Capítulo 93 - Quem é o meu cachorrão?

Quem é o meu cachorrão?


Eduardo

— Vai, coração, o segredo é a persistência — Valter disse, enquanto eu encaixava de novo o bico da long neck no meu antebraço. — Agora dobra o braço e gira a garrafa ao mesmo tempo.

E aí eu tentei, o que só resultou na minha pele repuxando pelo movimento, mas a garrafa continuou igualmente lacrada pela quarta vez e Valter apenas riu, dando uns tapas de encorajamento (ou consolo pela derrota, vai saber) no meu ombro, porque ele era ótimo naquilo.

— Ok, eu desisto! Acho que abrir uma garrafa com o braço exige um nível de sensualidade que eu não tenho — eu disse e Valter foi do seu tom bronzeado de sol para um vermelho pouco saudável em segundos. — Você é lindo, amor.

— Acho bom mesmo você desistir disso, eu acho que não estou em condições de ficar te abanando por causa de sangue hoje e está na cara que você vai se machucar, Chefe. Você é macio demais — Lucas disse, alisando meu braço e começando uma crise de soluços que só deixava claro que tinha álcool demais em seu sistema.

Eu disse que ele era muito jovem para tomar corote azul, mas aparentemente ninguém leva meus conselhos a sério, nem o meu pupilo canino.

Mas a ideia era exatamente aquela e a ordem do dia, dada pelo capricorniano mais legal que eu conhecia, Galileu Amorim, era de que toda a bebida que tinha no seu churrasco de aniversário tinha que acabar. O detalhe é que ele poderia converter seu sítio em Sorocaba em um bar naquele exato momento, então a missão era complicada, mas o squad da CPN que ele tinha reunido estava levando a sério. O lema era o mesmo do Capitão Nascimento: missão dada é missão cumprida.

Até mesmo o aniversariante, que estava de chinelo de dedo, bermuda e regata (Andreia tinha prometido que colocaria fogo naquela regata e eu não duvidava) com uma cerveja em uma mão e mexendo os espetos na churrasqueira com a outra, preparando o que foi decretado pelos carnívoros da CPN como o melhor churrasco da vida — ele adorava ser o churrasqueiro da rodada e se gabar sobre seus ingredientes secretos, mas mal sabia ele que depois de preparar duas rodadas de tequila sunrise, Andreia já tinha revelado que suas carnes vermelhas levavam pimenta calabresa e chimichurri em retaliação à sua ousadia de usar regata e chinelo.

Lavínia também estava bem empenhada em descobrir o segredo do frango, usando artifícios vis como repor a cerveja de Deia e pegar para ela o doce de leite de Sâmia — e nessa ela já havia arrancado de Andreia algo sobre melado de cana estar envolvido no tempero especial de Gali.

Eu sorri, olhando em volta.

Havia cerveja e drinks. Carne assando. Pão de alho. Pagode e forró estourando nas caixas de som. Aquilo definitivamente era um churrasco, como bem observou Thales Carvalho para Fernando Nogueira, que se defendeu falando que ninguém reclamou das suas firulas no "churrasco" da CPN, inclusive o próprio Thales, que aparentemente tinha sido flagrado perto demais de uma bandeja de canapés de camarão com páprica.

— Aprende a abrir as garrafas direito pra gente poder remarcar nossa cerveja, Senna! A última não valeu e você tem coisas para me contar — Sandro disse, apontando o gargalo de uma Eugência para mim.

Eu dei um gole na minha própria garrafa de Mautava — que era a minha preferida e eu não tinha mais problemas de aceitação com esse fato — e desconversei, porque eu sabia o que ele queria que eu contasse para ele e até eu sabia que eu não ia conseguir manter a minha língua quieta dentro da minha boca se ele perguntasse e apertasse as sobrancelhas com cara de bravo.

Só que pensar na noite de quinta, dia da nossa cerveja fracassada, colocava um sorrisinho bobo no meu rosto, porque o casaquinho de Marcela ainda estava na minha cama, junto com as minhas cobertas. E aquela troca de mensagens ainda estava fresquinha na minha cabeça, mesmo que as minhas intenções com Marcela já não fossem tão novas assim, ainda que todos os dias elas se renovassem e eu ficasse mais e mais bem (mal?) intencionado com relação à minha engenheira favorita.

Claro que descobrir que Marcela e Gustavo tinha sido um delírio da minha cabeça tinha sido um plus naquela noite (bom pela solteirice, péssimo pelas minhas inexistentes habilidades como investigador), mas eu ainda achava que eu estava devendo um beijo para ela. Aquele que deveria ter rolado no banheiro dos Ardos.

A parte engraçada daquele dia foi que eu só conseguia pensar em Marcela Noronha e em como eu deveria ter beijado sua boca maravilhosa, mas, na verdade, a única pessoa que chegou perto de me beijar foi Nathália.

Ei, calma! Eu vou explicar!

Acho que meu convite e minha insistência sobre a carona para a sua casa foram mal interpretados, porque eu realmente queria deixá-la em casa em segurança e, inclusive, disse não quando ela me chamou para subir até o seu apartamento. E aí ela disse "que bom moço, Eduardo" e tentou colar sua boca na minha, mas eu recusei, porque não era ela quem eu queria beijar, então eu apenas a afastei e disse que existia outra pessoa.

E não qualquer pessoa. A pessoa.

Sendo justo, a única coisa que eu queria beijar era o sorriso que estava no rosto perfeito de Marcela Noronha, que estava surpreendentemente bebendo uma cerveja direto da garrafa enquanto ria de alguma coisa que Gisele tinha acabado de dizer e na qual eu não tinha prestado atenção, mas sorri com ela por reflexo, acompanhando o movimento dos seus lábios úmidos se curvando.

Eu queria tanto entregar o beijo que eu estava devendo. E talvez mais alguns. Vários. Milhares. Quantos ela quisesse.

Aí eu dei mais um gole na Eugência número... Não sei o número, que Sandro tinha trazido para mim alguns minutos antes e Valter tinha feito a gentileza de abrir com a técnica que eu não tinha conseguido aprender, e coloquei o braço sobre os ombros dele, apoiando a minha cabeça nele. Valtinho simplesmente tombou o rosto no meu cabelo, amassando sua bochecha em mim, já acostumado com o fato de que a gente se alisava em público e era isso.

— Que foi, coração? O álcool bateu ou está carente? — perguntou ele.

Eu estava bêbado, era um fato.

E quando eu olhava para Má, seu sorriso lindo, sua voz se espalhando pelo ambiente e a brisa balançando seus cabelos... Eu sabia que estava carente de Marcela Noronha.

Então os dois? Os dois.

Ela era tão maravilhosa. Eu achava o lindo o jeito que ela afastava os cabelos do rosto, como o sol refletia nos seus olhos castanhos e também como sua pele clara contrastava com sua blusa preta com bolinhas brancas e seu short vermelho de alfaiataria e seus tênis brancos. E suas pernas, que deveriam ser tombadas como patrimônio cultural, claro.

Ela estava me lembrando a Minnie, percebi, colocando um sorriso no meu rosto enquanto olhava. E de repente eu queria ser Mickey Mouse.

Como uma única criatura podia ser tão linda, pelo amor da Mata Atlântica?

— Você acredita no amor, Valter? — perguntei e Valter gargalhou tão alto que acho que algum residente do Japão provavelmente estava olhando para cima agora esperando o Godzilla aparecer depois daquele som não identificado.

— Você já está pronto para falar "eu te amo" pra mim, coração? — ele perguntou, sua voz falhando porque ele tinha engasgado e agora havia um rastro na mesa de um jato de cerveja que tinha saído direto do seu nariz, quase atingindo Sâmia, que estava sentada de frente para ele.

E aí a voz estridente de Lucas Assumpção tomou o ambiente em um alerta:

— Ah, não! Protejam o som senão a gente vai ter que ficar ouvindo os rocks românticos do chefe e vocês nem me deixaram colocar funk ainda!

— Rock romântico, Eduardo? — Sandro ergueu as sobrancelhas para mim e deu um gole na bebida que tinha em mãos. — A gente vai ter que adiantar aquela cerveja?

— Traidor, chefe! — Lucas acusou, apontando para mim com a cerveja de um jeito que podia muito bem ter aprendido com Sandro. — Você não pode sair com meu pai e não me chamar!

— Golden! Calma! Quem é o meu cachorrão? — Alice perguntou, o puxando pelos ombros e o abraçando contra seu peito. — Você é o cachorrão!

Quê?

Citando Marcela Noronha, pára raio de maluco.

— Você disse que tinha me perdoado depois que eu te comprei a gravatinha! — eu apontei vagamente para a gravata que ele tinha ao redor do pescoço.

Eu não sei como, eu não sei onde, mas eu disse para Leandro Lamas que precisava comprar uma gravata para "o Golden" e ele apareceu com uma gravata dourada embrulhada para presente quando chegou em casa no fim do expediente.

Lucas quase morreu de felicidade e nem teve paciência para que eu o ajudasse a colocar direito, então apenas deu um nó que poderia ser usado provavelmente em um navio, mas não em uma gravata, e estava com aquilo pendurado no pescoço, por cima de sua t-shirt vermelha que não combinava com ela em nada, mas ele não se importava.

— Mas quando você pede perdão, tem que parar de errar, chefe! — disse e Alice fez carinho no seu cabelo castanho.

— Lucas, quem tá chamando ele é o Sandrinho, não fica chateado com o coração! — Valter me defendeu, porque ele acreditava em amor sim, eu sabia porque ele tinha saído com a Gisele para o Vegetarious, mas eu nunca ia explanar isso porque agora eu sabia que esse tipo de coisas tinha... Bem, consequências complicadas. E aí Valter apontou para o engenheiro sustentável. — Você está assustando o Isaac!

E aí todo mundo olhou para o engenheiro, que se encolheu e fez exatamente a mesma feição de pânico que tinha feito no dia anterior, quando eu cheguei na sede da CPN com as alterações que Fernando tinha pedido na fachada do nosso último projeto, logo antes de ir para o banheiro seguido por um Lucas que só dizia "faz carinho em mim, não pira, Isaac! Quem é meu campeão?".

Bom, a terapia com um Golden não tinha resolvido o problema de Isaac, que ficou hiper ventilando no banheiro masculino da CPN por uma hora inteira e Sandro Ventura, munido de todo o seu ódio e inteligência, recrutou Marcela e eles dois foram quem, efetivamente, refizeram os cálculos em tempo recorde.

Foi lindo, sinceramente, como os dois engenheiros reativos e tradicionais salvaram a Construção Sustentável.

— Tá rolando algo ali mesmo? — Fernando se aproximou olhando para mim ou para Lucas, eu não sabia dizer.

E então eu notei que havia em sua mão uma garrafa de uma vodca cor-de-rosa saborizada que praticamente era um alerta de spoiler sobre ressaca, mas ele não parecia com medo de beber aquela coisa de procedência duvidosa, já que se enfiou entre Sâmia e Renata e começou a encher vários copinhos de shot.

Ele estava mesmo ousado. Era a primeira vez que eu o via dentro de uma calça jeans em todos aqueles anos, ainda que ela parecesse ter sido feita sob medida para ele e provavelmente valesse o mesmo que o Rolex no seu pulso e não fosse exatamente o que eu chamaria de "jeans casual que vai ficar cheirando a fumaça em um sábado à tarde".

Bom, talvez levando em conta os padrões de Fernando...

— Nós dois? — Alice perguntou para ele, com Lucas tão engalfinhado no seu cabelo que eu não sei se ele sairia dali sem o auxílio de uma tesoura ou se aquele ângulo era natural para o seu nariz, enquanto apontava dela para o arquiteto e do arquiteto para ela com o indicador. — Não! Conheço o Lucas desde quando ele jogava areia em mim no parquinho porque tinha medo de meninas.

— Você sabe que isso é por que ele gostava de você, não é? Meninos não sabem demonstrar sentimentos — Gisele observou, pegando um dos copinhos de Fernando e virando na boca em uma golada só sem nem fazer careta, fazendo nosso chefe soltar um assobio longo e agudo que assustou Thales.

Era muito estranho estar bêbado em um churrasco onde seus chefes estavam, mas a trindade garantiu que ninguém estava sendo avaliado como profissional ali, até porque Gali tinha oferecido um pernoite no seu sítio porque não queria ninguém alcoolizado dirigindo e nem que alguém não bebesse porque tinha que dirigir, então, à exceção de Thales, que só tinha ido "dar uma passadinha" porque Thales Junior era muito novo para ficar na bagunça e de Márcio, o marido de Renata que era o motorista dela naquele dia, estava todo mundo levemente alterado.

Alice tentou olhar para o Golden de rabo de olho. Ali, engalfinhado no seu cabelo, não era difícil suspeitar dos sentimentos de um doguinho. Eles são super leais, não é?

— Foi uma paixonite e passou, Alice, há uns vinte anos — esclareceu Lucas para ela.

— Não vocês, Ali, os dois. — E aí Fernando apontou de mim para Valter, que começou a rir enquanto eu esfregava meu rosto no seu ombro como se fosse um gato.

Por que ninguém tinha tido a decência de cortar meu álcool ainda? Claramente eu já não estava em condições de decidir isso por mim mesmo!

— Eu já disse para eles pegarem o termo deles no RH — Gisele explicou e outro copinho de vodca rosa foi para dentro.

Se Gisele desse um PT, será que era antiético tirar umas fotos? Eu nunca tinha visto aquela mulher bêbada na minha vida!

— A gente está só se conhecendo desde 2016 — explicou Valter enquanto eu pensava se deveria ou não miar. Ainda bem que eu ainda não estava alcoolizado o suficiente para decidir errado. — Está me enrolando há muito tempo, coração. Sorte sua que eu gosto de você.

— Você precisa chegar junto, chefe, senão vai acabar perdendo seu amor — alertou Lucas, abrindo uma fresta no cabelo de Alice, que já tinha o mandado sair dali pelo menos umas seis vezes porque ela não tinha escovado os fios para ele estragar tudo.

Eu comecei a abrir a minha boca para dizer que eu tinha que chegar devagar em Marcela senão um de nós dois podia sair machucado mesmo que eu só quisesse beijar sua boquinha e lhe fazer feliz, mas Fernando, aquele anjo com cheiro de Armani virando doses de bebida com maior potencial de induzir produção de anticorpos do que ele provavelmente já tinha tido na vida, foi mais rápido que eu e me impediu de fazer uma declaração de amor pública para Marcela e suas pernas.

Que pernas.

Que Marcela.

Que otário.

Que otário apaixonado e feliz.

— Ok, casal, vocês precisam experimentar isso! — Fernando disse, empurrando os copinhos de dose para o centro da mesa ao mesmo tempo em que Alice ajudou o pobre arquiteto junior a sair do meio do seu cabelo. — Golden, vem aqui para eu arrumar sua gravata, está me deixando nervoso!

Valter colocou um copinho na minha mão e eu bebi. Aquilo era álcool de posto e suco em pó, eu tenho certeza! Alguém precisava tirar aquilo da mão de Fernando Nogueira! Ele era acostumado com coisas luxuosas, com certeza seus anticorpos não dariam conta daquilo!

Eu ia falar, mas aí Galileu colocou pão de alho na minha frente e eu esqueci. E também ocupei minha boca com uma fatia, feliz da vida por aquilo existir no mesmo espaço de tempo que eu.

— Chefe! — Lucas cutucou meu ombro, claramente emocionado demais para o seu próprio bem. — Fernando me chamou de Golden!

— É porque eu sou um cara muito legal — Fernando esclareceu e deu um passo totalmente não calculado para trás, enquanto um sorriso estranho e alcoolizado e amigável se desenhou pelo seu rosto.

Eu não duvidava dele. Fernando Nogueira era um chefe maravilhoso. Com certeza ele tinha uma daquelas canecas "World's best boss", que nem o Michael Scott de The Office, com a diferença que não tinha sido comprada por ele mesmo.

— Eu quero te chamar de alguma coisa especial e única também! — Lucas disse, praticamente saltitando em direção a Fernando, que desfez o nó de marinheiro inexperiente de sua gravata dourada e refez de uma forma que daria orgulho para um advogado.

— Chama ele de chefe, ele é o chefe — eu sugeri antes de morder o pão de alho de novo. Gisele precisava ensinar essa receita para o mundo!

Fernando declinou da minha ideia abanando-a com a mão após virar mais um shot cor de rosa. Eu tinha certeza que deveria falar algo sobre isso, mas não sei porque.

Será que ele tinha todas as vacinas em dia? Eu esperava que sim.

— Chefe é o Edu, quero outra coisa — esclareceu, olhando esperançoso para Lucas.

Golden pensou um pouco, enquanto Fernando ajustava o nó da gravata com orgulho, deixando-a perfeitamente alinhada após conferir a posição do nó e o comprimento.

— Posso te chamar de Fefo?

— Que fofo! Pode! — Fernando disse e ele e o Goldenzinho simplesmente se abraçaram como se fossem melhores amigos há anos e não um arquiteto júnior e seu chefe pulando enquanto se abraçavam.

O álcool rompendo as barreiras de intimidade, como tinha que ser.

— Fernando, eu acho que você realmente deveria parar de beber, está começando a assustar as pessoas — Thales sugeriu para o sócio com um leve olhar de alerta profissional que eu conhecia muito bem, quando eles finalmente pararam de rodar, mas o Golden ainda estava pendurado no pescoço da terceira parte da trindade.

Bem, era o Goldenzinho, todo mundo sabe que depois que você brinca com um filhote, ele simplesmente quer brincar para sempre.

— Não fica com ciúmes, Carvalho, você sempre vai ser minha dupla dinâmica — Fernando disse e Thales simplesmente ergueu uma sobrancelha enquanto dava um gole no seu coquetel de pêssego totalmente livre de álcool preparado por Andreia Ramos, a rainha dos drinks invicta desde... Enfim, o ano que ela foi eleita.

— Como assim? — Galileu apareceu com uma tábua de madeira cheia de carne cortada em tirinhas, que foi prontamente atacada pelas pessoas que estavam na mesa. Eu apenas peguei um espetinho de queijo coalho e observei os carnívoros se deliciando. — Achei que vocês tinham sido um trio desde sempre.

— Não, Thales e Fernando trabalharam juntos primeiro e depois eu entrei — Renata esclareceu, movendo as mãos em câmera lenta. Ou talvez fosse eu que estava enxergando daquele jeito? É... — Eles foram uma dupla arquitetura-engenharia na empresa onde nós trabalhamos, antes de nós sequer cogitarmos ser sócios da CPN.

Fernando largou Lucas apenas para abraçar Renata pelo pescoço, numa demonstração de carinho que não parecia nada cotidiana para nós, mas provavelmente era entre eles, porque ela agiu como se aquilo fosse algo completamente familiar.

— Você não ia deixar a gente escapar, né, Rê? — Fernando brincou, fazendo a sócia dar risada. — Nós éramos as armas secretas da construtora.

— Aí eu cheguei, né, bonitão? — A chefe gracejou, cheia de si.

— E eu continuei sendo a arma secreta da arquitetura, Thales que se deu mal nessa aí — Fernando muito bem pontuou, porque era de conhecimento geral que a trindade era formada por dois engenheiros e um arquiteto.

— Arma secreta da arquitetura? Ah, tá — Thales implicou e Fernando colocou a mão no peito, como se estivesse ofendido. — Só se for porque seus projetos eram tão secretos que você só podia finalizá-los dois minutos antes de entregar, Fefo.

"Eu posso chamar ele de Tatá?" ouvi o Golden perguntar baixinho para Sâmia, e deu pra ver o dilema dela entre falar que sim, ele podia chamar Thales Carvalho de Tatá ou a opção que na verdade era a correta, porque o chefão era um pouco mais sério e não estava bebendo.

— Você ficava me ligando às quatro da manhã! — Fernando acusou, apontando para ele com a vodca cor-de-rosa. — Quatro da manhã, Thales Carvalho!

E nada tinha mudado, aparentemente. Ligações de madrugada e alterações de projeto aos quarenta e cinco do segundo tempo eram uma segunda-feira normal na agenda de quem trabalhava diretamente para Thales e Fernando.

— Do jeito que você reclama, parece até que atendia, né? — Thales riu.

— Mas é claro que não, se eu tivesse atendido nós não seríamos amigos porque eu ia te mandar para vários lugares mal frequentados — Fernando gracejou e Thales riu mais ainda.

— Onde eu estava com a cabeça quando decidi ser sócia de uma empresa com vocês dois, mesmo? — Renata perguntou, colocando a mão na testa como se fosse uma viseira e negando apenas pelo teatro, já que ela estava rindo e todo mundo ali sabia quão próspera era a Construtora Carvalho, Pinheiro e Nogueira.

— Comigo eu até entendo, mas o Fernando, Rê? — Thales implicou, dando outro gole na sua bebida de pêssego e a sócia pegou uma linguicinha recém-saída da churrasqueira, que ainda estava fumegando, e colocou na boca. — Você já teve melhores critérios de julgamento.

Fernando simplesmente jogou o braço por cima dos ombros do chefão e deu uns tapas com a mão no seu peito.

— E pensar que você disse que me amava enquanto eu te carregava no colo quando você quebrou o pé! Foi na obra do cinema, não foi? — perguntou Fernando e Thales ficou uns quatro tons mais cor-de-rosa que a bebida do sócio.

— Eu estava delirando de dor! Achando que eu ia morrer!

No meu colo! — Fernando lembrou. — De nada por te ajudar, seu ingrato! Você é pesado! Da próxima vez eu te deixo chorando no chão quando você prender o pé numa fissura.

E aí, é claro, Fernando pegou o litro de vodca e começou a carregar como se fosse Thales, fazendo uma voz fininha que repetia "eu te amo, Fê, você é o melhor arquiteto do mundo inteiro" enquanto o sócio falava que ele não tinha licença poética para alterar suas falas e todo mundo ria da imitação do Fefo. Thales riu tanto que haviam lágrimas escorrendo dos seus olhos.

Às vezes eu me esquecia que meus chefes eram pessoas e não entidades poderosas e sobrenaturais que davam ordens e eram feitas de auras divinas e luz.

Havia, é claro, toda a questão da hierarquia, mas eles eram humanos, ou pelo menos era o que parecia com Fernando bêbado abraçado com uma vodca que custava tipo dois reais, Renata comendo linguicinha gordurosa e querendo descobrir o segredo do pão de alho de Gisele e Thales com uma mancha laranja sabor pêssego em cima do jacarézinho da sua polo branquíssima.

— Sinceramente não sei como a CPN deu certo — Renata confessou, secando o canto dos olhos depois de confirmar que a versão de Fernando sobre o pé quebrado de Thales era completamente verídica, embora ele ainda estivesse dizendo que não disse tantas vezes que amava Fernando e com certeza não tinha pedido para ele ficar com sua herança.

Não que sua opinião não estivesse enviesada pelo álcool, porque estava.

— Acho que eu acreditei quando a gente conseguiu roubar o Ventura da Pereira Restaurações. — Fernando lembrou, ainda com a garrafa-Thales no colo como se fosse um bebê — A gente simplesmente pegou o melhor engenheiro deles.

— Você quem fez todas as manobras para isso e é na minha cara que o Vicente não olha até hoje — Thales acusou e Fernando deu de ombros.

— É porque eu sou incrivelmente simpático e você não tanto assim — explicou, simplesmente. — Sou irresistível, Carvalhinho.

— Renata, o que você acha de um sócio só? — Thales perguntou, erguendo as sobrancelhas grossas e coçando a barba. — 50/50 parece ótimo para mim.

— Eu sou o padrinho do seu filho, seu ridículo — Fernando lembrou e se pendurou nele de novo. — Quando você fala assim nem parece que nós três somos tão fodas juntos que entramos na concorrência para construir um puta estádio!

Fernando! — Thales e Renata disseram em sincronia, em um tom de repreensão que, a princípio, eu não entendi.

Mas, aí, eu parei para refletir.

Estádio.

Uma obra gigantesca que tem, muito possivelmente, visibilidade internacional. Por causa do futebol e por causa da magnitude da obra, que impacta visualmente o lugar onde está inserida e... Aquilo era enorme. Fazia sentido Fernando estar orgulhoso, porque construir um estádio não era para qualquer empresa.

Muitas construtoras sequer cogitariam aquilo, porque era trabalhoso, arriscado, se desse errado era o jeito certo de nunca mais conseguir fazer nada na construção civil. Uma mancha na reputação que nem Leandro conseguiria limpar.

— O quê? — perguntou Fernando, nem um pouco tímido com o tom dos seus sócios. — O Edu e a Marcela vão arrasar com isso! Óbvio que a obra vai ser nossa!

Espera.

Espera.

Espera.

Quem e a Marcela?

Acho que eu até fiquei levemente mais sóbrio para tentar entender se ele realmente tinha dito meu nome ou se eu estava tendo um delírio patrocinado por cerveja, uma vodca cor-de-rosa e um drink azedo que eu não fazia ideia do que era, mas que eu supus que envolvesse rum pelo gosto que tinha ficado na minha boca depois.

— O plano era perguntar na segunda se ele toparia o projeto, Fernando — foi a própria Marcela quem esclareceu, embora o olhar dela não estivesse nele, mas no meu rosto. Ela estava sorrindo de um jeito tão suave que eu quase nem me importei com o que eu não sabia, porque se ela estava envolvida, então não podia ser algo ruim.

— Ah, é? — Fernando perguntou, arqueando as sobrancelhas e olhando para mim. — Bom, nós temos um projeto de um estádio em mãos e queremos você e a Marcela nele. Na verdade, nós queríamos desde o começo, mas alguém — ele olhou nada discretamente para Thales — achou que talvez você estivesse ocupado demais com a Construção Sustentável, mas quando a Noronha disse que você era a melhor opção, ficou muito claro que era para ser e ponto. Você é o meu arquitetão, Edu, então se você quiser esse projeto, ele vai ser seu. Então o que vai ser? Você topa ou não?

Meu cérebro ébrio demorou um pouco para processar as informações de Fernando.

A CPN ia construir um estádio.

Eles me queriam no projeto.

Eu era um arquitetão.

Marcela tinha pedido por mim.

— Chefe! — Golden praticamente gritou. — Responde alguma coisa! Não aguento mais ver você com a boca aberta sem falar nada!

E aí Alice o calou colocando a mão na frente da sua boca.

A parte mais maluca é que a primeira pessoa para quem eu olhei foi a engenheira. Eu pensei em verbalizar e perguntar se ela me queria com ela mais uma vez, mas o jeito que seu olhar estava no meu e o jeito que Marcela esperava minha resposta em expectativa... Ela queria.

E eu queria fazer aquilo. Colocar meu nome em algo monumental como um estádio e saber que o formato, os ângulos, as linhas, como ele ia se parecer... Seria o meu desenho mudando a paisagem de algum lugar para sempre. Só de pensar em fazer isso eu senti algo gelado no meu estômago. Mas eu sabia que daria certo, que eu precisava estar naquilo.

Também sabia que, sendo um projeto meu com Marcela, não tinha como dar errado. Eu não precisava ter receio algum, porque nossas assinaturas lado a lado em um projeto eram quase um presságio de boa sorte.

Não dava para ser melhor do que isso.

Não dava para ser melhor do que ela.

Não dava para ser melhor do que nós dois.

E aí eu sorri para ela, me sentindo desafiado e leve ao mesmo tempo, mesmo que não fossem emoções complementares. Marcela me deixava seguro e convicto de que eu podia sim pular de cabeça, porque se eu começasse a cair, ela estaria ao meu lado.

— É óbvio que eu quero estar nesse projeto — respondi, finalmente sentindo minha alma voltando para o corpo. — Obrigado por pensarem em mim, eu prometo que vocês não vão se arrepender dessa escolha — e aí eu olhei para a engenheira, que também estava sorrindo para mim, exatamente como a trindade, só que ainda de um jeito... Diferente. Bom. Que me fazia querer sorrir e gritar que ela era maravilhosa demais para mim. — Você não vai se arrepender disso, Má.

— Eu sei — Marcela disse e acho que me apaixonei mais ainda, mesmo que ela só tivesse dito duas palavras.

— Vai chefe! — Lucas gritou, dando um susto tão grande em Sâmia que ela entornou seja lá o que estivesse bebendo na própria blusa.

Fernando nem tentou ser cordial e não rir dela, mas, felizmente, ela riu junto com ele enquanto ele perguntava se ela precisava de outra blusa, porque ele tinha uma troca no carro.

— Eu sei que não vou me arrepender — Thales disse e eu só consegui retribuir o sorriso dele. — Vocês dois eram a escolha certa para isso.

Nós sabemos que não — Renata corrigiu, dando um sorriso afável também e tombando o copo levemente na minha direção. — Você é um arquiteto excelente e eu sempre disse que essa dupla com a Marcela daria certo. De nada por ter razão em juntar vocês dois, mesmo quando todo mundo disse que era como vinho e cerveja, não se misturavam, mas eu sempre soube que vocês carregariam um ao outro no colo se um quebrasse o pé e esse é o primeiro passo para uma dupla incrível.

Fernando praticamente pulou no colo de Thales com aquilo.

Eu olhei para Marcela e, dessa vez, ela sorriu abertamente para mim. Claro que Marcela me carregaria no colo se eu quebrasse meu pé em uma obra (claro que eu ia quebrar o pé, afinal, era ela quem tinha salvado minha vida nas obras tipo quatro vezes, não era?) enquanto eu chorava de dor e repetia que a amava, mas não porque estava delirando de dor, mas sim porque era a maior verdade do meu coração.

Marcela era perfeita para mim de todos os lados que eu olhava.

Fernando ergueu um copinho de vodca rosa para mim.

— Quem é meu arquiteto? — perguntou e eu ri, aceitando o copo e esperando que ele terminasse para virar a bebida com ele. — Você é meu arquiteto! Vai arquitetura!

E aí a gente virou a dose, que desceu ardida e doce pela minha garganta.

— Você não pode criar uma disputa de arquitetura x engenharia em uma construtora, Fernando Nogueira! — Renata disse, estreitando os olhos e ficando de pé. — Até porque a gente ganharia com o pé nas costas, não é, Má?

— Vai engenharia! — Marcela gracejou, pegando o copinho de vodca rosa que Renata lhe oferecia e bebendo com muito mais dignidade do que eu tinha feito, porque tenho certeza que meus lábios ainda estavam crispados em uma careta.

— Ok, vamos parar com essa disputa boba porque Marcela e Eduardo só podem duelar até a morte para mostrar quem é que ganha depois do estádio pronto, porque a gente precisa do arquiteto vivo e claramente a Má acabaria com ele — Thales gracejou e Renata e Marcela gritaram "vai engenharia" enquanto Lavínia e Golden se juntavam à nossa causa pela arquitetura. — Só confirma seu aceite na segunda, Edu? Era para você aceitar apenas na segunda. Sóbrio.

— Eu sou o N desse caralho, eu falo quando eu quiser porque eu sou do time da arquitetura! — Fernando disse, jogando o braço por cima do meu ombro.

— E é por isso que o CP vem antes, Fefo — Renata implicou, erguendo o copo em um brinde para mim, mas eu só ergui o copinho vazio em resposta.

— Na verdade é porque o original ficaria PNC e a gente sabe o que se tornaria, né? — Fernando esclareceu e aí olhou para Alice. — Acho que já até virou, na verdade.

— Fernando, eu te contei isso sem querer! — Alice disse para ele e seu rosto era uma mistura de reprimenda e diversão.

E aí Golden e Isaac apareceram, me abraçando ao mesmo tempo. Eu envolvi meus dois companheiros com os braços por cima dos ombros enquanto eles despejavam elogios e desejos de boa sorte e eu até ouvi Isaac dizendo "você é foda, Eduardo", o que valia muito porque ele era um excelente engenheiro sustentável quando não estava desesperado no banheiro.

Vi que Marcela estava sendo abraçada por Gisele e Andreia naquele momento, sorrindo para as duas que com certeza estavam rasgando elogios para ela. Marcela absolutamente merecia cada um deles.

— Vocês vão ficar bravos comigo? — perguntei para os dois. — Eu não vou abandonar vocês nunca!

— Se você não aceitasse, eu ia ter que derrubar um andaime em você pelo desgosto — Isaac disse e Golden concordou.

Lucas me deu um copinho de cachaça e outro para Isaac, e nós viramos as doses quando ele contou três e latiu, assumindo com gosto seu papel de pet.

E aí Sandro apareceu e eu não sei se ele ia me abraçar de verdade, mas quando eu vi, estava enfiado entre seus braços e abraçando sua cintura.

— Parabéns, Eduardo. Eu estou orgulhoso pra caralho de você — e aí ele tirou um braço de mim para passar nos ombros de Marcela, que foi bruscamente enfiada naquele abraço ao colidir com Sandro, com metade do rosto esmagada contra seu peito. — E de você também, Noronha. Estou muito feliz por vocês dois. Mas estou mais feliz por mim, por não ser o engenheiro que vai construir um estádio com capim cidreira e amor.

E aí eu ri e eles riram junto, o engenheiro master dando vários tapinhas nas minhas costas. Torci para ele estar batendo com menos força em Marcela, mas pelo estalo que estava fazendo nela, eu acho que não estava, não.

— Você ama capim cidreira — Marcela acusou, batendo na costela dele com o indicador.

— No chá, apenas — ele disse e, mesmo assim, já era uma enorme revelação. — Na construção eu gosto de aço.

— Que é menos resistente que bambu, como sabemos — eu disse e Sandro e Marcela riram.

— Eu vou enforcar um arquiteto, Noronha. Você pode testemunhar que foi um acidente terrível? — perguntou ele. — Eduardo caiu numa chave de braço sem querer, tadinho. Estava olhando para cima enquanto andava.

— A gente aprende a gostar do bambu, Sandrinho — Marcela disse e eu sorri.

E depois eu virei uma dose de uísque com ele e Marcela, me sentindo nas nuvens.

— Ela pediu mesmo por mim? — perguntei para Alice, que estava sentada perto de mim com o Goldenzinho deitado no seu ombro.

Como eu nunca tinha notado aquela amizade antes? Lucas só faltava deitar no colo dela e lamber e ela deixava!

— Segundo o relato de Fernando, sim — ela disse, dando um gole curtinho na cerveja que tinha em mãos. — Ele mencionou que os olhos dela brilharam tanto que eles não sabiam se tinham que levá-la em um oftalmo e ela já estava com uns doze planos rolando na cabeça, mas aí era fez uma pausa dramática e disse que você era o arquiteto certo. O que faz sentido, foram três anos de Marcela e Eduardo, né? Tem certa razão ser mais confortável com você, às vezes parece que vocês dividem o mesmo cérebro.

— É difícil superar a nossa...

— Cadê o espumante, Gali? — Andreia berrou, dando um susto no pobre churrasqueiro. — Não é uma comemoração sem espumante, né, Má? A gente tem que brindar o aniversário do Gali e... — ela soluçou, abraçada com o pescoço de Marcela. — E o estádio! E Má e Edu no mundo futebolístico! E a CPN! E o aniversário do Golden foi outro dia, né?

— Sim! Uns três meses atrás! — Golden confirmou.

— Tem umas garrafas no gelo na cozinha, já devem estar na temperatura certa — Galileu disse, interrompendo a discussão acirrada com Sandro e Isaac sobre pingar ou não limão no churrasco, que segundo ele era a coisa mais absurda que já tinham inventado porque estragava seu tempero e deixava sua tábua parecendo uma limonada. — E tem taças no armário, Marcela, eu sei que você não vai querer estragar Chandon bebendo no copo.

— Eu estou começando a aprovar o relacionamento de vocês — Marcela disse e Andreia mandou um beijo no ar para Galileu, que ficou corado até o último fio de cabelo. — Vou buscar.

— Quer ajuda, princesa? — Andreia perguntou, tombando em cima de Sâmia ao olhar para trás.

— Eu não confio em você nesse momento com nada que quebra, Deia. É pela sua integridade, não me olha assim — Marcela explicou, ajeitando o short nas coxas. — Eu já volto.

E então ela seguiu para dentro da casa e eu, automaticamente, me vi ficando de pé junto com ela. Claro que eu também não estava exatamente bem para lidar com qualquer coisa que quebrasse, porque tinha acabado de tomar um shot de saquê com Alice e outro com Golden, mas, em minha defesa, a última coisa em que eu estava pensando eram taças e garrafas de espumante.

A primeira era Marcela.

A segunda eram as pernas de Marcela, que de certa forma faziam parte da primeira, então acho que de verdade só tinha uma coisa na minha cabeça.

E também andar em linha reta.

Era importante para eu não acabar errando o vão da porta e dando de cara em uma parede. Eu não podia estragar outro churrasco desmaiando pelo meu próprio sangue depois de ter quebrado o nariz, acho que tinha dado minha cota.

Quando cheguei à cozinha, Marcela estava de costas tirando as garrafas de espumante do gelo e colocando em cima de uma toalha, para não acabar molhando o cômodo inteiro.

Meu primeiro pensamento foi terminar de caminhar até ela e abraçá-la pelas costas, enfiando meu rosto no vão do seu pescoço e beijando cada pedacinho de pele que eu conseguisse encontrar porque eu estava com tanta saudade dela que era quase uma tortura não poder ficar com Marcela nos meus braços o tempo todo.

E ela me queria. Ela tinha pedido por mim. Profissionalmente, mas ninguém pede para um bêbado diferenciar um focinho de porco de uma tomada por algum motivo.

Mas alguma coisa, um vislumbrezinho de racionalidade, me fez pensar que eu deveria ir devagar. Porque a gente já tinha pulado de cabeça uma vez e aquilo não tinha exatamente acabado bem para ninguém e eu não queria correr o risco de machucar Marcela de novo, porque se eu fizesse isso, eu mesmo deitaria no chão para Romeu passar por cima com seu patinete elétrico.

Chicão provavelmente seria preso por assassinar Romeu se isso acontecesse, por mais voluntário que meu sacrifício fosse.

Parei na ilha que separava o ambiente da cozinha e da sala para olhar. Ela era tão linda, com seu cabelo dançando nas costas por causa de uma brisa que vinha do janelão de vidro que ficava sobre a pia, o desenho da silhueta, suas pernas belíssimas e...

E aí eu vi que ela estava olhando para mim por cima dos ombros. Um saleiro rolando sobre o mármore me fez perceber que eu mesmo tinha me delatado ali ao ser silencioso como um carro de som.

— Pega as taças? — ela pediu, apontando vagamente para um armário suspenso que estava acima da sua cabeça. — Ajudar é melhor do que ficar parado me olhando.

— Há controvérsias sobre esse assunto — eu disse, ficando parado ao seu lado e abrindo o armário para descer as taças tulipa, porém totalmente ciente do quão próximos nós estávamos.

Eu assisti quando Marcela mordeu o lábio devagar, torcendo muito para ser para esconder um sorriso.

— Você gosta de ficar me olhando, Eduardo? — perguntou, erguendo uma sobrancelha e puxando a terceira garrafa de espumante da água gelada.

— Eu gosto de tudo sobre você, Marcela — eu disse e ela ergueu os olhos para mim.

Eu não sei como as quatro taças que eu peguei, duas em cada mão, chegaram intactas até a pia, porque além do álcool que me desconcentrava, a taquicardia que eu estava sentindo dificultava consideravelmente a missão.

— Tudo? — Má perguntou, meio vaga, mas com o canto da boca curvado o suficiente para que eu soubesse que ela estava sorrindo, não importava o quanto ela mordesse os lábios para esconder. — Até do concreto?

E eu sorri junto, sentindo meu coração bater no meu corpo inteiro, posicionando as taças sobre o granito escuro para poder me virar para Marcela. Parecia que toda a água que era a minha composição ficava quente perto dela, me aquecendo de dentro para fora na temperatura ideal, trazendo para mim aquela sensação gostosa e cálida que era estar com quem eu amava.

Como se eu estivesse em banho maria.

— Tudo — eu disse, buscando seus olhos castanhos e percebendo que eles estavam nos meus. — Até do concreto. Ou do bioconcreto, porque acho que você curte isso agora — ela sorriu abertamente dessa vez. — Eu só não consigo definir se você sentiu minha falta ou a falta do meu bambu, Má — eu sorri e ela arregalou os olhos. — Porque primeiro foi o restaurante, agora o estádio...

E aí Marcela estancou, arregalando ainda mais os olhos enquanto minha mente ébria me mandava ficar preparado para o caso de seus globos oculares caírem das órbitas, tipo em um desenho animado ou aquele pirata de quem o olho de vidro em Piratas do Caribe.

Pelo amor das araucárias, no que eu estava pensando?

Acho que sempre é um bom momento pra pensar no Orlando Bloom, salvo raras exceções. Essa era uma exceção.

— Quando eu era a engenheira dessa obra? — testou, falando devagar cada sílaba apenas para se certificar. — Porque o Sandro...

E aí eu neguei com a cabeça, vendo que os olhos de Marcela foram para lá e para cá junto com os meus.

— Eu sei que foi você quem pediu para o Sandro assumir a obra, Má, e que basicamente ele só está me repassando o que você maquinou para a Horta — contei. — E, se eu parar bem para pensar, tem sua assinatura em cada pedacinho daquela obra, né? Ninguém tem uma técnica tão perfeita com argamassa como a sua, nem o Sandro. E nem se preocuparia em reforçar a cortiça com bambu. E nem...

— Sandro é um fofoqueiro! — Marcela reclamou, jogando os cabelos para trás dos ombros e então... Eu conhecia aqueles brincos. E sorri, porque ela estava usando o meu presente de natal.

Eu também tinha usado o dela. Uma chave de fenda. Era por isso que tinha um band-aid no meu dedão, mas eu não quis contar isso para ela.

— Você deveria ter me falado sobre isso. Se bem que eu deveria ter percebido, eu acho. A obra está indo bem demais para não ter um dedo seu. — Marcela sorriu, não sei se porque eu a elogiei ou porque meu sorriso era tão gostoso para ela quanto o dela era para mim. Eu peguei sua mão direita, entrelaçando nossos dedos e senti que a gente estava trocando calor, porque sua palma estava gelada por lidar com a bebida. — Obrigado pelo restaurante, Má. A vida não estava nada fácil para você e nem assim você me deixou na mão.

Ela apertou os dedos no dorso da minha mão com carinho.

Sem se afastar.

Sem hesitar.

— Eu nunca deixaria, Edu.

— Eu sei que não — deixei meu polegar desenhar uma forma aleatória na sua pele gelada, olhando dentro dos seus olhos castanhos e sem me importar se havia água pingando no chão. — Obrigado, Marcela, por cuidar de mim de novo. E obrigado pelo estádio.

Ela deu um passinho para perto, juntando mais nossas mãos enquanto eu observava as sardinhas salpicadas pelo seu nariz.

Puta que pariu, tinha alguma coisa, qualquer coisa, que eu não amasse em Marcela? Até os seus mindinhos do pé, que a ordem divina é apenas serem dedinhos esquisitos para os sapatos machucarem e para acertar a quina dos móveis, eram lindos!

— Foi você quem se colocou no estádio, Eduardo — ela disse e eu amava o jeito que seus lábios se moviam para moldar cada sílaba do meu nome. — Sendo excepcional no que faz e super competente e...

E eu tombei o rosto, deixando meu melhor sorriso tomar conta do meu rosto. Um terço gratidão. Um terço amor. Um terço nada bom moço, nada mesmo.

E ela perdeu as palavras, passando a língua pelos lábios devagar e eu, um pobre homem apaixonado, apenas observei aquele momento em silêncio, sem ousar sequer respirar, porque ele era digno de se tornar a pintura mais linda do mundo e fazer a Monalisa ser esquecida.

— Agora eu entendi porque você não me elogiou quando a gente estava conversando na quinta à noite. Bom, sexta de madrugada, tecnicamente. — Ela ergueu as sobrancelhas, sem entender. — Porque falar que quer trabalhar comigo é o seu jeito de falar que me acha foda.

Ela sorriu e meu estômago deu uma cambalhota que eu sabia que não tinha sido pelo álcool.

— Então eu não preciso dizer? — perguntou, baixinho, e dessa vez quem deu um passo para frente fui eu, ficando apenas a alguns centímetros do que eu mais queria naquele momento.

Ela.

— Obrigado, Má — eu soltei, tão baixo quanto ela.

Marcela piscou enquanto eu deixava minha mão livre tocar seu rosto, meu polegar fazendo carinho em suas maçãs para sustentar seu rosto enquanto eu me inclinava para o lado oposto, plantando um beijo em sua bochecha — que seria em sua boca se a gente considerasse a margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, de tão próximo.

Eu demorei alguns segundos com a boca na sua pele, porque finalmente a ideia de "ir devagar" parecia coerente. Afastar-me dela devagar parecia fazer sentido, porque assim eu ficava perto por mais tempo.

— Esse perfume não parece você — comentei, me afastando completamente contra a minha vontade, porque, se dependesse só de mim...

— É um ótimo perfume, você só está acostumado com o Good Girl e está se recusando a aceitar a mudança. — Ela ergueu o pulso para mim. — Cheira, é bom.

Aproximei meu nariz do pulso dela, sentindo o cheiro de sua pele e, bem longe, a fragrância já fraca daquele copycat que não era ruim, mas não era... Tão Marcela. Não era uma lembrança vívida de quando ela estava a um toque de distância e eu podia só me aproximar e colidir meu corpo com o dela, minha boca com a dela...

— Já sumiu — eu disse.

— Tenta aqui, então — Marcela puxou a gola de sua blusa e tombou o pescoço.

Eu não era de ferro.

Às vezes, a tentação era mais forte.

Às vezes, a gente caía na tentação mesmo sem querer.

Às vezes, a gente só esperava a tentação para pular de cabeça nela.

E eu nem sei em qual desses eu me enquadrava, só sei que o que eu fiz foi ignorar completamente a gola e cheirar aquele perfume onde ele estava mais forte, exatamente na curva do seu pescoço.

E deixei a ponta do meu nariz encostar naquele pedaço de pele por um segundo só para saber que Marcela estava arrepiada, como sempre ficava, porque aparentemente eu ainda conseguia... Causar alguma coisa nela.

E eu sorri, tentado a afundar meu rosto no vão do seu pescoço e sussurrar para ela que eu queria morar ali, mas me detendo no último segundo.

Eu me sentia aceso com ela.

Inteiramente aceso.

— Pode ser que eu goste desse perfume em você — eu disse e Marcela apenas murmurou um "hum?", como se não soubesse do que eu estava falando. — Mas eu acho que Good Girl combina mais com One Million.

— Edu! — Uma voz masculina e levemente distante que me fez erguer minha cabeça e me afastar dela, mesmo que eu não quisesse ficar longe nem por dois segundos. — Chefe!

Marcela ajeitou a blusa e não voltou imediatamente para os espumantes, demorando um pouco com o olhar perdido no meu, em um reflexo do que eu sentia, talvez? Eu estava alcoolizado demais para dizer com certeza.

— Noronha, a gente vai roubar o Eduardo um pouco — Sandro anunciou, entrando na cozinha seguido por um Golden muito animado, Fernando com os olhos vermelhos de álcool, Lucas, Galileu e Isaac.

— Claro — ela disse, simplesmente, e sua voz falhou um pouquinho.

Acho que só eu percebi.

— Aconteceu alguma coisa? — questionei, porque aquele Clube do Bolinha não era muito usual.

— Você vai construir um estádio — Isaac disse, abrindo um sorriso de canto quando eu ergui uma sobrancelha, sem entender qual era o ponto ali. — E está seco.

E a próxima coisa que eu me lembrava era de uma confusão de gritos, braços, palmas, "vem Estádio!" e um bando de homens me carregando enquanto eu ria.

E aí me jogaram na piscina.

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Quartaneja em CEM com música, sol, carne (CARNE NO CHURRASCO, AMEM?), e piscina... PISCINA?

VEM ESTADIOOOOOOOOOOO! Adoramos como todos os personagens de CEM possuem uma função de Radio Especializada em Compartilhamento de Informações (mais conhecidos como fofoca) e o Fernando explanou o plano do estádio não apenas para o Edu, mas para a empresa inteirinhaaaa!

Opa, ta rolando um clima entre Mardo ou é impressão? Ai ai, se o pessoal não tivesse aparecido...

Esperamos que estejam surtando (queremos dizer, gostando), não esqueçam da estrelinha e do amoooooooor <3

Teorias sobre o que pode acontecer nesse churrasco? Por que a gente tem uma muito boa e quem responde é a carne!!!

Beijinhos,

Libriela <3

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