Capítulo 90 - Tiago reverso

Tiago reverso


Eduardo

— Mas e a vitamina B12? — eu perguntei, fazendo o questionamento que toda pessoa que não comia carne recebia quase cem por cento das vezes que mencionava esse fato para um carnívoro não tão bem informado assim, exatamente no momento em que ela me disse que era vegana.

Nathália riu enquanto mordia um chips de batata doce que se esfarelou e caiu em vários pedacinhos crocantes porque ela não estava prestando atenção o suficiente nisso.

— Você já ouviu falar em alimentação enriquecida e suplementação, Senhor Vegetariano? — ela gracejou, deixando o cabelo longo e escuro escorrer pelos ombros enquanto pegava um guardanapo para segurar os farelos que estavam na sua blusa, evitando que fosse tudo parar no chão. — Não acredito que você me fez desperdiçar uma batata! É tão boa! Eu não sei como eles fazem, mas tenho certeza que tem alho poró e alecrim e alguma coisa... Não sei. Não consigo identificar com certeza, mas talvez seja azeite de abacate. Com certeza não deveria ser desperdiçada!

Eu apenas dei de ombros, porque claro que eu conhecia alimentação enriquecida com B12, porque meus shakes de proteína de côco e de amêndoas enriquecidos da VidaVeg nunca acabavam na geladeira do apartamento — e eu tenho certeza que Leandro e Henrique Francisco compravam mais do que eu, mesmo que nunca tomassem. Meus garotos preocupados.

Eu comi uma bolinha de queijo enquanto ela se limpava, porque, por mais que eu tivesse tomado apenas três copos de cerveja — dois com Sandro e um com ela — eu tinha que dirigir, então baixar o álcool era bem importante, ainda que ele não tivesse realmente subido.

— Esse não é o segredo da alimentação vegana? Temperar absurdamente bem? — questionei, porque tinha ouvido Cecília falar sobre isso enquanto me obrigava a acompanhar todas as suas compras online de shiso, furikake, sal moshio e outros temperos de nomes tão impronunciáveis que eu tinha certeza que até ela amava que seu fornecedor tivesse uma loja online e ela mesma não precisava pronunciar.

No fim das contas, o que eu sabia era que a comida dela ficava ótima.

— Exatamente. — Ela sorriu, os olhos castanhos no meu rosto e depois para o meu copo. — Por que eu estou bebendo sozinha?

Ela apontou para o meu copo, cujos dois últimos dedos de Eugência já deveriam estar em temperatura ambiente de tanto tempo que estavam ali. Seu movimento fez com que ela esbarrasse no meu ombro, porque mesmo que, a princípio, ela tivesse se sentado no mesmo lugar que Sandrinho (na minha frente), quando a banda começou a tocar acabou ficando impossível de conversar por cima da música, então ela tinha saltado para a cadeira ao meu lado.

— Eu estou dirigindo — disse, parando sua mão quando ela pegou a garrafa, prestes a repor a bebida no meu copo, quando eu tapei a boca com a mão. — Mas não precisa ir no meu ritmo.

— Responsável — ela concordou, esvaziando a garrafa dentro do próprio copo antes de acenar para Breno e pedir uma Mautava.

Depois de mais de uma hora de conversa, eu ainda não fazia ideia de onde eu conhecia Nathália. Eu sabia que ela era vegana há dois anos, alérgica a camarão (o que não fazia mais diferença para ela, já que ela não comeria camarão de qualquer modo), que ela era engraçada, divertida e gostava muito de cerveja. Mas quando eu perguntava quem ela era e como a gente se conhecia, ela apenas dava risada e me deixava na curiosidade.

Eu estava tentando não observar Marcela no balcão com Getúlio, Romeu e Gustavo, só que parecia que meus olhos tinham sido transformados em algum metal e ela era um ímã, ainda que estivesse de costas e tudo o que eu pudesse ver fosse seu cabelo comprido balançando contra suas costas quando ela ria ou falava e, às vezes, um vislumbre de seu perfil quando ela se virava para olhar para Retúlio, sempre com uma taça de vinho na mão.

Branco primeiro e, agora, tinto.

Era ridículo eu saber disso e era ainda mais ridículo eu saber que Gustavo já tinha piscado para ela pelo menos umas seis vezes e que aquele sorriso nada, nada amigável mesmo, ficava mais na sua boca do que sua taça e eu estava me sentindo...

Eu só queria conseguir parar de olhar.

E parar de sentir que...

Que eu queria ser o cara piscando e sorrindo para ela e experimentando vários vinhos mesmo que eu nunca, nunca mesmo, tivesse conseguido entender a diferença entre eles.

Eu tinha certeza que Getúlio tinha olhado a bunda de Gustavo quando ele virou de costas e tinha aprovado, porque ele falou algo no ouvido de Marcela que com certeza não tinha sido amigável. Era para ser a minha bunda!

Quer dizer... Quê?

Ok, a quem eu queria enganar?

Eu estava morrendo de ciúmes. Dela.

E definitivamente não me importaria em ter minha bunda elogiada pelo Túlio.

Aí eu percebi que deveria estar olhando como um sociopata e virei o rosto de volta para a mesa e para a conversa na qual eu definitivamente estava incluído. Joguei outra bolinha de queijo na boca, sentindo a explosão de sabores contra a minha língua e Nathália colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha, deixando a pele do ombro exposta no decote ombro-a-ombro que sua blusa preta tinha. E aí eu vi uma tatuagem diferente, que parecia um sorrisinho.

— O que é? — perguntei e Nath ergueu os olhos do copo para mim, deixando a bebida sobre a mesa para tentar ver do que eu estava falando. Eu coloquei o dedo sobre aquela tatuagem específica, já que ela tinha muitas linhas negras e desenhos ali. — O sorrisinho — expliquei.

E aí ela sorriu. Dentes brancos e alinhados e os olhos apertados pelo movimento das bochechas.

— Não é um sorriso, é uma lua crescente — esclareceu, puxando todo o cabelo escuro de cima do ombro esquerdo e jogando sobre o ombro direito, mostrando toda a pele do ombro ao pescoço, onde eu pude ver que a tatuagem era grande e extensa, muito mais do que eu tinha suposto. — É o ciclo da lua, passando por todas as fases.

Eram, na realidade, sete desenhos de lua, sendo a primeira a crescente, a do meio a cheia e a última a minguante, que terminava bem na base do pescoço.

Era um double date, não era? Marcela + Gustavo e Romeu + Getúlio.

Eu odiava essa sensação de querer jogar Gustavo dentro de um freezer, deixá-lo lá e depois substituí-lo na maior cara de pau.

Que droga!

Eu adorava Gustavo. Não era justo!

Eu nem podia... Eu jamais tentaria interferir naquele romance, então era uma droga completa sentir aquela sensação. Sentir aquele ciúme pelo meu esôfago como se eu tivesse comido algo muito ácido.

— Linda — eu disse, meio falando sobre a tatuagem meio falando sobre... O que ocupava a minha cabeça naquele momento. — Deve ter doído. Tatuar. Por causa do lugar e tal.

Eu tinha desaprendido a formular frases coerentes exatamente em que momento?

Ele sorriu de novo! Gustavo, caralho, facilita pra mim e guarda esses dentes!

Eu tinha me tornado o Tiago reverso, era isso.

— Na verdade, eu fiz tantas que acho que acostumei, quase nem dói — Nathália disse, me fazendo parar de olhar para o balcão de novo, sendo que eu nem sei quando tinha começado. — E o Santi tem a mão tão leve que eu quase nem sinto a agulha e... — Aí eu ergui minhas sobrancelhas. Santi. Eu me lembrava desse nome, só não fazia ideia de porquê. Nathália abriu de novo aquele sorriso branquíssimo, erguendo as sobrancelhas: — Você se lembrou, não lembrou?

Porra, não!

Eu juro solenemente que nenhum absinto jamais chegará ao meu estômago novamente!

Aí eu ri, olhando para minhas mãos pousadas na mesa e Nathália riu junto.

— Na verdade, não — confessei e ela riu mais ainda, voltando seu cabelo para o lugar e tudo ficou com cheiro de La Vie Est Belle por uns segundos, logo depois voltando a ter o cheiro de bebida característico. — Vamos, Nath, eu sou uma pessoa curiosa e você não está me ajudando! Até onde você sabe, eu posso ser cardíaco.

Aí ela parou de rir, mas manteve o sorriso nos lábios.

— Só porque você me chamou de Nath, eu vou te dar uma dica — foi sua resposta enquanto ela se aproximava mais um pouco. Eu nem tinha percebido que tinha usado seu apelido até ela mencionar e demorei a entender o que ela estava fazendo, mas então sua mão cheia de anéis tocou o lado direito do meu peito, por cima da camisa, e afagou de leve. — Eu acho que foi aqui.

Eu apenas acompanhei seus dedos sob o tecido, tentando entender do que ela estava falando. Ela tinha quatro anéis só naquela mão e havia uma tatuagem escrito "be kind" em uma fonte de máquina de escrever no caminho entre seu dedão e seu pulso e...

A pena!

Ela estava falando da pena!

Ela sabia da pena!

Mas...?

— Eu sou tatuadora, Edu, mas você já sabe disso faz um tempo — ela explicou quando percebeu que eu estava sem palavras naquele exato momento. Tudo fazia tanto sentido agora! — Mesmo que aparentemente não lembre. Absinto, né? Lembro que o Leandro estava com uma garrafa embaixo do braço.

— Se você tivesse feito a pena, saberia que ela é do outro lado — eu disse, erguendo uma sobrancelha e já tentando pensar no tipo de vergonha que tinha passado na frente daquela mulher, porque com certeza ela tinha informações demais para estar tentando me tapear com uma história com tantos detalhes.

Ela apenas deslizou a mão para o lado certo da tatuagem e parou bem em cima do desenho, mesmo que não pudesse vê-lo.

— Eu não fiz a pena, foi o Santiago — explicou e deixou o lábio inferior preso entre os dentes por um segundo enquanto seus dedos passeavam pelo meu peitoral. Ok, ela estava...? — Eu fiz...

— A borboleta! — Finalmente me dei conta e Nath acenou positivamente, tirando a mão de mim para rir.

— Eu fiz! Tenho certeza que deve ter sido o arrependimento da vida dele, coitado — contou, enquanto eu apenas tentava parar de rir e falhava miseravelmente, porque eu amava tanto a tatuagem de Leandro que nem sabia explicar. — Eu tentei convencê-lo a fazer outra coisa, mas ele estava muito convencido de que era a coisa mais sexy que ele podia fazer e...

— Ficou tão bonita que ele nem cogita fazer remoção a laser — contei e dessa vez foi ela quem riu.

— Foi uma das mais bonitas que eu já fiz, tenho certeza! Ainda bem que ele não vai remover, deu tanto trabalho — Nathália confessou em um suspiro, passando uma mecha de cabelo para trás da orelha antes de dar de ombros com um sorriso satisfeito no rosto. — Entrou para o meu portfolio.

— Lê com certeza está super honrado — eu contei e ela deu um gole na Mautava que, sinceramente, eu nem vi quando foi deixada na nossa mesa. — Eu estou apenas feliz porque não desmaiei.

Aí ela riu de verdade, se engasgando com a bebida, que escorreu pelo cantinho dos seus lábios fartos. Ela limpou a bagunça com o dorso da mão antes de me encarar totalmente incrédula.

— Quem te contou isso foi o absinto? Porque ele mentiu muito para você — contou e eu senti o momento em que meus lábios se abriram em um "o" perfeito, porque não... — Você desmaiou duas vezes e deixou o Santiago desesperado! Ele não sabia se te abanava, se te dava uns tapinhas pra acordar ou se simplesmente continuava te tatuando, mas ele ficou com medo de ser crime e o seu amigo simplesmente só sabia rir e nem tentou te socorrer!

— Quê? Leandro? Ele não faria isso — eu protestei, porque sabia que meu amigo que se preocupava com minha vitamina B12 não faria uma coisa assim.

— Eu tenho provas! — ela disse, sacando o celular de dentro do bolso e apoiando o ombro no meu para dividir a tela comigo.

— Você está brincando! — exclamei quando ela começou a fazer o caminho até sua galeria de fotos.

— Claro que não, não é todo dia que dois bêbados malucos entram no estúdio e um deles desmaia na maca, então obviamente eu tirei fotos, como qualquer um faria. — Eu ergui as sobrancelhas, porque tenho certeza que esse tipo de comportamento não era o mais condizente com a moral e os bons costumes e ela apenas mordeu o lábio inferior, fazendo uma carinha de quem tinha sido pega no flagra enquanto deixava seus olhos grandes se fixarem nos meus. Eles eram castanhos e com cílios curvados exatamente como os da pessoa para quem Gustavo não parava de arreganhar os dentes e em quem eu não deveria estar pensando e... E aí eu deixei meu olhar cair para o celular entre seus dedos compridos. — Em minha defesa, Santi e eu anotamos os nomes de vocês e a identificação do Uber que buscou vocês para o caso de vermos as fotos no Cidade Alerta em uma manchete sobre bêbados desaparecidos.

— Já estou até imaginando você em uma entrevista para o Bacci falando "eu tatuei a bunda de um deles, foi um momento mágico e agora ele está desaparecido" e aí lágrimas — eu comecei a rir quando ela bateu o ombro no meu para me empurrar, mas não foi muito efetivo porque ela fez sem muita força e eu não cheguei nem a me mexer.

Então ela começou a passar as fotos do fatídico dia. Eu, desmaiado com os olhos abertos e estáticos enquanto Leandro ria com a calça abaixada até o meio da bunda e o loiro que parecia demais com o Axl Rose, provavelmente Santi, com uma cara desesperada segurando a pistola de tinta.

Conforme as fotos passavam, acho que Leandro percebeu que estava sendo fotografado, porque começou a fazer carão enquanto ignorava completamente seu suposto melhor amigo, na mesma pose em todas as fotos com a boca entreaberta e os olhos estatelados, exatamente como um peixe morto.

Eu estava prestes a pedir para Nathália me mandar aquelas obras de arte quando eu senti sua mão no meu joelho e fechei meus lábios sem emitir qualquer som.

Ok, uma mão no meu joelho. Não precisava ser nada demais.

Aí a mão subiu para a minha coxa e eu notei que Nathália não estava olhando para a tela do celular e sim para algum ponto no meu rosto. E sua mão estava subindo ainda mais e...

E aí eu fiquei em pé em um ímpeto, porque eu simplesmente não consegui pensar em como tirar a mão dela dali de nenhuma outra forma, pois não consegui conjecturar naquele milésimo de segundo uma forma educada de dizer "olha, bota a mãozinha em outro lugar porque a única mulher que eu quero está ali no balcão tendo um double date no qual eu não estou incluído, valeu!".

Eu era muito otário, pelo amor de deus.

Nathália ergueu as sobrancelhas para mim, surpresa.

— Eu... é... Preciso ir ao banheiro — disse a primeira coisa que veio à minha cabeça e Nath assentiu, dando um sorrisinho compreensível que eu provavelmente não merecia. — E vou pegar uma garrafa d'água. Você quer uma? — Eu acho que ela entreabriu os lábios para responder, mas eu concluí antes que ela tivesse oportunidade: — Eu vou pegar uma para você!

E aí eu realmente comecei a atravessar o pequeno contingente de pessoas que estava no bar pela bebida e música ao vivo, fazendo o caminho até os banheiros que eu já conhecia porque, notei, eu era um cliente muito assíduo ali; só que estava um tanto complicado por conta das pessoas dançantes que se tornaram um obstáculo.

Esbarrei com Breno e pedi que ele deixasse duas garrafas d'água na mesa onde eu estava e ele concordou, então eu finalmente consegui chegar ao corredorzinho familiar e empurrei a porta, entrando no banheiro que, de alguma forma, sempre tinha cheiro de eucalipto no ar — mais uma vez, palmas para Gustavo por ser um ótimo gerente e manter tudo ali funcionando excepcionalmente bem. Com certeza um bar com banheiro fedido não teria aquela quantidade de clientes, nem mesmo sendo a casa da melhor cerveja da cidade.

Eu me olhei brevemente no espelho sobre a pia e as duas moças que estavam ali (eu sempre estranhava quando eu entrava no banheiro e via mulheres nele e meu instinto natural era simplesmente pedir desculpas e sair, mas aí eu me lembrava que os Ardos tinham um banheiro unissex) me olharam e depois se entreolharam antes de sair, deixando o banheiro vazio — a não ser que tivesse alguém nas cabines, mas eu não fui até lá conferir, apenas me apoiei na parede para matar alguns segundos e fazer parecer que eu tinha entrado ali realmente para fazer alguma coisa.

Puxei meu celular do bolso, vendo que já eram quase dez horas e três notificações de mensagens de Leandro apareceram naquele exato minuto na minha tela.

Leandro: Eu amo tanto vocêeeeeeees

Leandro: Henrique Francisco seu cabelo é lindo e tem cheiro de hortelã

Leandro: E não fica com ciúmes da Loira Odonto pq vc é gostosoooooooo demais

Eu dei risada, lembrando que ele tinha dito mais cedo que ia ficar no apartamento de Camila depois do expediente e provavelmente, àquela altura, ele e Cams já estavam extremamente bêbados assistindo filmes da Disney e Felipe, o filósofo responsável, estava tentando cortar o álcool e falhando em impedir as mensagens bêbadas — ou talvez ele simplesmente tivesse chegado à conclusão que enquanto as mensagens de amor fossem para mim e Chicão, tudo bem.

Até pensei em desbloquear o aparelho apenas para perguntar se ele não ia elogiar meu cheiro também, mas alguém empurrou a porta de entrada e acabou chamando minha atenção.

Só que não era exatamente alguém. Era Marcela.

Eu nem tenho certeza se ela efetivamente me viu parado ali, já que a primeira coisa que ela fez foi ir direto até uma das torneiras. Aí ela começou a jogar água na blusa — e, não vou negar, eu demorei um pouco para visualizar a mancha de vinho que havia no tecido rosa pastel da sua blusa porque eu fiquei olhando para o seu rosto refletido no espelho como o grande bobão que eu me tornava quando se tratava dela.

Só que aí ela bufou nervosa (ou talvez tenha sido um rosnado? era bem possível) e eu percebi que era porque ela estava mais se molhando do que efetivamente tirando o vinho do tecido delicado e claro demais para uma mancha daquelas.

Talvez eu devesse...?

Definitivamente, pela feição frustrada dela.

Peguei um punhado de toalhas de papel no dispenser, depois de enfiar o celular de volta no bolso da calça, e fui até ela.

— Para alguém que trabalha com cálculos exatos, nunca pensei que veria você errando sua boca, Marcela — eu disse e vi que seus lábios se curvaram levemente em um sorriso quando ela me olhou, primeiro pelo reflexo no espelho e depois fechando a torneira para se virar para mim. — É tipo uns vinte centímetros mais para cima, só para deixar claro.

Claro que eu já estava sorrindo de volta para ela.

— Eu nunca erro. Foi um movimento friamente calculado — gracejou e eu deixei meus olhos caírem dos dela para a sua blusa, reconhecendo que haviam três cores distintas no tecido. A primeira, uma mancha levemente arroxeada que indicava onde o vinho tinha caído; a segunda, apenas um pouco mais clara, onde a água tinha ultrapassado a mancha de vinho, deixando o tecido um tom mais escuro que a terceira cor, que era um rosa claríssimo. — Minha blusa gosta de vinho tinto.

— Se for um tinto suave, eu até entendo o lado dela — respondi, me lembrando vagamente sobre um vinho qualquer que eu tinha gostado de beber com Marcela quando nós estávamos juntos. — Vou te ajudar com isso, Má.

Então eu pressionei as toalhas de papel sob o estômago dela, onde a água já estava alcançando, para evitar que se alastrasse ainda mais pelo tecido, e eu senti um calafrio percorrendo minha espinha de ponta a ponta quando o calor da pele dela alcançou os meus dedos.

Eu não entendia qual era realmente o efeito de Marcela Noronha em mim. Eu conhecia aquele corpo, aquela temperatura, aquelas curvas... E ainda assim, cada vez que eu encostava nela, era como se fosse a primeira, me causando comichões inexplicáveis e fazendo com que eu sentisse meu coração batendo acelerado no meu corpo inteiro.

E eu amava as sensações. Todas elas. Mesmo que eu não pudesse apenas deixar minhas mãos passearem por cada pedacinho dela, nem mesmo me inclinar um pouco para deixar minha boca chegar até a dela ou...

— Você sempre subestimou os vinhos secos, mas estava chegando lá — ela disse, apoiando uma das mãos no meu braço enquanto eu ia mudando o ponto de contato para conter a água. — Talvez eu devesse ter ensinado minha blusa a beber vinho branco seco também, porque aí provavelmente eu não a perderia por causa dessa mancha que não vai sair nunca.

— Vai sim. Leandro faz alguma coisa com limão e sal grosso que é infalível e... — E aí eu perdi completamente o fio da meada porque eu fui olhar para a mancha e notei que o tecido claro estava transparente e eu podia ver a renda clarinha do sutiã e o contorno dos seios redondos e perfeitos que ela tinha. Ainda bem que eu tinha pedido uma água, porque minha boca ficou seca como se eu estivesse completamente desidratado, porque ela era... Caralho, ela tinha algum defeito? Limpei a garganta devagar, me concentrando em apenas secar o tecido e não em reparar em coisas que eu não deveria reparar. — Eu peço a receita para ele. Mas, sinceramente, talvez você devesse considerar usar roupa preta nessas ocasiões.

Pelo bem da sua roupa. E pelo bem da nossa amizade. Porque amigos... Amigos com certeza não se sentiam daquele jeito.

Eu só estava torcendo para que todo o ambiente tivesse ficado mais quente naquele momento e não apenas eu, porque definitivamente... Marcela estava me fazendo queimar deslizando os dedos pelo meu braço naquele exato momento, ainda que houvesse roupa demais entre minha pele e ela.

Acho que eu nunca tinha ficado tão consciente sobre dedos antes. Sobre toques. Sobre uma pessoa.

— Me manda o truque do Lê depois, se ele não salvar minha blusa, eu não sei quem mais... — ela hesitou quando eu pressionei o papel em outro ponto. — Se eu seguisse suas dicas de roupas, eu só andaria de branco por aí — gracejou, abrindo aquele sorriso que eu amava.

Só aí eu percebi que o caminho que as minhas mãos estavam fazendo para enxugar sua blusa estava levando meus dedos cada vez mais para perto dos seus seios, o que fez aquela sensação de familiaridade correr em mim, pois eu já tinha feito aquele percurso algumas vezes e...

E Marcela não estava me parando.

Quero dizer, é claro que não ia fazer isso. Nós éramos amigos e eu estava apenas a ajudando com seu acidente. Não era como se eu fosse simplesmente deixar minhas mãos abarcarem cada um deles, procurando os mamilos com os polegares para fazer aquele carinho que a fazia arfar e...

Amigos. Amigos. Amigos.

Amigos não pensam sobre os mamilos dos amigos, Eduardo Senna!

Pela falta de movimento no diafragma, eu percebi que ela estava prendendo a respiração.

E aí eu levei meus olhos para os dela.

Acho que não importava quantos olhos castanhos com cílios curvados eu veria na vida, nenhum deles seria como os dela. Tão lindos. Tão únicos. Com aquele formato amendoado que casava tanto com os ângulos do seu rosto, com as bochechas com maçãs altas, com as pintinhas clarinhas no nariz, com o formato lindo que sua boca tinha, como se tivesse sido desenhada pelo melhor pintor que já existiu, com um talento maximizado para chegar em um resultado tão... Marcela Noronha.

Caralho.

Eu senti o sorrisinho que subiu pelos meus lábios e tenho certeza que ele era pouquíssimo amigável. Era definitivamente aquele batizado por Henrique Francisco.

— Você fica linda de branco, mas aí seria um sinal — eu disse, pousando minha mão na cintura dela e sentindo seus dedos apertando meu braço.

Aí eu me dei conta do que tinha acabado de falar.

Porra, Eduardo!

Ela não mandava mais sinais para você. Talvez aquele rosa fosse a cor preferida do Gustavo!

E você está sendo otário e...

Por que eu simplesmente não calava a boca?

Ela estava em um encontro e eu não podia simplesmente dar em cima dela, olhar daquele jeito apaixonado, ou simplesmente querer que ela se sentisse da mesma forma, porque havia outra pessoa na vida dela. No coração dela.

— Um sinal? — ela perguntou simplesmente, em um tom baixo e rouco tão familiar que eu acho que uma série de convicções se perderam no som da sua voz.

— Eu estou brincando, Má — cala a boca, cala a boca, cala a boca, cala a boca, cala a boca! — Acho que não tem mais o que fazer pela sua blusa nesse momento — eu disse, olhando de novo para o tecido molhado e não para o sutiã.

Definitivamente não para o sutiã.

Porque se eu estivesse olhando, eu saberia que eu nunca tinha visto aquele antes.

Eu sou ridículo.

Ela olhou para o mesmo lugar e, mesmo que eu tivesse tirado minhas mãos de Marcela, a dela ainda estava no meu braço.

— Bom, pelo menos se a minha blusa resolver beber mais, o estrago já está feito — ela disse, olhando de novo nos meus olhos e me fazendo me perder nela mais uma vez. — Acho que é o preço a se pagar para finalmente colocar uma carta de vinhos decente aqui.

Carta de vinhos?

Do que...?

Agora as trocas de vinho faziam mais sentido. E Romeu. E...

— Você está ajudando Gustavo com isso? — perguntei e ela assentiu.

— Na verdade, minha ajuda foi enfiar o Rommi na história, mas ele quis que eu viesse também e eu não recuso um bom vinho — explicou. Claro que Gustavo quis que ela viesse, quem não ia querer ter um encontro com ela? Se Romeu e Getúlio o aprovassem, era o primeiro passo para... — E você? Veio só beber ou...? — Marcela deixou a frase morrer.

— Eu vim com o Sandro — expliquei e Marcela juntou as sobrancelhas, formando um vinco entre elas. Era o vinco mais lindo que eu já tinha visto. Um vinco! E eu estava achando lindo!

— Quando foi que o Sandro ficou todo sexy e carinhoso com você daquele jeito? — Marcela perguntou e eu assisti quando ela mordeu o lábio e desviou os olhos dos meus, como se tivesse acabado de falar algo que não deveria.

— Eu vim com o Sandrinho, mas ele teve que socorrer a Gio e aí a Nath chegou e... — eu comecei, finalmente me lembrando de que provavelmente ela ainda estava na mesa me esperando enquanto eu estava ali. Com Marcela.

— Nath? — ela perguntou, com a feição curiosa que eu conhecia e sabia que estava pedindo uma explicação um pouco mais elaborada sobre o assunto.

Só que eu não podia explicar que ela era tatuadora, porque Marcela ia logo fazer a matemática e chegar à tatuagem que ela acreditava ser uma samambaia e, pelo bem da nossa amizade, era melhor ela continuar achando isso do que descobrir a verdade incontestável sobre o que eu sentia por ela.

Tinha um cara do lado de fora, provavelmente ansioso para que ela saísse de dentro daquele banheiro para poder piscar e mostrar os dentes pra ela e provavelmente beijar aqueles lábios lindos e acariciar aquele corpo fantástico e...

Ok, eu não queria pensar nisso, porque a sensação ácida ainda estava ali.

Todo o ciúme ainda estava ali.

— É uma amiga que eu conheci outra noite. — Dei de ombros, oferecendo a versão menos embaraçosa da verdade, mas não tenho muita certeza que Marcela se satisfez com minha explicação evasiva sobre Nathália, provavelmente porque estava escrito na minha testa que eu estava escondendo alguma coisa.

— Só... — ela começou, mas aí seus olhos se perderam em algum ponto do meu queixo e ela estendeu a mão, trazendo seu toque delicado até a minha barba que eu não tinha feito naquela manhã e estava despontando um pouco mais que o habitual. — Tem um farelinho aqui.

Ela estava perto o suficiente para que eu sentisse seu cheiro e para que eu olhasse para os seus lábios e esquecesse de que amigos não ficam encarando os lábios de outros amigos com tanta vontade de lembrar como é beijá-los.

Eu ainda achava esquisito cheirar Marcela e não ter cheiro de Good Girl, mas eu estava... Eu podia considerar aquela nova fragrância, mesmo ela sendo um pouco mais cítrica e um tanto menos Marcela.

— Celinha! — Romeu disse, abrindo a porta do banheiro em um ímpeto e encarando a cena que se passava ali por tempo o suficiente para entender a proximidade e provavelmente me julgar por estar talaricando Gustavo, mesmo que eu estivesse me segurando para não fazer isso. Eu não sei porque os olhos dele pareceram sorrir para a cena, se... — O ridiculamente inconveniente do seu chefe já ligou duas vezes. Quando vocês... É... terminarem aí, liga pra ele. Mas eu não me apressaria, você não está no seu horário e... Oi, Cristal.

E aí ele jogou o celular para Marcela com um sorriso enorme no rosto e saiu dali tão de repente quanto tinha entrado, enquanto eu ainda estava na metade do meu "Oi".

A engenheira desbloqueou a tela e leu alguma coisa, trocando o peso do corpo de perna duas vezes antes de bloquear de novo a tela e erguer os olhos.

— Thales quer uma revisão de cálculos e eu vou precisar ir para casa — ela explicou, colocando o celular no bolso da calça. — O que é até bom, porque acho que eu não estou mais apresentável para um bar — apontou vagamente para a blusa molhada. — A não ser que eu queria um bando de marmanjos elogiando meus peitos, mas acho que eu vou dispensar e só chamar um Uber logo.

Eu tirei a minha jaqueta e coloquei sobre os ombros de Marcela, que me olhou durante todo o processo com o lábio inferior preso entre os dentes, até eu subir o zíper e esconder qualquer vestígio de vinho ou que ela tinha se molhado naquela noite.

— Edu... — começou, mas eu fiz que não com a cabeça.

— Por mais que seus... — hesitei e ela riu, entendendo o que eu não queria falar — mereçam ser elogiados, acho que existem opções melhores do que estranhos em um bar. Fica em segurança, por favor.

— Mas eu vou ficar com a sua jaqueta — explicou, como se isso fosse um problema.

Eu apenas sorri. Maravilhosa demais para estar parada na minha frente e vestindo minha roupa.

— Se você ficar com ela por seis meses, eu ainda vou ter ficado mais tempo com seu casaquinho cinza com os botões de pérola — eu disse e ela sorriu, enfiando os braços pelas mangas que eu a ajudei a dobrar até que suas mãos estivessem para fora, porque ela era pequena e delicada e graciosa e linda e eu...

— Obrigada pela ajuda. E pela jaqueta e... — Ela sorriu e colocou a mão na minha, segurando por um momento que eu senti meu coração batendo na minha garganta. — Obrigada. E até amanhã, no trabalho.

— Até — eu consegui dizer depois que ela soltou a minha mão e estava perto da porta. — Ei, Má — ela se virou de volta para mim, me olhando por cima dos ombros. — Compartilha a corrida?

Ela sorriu.

— Eu vou com Rommi e Tutti, não precisa se preocupar — explicou.

— Então me avisa quando chegar? — Ela piscou várias vezes e seu sorriso continuou ali. — Preciso saber se a minha jaqueta chegou bem. E algo sobre você, também.

— Pode deixar, tudo pela sua jaqueta — gracejou e aí o celular vibrou de novo. — Tchau, Edu.

E eu a observei sair dali, com o sorriso mais idiota do mundo na cara e com o coração batendo tão rápido que podia até parecer um mal súbito, mas era o que eu sentia por ela.

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#SextouComLibriela é a nova hashtag do momentooo

FINALMENTE DESCOBRIMOS QUEM É A NATHALIAAAAA e por favor, precisamos do book de fotos desse dia!!!!!!!!!!

Vemos aqui um caso de amor falal por casal literário <3 por que tão lindos e por que não entendem que vocês se amam??????????????????????

Hmmm, será que a Má indo embora dos Ardos e o Edu ficando tem espaço para caos, confusão e gritaria? Porque vocês sabem que a gente ama esse tipo de rolo, né?

Contem pra gente o que estão achando (só não vale dizer que eles estão demorando para ficar juntos, pq boas coisas vem para aqueles que possuem paciência, bambuzetes)! Não esqueçam da estrelinha e do amor <3

Beijinhos com gosto de Eugência,

Libriela <3

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