Capítulo 95 - Envenenamento fatal por um beijo de Marcela

Envenenamento fatal por um beijo de Marcela


Eduardo

— Toma, Edu — Gisele disse, estendendo uma xícara para mim antes de se sentar ao meu lado no sofá que ficava no pergolado de frente para a piscina. Eu ergui minhas sobrancelhas para ela, aceitando o café que ela me oferecia. — Desculpa por te tirar da cozinha...

Te tirar da cozinha? — Lucas disse em um tom fino, dando risada, também com um café em mãos e se sentou no balanço suspenso que era feito da mesma fibra sintética e escura do sofá, à esquerda da rainha do RH. — Gi, eu nunca vou me esquecer da forma como você pulou no Eduardo e ordenou que ele te carregasse para fora!

Gisele ficou rosa choque com a declaração de Lucas, que começou a balançar de um lado para o outro com um sorrisinho, afundando nas almofadas verde musgo que forravam o balanço, que me lembrava uma esfera cortada ao meio.

Galileu tinha um gosto muito esquisito para cores, era o que eu tinha notado.

— Golden, você vai acabar se queimando! — Gisele avisou, assoprando o próprio café e esticando a perna para tentar interromper o trajeto do balanço, mas seu 1,50m de altura não lhe garantiam pernas longas o suficiente para alcançar seu objetivo, então Lucas apenas continuou balançando com a bebida em mãos. Aí ela se virou para mim: — Desculpa, Edu, eu não queria pular em você, mas...

— A coitada da Marcela até engasgou com o susto! — O Golden continuou e eu bebi o café quente e amargo.

— Desculpa! — Gisele disse, de novo, colocando a mão no meu joelho. — É porque eu não queria que você visse...

— Ah, foi porque a Alice se cortou? — ele perguntou. — Agora eu entendi! O chefe não pode ver sangue, né?

Gisele estreitou os olhos e encarou o Golden, que não percebeu que ela queria me dar a notícia de forma mais branda porque estava ocupado dando impulso no balanço e rindo para si mesmo.

Claro que, àquela altura, eu já tinha entendido o que tinha acontecido. Eu tinha ido para a cozinha com Galileu para passar um café, porque acho que nunca quis tanto estar sóbrio na minha vida depois de ficar na piscina com Marcela — aquele quando ainda dançava na minha cabeça confusa e colocava um sorriso no meu rosto, porque ela também me queria.

Eu não tinha entendido errado, ela tinha correspondido a cada investida, aos toques e todo o seu corpo tinha dito sim para mim.

Exceto quando ela percebeu que eu estava... Bem, vodca rosa não identificada tinha ficado no topo da minha pirâmide alimentar naquele sábado específico.

Mas ela quis. Ela me quis.

E eu esperaria pelo seu quando, não importava quanto tempo levasse.

Para esperar o momento do nosso beijo com gosto de Marcela e Eduardo.

Então, em uma tentativa de ficar menos bêbado, eu tinha ido fazer um café com Galileu. Alice, Valter e Gisele estavam lá, a primeira cortando limões solicitados por Andreia para o preparo de algum drink, os outros dois estavam apenas conversando na ilha.

E aí eu coloquei a água para esquentar, peguei a garrafa, o suporte para coar café e o filtro de papel onde Gali tinha indicado e estava dobrando as laterais quando ouvi um "ai, merda!" de Alice e vi Gi correndo e saltando em mim gritando "vamos lá fora, Edu? Vamos!".

Claro, aí veio a risada esganiçada do arquiteto júnior e uma crise de tosse que agora eu sabia que tinha sido de Marcela, e eu literalmente saí da cozinha com a rainha do RH pendurada em mim. Não faço ideia de quem terminou o café, sinceramente.

O desespero de Gisele meio que me fez pensar que Alice tinha arrancado um dedo ou uma mão e que aparecia na segunda com um gancho no lugar onde costumavam ficar seus cinco dedos, então eu apenas me sentei no primeiro lugar que eu vi e tentei pensar em coisas que não uma mão decepada e rios de sangue.

E aquele tempo lá fora tinha me feito notar algumas coisas.

Primeira: a vodca cor-de-rosa tinha uma irmã verde. Eu não sabia de onde aquilo tinha vindo, se realmente era vodca ou porque havia um estoque infinito.

Segunda: alguém tinha colocado meu celular para secar dentro de um bowl cheio de arroz, e eu só descobri isso porque minha carteira estava do lado — o celular com certeza estava bem, porque era resistente a água e tinha ficado poucos segundos submerso, mas eu esperava não ter que refazer todos os meus documentos.

Terceira: Isaac e Sâmia performaram Toxic, da Britney Spears e o engenheiro sabia a letra de cor e ainda corrigiu quando Sam errou o lado para o qual seu quadril deveria ir no início da música. Fofos.

Quarta: Fernando estava carregando um colchão inflável no meio do gramado e, em cima dele, uma garrafa de bebida rolava de um lado para o outro, sempre a um centímetro de cair na grama.

Ele me olhou, eu olhei para ele. Seu olhar dizia algo como "eu não pergunto porque você está verde se você não me perguntar porque eu estou com um colchão". Concordamos e cada um seguiu na sua, até porque eu não acho que ele soubesse exatamente o que estava fazendo, de qualquer maneira.

Quinta: Galileu voltou para a churrasqueira e eu descobri que, talvez, seu segredo para um churrasco de sucesso, na verdade, fosse conversar com a carne e não um ingrediente, porque ele teve uma conversa e tanto com uma peça de alcatra.

E aí Gisele e Golden chegaram.

— Obrigado, Gi — eu disse, após assoprar o café que estava realmente muito quente. — Eu não quero estragar outro churrasco passando mal por causa do sangue.

— Foi mais o lance de socar o Igor, chefe, o sangue a gente até entendeu que não é culpa sua — Golden explicou e Gisele riu. — Acho que eu nunca vou conseguir esquecer a cara de desespero do Valter naquele dia.

— Eu amo o Valter — contei e Gisele deu um sorrisinho fofo enquanto o Golden ergueu uma sobrancelha e depois a outra. — Eu também amo vocês dois.

— Sempre soube, Chefe — ele disse, cheio de si, e aí deu impulso com o pé de novo e, dessa vez, entornou café na própria mão e tentou disfarçar, mas sua careta fez a rainha do RH franzir as sobrancelhas. — Me queimei, Gi — disse, num muxoxo.

— O que eu faço com você, Lucas Assumpção? — Gigi perguntou, se levantando para olhar a mão dele, tomando-a entre as suas e virando de um lado para o outro para tomar ciência do estrago. — Ok, só ficou vermelho, você vai sobreviver.

Lucas tombou a cabeça de lado.

— Nem um beijinho para sarar? — perguntou ele para Gisele, fazendo sua melhor feição de cachorro que caiu da mudança.

— Lucas, não! — eu avisei, estreitando meus olhos para ele.

— Não! Eu não estou dando em cima dela! Gi, não! Você é linda e maravilhosa e tem cheiro de alguma coisa muito boa que eu não sei o que é, mas eu não...! — Aí ele levantou do balanço e esticou a mão para mim. — Chefinho lindo que eu amo tanto...

E foi assim, senhoras e senhores, que eu beijei a patinha queimada de um Golden. E descobri que o cheiro de Gisele era shampoo de linhaça. E eu nem sabia que linhaça tinha cheiro.

— Eu não queria atrapalhar esse momento maravilhoso que eu absolutamente queria estar filmando — Marcela se aproximou no exato momento em que eu dava o terceiro beijo na mão contundida de Lucas que só repetia "não melhorou ainda, chefe!" e fazia Gisele rir como se estivesse se afogando nos próprios fluidos. — Mas eu só vim trazer um café para o Edu porque ele foi expulso da cozinha antes de conseguir pegar, mas acho que cheguei atrasada.

Ela apontou a xícara na minha mão com o queixo e eu esqueci que estava ocupado beijando a mão de um Lucas alcoolizado e contundido para sorrir para ela.

Má estava com um ar de diversão no rosto e com o vestido de Andreia contra o vento, se envolvendo contra o seu corpo e dançando junto com seu cabelo que tinha secado ao natural, então tinha umas ondas bonitas que se chocavam contra seus ombros por causa da brisa.

Puta que pariu, que mulher linda. Eu acho que eu nunca ia conseguir parar de achá-la mais bonita do que da última vez que tinha visto.

— Não tem problema, anjo, eu fico com o café — Lucas se pronunciou e acho que foi a visão de Marcela que fez com que ele parasse de reclamar da queimadura na mão para aceitar a xícara extra da engenheira. — Eu preciso mesmo ficar sóbrio.

— Já costuraram de volta a mão da Ali? — perguntei e Marcela ergueu as sobrancelhas.

— Eu já pedi desculpas por pular em você! — Gisele disse e Golden deu um gole em cada uma de suas xícaras de café. — Minha intenção era o oposto de te assustar!

— Eu sei, Gigi — eu repliquei quando ela fez um biquinho. — Mas você sempre pode comprar meu perdão com frapuccino com chantilly — pisquei para ela, porque foi assim que nós fizemos as pazes depois do fatídico churrasco onde eu tinha... Enfim, Igor.

Claro que trufas de chocolate branco e cereja também foram envolvidas, porque eu sabia como conquistar Gisele Neves, a rainha do RH, e ela adorava comidas de formiguinha. E aparentemente também adorava bebida rosa sem procedência, porque ela tinha tomado várias doses e tinha ficado só levemente embriagada, embora Fernando tenha ido de estou-bem-eu-aguento-beber para "álcool em gel é tipo patê? Porque, tipo, a gente bebe álcool líquido, né?".

Será que eu deveria me preocupar com ele? Desde o colchão...

— Mas está tudo bem? Eu só vi que ela se cortou, não consegui medir o tamanho do estrago porque precisava que o Edu não visse — Gisele perguntou para Marcela, que apenas deu de ombros antes de se sentar ao meu lado no sofá, um pouco mais longe do que eu gostaria, mas a uma distância profissionalmente aceitável.

— Galileu colou um band-aid nela e resolveu o problema, foi bem superficial — Marcela contou, jogando os cabelos para trás dos ombros, mesmo que o vento não tenha deixado os fios por lá mais do que uns dois segundos.

— Eu aposto que nem teria precisado do curativo se alguém tivesse dado um beijinho no corte dela — disse Lucas, dando um sorriso mole para mim que fez Gigi rir o suficiente para eu começar a pensar que ela estava se engasgando nos próprios fluidos realmente, mesmo que meu cérebro só conseguisse repudiar a ideia de beijar um corte sangrento e os pelos do meu braço estivessem totalmente eriçados pelo pensamento. Quem faria isso, pelo amor do cerrado? — Eu digo isso porque o chefe quase curou a minha mãozinha, mas eu aposto que...

E aí ele entregou uma xícara para Gisele, o golfinho se afogando, e estendeu a mão em direção a Marcela, que ergueu as duas sobrancelhas enquanto tomava café.

— O quê? — perguntou a engenheira, inocente demais para alguém com um QI tão elevado e que conhecia Lucas Assumpção.

Bom, talvez eu já estivesse um pouco mais acostumado porque ele passava 98% do seu tempo na minha mesa, mas mesmo assim, era o Golden!

— Minha mão está queimada, Má — ele gracejou, piscando várias vezes para ela, como se fosse um personagem de cartoon.

— Melhoras? — ela arriscou.

— Eu aposto, anjo, que um beijo seu cura qualquer coisa — o arquiteto júnior explicou e continuou olhando esperançosamente para Marcela, que mordeu o lábio inferior enquanto olhava para a mancha disforme e cor de rosa claro que se estendia pela mão dele.

Gisele colocou a mão na frente dos olhos para dizer que, como pessoa do RH, não podia ver aquilo; no entanto, a fresta gigantesca entre os dedos indicador e médio diziam que ela estava bem interessada no desfecho.

Será que Marcela daria um beijo para a mão dele melhorar? Ou será que a engenheira reativa arrancaria a mão dele do corpo porque não tem como contundir algo que não está mais conectado com o resto?

Para a sorte e felicidade do Golden, ela escolheu a primeira opção e o pobre filhote quase fez xixi sobre si mesmo de tanta felicidade, se retorcendo em ângulos estranhos enquanto eu ria, Gisele fingia não ter visto nada e Marcela tentava fazê-lo parar de reclamar sobre não ter queimado a boca, porque esse problema ela definitivamente não ia resolver para ele.

— Ok, Golden, sossega e agradece que sua mão ainda faz parte do seu corpo — Gisele disse, o puxando pelo braço. — Normalmente a Marcela morde, mas hoje ela está estranhamente de bom humor.

Ok, eu tentei. Eu juro que eu tentei ser racional e pensar que ela provavelmente estava bêbada, animada por estar no aniversário de Galileu, empolgada com qualquer coisa... Mas eu simplesmente não consegui não pensar que eu tinha uma parcelinha daquele bom humor só para mim.

Porque eu queria pensar que ela estava feliz por, bem... Nós.

Eu acho que ela olhou para mim por um segundo antes de beber outro gole do café e voltar sua atenção para Gisele, que ainda segurava Lucas pela mão. Será que seria socialmente aceitável comprar uma guia de peitoral para ele? Ficaria mais fácil controlar.

— Olha, dependendo de como for esse negócio da mordida, pode ser que eu esteja muito interessado — Golden disse e foi só porque Gisele estava segurando sua mão que ele não foi se jogar na boca de Marcela, eu tenho certeza.

— Lucas, não abusa! — Gigi avisou.

— Mas ela está feliz, é a minha melhor chance! — Choramingou, fazendo beicinho para Gisele, que não se comoveu tão facilmente assim. — Não é todo dia que ela recebe um edital de estádio, Gi!

E aí ela soltou a mão de Lucas para bater uma palma muito animada, abrindo os lábios em um sorriso genuíno enquanto seus olhos iam de Marcela para mim e vice-versa diversas vezes.

— Eu estou tão feliz por vocês! E orgulhosa! Renata estava muito certa em juntar vocês dois, as obras de vocês sempre ficam incríveis! Claro, eu não saberia dizer tecnicamente, mas a trindade sempre fala sobre isso! — A rainha do RH bateu mais uma palma disforme por causa da asa da xícara presa nos dedos. — Me lembra de adiantar a contratação para a Construção Sustentável, Edu! Agora mais do que nunca vocês vão precisar de mão de obra extra, porque você vai estar focado no estádio e...

— Eu vou sentir tanto a sua falta, Chefe! — Lucas disse, se sentando perto de mim para colocar a cabeça no meu ombro de forma dramática. Talvez ele precisasse de mais café, porque claramente a sobriedade não estava a um passo de distância, como ele supôs por todo aquele tempo.

Gisele continuou fazendo uma to do list mental sobre a contratação para as vagas no setor, mas eu não acreditava realmente que ela fosse se lembrar dela.

— Ele ainda vai estar na mesma mesa todo dia, você sabe, né? — Marcela perguntou e Lucas me amassou entre seus braços. — Só que vai estar trabalhando comigo.

Eu acho que ela sorriu quando disse isso!

E, claro, eu sorri junto.

— Sortudo! — Golden disse e eu não podia nem fingir que eu não era mesmo para que ele sentisse menos minha falta. — Marcela é a melhor e não chora no banheiro quando fica desesperada! Quem vai conseguir convencer o Isaac a sair de dentro da cabine falando sobre bambu e amor?

Gisele suspirou, já entendendo que ela teria a missão de enfiar chá em Isaac e convencê-lo que tudo bem ficar nervoso, mas ele ainda era um ótimo engenheiro e ia dar conta de recalcular a rota quantas vezes as firulas de Fernando Nogueira fizessem necessárias.

Acho que eu podia falar para ela que ele gostava de Britney, porque com certeza ela saberia fazer uma ótima analogia do tipo "se a princesa do pop superou 2007, você supera uma sauna não planejada!".

— Lucas, é temporário — Gisele disse. — Além disso, eu já tenho duas favoritas para recrutar. Pelas suas anotações pós entrevista, Edu, acho que estamos em sintonia com isso e...

— Eu gostei da que tinha aquelas mechas azuis no cabelo! — Lucas se manifestou, se esquecendo do quanto ia sentir minha falta subitamente e fazendo Marcela rir. — Sabe? A com a argolinha no nariz!

Eu sei, Lucas, porque você disse que só um arquiteto podia criar uma obra tão perfeita quanto ela! — Gisele atirou uma almofada de forma nada amistosa em Lucas, que se escondeu atrás de mim, então meio que nós dois fomos vítimas daquele atentado.

— Eu não sabia que ela era candidata até você me falar! — Lucas se defendeu, se jogando por cima das minhas pernas e das de Marcela, terminando com a cabeça no colo dela e olhando para cima em busca do rosto lindo que ela tinha. — Tá vendo, anjo? Se você correspondesse ao meu amor, isso nunca teria acontecido!

E aí Marcela empurrou o Golden, que rolou pelas nossas pernas e acabou estatelado no piso de madeira.

— Isso definitivamente condiz mais com você, Má — Gisele disse, dando risada enquanto Lucas dizia que a engenheira ia ter que beijar seu corpo inteiro para que ele pudesse voltar a andar.

— Ei, Lucas! — Sandro chamou, de perto da área da churrasqueira, depois de soltar um assobio como se estivesse, de fato, chamando um cão.

O arquiteto junior se ergueu o suficiente para ficar em posição de índio e sorriu todo mole para Sandro, que tinha uma caneca de chope na mão (sério, quanto álcool a gente tinha juntado para um churrasco?) e caminhava até onde nós estávamos.

— O Gali disse que precisa de você — o engenheiro máster disse e Lucas pegou o meu café para virar na boca, depois o de Marcela, tentando desesperadamente ficar sóbrio para... Não sei porque, mas ele até parecia bem empenhado.

— Vai queimar a boca, Lucas! Golden! — Gisele disse, o mandando beber aquilo devagar, mas o café já estava bem menos quente, então ele apenas deixou escorrer pelos cantos da boca sem qualquer pudor enquanto bebia aos goles.

— Eu vou ajudar o Gali! — ele disse, se esquecendo de que supostamente tinha um mal na coluna que só era curado com beijos de engenheira e indo até onde Galileu estava conversando com alguém, trocando os pés só duas vezes no percurso.

Não, espera. Gali estava falando com a carne de novo.

Será que eu deveria me oferecer para ser um ombro amigo se ele precisasse? Eu achei que ele e Isaac estavam se dando bem e trocando confidências, mas aparentemente ele ainda não confiava tanto no engenheiro sustentável quanto na maminha bovina.

E aí eu notei que Sandro Ventura olhou para a cena que acontecia no pergolado, mais precisamente para as pessoas envolvidas nela e ergueu uma sobrancelha ao mesmo tempo que deu um grande gole no seu chope.

— Gi, preciso falar com você — ele disse, apoiando a mão no ombro dela e fazendo a rainha do RH erguer seus olhos para ele, por trás de seus óculos de gatinho que, nesse fatídico dia, eram de armação lilás. — A sós. Vem comigo para...

— Sandro, eu bebi um pouco — ela lembrou. — Não pode esperar até segunda?

O engenheiro pegou a mão de Gisele e a colocou de pé num pulo, fazendo com que ela perdesse uma das suas sandálias no processo.

— Não, Gisele! É um assunto importantíssimo! — ele disse.

— Que não pode esperar até segunda? — ela tentou de novo.

— Gisele! É vida ou morte! Se esse assunto passasse por uma triagem hospitalar, sairia de lá com uma pulseira vermelha! Se fosse classificado pela escala Richter, seria um terremoto com mais de oito graus, daqueles que destroem tudo no local atingido e nos arredores, se...

Tão discreto.

— Tá bom, tá bom! — Gisele arregalou os olhos e o seguiu sem se preocupar com a sandália perdida, andando na grama com um pé calçado e outro não.

Só que suas sandálias eram plataforma, então ela estava andando desnivelada e era impossível não rir dela, tadinha. Era como olhar uma onda.

Crista.

Vale.

Crista.

Vale.

Crista.

Vale.

E era uma questão de tempo até ela enforcar Sandro Ventura com o cordão que ele tinha no pescoço quando descobrisse que ele a tinha alarmado com o único objetivo de me deixar sozinho com Marcela, porque ele supostamente sabia algo que ninguém nunca tinha confirmado para ele.

Eu queria muito saber qual desculpa ele ia usar para despistar a rainha do RH, sinceramente.

— Às vezes eu consigo totalmente entender como a Ceci acabou apaixonada por ele — Marcela disse, observando Sandro, com o cotovelo apoiado no braço da poltrona e a cabeça tombada para a esquerda, enquanto encarava o engenheiro com um sorriso nos lábios. — Às vezes eu simplesmente não sei de onde ela tirou essa ideia maluca.

Em um cálculo rápido, supus que houvessem mais ou menos uns 45cm de distância entre mim e Marcela naquele sofá.

E isso era muita coisa, certo?

Muita mesmo.

Será que eu podia...?

Só um pouquinho.

Tipo reduzir para 5cm?

Ou 2cm?

Ou então...

Ok, eu deslizei um pouquinho para o lado dela enquanto fingia inocentemente estar me arrumando nas almofadas.

— Parece esquisito, mas ele é muito fofo com ela. — Marcela ergueu as sobrancelhas, se ajeitando nas almofadas também. — Cuidadoso. Preocupado. Sorri ao invés de rosnar.

— Não consigo nem imaginar isso acontecendo — a engenheira riu, pegando uma almofada e colocando no colo.

Ela também estava vindo para mim?

Eu sorri quando percebi que sim, porque nossos ombros se encostaram e a gente se encontrou no meio do sofá. Embora houvesse camadas de roupas entre nós e não fosse propício pensar em retirar aquele obstáculo para nossas peles se tocarem de novo, como tinha acontecido na piscina mais cedo, foi a única coisa na qual eu consegui pensar por uma quantidade considerável de segundos.

Suas mãos tinham passeado pela minha pele assim como as minhas tinham passeado pela dela, deixando suas digitais marcadas em mim e um desejo quente e inacabável em cada célula do meu corpo, em cada pedacinho de Eduardo Senna que queria ser de Marcela Noronha. Todos os pedacinhos.

Se eu estivesse sóbrio, será que...?

Talvez sim, porque eu não tinha entendido errado. Eu não tinha entendido nada errado.

Quando, ela disse.

Quando.

Passei a língua pelos lábios, que tinham ficado secos de repente.

— Eles gostam de ver séries de época e Sandro tem uma coberta preferida no apartamento dela — Marcela abriu a boca, genuinamente surpresa, e eu mordi a minha em um reflexo, tombando meu rosto para olhar para ela. Linda. Perfeita. Maravilhosa. — Mas você não ouviu isso de mim, eu acho que ele vai me matar se eu deixar as pessoas saberem disso.

— Melhor esperar todo mundo esquecer sobre o piercing primeiro. Pelo seu bem — Marcela disse, erguendo o rosto para olhar para o meu também.

Eu queria tanto beijar sua boca.

Tanto que eu quase deixei minha mão ir até a sua bochecha para manter seu rosto parado no mesmo lugar enquanto eu me inclinava para capturar aqueles lábios rosados sem me importar com mais nada além daquilo que queimava em mim.

Quando.

Mas se eu não parasse de olhar...

Então eu deixei meus olhos caírem para as minhas próprias mãos.

— Faz uns anos que eu aceitei que vou ser esmagado por um andaime assassino de Sandro Ventura e essa será a causa da minha morte — eu disse, dando de ombros e rindo quando ouvi a risada dela. — Vou espalhar todas as fofocas dele que eu puder antes disso acontecer. Sabia que...?

Eu deixei a minha pergunta morrer na minha boca quando vi que Marcela estava olhando para as minhas mãos no meu colo junto comigo e seus dedos tocaram o pequeno corte que havia no espaço entre a base do meu dedão e o pulso.

Claro que eu não lembrava direito se eu tinha tirado o band-aid dali ou se ele tinha caído quando me molharam, provavelmente entupindo o ralo de fundo ou os bocais de aspiração da piscina de Gali. Acho que eu nunca ia saber.

E aí ela colocou minha mão entre as dela, erguendo-a até mais perto dos olhos ao mesmo tempo em que eu sentia que uma gelatina me daria um banho no quesito consistência naquele momento, porque se alguém me empurrasse do sofá, provavelmente eu apenas escorreria pelas almofadas ao invés de cair estatelado como o Golden tinha feito.

— Como você se machucou? — perguntou, analisando e passando os dedos pelo cortezinho, que já nem estava mais aberto e era apenas uma linha rosa escuro e levemente em alto relevo. — Isaac não cuidou direito de você?

Eu ri. Sempre o arquiteto desatento, opção um. Em defesa dela, eu tinha mesmo alguns roxos que eu não sabia de onde tinham vindo, então esse era um chute bem condizente com a minha realidade.

— Isaac cuida de mim direitinho — eu contei e ela continuou passando os dedos ali, como se não quisesse desfazer o contato, porque não tinha como um machucado tão pequeno demandar tanta análise. Eu abaixei só um pouquinho para sussurrar para ela: — Não tanto quanto você, é claro, mas ele tenta.

Marcela sorriu.

— Então o que você fez? — perguntou e seus olhos se ergueram para os meus.

E foi aí que eu perdi tudo.

Eu era tão fraco por ela, mesmo que ela me fizesse sentir tão forte. Tão apaixonado. Tão vivo.

— Você tem que prometer que não vai ficar brava comigo — eu disse e ela apertou as sobrancelhas, fazendo um vinco surgir entre elas e me oferecendo aquele olhar desconfiado de quem sabia que provavelmente ia ficar brava sim, mesmo que fizesse muito tempo que ela não ficasse brava comigo, nem quando eu quase me jogava na mesa dela e pedia que ela me iluminasse com seu cérebro racional quando o meu se embolava em cento e cinquenta ideias que eu não conseguia ordenar tão rápido quanto ela. — Tinha um armário com a porta frouxa, aí eu peguei uma chave de fenda para apertar o parafuso e passei a minha mão em uma pontinha de madeira que eu não tinha visto e aí...

E aí ela bateu o ombro no meu, me jogando levemente para o lado e me fazendo rir.

— Foi com o jogo de ferramentas que eu te dei, Eduardo Senna? Eu te disse para não usar sem supervisão! — Ela parou para analisar por um momento, mas não soltou minha mão. Não soltou nem um segundo. — Então foi por isso que o Chico me mandou umas vinte figurinhas dele mesmo com cara de bravo e quando eu perguntei "o quê?" ele respondeu "você sabe o que você fez!"? Depois disso a foto dele sumiu! Eu não acredito que ele me bloqueou porque você resolveu apertar um parafuso e se machucou!

A história completa incluía que, na verdade, quem estava comigo na ocasião do corte tinha sido Leandro e não meu médico favorito. É claro que quando ele viu o sangue na minha mão, abriu sua camisa exatamente como o Superman, puxando pelas laterais e revelando seu peito (porque obviamente não havia um uniforme secreto ali embaixo) e enrolou na minha mão.

Depois eu acho que ele confundiu como fazer minha pressão continuar estável e enfiou uma colher de açúcar na minha boca, que eu cuspi quase inteiramente no chão da cozinha porque não conseguia parar de rir do seu desespero enquanto ele procurava curativos dentro dos potes de biscoito, mesmo que eles fossem transparentes e desse para ver que o conteúdo era biscoito, exceto no menorzinho no canto, onde Henrique Francisco sempre deixava curativos para cortes nas mãos por motivos óbvios (não matar o Eduardinho).

E ele se sentiu muito herói quando encontrou um band-aid e colou em mim e, no fim, seu desespero me distraiu do sangue, então ponto para Leandro Lamas.

Eu nem consegui falar que só aquele cortezinho não ia me fazer desmaiar, porque ele estava muito orgulhoso de si mesmo para eu estragar com uma questão completamente técnica.

— Ok, o Chicão é muito emocionado e não deve ser levado como parâmetro! Provavelmente ele vai te desbloquear em uns meses — eu contei e Marcela abriu a boca, incrédula, porém segurando uma risada. — E em minha defesa, você nunca foi me dar as aulas que, se eu bem me lembro, são parte do meu presente de natal.

— Ok, eu também disse que não era para você usar antes das aulas e você usou!

— Eu posso te perdoar, Marcela, mas você vai ter que fazer algo por mim. — A engenheira fechou os lábios e esperou, mas eu vi que tinha um sorriso ali pelos cantinhos erguidos. Eu amava quando ela sorria por minha causa, puta merda. — Soube muito recentemente que seus beijinhos curam qualquer coisa e eu tenho uma mão machucada.

Aí ela riu de verdade, seu ombro apoiado no meu trazendo a vibração do seu corpo pra mim e eu adorei a sensação mais uma vez.

— Fonte: vozes na cabeça do Golden — ela gracejou, ainda com a minha mão entre as suas, pequenas e macias. E eu só consegui pensar em vários cachorros latindo ideias na cabeça do pet da CPN. — Nada foi cientificamente comprovado.

Ergui minhas sobrancelhas, vendo que Marcela refletiu aquele movimento inconscientemente.

— Protesto, ele pareceu bem feliz quando você beijou a mão dele — arrisquei, apontando com o queixo para a minha própria mão e fazendo a engenheira olhá-la novamente.

— Vai que é venenoso? — perguntou ela. — Daqui a uma hora o Golden pode cair morto em um envenenamento fatal por um beijo de Marcela.

Daquela vez, quem sorriu abertamente fui eu, abaixando só um pouquinho para que meus olhos ficassem na altura dos dela.

— Eu acho que já comprovamos que eu sou imune aos seus beijos, ou então meu corpo estaria perdido no mar a essa altura — eu disse e as bochechas dela ficaram levemente rosadas, mas ela não desconversou. Eu ser imune aos beijos de Marcela era a piada da minha vida, porque claramente eu não era imune a nada. Eles nunca tinham me matado, mas poderiam e não seria por serem venenosos, mas porque sua boca era a melhor coisa que já tinha estado na minha. — E mesmo que não fosse, por um beijo seu eu corro o risco sem nem pestanejar.

— Que morte triste seria — ela disse.

— Eu definitivamente estou disposto a morrer pelos seus beijos, então, por favor.

Ergui minha mão e Marcela rolou os olhos, risonha, antes de beijar o dorso da mão "machucada".

E ela manteve sua boca ali, seus lábios pressionados contra a minha pele por tempo o suficiente para que os pelos do meu corpo se arrepiassem.

Como era possível que Marcela estivesse me desmontando inteiro dando um beijo na minha mão? E como ela me remontava parte por parte fazendo a mesma coisa? Qual era o segredo dela? Por que caralhos era tão bom fazer qualquer coisa desde que ela estivesse junto?

Eu demorei um tempinho perdido na sensação daqueles lábios contra a minha pele para perceber que eles estavam gelados, então estendi minha mão para tocar no seu braço esquerdo, na parte não escondida pela manga do vestido, e senti que sua pele estava gelada contra a minha palma.

Então eu tirei o moletom canguru que eu estava vestindo, que Leandro sempre me mandava deixar no carro porque um dia eu ia precisar dele — ensinamentos da Borboleta no Cóccix. E ele estava certo, é claro.

— Vai, Má, levanta os braços — eu pedi segurando o moletom cinza pronto para passar pelos seus braços e pela sua cabeça e deixá-la quente de novo.

— Você vai mesmo vestir todas as suas roupas em mim? — perguntou quando eu enfiei a gola pela sua cabeça e ela ficou com o gorro sobre os cabelos e o resto do tronco para fora. Só então ela começou a passar os braços pelas mangas para que eu pudesse ajeitar tudo.

— Se você estiver com frio, vou — expliquei, subindo um pouco o tecido por seus braços para que suas mãos ficassem para fora.

Marcela ficava linda no meu moletom cinza. Eu sabia que ia valer a pena ter comprado. Algo me disse no momento em que eu o vi.

— Mas aí você fica com frio — ela disse, jogando a touca para trás e arrumando a zona que eu tinha feito no seu cabelo, que tinha ficado preso para dentro da blusa.

— Mas você não.

— Eduardo! Lembra quem foi que ficou gripado porque o Alê diminuiu dois graus do ar condicionado da CPN? Não fui eu, princeso! Isso não é justo! — ela disse parecendo ainda menor dentro da minha roupa, que ficava grande demais nela, nada assustadora, como seu olhar denunciava que ela queria ser.

Talvez se a gente adicionasse uma prancheta? Uma marreta?

Definitivamente uma marreta.

— Eu vou ficar com seu short vermelho em retaliação — eu disse e ela deu um soquinho no meu ombro. — O quê? Você está com a minha jaqueta e meu moletom e eu preciso de garantias! Eu estou só com o seu casaquinho!

Aí Marcela assoprou uns fios de cabelo que eu levei para o lugar para ela, puxando uma das minhas pernas para cima do sofá para ficar de frente e afastando aquela mechinha do seu nariz, soltando-a perto da sua orelha, que estava com os brincos que eu tinha dado de presente.

— Você fala como se fosse pouca coisa!

— Dois contra um. Você fica com mais poder e eu não quero renegociar os termos do nosso acordo. — Tombei a cabeça, acompanhando o movimento que ela fez com a dela. — Good Girl ou nada.

Marcela sorriu.

— Vou pensar no seu caso, Edu. Se eu fosse você, já dava uma relaxada com a barba — ela disse e eu sorri de volta, mas aí notei que seu olhar desviou do meu, olhando para algo que vinha por trás de mim.

Gisele Neves, com sua sandália plataforma em uma mão e andando descalça pelo gramado com pés sujos em um tom de marrom escuro que não combinava com ela.

— Má, você está sendo solicitada para decidir sobre cardamomo, cravo e canela no vinho quente. Sâmia está com um garfo na mão como se fosse um tridente e já falou em Poseidon umas quatro vezes. Eu não quero ninguém espetado, você pode ir resolver? — Marcela fez que sim e lançou um olhar um pouquinho mais demorado e com um sorriso para mim antes de se afastar. Gigi se direcionou a mim: — Você viu uma sandália igual a essa? Eu quero jogar as duas no Sandro.

E aí Gisele ergueu seu salto plataforma para me mostrar qual era o objetivo e eu fui ajudar a Cinderela moderna a procurar seu sapatinho de cristal embaixo do sofá.

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Boa quarta, Bambuzetes! Como estão?

Por aqui estamos derretidas com Mardo sendo fofo e o Golden sendo abusado hahaha ainda bem que a Marcela está de bom humor, por que será, né?

Na disputa de quem tem mais roupa do outro, Eduardo ta perdendo feio (ai ai Edu, pq não aproveitou que tirou o moletom e não arrancou a blusa junto pra mostrar a pena?) e aí fica a pergunta: ele vai se mudar pra casa da Má de tanta roupa que está lá, ou vai roubar todas as roupas dela como retaliação? 

CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS!!!!!!!

E falando em próximo capítulo, ele tem uma trilha sonora especial! Quem acertar a música que vai aparecer nele, ganha... uma dedicatória com spoiler? Topam o desafio?

Esperamos que estejam gostando! Não esqueçam da estrelinha e do amor e de contar o que estão achando!!!

Beijinhos,

Libriela <3

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