquele diabinho que sussurrava dia e noite no meu ouvido... — e se for pior? E se for algo irrecuperável? Porque não dá para ser irrecuperável! Não com ele. Eu não quero... não posso... uma vida sem ele não é vida, Tutti.

Túlio levantou meu rosto e me olhou por um tempo, realmente parando para encarar e analisar minha feição, como se eu fosse um grande e complexo quebra-cabeça de Marcela e que ele tivesse que se debruçar ali por horas para poder encaixar apenas duas peças. Ele tocou meu rosto e deslizou os dedos embaixo dos meus olhos, limpando as lágrimas mornas que eu não havia notado que derramei.

— Cela... desculpa perguntar, mas você não está apenas inventando motivos para não se envolver com ele? — ele me perguntou, sem um pingo de ironia ou gracejo em sua voz. E era por isso que eu amava Getúlio Alves, porque ele me falava o que precisava falar, e isso normalmente não era o que eu queria escutar — porque sempre que eu sugiro algo, você já tem uma justificativa na ponta da língua do porquê vocês não iriam funcionar.

— É tão ruim assim ter medo de magoar alguém? Principalmente se esse alguém for... o alguém? — eu sussurrei para ele, mesmo que eu não quisesse que minha voz saísse tão vulnerável.

— É, é horrível se isso te impede de correr atrás da felicidade e do amor — ele segurou meu rosto pelo queixo e afagou minha bochecha com o polegar, continuando a capturar todas aqueles vazamentos indesejados dos meus olhos — não dá pra controlar os sentimentos dos outros e não dá para prever o que vai acontecer, mas se você não fizer nada e se esconder de tudo isso, você pode nunca se perdoar depois. Arrependimento de não ter feito algo sempre vai te comer por dentro como um cupim vegano.

Eu abri minha boca, pronta para me defender, porém eu parei, porque... como um cupim vegano? Cupins não se alimentavam apenas de madeira? Tinha como existir um cupim carnívoro? Será que eu deveria cortar o nosso álcool? Porque eu sentia que a gente estava em uma linha limítrofe entre o socialmente aceito e o "conversa de bêbado".

E se fosse mesmo uma conversa de bêbado, por que eu estava tanto tentando encontrar saídas racionais? Por que eu estava tentando encontrar saídas?

Se fosse mesmo uma conversa de bêbado... será que eu não deveria apenas escutar e deixar que outra pessoa abrisse os caminhos? Porque claramente eu estava fazendo um grande trabalho porco ali.

Atualmente eu sentia que metade dos meus divertidamentes estavam de férias e metade estava correndo de um lado para o outro em uma sala em chamas.

— Então o que eu faço? — eu indaguei em um suspiro, tão confusa que eu não sabia como prosseguir, porque toda decisão que eu tomava, parecia ser a decisão errada.

Ser apenas amiga era errado.

Me jogar de cabeça era errado.

Não fazer nada era errado.

Fazer algo era errado!

— Não posso te dar a resposta para isso, Celinha. Não existe uma resposta certa — ele fez carinho no meu rosto e me puxou para perto, fazendo com que eu deitasse meu corpo sobre o seu enquanto ele fazia cafuné em meus cabelos — tem que fazer o que você sentir que for certo. No seu tempo. Deixa ele entrar de pouquinho em pouquinho na sua vida se você tem tanto medo do impulso, que nem você fez comigo. Mas lembra que tem que ser uma decisão conjunta, porque se ele gosta de você, não é justo tirar o direito de ele decidir se topa se arriscar de novo com você. Por você. Por amor, né?

Eu tomei mais um gole de vinho e respirei fundo, concentrando-me no ritmo do coração de Túlio, porque ele estava estável, constante e firme. Ele tinha tanta certeza de tanta convicção do que me dizia que eu soube que era exatamente isso o que ele sentia com Rommi. Ele aceitaria ter o seu coração partido em um milhão de pedacinhos por Romeu Sampaio, porque o tanto que eles se amavam conseguia curar qualquer machucadinho que uma pequena briga poderia ocasionar.

Eu queria um amor como o dos meus melhores amigos.

Era só que...

— Eu tenho medo — segredei mais uma vez com os lábios contra a taça, sentindo minha garganta arranhar por causa do tanino do vinho — e eu juro que não estou defletindo, eu só... a CPN me ofereceu um projeto. Um projeto para entrarmos na concorrência da licitação de um estádio, Tutti, e deve ser o maior projeto da minha carreira se der certo. E vai ser ao lado do Eduardo...

— Meu Deus, Celinha, eu estou tão orgulhoso de você! Eu sabia que as ligações de madrugada do louco do seu chefe não eram só pra te fazer ficar louca! — ele beijou meus cabelos e me apertou contra o seu peito, fazendo que eu sorrisse contra sua blusa — quando a gente pensa que você não pode mais surpreender, você surpreende de novo. Que puta orgulho, Marcela Noronha.

— Obrigada, Tutti, de verdade — eu passei meu braço atrás dele e senti minha circulação sanguínea parando de passar pela parte que estava esmagada contra suas costelas, mas eu não queria dizer nada, porque eu que me enfiei ali, né? — mas...

— Você tem medo de que se você se envolver com o Cristal no pessoal, possa afetar o profissional? Tem medo do que as pessoas vão dizer se vocês estiverem juntos? — ele tentou adivinhar, porque não era algo muito difícil de suspeitar.

No entanto, desta vez, não era isso.

Por incrível que fosse.

— Não — eu dei um risinho quando ouvi Túlio respirando fundo, verdadeiramente surpreso — eu acho que não tenho mais tanto problema com as pessoas sabendo, porque eu estou realmente tentando me desapegar em relação a opinião alheia e... eu acho que tem algumas pessoas que até ficariam felizes por nós, sabe? Eu entendi isso depois do noivado da Deia, porque eu tenho certeza de que ela ficaria tão feliz e cheia de amor por mim quanto eu fiquei por ela — eu umedeci meus lábios e enfiei meus dentes contra o inferior, pensativa — só que mesmo assim eu acho que eu nunca iria me perdoar se algo desse errado no projeto, no trabalho, na minha carreira, só porque eu quis... eu quis o Eduardo. Sendo que a gente nem faz ideia se daria certo. É um tiro no escuro.

Novamente, Túlio ficou em silêncio, estudando todas as minhas palavras e todas as interpretações que havia ali e que eu não havia verbalizado, buscando todas as intenções que ficavam presas no ar, entre uma frase e outra, coisas são minhas, tão intrincadas em quem eu era, que eu não falava mais, mas que estavam ali.

— Nem ele, Cela, eu duvido que ele faria algo antiprofissional caso vocês brigassem de novo, sabendo da importância deste projeto para vocês e para a empresa como um todo. Eu duvido sequer de que vocês brigariam de novo, porque vocês não são mais os mesmos de três meses antes e... eu espero do fundo do meu coração que você nunca mais tenha que passar por nada daquilo de novo — ele me disse com carinho — só que tudo isso continua sendo tanto responsabilidade sua quanto a dele para encontrarem um meio termo em que o relacionamento pessoal não interfira no profissional.

Ele parou, mas eu consegui sentir as reticências em sua frase e levantei minha cabeça, bebericando do meu vinho enquanto olhava para o seu rosto que estava encarando o teto com muito foco.

— E, também... acho que você pode usar este tempo para entender o que você quer disso, sabe? — ele continuou, fazendo um beicinho discreto — é um lance passageiro ou é algo sério? É algo que uma noite resolve ou é uma vida? Isso define muito o quanto de risco você está disposta a tomar para fazer a relação de vocês funcionar.

Uma noite? Desde a primeira noite, nós dois sabíamos que não seria apenas uma noite.

Isso nunca seria suficiente para nós.

Nem mesmo uma vida inteira parecia suficiente para todos os beijos que eu queria lhe dar, todos aqueles que eu queria ter dado.

— Eu acho que não dá mais para ser apenas casual entre nós — revelei, decidindo que eu deveria puxar meu braço, porque meus dedos estavam começando a formigar e eu não sentia mais a minha palma — acho que a gente pulou essa etapa antes e não dá pra voltar atrás agora. A gente saiu da amizade para o romance muito rápido e tem tanta coisa que nós nunca conversamos e tantos momentos que a gente nunca chegou a vivenciar direito e agora...

— Eu não sei em relação a isso, Cela — ele colocou a sua mão quente sobre o meu ombro e o apertou com delicadeza — não acho que não dê para voltar, porque às vezes é melhor voltar algumas casas do que ir em um xeque-mate Kamikaze que possa dar errado. Não tem nada de errado em querer ir devagar.

— Você acha? — eu me ergui, apoiando meu cotovelo sem querer em sua barriga e ele soltou um "uf" sem ar até que eu o retirei dali com medo que ele me derrubasse do sofá e que eu fosse direto em um beijo frio com o taquinho — é que eu me sinto meio estúpida por pensar em ir devagar depois de tudo, porque nós já transamos e eu sei tudo o que eu sinto por ele e que a gente... no final de semana... e mesmo assim...

— Ei — Tutti segurou meu rosto e bateu a taça de brincadeira no meu nariz, sorrindo quando eu comecei a piscar rápido para tentar controlar aquele vazamento desagradável de lágrimas que insistia em ocorrer no meu rosto — você não é estúpida. Você tem que conhecer e respeitar seus limites. O seu tempo — ele engoliu o restante de vinho que havia em sua taça e a pousou no chão — no começo, quando eu e o Rommi começamos a sair, eu tinha acabado de sair de um relacionamento, lembra? Era meio complexo porque o Rom é muito intenso e eu tinha muito medo de estar me jogando de um relacionamento para outro rápido demais e...

— Eu lembro, eu te odiava por isso, porque na minha cabeça você não dava todo amor que eu achava que o Rom merecia — eu dei uma risada fraca e ele me beliscou com a lembrança — agora eu sei que você estava prezando pelo Romeu, calma lá, Julieta.

— Eu odeio essa piada — mas ele riu mesmo assim — só que depois de um tempo, eu percebi que eu estava me impedindo de curtir um cara que eu gostava pra caralho por vozes da minha cabeça, porque não existiam motivos de verdade, sabe? Era eu comigo mesmo. E só depois de um tempo eu consegui perceber isso.

— Você está dizendo as vozes da minha cabeça tem ou não razão? — eu questionei, começando a ficar mais confusa.

— Eu estou dizendo que você tem que tomar o seu tempo para você se olhar no espelho e pensar "foda-se o resto, eu amo esse cara e quero ver onde essa coisa louca e deliciosa que nós temos pode nos levar" — ele me corrigiu com um sorriso cheio de amor — e aí as coisas vão ser melhores, porque você vai deixar rolar e vai parar de tentar encontrar os prós e contras. Enquanto você fizer a sua lista mental de prós e contras, não vai dar certo.

Ok, atualmente estávamos em dez prós e quinze contras, mas em minha defesa antes eram vinte contras e eu estava conseguindo riscar coisas dali. Era só que algumas coisas que eu via como um contra, hoje em dia eu não tinha mais tanta certeza assim, porque antes a tendência sustentável do Edu era algo que me tirava do sério (hoje em dia eu colocava mato voluntariamente nas minhas obras) e o fato de ele ser meio pisciano emocionado era meio cansativo (e hoje eu achava um doce quando ele fungava quando via algo que tocava o seu coração) e...

— Para de atualizar essa lista mental, pelo amor da minha sanidade — ele me deu um chute estranho e eu comecei a rir, porque ele me conhecia bem até demais — mas essa é a verdade, Cela. Se o Cristal for o cara certo para você, e eu aposto o meu CRM que ele é, ele vai te entender e respeitar e vai ser incrível. E a espera vai ter valido a pena.

Eu continuei olhando para Getúlio, mesmo que agora eu estivesse apenas enxergando Eduardo na minha frente, com aqueles seus olhos que eram um espelho para alma e o sorriso que me fazia ir do céu ao inferno com apenas a curva dos seus lábios. Algo me dizia que ele iria entender. Que, por ele, contanto que a gente sempre andasse um pouquinho, tudo bem se a gente não fosse tão rápido.

— Obrigada por me escutar e topar esse momento disruptivo dentro da minha cabeça, Tutti — eu agradeci ao pediatra, abraçando o seu pescoço e me aconchegando ainda mais contra o seu peito — eu não garanto que eu sou tão boa assim para ajudar, mas eu juro que se um dia precisar, eu também estarei aqui por você, ok?

— Celinha, eu imagino o caos que deve ser aí dentro. Na verdade, me surpreende você ainda bater bem de cabeça — ele provocou e eu comecei a cutucá-lo com menos amabilidade — ei, parou! Sem... violência — mas ele não conseguia mais pronunciar as palavras direito, apenas rindo que se acabava enquanto se retorcia contra as almofadas para tentar escapar de mim.

Então a porta do apartamento se abriu e Romeu entrou por ali com uma caixa debaixo dos seu braço e um sorriso cansado no rosto, todavia ele parou bem na entrada encarando a cena com estranhamento e fascínio.

— Eu quero saber o que está acontecendo? — ele indagou, quase como um pai que tinha trabalhado o dia inteiro e estava flagrando os seus filhos quase se matando na sala e botando fogo em tudo, porém a confusão durou pouco tempo, porque seus olhos pousaram na adega e ele se iluminou — meu deus, é uma adega PoliStramp Vegas Master Premium Segunda Geração?

Era, e nós passamos a próxima hora redistribuindo os vinhos ali até que eles ficassem na escala Romeu Sampaio de utilização — debaixo para cima em qualidade, da direita para esquerda em teor alcóolico.

— Se tem vida diferente dessa, não é boa não — Rom comentou quando se deu por satisfeito e beijou o seu marido com um sorriso que se traduzia em "você é tudo o que eu quero quando chegar em casa. Com ou sem vinhos".

E eu sorri, pegando meu celular e deslizando pelas fotos que Eduardo me passou, amando cada uma delas, principalmente aquelas em que nós estávamos juntos e nos olhando e tendo aquela convergência boa e... acho que era isso.

Não dava mais para negar que eu queria trilhar a estrada de tijolos amarelos com ele.

Um passo por vez.

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Domingou com Libriela <3

Normalmente não postamos de final de semana, né? Mas feliz aniversário Mariiiii!!!!

E ainda a gente trouxe de presente esse cap que é um raio-x dentro da mente da Má, entendendo um pouquinho de todos os seus medos e receios e planos e ideias pro futuro.

Obrigada, Tutti, por dizer exatamente o que a gente precisava que ela escutasse e ainda ser a melhor pessoa de todas!!!!!!!! SOMOS TODOS TIME GETÚLIO ALVES!!!!!!!!!!!!

E MEU DEUS DO CÉU, PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA QUE A MARCELA CONTA QUE AMA O CRISTAL PARA ALGUÉEEEEEEEEEEEEEEEEEEM! Mais alguém sentiu o impacto???????

Esperamos que estejam gostando de CEM! Não esqueçam de contar o que estão achando e o que vocês acham que pode acontecer depois de todos esses últimos caps!!! Não esqueçam do surto e do amor hihihi

Beijinhos,

Libriela <3

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