Capítulo 85 - Às vezes você tem que explicar

Às vezes você tem que explicar


Eduardo

Erro de principiante, Eduardo Senna.

E a pior parte é que você sempre soube.

Você, eco-arquiteto, viu em primeira mão que Marcela Noronha não perde jogos de cartas.

E ainda assim achou o quê?

Que seria uma ótima ideia jogar strip poker com ela depois de fazer uma tatuagem de pena no peito. O que, é claro, não seria um problema se fosse qualquer outro desenho senão uma pena que era um par da que ela tinha sob o seio esquerdo.

Não merece Palmas, merece o Tocantins inteiro pela genialidade.

Tudo bem, eu já estava me sentindo meio nu; figurativamente pelo tecido, porque eu tenho certeza que o linho branco deixava o desenho escuro no meu peito aparecer (quando eu perguntei para Chicão sobre isso, ele disse que se eu não queria que as pessoas vissem a tatuagem, então provavelmente eu não deveria ter feito — eu nem tentei argumentar sobre ter feito aquilo sob influência de álcool, porque era uma batalha perdida e eu não acho que usar a carta de "estar bêbado" fosse melhorar alguma coisa) e, literalmente, porque eu tinha perdido meus sapatos e minha calça nas rodadas anteriores e agora eu estava de cueca e camisa. Pelo menos eu tinha escolhido uma boxer branca.

Só que eu realmente não queria ter que tirar a minha camisa. Porque ela saberia.

E isso fatalmente ia acontecer, mesmo que eu tivesse um straight, que teoricamente era uma boa mão no ranking do pôquer. Mas também era facilmente superável por um flush, um full house ou uma quadra ou...

E é claro que eu não podia contar com a sorte aqui, porque era Marcela. Ela com certeza tinha uma mão mais forte e eu nem duvidava que ela tivesse um royal straight flush, que era basicamente a mão perfeita em um jogo, cuja probabilidade, segundo a leitura que Larissa tinha feito sobre as regras do jogo quando nós começamos, era de 1 para 650 mil.

E eu não tinha dúvida de que Marcela era o 1 para os outros 649.999 que não tinham êxito.

No jogo, só restavam Tiago, Getúlio, Marcela e eu. Todos os outros já tinham perdido todas as roupas, começando pelas Marias Joaquinas, como Larissa e Manuela estavam sendo chamadas por causa... Bem, da Larissa Manoela. Em defesa delas, elas só tinham uma peça de roupa para perder e eu também daria um jeito de sair logo da mesa se ficassem me perguntando onde estava o Cirilo.

Depois disso, acho que Leandro ficou distraído demais com garotas de lingerie para prestar atenção em qualquer coisa e perdeu suas roupas — eu deveria ter aproveitado o momento que todo mundo estava encantado pela sua borboleta no cóccix e Tiago defendia dizendo que era muito sexy para sair à francesa daquela mesa, mas é claro que meu cérebro não fez essa matemática tão rápido quanto deveria.

Chicão simplesmente não sabia blefar e começou a ficar muito nervoso — Marcela provocou até que ele praticamente narrasse sua porcaria de jogo (palavras dele, não minhas) e foi uma das coisas mais engraçadas que eu já vi, porque ele ficou muito nervoso quando se deu conta de que tinha dado o nó da própria forca.

Romeu estava muito preocupado em repor o espumante e ser um bom anfitrião, então foi um alvo fácil. Os outros nem conseguiram entender como acabaram vestidos apenas em suas roupas íntimas, mas aconteceu.

— Ok, eu estou fora — disse Tiago, colocando suas cartas na mesa e tirando a camisa branca pela cabeça, exibindo suas várias tatuagens e Chicão, que estava olhando para ele enquanto conversava com Manu, sorriu com a visão.

Quase imediatamente, Leandro brotou do chão e se agarrou na minha cintura, me usando como desculpa para poder ficar ali perto da Loira Odonto sem Chicão aparecer para lhe olhar feio porque a talaricagem estava ficando forte demais. Eu notei que ele tinha duas cores de batom na boca e me perguntei quando foi que ele tinha ficado com Larissa e com a Manuela, mas, bem, era o Leandro, né? Se era verdade que o que você fazia na noite de ano novo era o que você mais ia fazer durante o ano, ele estava no céu.

— Eu também — anunciou Getúlio e olhou para Marcela com os olhos apertados. — Eu não tenho provas, mas tenho convicção de que você está roubando, Celinha!

— Não preciso disso, Tutti. Noronhas tem habilidade no DNA — ela sorriu e estendeu a mão para que Túlio entregasse sua última peça de roupa. — Bom, tem a Bruna que ninguém entende porque nunca aprendeu, mas a gente gosta de pensar que ela é a exceção que comprova a regra.

Claro, a Bruna, que era a única que eu conseguia vencer no blackjack porque ela nunca lembrava quanto valiam as cartas que tinham figuras. Eu tinha que ter ciência de que as minhas habilidades eram inexistentes! Tudo bem ser péssimo, mas eu tinha que saber disso! Onde diabos eu estava com a cabeça?

Aí Romeu apareceu e completou o espumante da minha taça de plástico, assim como as dos outros que estavam no jogo. Claro, era ali que eu tinha estado com a cabeça.

— Quem tirou a roupa do meu marido? — perguntou quando Túlio tirou sua bermuda branquíssima de alfaiataria. Eu acho que sua cueca tinha o rosto de Romeu estampado em vários corações e até tentei não olhar muito para ter certeza, mas... Definitivamente Romeu em corações. Aí ele jogou a peça para Marcela, que a pegou no ar. — Obrigado por isso, Celinha. Olha que visão é esse homem!

E aí Romeu deu um beijo no pescoço de Getúlio e foi subindo uma trilha até seu queixo e, depois, sua boca. Tutti sorriu durante todo o processo, indicando que todo mundo ali estava levemente além da linha da sobriedade, especialmente quanto à inibição. Eu amava aquele casal.

Leandro olhou para as cartas na minha mão enquanto apoiava a cabeça no meu ombro. Eu tenho certeza que ele ia acabar me manchando de batom, mas eu não podia reclamar quando muito provavelmente ele mesmo ia resolver o problema com alguma receita mágica que conhecia para tirar manchas de linho.

— Você já pode começar a tirar a roupa para adiantar, Edu. Esse jogo seu... — ele disse baixinho e eu torci para Marcela não ter escutado.

Aparentemente ela estava muito distraída com Romeu e Túlio, que também olhavam o jogo dela por cima dos ombros, para ter prestado atenção nas palavras do galã. Tentei captar alguma reação do casal, mas eles levavam muito a sério a ideia da poker face e não moveram um único músculo que pudesse dar dicas para os adversários dela.

Ela estava absolutamente linda naquela noite, com seu vestido com paetês que brilhavam e cintilavam conforme ela se movia sob a luz, fazendo ser quase impossível não olhar para ela. E não era exatamente como se eu quisesse olhar para qualquer outra pessoa, de qualquer maneira, mas pelo menos eu tinha uma desculpa.

E aí tinha o cabelo que estava preso em um coque que ela tinha feito um tempo antes (talvez o nome certo fosse nó?) e que desafiava a gravidade e o batom rosa queimado que sobressaía na maquiagem leve.

Puta merda, como ela era maravilhosa.

Aí Leandro começou abriu o primeiro botão fechado na minha camisa, que era na verdade o segundo, porque o primeiro, que ficava bem na base do pescoço, eu mesmo tinha aberto em algum momento que eu já não me lembrava assim com muita exatidão.

— Não, cara, não — eu pedi, parando a mão dele antes que ele abrisse botões demais e acabasse deixando minha pena visível sem sequer eu ter perdido o jogo. — Lê!

Quando eu finalmente consegui fazer Leandro parar de tentar abrir o botão que eu fechava cada vez que ele tirava da casinha, peguei a minha taça de plástico (desculpa, planeta, desculpa) recém-abastecida por Romeu e a levei aos lábios, dando um gole no espumante, sentindo as bolhas fazerem cócegas no céu da minha boca e notando que Marcela estava olhando para mim com uma das sobrancelhas erguidas, numa feição de curiosidade.

Eu não sei exatamente sobre o quê ela estava curiosa.

Provavelmente porque era minha vez de jogar. Claro. Ela ia jogar depois de mim, claro.

Então eu ia ter que blefar que estava com uma mão incrível para tentar que ela desistisse.

Bom, ela ia ficar sabendo sobre a pena. Era melhor assimilar essa verdade de uma vez.

Será que ela iria acreditar que eu não sabia como aquele desenho tinha ido parar ali? Ou estaria em um estado torpe suficiente para não conseguir identificar o que era? Ou para acreditar que meus hábitos de higiene tinham ficado muito, muito, questionáveis desde que nós paramos de nos envolver e aquilo era uma sujeira que eu cultivei por três meses?

É, não dava para vencer todas, mas eu ia ter que tentar. Porque não dava para eu deixá-la ver e entender que era mais do que amizade, porque... Nós éramos amigos e ela tinha beijado Gustavo. Eu tinha visto e também tinha visto Leandro e Chicão olharem para mim como se estivessem esperando pelo momento que eu fosse me jogar no chão em prantos quando rolou, mas isso não aconteceu.

E, certo, eu não tinha entendido muito bem como foi que Gustavo tinha ido parar na piscina depois disso porque estava abraçado com alguém desejando feliz ano novo, mas, mesmo assim...

— Edu? — ela perguntou me tirando do devaneio e apontou para a mesa com o queixo, avisando que era minha vez de jogar antes de prender o lábio inferior entre os dentes e deixá-lo ali por um segundo.

Tomei mais um gole do espumante porque, de repente, minha boca tinha secado e eu queria um segundo para pensar no que dizer.

— Eu continuo — disse eu e ela ergueu as duas sobrancelhas daquela vez. Certo, ela tinha demonstrado surpresa. Isso era bom? Eu não sei! Eu sou péssimo com cartas! Ela provavelmente estava surpresa pela cara de pau porque sabia o jogo que eu tinha nas mãos! — Minha aposta é a camisa.

Não vou mentir. Eu teria oferecido a cueca se não estivesse nas regras do jogo que roupa íntima não valia. Pelo menos ela já tinha visto o que tinha ali e nada ali delataria a verdadeira natureza dos meus sentimentos por ela e... Quer dizer, talvez tivesse um traidor ali também, prontíssimo para desafiar a gravidade como o nó do cabelo dela. E os prédios.

Ela sempre erguia prédios.

Prédios.

Ok, talvez eu estivesse meio bêbado.

Aí Marcela olhou dentro dos meus olhos com aquelas duas esferas castanhas por alguns segundos, nos quais eu me perdi completamente. Eu senti que ela podia ver a confusão que estava se passando na minha cabeça naquele momento.

Mayday! Mayday!

Ela vai ver a tatuagem!

Tinha que valer a cueca!

Eu vou perder o jogo!

Ela vai saber a verdade!

Mayday! Mayday!

Mas, aí...

— Eu estou fora — ela disse, jogando o deck de cartas na mesa e abrindo um sorriso que eu sabia que tinha um significado por trás, mas não sabia exatamente qual. — Você venceu.

Acho que assim como um computador em trabalhos incompatíveis com seu processador, meu cérebro tinha sido tomado pela tela de erro e estava tentando se auto reparar para voltar a funcionar, porque tenho quase certeza de que eu deveria falar alguma coisa, mas eu não conseguia interpretar o código fonte e realizar as tarefas básicas.

Eu tinha vencido?

Marcela?

A mulher que provavelmente tinha passado a primeira infância brincando com cartas e não com um chocalho?

Quê?

— Acho que a única pessoa mais chocada do que eu nesse momento é o próprio Edu — Leandro disse quando me abraçou, começando a pular e me levando junto na comemoração que eu simplesmente não conseguia entender. — Você oficialmente vai ser meu novo parceiro de truco! Não sabia que você estava escondendo o jogo dessa maneira!

— Meu Eduzinho nunca decepciona! — Chicão disse, chegando junto com Tiago e se envolvendo naquela comemoração. — E ele é minha dupla, sempre, em qualquer coisa, então tira o olho!

Eu tinha ganhado de Marcela? Eu acho que sim.

Quero dizer, eu sabia o quão competitiva ela era, então era óbvio que ela nunca teria dito aquilo se não tivesse acontecido e...

— Achei que o síndico de vocês tivesse proibido os jogos de truco — Tiago disse, erguendo as sobrancelhas para nós três, um bololô muito confuso de troncos e braços e tenho quase certeza que as pernas de Leandro estavam em volta da minha cintura também e ele estava pendurado em mim. — Algo sobre muito barulho, não era?

— O galã fica emocionado e grita com todo mundo, é um caos — expliquei para o dentista.

— Espera! — foi o próprio Leandro quem chamou nossa atenção, fazendo Chicão e eu pararmos de pular. — Se o Edu é sua dupla, isso significa que a minha dupla é a Loira Odonto?

E aí o sorriso flerte esquisitíssimo, porém muito, muito efetivo, para Tiago, que apenas cruzou os braços antes de negar com a cabeça, dando risada da empolgação de Leandro.

— Você sabe que eu não sou uma mulher e também não sou loiro, né? — perguntou. — Eu nunca sei se você está falando sério comigo, galã.

— Me chamou de galã! — Leandro disse, claramente emocionado demais e Chicão desenrolou suas pernas da minha cintura sem muito amor, fazendo com que ele fosse parar no chão quando perdeu o seu ponto de equilíbrio.

Acho que foi o álcool quem tornou a queda dele indolor, porque ele apenas apoiou uma mão no chão e dobrou uma perna, fazendo uma pose de galã de revista como se totalmente tivesse planejado estar no chão e não fosse uma fatalidade. Da piscina, Larissa e Manuela sorriram para ele duas versões com menos gengiva do seu sorriso flerte, completamente apaixonadas por Leandro e sua borboleta.

— Eu voto para vocês três serem um trisal — Marcela disse, parando ao lado de Tiago e tombando a cabeça levemente de lado para sorrir. Chicão olhou para ela de um jeito que deu para notar que ele não topava dividir Tiago com outra pessoa, mesmo que fosse Leandro, nem de brincadeira. — Foi um bom jogo, Edu.

Marcela estendeu a mão para mim, provavelmente em um daqueles comprimentos que você aprende quando é um jogador, para deixar claro que o que acontece no jogo, fica no jogo.

— Foi um ótimo jogo, Má — eu respondi, segurando sua mão pequena e quente, replicando seu sorriso e fazendo um movimento muito estranho quando paramos de nos tocar, porque eu ia enfiar as mãos nos bolsos, mas aí... Bermuda? Não hoje. Então apenas dei dois tapinhas nas coxas do jeito mais ridículo possível e torci para ter passado despercebido, mas acho que ela acompanhou minhas mãos com os olhos. — Eu até agora não sei como eu venci. Ou melhor, eu não sei como você perdeu.

Ela riu, erguendo os olhos para o meu rosto, mesmo que eles estivessem apertadinhos por causa do sorriso.

E que sorriso.

— Sempre tem uma primeira vez — gracejou, dando de ombros como se não se importasse com aquilo, sustentando o sorriso divertidíssimo no rosto. Aí ela colocou a taça cor-de-rosa em cima da mesa onde nós estávamos jogando, empurrando algumas cartas com a base para conseguir um espacinho nivelado, e se virou de costas para Tiago. — Me ajuda com o zíper, Ti?

— Claro — Tiago disse, entregando a sua própria taça para Chicão para liberar as mãos. Ele apenas apoiou uma delas na cintura de Marcela e, com a outra, desceu o zíper. Eu até tentei não olhar para a pele clarinha sendo revelada centímetro a centímetro, nem para a renda creme do sutiã, mas, porra... — Desculpa se eu estou tremendo, é a primeira vez que eu estou tirando a roupa de uma mulher e eu meio que nunca achei que faria isso na vida.

Henrique Francisco engasgou com o espumante enquanto ria, acompanhado por mim, Leandro e pela própria Marcela.

— No seu tempo, está tudo bem — ela disse segundos antes de Tiago terminar de baixar o fecho éclair até a base de sua coluna e sorrir como se fosse uma vitória pessoal. Aí ele abraçou Chicão de lado, dando um beijo no ponto exato entre o maxilar e o pescoço do médico, que sorriu a versão mais derretida que eu já tinha visto do seu sorriso branquíssimo. — Me sinto honrada em ser sua primeira — brincou enquanto baixava as alças do vestido, que escorreu pelo seu corpo longilíneo até ir parar no chão.

Eu tentei. Eu realmente tentei não olhar. Mas era impossível não notar o quanto ela era... Minha amiga. Minha grande amiga Marcela Noronha.

Ela era tão linda.

E tão minha amiga.

Eu já tinha percorrido todas aquelas curvas sinuosas com as mãos.

Super melhores amigos! Dupla-dinâmica!

Eu quase podia sentir os fantasmas daquela pele quente nos meus dedos e eu amava a sensação...

Amigos.

Somente amigos.

Por favor, Eduardo. Por favor.

Para de pensar em mandar o Leandro olhar para o outro lado!

— Celinha! — Romeu chamou, diretamente de dentro da piscina, fazendo vários sinais incompreensíveis com as mãos e com Getúlio abraçando seu pescoço. Eu, sinceramente, perdi o momento em que eles tinham decidido cair na água. Aí ele olhou pra mim, erguendo as sobrancelhas e apertando os olhos, provavelmente tentando me enxergar melhor mesmo com os olhos meio vermelhos por causa do cloro e turvos por causa do álcool. — Por que você ainda está vestido?

— Porque eu perdi! — Marcela disse, tirando os pés de dentro do vão que o tecido de seu vestido tinha criado ao cair e deixando as sandálias ali, pisando direto no piso cinza claro.

Romeu abriu a boca em um "o" perfeito, exatamente como Getúlio fez, mas foi Tutti quem prosseguiu:

— Até parece que você...

Ele foi interrompido porque a engenheira correu até a borda da piscina e mergulhou de ponta, submergindo na água e reaparecendo alguns segundos depois. Chicão e Tiago aproveitaram o momento e caíram na água também, mas no melhor estilo bomba e não graciosos como um cisne como ela tinha feito — se cisnes mergulhassem, no caso. E fossem graciosos, o que particularmente eu não achava. Quer dizer, eles eram animais lindos, mas eram meio grandes demais e ficava meio difícil ser elegante nessas condições e...

Aí Leandro pulou na piscina, espirrando água para todos os lados, e as gotinhas que caíram em mim foram o que me fez sair daquele transe sobre... Cisnes.

Em que diabos eu estava pensando?

Será que tinha molhado e agora dava para ver...?

Olhei para baixo e, felizmente, ainda estava tudo bem com a tatuagem, que continuava coberta pelo linho seco, então eu podia parar de ficar cismado com a ideia de alguém ver aquele desenho que não tinha uma explicação racional além da verdadeira.

Observei enquanto Leandro nadava até Larissa e Manuela, Chicão e Tiago meio conversavam e meio se beijavam apoiados em uma borda e Marcela e Retúlio tentavam fazer algo que tecnicamente era para ser nado sincronizado, mas não era exatamente nado e nem sincronizado, mas apenas Getúlio e Marcela segurando Romeu pelas pernas enquanto ele mantinha os braços elevados no que ele acreditava fielmente ser um movimento de balé, mas não era exatamente isso — seus dedos estavam muito mais para Wanda Maximoff dominando a magia do caos do que para uma bailarina russa, mas ninguém se atreveria a dizer isso para ele.

Eu torci para minha mente ébria guardar aquela imagem, porque eu queria a memória de todos eles felizes. E aí eu tomei um gole do espumante já meio quente que remanescia na minha taça verde limão que ardia os olhos — enfim, a hipocrisia.

Estava prestes a procurar uma espreguiçadeira para me sentar quando meus pés se enrolaram em alguma coisa, que eu notei só depois de ter me segurado na mesa para não cair que eram as sandálias douradas de Marcela e seu vestido que tinha ficado largado ali.

Ouvi alguém gritando "weeeeee" e só acho que foi Getúlio, o que me fez sorrir junto.

Coloquei as sandálias perto do pé da mesa onde estávamos jogando pôquer e me abaixei para pegar o vestido, ouvindo um assobio vindo de algum ponto atrás de mim. Quando me virei com o tecido em mãos, vi Henrique Francisco com o dedão e o indicador na frente dos lábios ao mesmo tempo em que Tiago fazia sinais positivos com os dedos para mim, ambos com os cotovelos apoiados na borda da piscina e com gotinhas de água escorrendo pelo rosto.

Bom, o que eu podia dizer? Eu treinava glúteos, por isso apenas mandei uma piscadela para os dois e Chicão fingiu desmaiar em cima de Tiago — o álcool, senhoras e senhores.

Apesar de que eu acho que ele também faria isso sóbrio.

Dobrei o vestido de um jeito que deixaria Leandro orgulhoso e coloquei sobre a mesa, perto de onde Marcela tinha deixado sua taça, e vesti a minha bermuda de volta. Foi uma missão complicada encontrar meus tênis no meio da pilha de sapatos que tinha ficado após o jogo, mas felizmente eu achei. Talvez a meia do pé esquerdo tivesse se perdido para sempre e, infelizmente, não havia nada que eu pudesse fazer sobre o assunto.

Adeus, meinha.

Enfiei os pés dentro dos tênis de qualquer jeito, pisando por cima da parte que cobria o calcanhar como se eles fossem uma pantufa floral de senhorinhas de oitenta anos e só fiz uma parada para pegar uma garrafa de espumante no cooler de madeira que estava ali antes de me sentar em uma das espreguiçadeiras. Eu tinha acabado de completar a minha taça quando Leandro começou a acenar para mim com sua taça vazia e eu fui ao seu socorro, repondo a bebida da taça dele e das Maria Joaquinas.

— Calça esse tênis direito, Eduardo! Desse jeito você vai estragar! E dizem que têm coisas que não precisam de manual de instrução, vou ser obrigado a apresentar você e Chico para certas marcas — ele disse, me olhando com os olhos apertados e julgadores e eu enfiei o dedo indicador na parte amassada do tênis do pé direito para usar da forma indicada pelo fabricante. — Ou melhor, por que você não tira logo e entra na água?

— O gatão está com medo de água? — Henrique Francisco disse, aparecendo ao meu lado deixando um rastro molhado pelo piso. Eu tenho certeza que meu pretinho era a única pessoa que já tinha comprado uma boxer amarela e que ficava bem nela, porque eu ia parecer uma pamonha gigante enquanto ele parecia um modelo perdido do catálogo da Calvin Klein (e aparentemente Tiago Lira tinha entendido isso antes de mim, porque ele estava mordendo os lábios enquanto olhava).

— Gatos não tomam banho se lambendo? — Manuela perguntou, claramente tendo um devaneio animal como eu estava tendo com cisnes mais cedo.

Eu ergui para ela uma mão para um high five por termos os mesmos delírios bêbados e só percebi depois que ela não fazia ideia sobre o motivo de eu estar fazendo aquilo, mas pelo menos bateu a mão na minha mesmo assim.

Acho que pessoas bêbadas não precisam de muita explicação sobre as coisas.

— Eu não sei — Larissa confessou, mas jogou o braço por cima do ombro de Leandro, que deu um sorriso flerte para ela. — O que você diz? Tenho certeza que um gato que nem você sabe a resposta.

Aí Leandro desfez o sorriso porque não dava para enfiar a língua na boca dela e sorrir ao mesmo tempo, e ele estava muito, muito, motivado com a ideia de beijá-la.

— Meus ouvidos estão sangrando por ouvir uma coisa assim e meus olhos também por ver que funcionou — Getúlio disse, olhando a cena como se fosse a coisa mais engraçada do mundo. — Eu vou perdoar porque é impossível resistir a um homem com uma borboleta na bunda, mas, Larissa, eu esperava mais de você!

É claro que ela não respondeu, porque também não dava para falar com a língua envolvida em outra missão.

— Seus olhos estão sangrando? — Chicão perguntou, se sentando na borda e segurando o rosto de Getúlio para poder olhar o que estava acontecendo ali. — Pode ser derrame ocular! Ou hifema! Se estiver visível a gente pode começar a tratar com compressas frias de água boricada, mas se não sumir eu posso ter que fazer uma microcirurgia e...

Eu empurrei o Dr. Henrique Francisco para dentro da água com o pé, fazendo-o cair por cima do pobre Getúlio, que não tinha nada a ver com o fato de que ele estava empenhado em tratar doenças oculares com espumante saindo pelos poros.

Não me orgulho, mas também não me arrependo.

Não estava a fim de desmaiar no ano novo porque ele estava falando de sangue.

— Eu vou te atropelar com meu patinete se você tiver afogado meu marido. Ele é elétrico e pode fazer um estrago se eu acertar no ponto certo — Romeu avisou, colocando uma taça na minha mão como o bom anfitrião que era e deixando também um rastro molhado pelo piso, o que me fez acreditar que ele só tinha saído da piscina porque me viu sem a minha taça, que tinha ficado na espreguiçadeira. Talvez ele tenha ignorado a garrafa na minha mão, mas, em defesa dele, ela estava mesmo vazia depois de repor tantos copos.

— Ele está bem, olha — apontei para Getúlio. Ele estava tossindo e provavelmente tinha engolido água por ser a boia de resgate de Henrique, mas afogado, tecnicamente...

— Sorte sua — Romeu gracejou e sorriu para mim. — E você pode entrar na água, viu? O Cristal é por causa dos olhinhos brilhantes, não do açúcar. Não derrete nem nada.

— Eu estou bem, Romeu, só estou com... Frio — disse e Romeu ergueu as sobrancelhas como se dissesse "frio? Em um país tropical? Em janeiro? Aham, tá bom" e eu tive que recalcular a rota, porque o olhar de Romeu Sampaio também não estava com frio, já que estava coberto de razão. — Na verdade eu...

Só não quero ter que tirar a camisa ou molhar esse tecido branco e contar para Marcela que eu fiz uma tatuagem exatamente como a dela no peito porque eu a amo pra caralho e até meu eu bêbado na fossa sabe disso.

Só que ao invés de dizer isso, eu apenas saí andando sem explicar nada porque, às vezes, fugir dos problemas pode sim resolvê-los. Ocasiões muito raras, claro, mas ainda assim existentes.

Matei a taça de espumante que Romeu tinha me entregado e me sentei na espreguiçadeira onde estava a que eu tinha reposto para mim mesmo, cujo plástico já estava suado e escorria pinguinhos por algum fenômeno da termodinâmica que indicava apenas que meu espumante não podia estar em uma temperatura pior.

Meu celular vibrou e eu o resgatei do bolso da minha bermuda, só então me lembrando de que ele estava ali. Vi que eu tinha recebido várias mensagens, mas a última (ou as trinta últimas, em todo o caso), eram de Cecília.

Era até esquisito passar o ano novo sem ela, porque nós sempre acabávamos dando um jeito de estar juntos nessas datas, mas naquele ano ela tinha ido comemorar com Sandro e os filhos.

Sandro.

E os filhos.

Minha irmã mais nova!

Cecília: Feliz ano novo, Eduuuuuuuuuuuu

Cecília: Que seja um ano melhor e lindo e cheio de coisas boassss

Cecília: Que meus sonhos (incluindo minha hortaaaa) e seus sonhos (construir com mato) se tornem realidade

Cecília: 2021 tem que ser incrível

Cecília: Que você seja menos idiota

Cecília: Você não é idiota, mas as vezes sinto que nós deveríamos agir mais como irmãos e implicar um com o outro

Cecília: Te amooooooooooooooooooooooooooooooo

Cecília: (figurinha)

Cecília: (figurinha)

Cecília: (figurinha)

Cecília: Ops, essa foi errado e eu apaguei só para mim, droga

Cecília: Ignora

Cecília: Não pensa sobre o assunto

Cecília: Tenta não imaginar com quem eu uso

Cecília: Hahahahahaha é com o Sandro

Foi aí que eu decidi que não importava a temperatura do espumante, eu precisava dele.

E bebi.

Cecília: Eu acho que amo o Sandro, Edu

Cecília: Você consegue entender?

Cecília: Você me odeia?

Cecília: Não fica bravoooooooo

Cecília: Eu não quero mais ficar longe dele

Cecília: É que ele é tão maravilhoso

Cecília: E lindo

Cecília: Olha que lindooooo

Cecília: (imagem)

Cecília: (imagem)

Cecília: (imagem)

Cecília: (imagem)

Cecília: (imagem)

Pelas fotos que Cecília continuava enviando, dava para ver que Sandro não estava assim tão feliz em estar sendo fotografado, já que tudo o que dava para ver eram partes do seu rosto e sua mão tentando cobrir a câmera e eventualmente, Breno e a Sandrinha (que se eu não estivesse lembrando errado, se chamava Giovanna) dando risada.

Cecília: eles também são lindos!!!!!!

Cecília: (imagem)

E aí uma foto dela com os Sandrinhos juntos se abraçando. Pelo dedo na frente da lente, aquela imagem era de autoria do próprio engenheiro master.

E Ceci sorria tanto que eu não consegui não sorrir junto.

Eduardo: Feliz ano novo, Ceci!

Eduardo: Te amo pra caralho, pirralha

Eduardo: Que 2021 seja mais gentil com você, você merece o mundo (e estrelas Michelin também)

Eduardo: Eu amo você tantoooooooooo, seja menos idiota

Eduardo: Você não é idiota e eu não odeio você e nem estou bravo

Eduardo: Acho bom o Sandro te amar de volta e cuidar direitinho de você, descobri recentemente que tenho um bom gancho de direita e certeza que corro mais que ele se ele resolver revidar

Eduardo: E eu nunca tinha visto dentro do nariz do Sandro, então no mínimo é uma nova forma de encarar a beleza dele

Eduardo: Só seja feliz, Ceci

E aí eu senti que alguém jogou água nas minhas panturrilhas e estava prestes a mandar Leandro voltar a se ocupar beijando Larissa e Manuela, mas vi que quem me encarava com os braços apoiados na borda da piscina e um sorriso divertido no rosto era Marcela, com os cabelos escorridos para trás e os dedos parecendo uvas passas por terem ficado tanto tempo na água.

E eu sorri de volta, em um instinto totalmente automático.

— Deixa de ser anti social, Edu! — pediu, jogando água em mim de novo e me dando uma fração de segundo apenas para tentar desviar, mas senti as gotinhas na parte descoberta das minhas pernas e no antebraço que tinha usado para proteger o rosto. — Vem pra cá!

Ela tombou a cabeça de lado, esperando pela minha resposta, e eu mordi o lábio inferior de leve.

— Eu venci no jogo e escolho ficar seco e vestido, obrigado — gracejei para ela e Marcela até chegou a abrir a boca para contra-argumentar, mas eu ergui o dedo em riste. — Respeita o campeão, Má!

— Sabia que você é um péssimo vencedor? Não pode ficar esfregando na cara das pessoas sua vitória! — ela explicou e eu ri, vendo quando ela apoiou as duas mãos espalmadas no piso externo da piscina. — Se você não vem até mim, eu vou até você!

E aí ela tentou se içar para fora da água, mas não teve muito sucesso porque acabou caindo de volta no meio de uma risada. E aí emergiu de novo, passando as mãos pelo rosto para tirar o excesso de água e jogar o cabelo para trás antes de abrir os olhos castanhos e determinados e tentar sair de novo pelo mesmo lugar, até porque a escadinha estava do lado oposto, perto de onde Romeu, Getúlio, Chicão e Tiago estavam tentando começar uma briga de galo que nunca começava porque nunca haviam duas pessoas em cima dos ombros de outras duas ao mesmo tempo — alguém sempre caía antes de começar e Leandro estava começando a ficar vermelho de tanto rir, mas não movia nem um músculo para ajudar.

Aí Marcela emergiu de novo, com as sobrancelhas apertadas naquela feição de quem venceria aquele desafio de qualquer jeito, mas eu estava com medo de ela acabar se machucando no processo, então apenas me levantei, peguei uma das toalhas branquíssimas que Retúlio tinha deixado em uma mesa justamente pensando que alguém precisaria delas e coloquei sobre o ombro.

— Espera, Má, eu vou te ajudar — disse eu, me aproximando da borda e oferecendo minhas mãos para ela. A engenheira colocou seus dedos levemente enrugados e molhados sobre os meus e eu a puxei para cima, tirando-a da água e passando a toalha por seus ombros, feliz porque eu ainda tinha equilíbrio o suficiente para manter meus pés no chão e tirá-la dali sem o resultado sermos nós dois dentro da água gelada. — Pronto.

Ela apertou delicadamente o comprimento do cabelo na toalha antes de se enrolar com ela, parecendo um casulo de Marcela exatamente como Leandro fazia com seus lençóis.

— Obrigada pela ajuda — disse, começando a se encaminhar para as espreguiçadeiras — Eu estava meio sobrando entre os casais... e trisal. Leandro e Larissa e Manuela, nunca pensei.

— E eu achando que você estava aqui pela minha companhia — brinquei, caminhando ao lado dela e soltando meu peso sobre a espreguiçadeira que eu estava ocupando antes de ir ao seu auxílio.

Eu meio que estava esperando que ela fosse para a espreguiçadeira ao lado da minha, mas não foi o que ela fez. Marcela apenas se sentou no espaço que sobrava na minha e eu deitei de lado, abrindo espaço para ela deitar junto comigo. Pelo espaço restrito, eu sentia que ela estava me deixando inteiro úmido, mas eu não me importei.

Acho que eu nunca me importaria.

— Eu estou aqui pela sua companhia, Edu — ela disse, por fim, apoiando a cabeça no meu ombro. Eu senti o linho ficando gelado e molhado, mas eu... Eu não queria afastá-la dali. — Você estava rindo para o seu celular em uma festa de ano novo, isso é inaceitável.

Eu ri, pegando a parte da toalha que tinha caído para trás e puxando o tecido felpudo para cima para cobrir o braço dela.

— Cecília estava me mandando fotos do Sandro — eu disse e Marcela ergueu as sobrancelhas enquanto eu pegava meu celular e abria a galeria para mostrar pra ela, mas no fim apenas entreguei aparelho em suas mãos.

Marcela começou a rir dos ângulos estranhos das fotos de Cecília, passando uma por uma e dando zoom para dar risada de detalhes que eu nem tinha reparado, mas que não passaram despercebidos pelos seus olhos atentos.

— Nenhuma do piercing? — perguntou, passando para a foto de Ceci e os Sandrinhos. — Eu queria muito ver uma atual!

— Você já viu alguma? — eu questionei, erguendo as sobrancelhas. Por que eu não tinha tido acesso a um material tão precioso ainda?

Marcela riu, seu corpo tremendo de leve ao meu lado e eu sorri como o idiota apaixonado que eu era.

— Valter tem, mas você não ouviu isso de mim. — Eu sustentei meu sorriso por mais um tempo e aí ela ergueu os olhos para olhar para o meu rosto. Eu olhei de volta por um segundo, antes de apenas olhar para cima para não cair naquela armadilha em tons de marrom que sempre me levava para lugares diferentes de onde eu podia estar no momento. — Eu li uma coisa hoje de manhã que me lembrou de você.

Ela se aconchegou no meu ombro e eu coloquei minha bochecha no seu cabelo molhado.

— Calçadas de plástico reciclado que produzem energia solar — ela prosseguiu e eu sorri de novo, fechando meus olhos devagar por um segundo antes de voltar a abri-los. Como eu podia ter deixado essa mulher... como eu podia ter perdido Marcela? — a partir de uma célula fotossensível de silício monocristalino. Pode produzir até...

E aí eu esperei. Só que ela não falou mais nada.

— Má? — chamei e, à míngua de uma resposta, me inclinei apenas o suficiente para ver que ela tinha dormido.

E eu sorri e me ajeitei ao lado dela de novo.

— Isso, Cristal, traz ela aqui — Romeu orientou, enquanto eu o seguia com Marcela no colo e ele indicava o caminho por onde eu deveria levá-la dentro do próprio apartamento. Claro que ele estava guiando do jeitinho dele, às vezes andando, as vezes girando, às vezes saltando como uma bailarina e tendo que se segurar nas paredes para não cair.

— Eu podia estar fazendo isso sozinha! — Marcela reclamou, com a cabeça encostada no meu peito e os braços ao redor do meu pescoço.

— Celinha, está tudo bem precisar de uma mão amiga de vez em quando — Romeu disse, girando para abrir uma porta à esquerda no corredor e mantendo-a aberta para que eu pudesse passar com a sua melhor amiga. — Se sua mão amiga está te levando no colo, tem olhinhos de cristal e um peitoral lindo, você não reclama!

— Eu não estou reclamando — ela disse, apertando mais o abraço e eu passei pelo batente após reparar que a guarnição da porta tinha muito jeito de ter sido escolhida por Marcela, porque era o acabamento que ela gostava. — Só estou constatando fatos.

— Você dormiu e acordou três vezes enquanto eu te carregava até aqui — lembrei e ela fez que não com a cabeça, tentando defender seu ponto que claramente não tinha defesa nenhuma.

— Eu tenho certeza que eu só descansei os olhos um pouquinho — ponderou, fechando os olhos de novo e se aconchegando melhor contra mim, o que significava mais perto e mais apertado.

— Claro, Celinha, claro — Romeu pontuou, com um sorriso divertido brincando no canto dos lábios enquanto eu a ajudava a se sentar na beirada da cama do quarto de hóspedes do apartamento de Retúlio (que eu muito suspeitava que era um cômodo que existia basicamente para ela). — Amanhã de manhã, quando você me perguntar, eu juro que te conto que você veio sozinha.

— Você provavelmente também não vai se lembrar como ela chegou aqui, Romeu — eu garanti, sorrindo para ele antes de erguer as sobrancelhas. Eu estava quase desistindo e deixando Marcela vencer a batalha que nós travávamos naquele momento e consistia, basicamente, nela se recusando a soltar o meu pescoço e eu tentando ajeitá-la sobre o colchão.

— E você vai? — perguntou Romeu, se sentando na cama ao lado de Marcela e colocando as mãos com gentileza no braço dela.

Quando Má me soltou, foi só porque ela queria abraçar o melhor amigo e acho que não tinha como fazer isso e se segurar no meu pescoço ao mesmo tempo.

— Mais do que vocês com certeza — eu disse e sorri, porque não tinha ninguém realmente sóbrio ali. Mas, bem, era ano novo e eu não era o motorista da rodada, então eu acho que tudo bem eu estar me sentindo solto e leve como uma bolha do espumante que todo mundo tinha bebido aos baldes.

Àquela altura, a bebida bagaceira já estava na mesa e Chicão estava mais louco que o Batman depois de uns shots de tequila, dançando Barões da Pisadinha com Leandro e gritando para Tiago que ele era seu esquema preferido. E também o único. E que ele era uma delícia. E aí Leandro fez o gira-gira-gira-tomba com ele e bom... Tombou mesmo.

Eu não tinha ficado lá para ver o desfecho da dança dos dois, porque Romeu tinha visto que Marcela estava dormindo e me chamou para nós dois (eu, na maior parte) a trazermos para uma cama para ela ficar mais confortável — mas eu pude ver que Getúlio tinha ido ao socorro deles e acho que meus dois bebês não podiam estar em mãos melhores do que as do melhor pediatra de São Paulo.

E Tiago podia lidar com qualquer questão bucal e dar beijinhos nos dois para sarar e ambos ficariam extremamente felizes.

— Eu amo você, Rommi! — Marcela disse, abraçando Romeu e dando vários beijos no seu rosto.

— Eu também amo você, Princelinha — ele respondeu, devolvendo um beijo na bochecha dela e a fazendo sorrir. — Mas você precisa largar essa toalha ensopada e trocar essa lingerie molhada antes de deitar nos meus lençóis caríssimos, tá bem? E não queremos você gripada ou com... Você sabia que pode causar candidíase? — Romeu falou mais baixo, como se fosse um segredo.

— Rommi! — Marcela pediu, dando um tapa no ombro dele e o fazendo rir.

— Tá bom, eu acho que ainda tenho uma troca de roupa sua aqui da última vez que você veio dormir, há uns seis meses — ele disse em tom de acusação, mas, em defesa de Marcela, Retúlio estavam sempre na casa dela e acho que tinham dormido com ela mais noites que... Não, acho que mais que eu não, pelo menos não nos últimos tempos. — Cristal, pega pra mim na primeira gaveta da cômoda?

Aí acho que Marcela lembrou que eu estava ali, porque seus olhos vieram para o meu rosto e ela sorriu. E, se eu posso deixar meu cérebro ébrio discernir alguma coisa, os olhos dela brilharam um pouquinho mais.

Eu fui até a cômoda e logo encontrei meus objetos designados — um blusão branco com cerejinhas desenhadas, um short soltinho de malha no mesmo tom de vermelho das cerejas e uma calcinha boxer das que ela gostava para dormir — e me agachei para ficar na altura dos olhos dela, colocando as roupas dobradas e com um cheiro que não eram do amaciante que ela usava sobre suas pernas.

— Tudo bem, Má? — perguntei e ela sorriu meio torto, porque sua bochecha estava amassada contra o ombro de Romeu.

Ela esticou a mão e traçou a linha do meu maxilar com os dedos enquanto fazia que sim meneando a cabeça. Eu senti suas unhas na minha barba despontando ao mesmo tempo que senti os olhos de Romeu tomando ciência do movimento dela, e aí ele sorriu.

— Má — eu disse, sentindo minha voz falhar e pigarreando para que ela voltasse ao normal —, você precisa tirar a roupa molhada. Consegue fazer isso sozinha?

Romeu apenas negou com a cabeça e estreitou os olhos para mim, mas não disse nada.

— Consigo — ela disse, ficando de pé usando o melhor amigo como apoio e sorrindo para ele em agradecimento. — Eu vou...

Ela apontou vagamente para a porta do banheiro e começou a caminhar até lá. Notei que ela estava olhando para as linhas do rejunte, provavelmente tentando achar um referencial para conseguir andar em linha reta; não estava funcionando tão bem assim, mas foi o suficiente para que ela conseguisse cumprir seu objetivo, ainda que a toalha tenha caído no chão no processo.

Romeu foi até lá e pegou o tecido fofinho do chão, porém eu tive que ajudá-lo a se levantar porque ele cambaleou — e eu percebi que toda casa precisava de um Leandro, organizado e sistemático, e ele era o do seu próprio apartamento, mesmo levemente embriagado.

Aí ele se sentou de volta na cama com a toalha no colo e eu sentei do seu lado, reparando que seus olhos claros estavam examinando o meu perfil. E continuaram até que eu olhasse de volta para ele, apenas para dar de cara com suas sobrancelhas arqueadas e seus lábios pressionados, com um pouco mais de força que o usual, um contra o outro.

— O quê? — perguntei.

Ele meio riu e meio bufou, o que era uma combinação nova pra mim.

— Nada, Cristal, nada — disse simplesmente, gesticulando com a mão como se dispensasse o assunto, mas logo emendou em outro. — Eu ainda não entendi como você ganhou da Celinha — ergui as sobrancelhas e ele explicou: — no pôquer. Não estou dizendo que você não joga direitinho, porque você joga, mas eu não estava esperando que você conseguisse nada melhor que o full house dela.

Nada melhor que... o quê dela?

Marcela tinha um full house e desistiu do jogo?

Isso claramente não combinava com ela. Quer dizer, ela com certeza sabia que tinha uma mão muito bem rankeada para simplesmente desistir do jogo sem sequer olhar o que eu tinha.

Eu deveria ter percebido o quanto aquilo tinha sido não-Marcela. Ela era competitiva e habilidosa demais para ter medo de mim e meu blefe meia-boca, especialmente sabendo que a probabilidade dela ganhar era... Bem, 100%.

Então, isso só podia significar que...

— Rommi? — Getúlio apareceu, colocando meio corpo para dentro do quarto e se segurando na moldura da porta. Romeu se virou para ele, sorrindo derretido ao encontrar a figura do marido ali, com o cabelo apenas parcialmente seco criando umas ondas que eu nunca tinha visto nele antes, mas bonito mesmo assim. — O som parou de funcionar e ninguém consegue entender aquela caixa maluca que você comprou além de você. Dá uma olhadinha?

Romeu se colocou de pé num ímpeto, jogando a toalha molhada de Marcela ao redor do pescoço como se fosse um lutador de boxe.

— Claro, Tutti — e mandou um beijo para ele. Então olhou para mim. — Você coloca a Celinha na cama? É só convencê-la a deitar que ela apaga, talvez ela dê um pouco de trabalho porque ela é teimosa e vai insistir que não está bêbada e... Ah, você conhece ela.

— Claro, pode deixar — respondi.

— Cuida direitinho dela, tá bom? Com amor — Romeu explicou, colocando um dedo em riste perto do meu nariz. — Se ela tiver um arranhão diferente do que ela tem hoje, eu vou te atropelar de verdade!

Eu tentei não rir, mas ele não ficava muito ameaçador dentro da sua cueca com o rosto de Getúlio em corações e me ameaçando com um patinete, mas eu sabia que era verdade. Ele nem hesitaria, não por Marcela.

Só que eu não tinha a intenção de não cuidar direitinho dela, então podia rir daquilo. E eu também não sabia se ele tinha um patinete elétrico.

— Pode deixar, eu prometo que vou mantê-la sã e salva — garanti, fazendo uma continência sabe-se-lá porque, mas aparentemente aquilo convenceu Romeu, porque ele se virou sob os calcanhares e foi resolver o problema do som com Getúlio.

Provavelmente só restavam os meus caras e Larissa e Manuela fazendo algazarra lá em cima, os inimigos do fim.

Então tudo ficou muito silencioso e meu olhar acabou passando pelo quarto, notando que a parede principal era pintada de um tom lindíssimo de verde kentucky que se destacava das demais e combinava com a colcha branca com listrinhas finas do mesmo tom que cobria a cama queen; além disso, havia nichos nas paredes com vasos, plantinhas que pareciam ser de verdade e outros bibelôs decorativos que deixavam o lugar com um jeitinho de que fazia realmente parte da casa e não era um cômodo inutilizado e impessoal porque não era destinado a uma pessoa específica.

Eu estava tentando definir se as suculentas eram de plástico ou não, porque tudo meio que girava quando eu fechava os olhos e eu não podia ficar tonto demais sem ter certeza que Marcela estava bem e não era um perigo para si mesma.

Aí eu ouvi barulho de alguma coisa caindo e ela abriu a porta do banheiro, saindo de lá vestida e inteira, mesmo que a etiqueta delatasse que ela tinha vestido a blusa pelo avesso e que seu cabelo estivesse uma confusão de fios ondulados e parcialmente secos atravessando seu rosto de um lado ao outro.

E eu sorri, porque ela estava maravilhosa. Ela sempre era maravilhosa.

— Acho que eu derrubei alguma coisa — contou no exato momento em que um frasco de sabonete líquido para as mãos passou rolando atrás dos seus pés descalços.

— Eu tenho certeza, mas não tem problema — eu disse e me levantei para estender a mão para ela, porque seus passos continuavam meio trôpegos, ainda que sua ideia de acompanhar as linhas do chão tivesse seu valor.

Marcela colocou a mão sobre a minha e acho que isso a ajudou a caminhar melhor, mesmo que tenha sido para mim e não necessariamente para a cama, como era o objetivo, e ela acabou abraçada com a minha cintura. Eu a abracei pelos ombros após afastar seu cabelo do rosto, jogando todos os fios macios para trás e deixando seu rosto lindíssimo visível.

Ela era pequena e quente e eu não queria soltá-la, porque ela parecia ter sido feita para ficar onde estava. Ou talvez eu tivesse sido feito para ficar ao redor dela. Ou talvez os dois.

— Está pronta para dormir? — perguntei, deixando minhas mãos passearem pelas suas costas, sentindo o tecido roçando nos meus dedos do mesmo jeito que sabia que ela estava sentindo o linho da minha camisa, porque suas mãos passeavam pelas minhas costas como se mimetizassem meus movimentos.

— Eu não estou com sono — garantiu, mesmo que eu tivesse certeza que seus olhos estavam fechados.

— Isso não vai ser um problema, já que eu estou aqui — brinquei e ela afastou o rosto para me olhar, como se estivesse surpresa com o que eu tinha acabado de dizer. Eu passei a língua pelos lábios antes de explicar: — Eu sinceramente devo ser a pessoa mais chata do mundo, porque quase sempre que você encosta em mim, dorme uns três minutos depois.

Aí ela riu, apoiando a cabeça no meu ombro e olhando para mim daquele ângulo estranho, mas tão, tão, gostoso...

— Não é por isso, Edu — elucidou, piscando pesadamente os olhos castanhos. Lá fora, na festa, começou a tocar Follow Your Heart, dos Scorpions, indicando que Romeu tinha conseguido restaurar o som. Marcela sorriu, achando graça em alguma coisa que eu não sabia o que era. — Às vezes você simplesmente não entende as coisas, né?

Aí os pés dela se moveram, trocando o peso do seu corpo de perna.

O que será que eu não entendia?

Muita coisa, claro, mas naquele momento específico?

Eu queria entender. Tudo. E queria que ela entendesse também, porque nesses momentos ficava muito difícil não ser um livro aberto e deixar aquelas palavras sufocadas no meu coração saírem de mim.

Só que não dava, porque tudo... Era muita coisa.

— Não é de propósito, eu garanto — disse eu, enquanto passava o braço por trás de suas pernas e a pegava no colo de novo. E aí eu a deixei cair na cama enquanto ela gargalhava e se debatia para que eu não a cobrisse com a colcha, porém com sono demais para oferecer muita resistência. — Mas eu entendi que você me deixou ganhar no pôquer, Marcela Noronha. Soube que você tinha um full house que engoliria meu straight vivo e não deixaria nem os ossinhos.

Que metáfora estranha para um vegetariano.

Ela parou de se debater e mordeu o lábio inferior, como se quisesse desviar do assunto. E, sinceramente, ela quase conseguiu, porque tinha uma facilidade inata de me hipnotizar...

— Você ficou se achando, né? — perguntou e riu quando eu subi a sobrancelha. — Você é um péssimo ganhador!

— Pelo menos agora eu sei que eu não ganhei de verdade, então eu me considero um perdedor ok — disse eu, sentando na cama em um espacinho que tinha sobrado do lado dela. — Só não entendi porque você me deixou ganhar, Má.

Aí ela piscou várias vezes.

— Porque você não queria me mostrar a samambaia — explicou, como se aquilo fizesse todo o sentido do mundo, exceto que eu não fazia ideia do que ela estava falando. — Eu não sei porquê, mas não quer.

Acho que o fato de que eu não tinha entendido ficou muito claro, porque ela se sentou e me olhou por um minuto inteiro antes de estender a mão e colocar bem em cima do meu peito, no ponto exato onde a pena estava, só um tecido fino a separando de saber a verdade sobre aquilo.

E meu coração bateu tão rápido que eu nem sabia explicar como não era classificado como algum tipo de doença, embora eu já tivesse me familiarizado com a sensação de taquicardia quando estava com ela. Era como se meu coração quisesse desesperadamente me dizer alguma coisa e eu estava bem certo de que sabia o que era.

Apenas segurei a mão de Marcela e a afastei daquele ponto específico, mas deixei meus dedos ficarem junto com os dela.

— É porque não é uma samambaia — esclareci, achando engraçado que ela tinha concluído que era isso.

Bom, não dava para negar que o cara que tinha uma árvore tatuada podia muito bem tatuar uma samambaia também, para fechar o parzinho.

— O que é?

Eu reparei que ela não tentou olhar, abrir meus botões para ver ou algo. Apenas esperou que eu falasse, ou talvez apenas estivesse mais concentrada em observar enquanto eu passava a língua pelos lábios, tentando umedecê-los.

— Se eu te contar, eu vou ter que te falar coisas que eu não sei se você quer saber, Má — expliquei. — De coisas que eu não sei se você quer que eu sinta, mas eu sinto mesmo assim.

Ela olhou dentro dos meus olhos do mesmo jeito que eu estava olhando para ela, como se procurasse uma resposta para todos os seus dilemas bem ali.

— Eu quero saber, Edu — ela disse, num fio de voz.

Coloquei uma mecha de cabelo dela atrás da orelha, apenas querendo dar a ela todos os beijos que eu não tinha dado enquanto ela me olhava daquele jeito que dizia que eu podia ser o caralho da integral mais difícil do mundo, mas ela ia me resolver.

— Às vezes você simplesmente não entende as coisas, não é? — perguntei, replicando sua fala e o sorriso que surgiu nos lábios dela. — Mesmo sendo a pessoa mais inteligente que eu conheço.

— Às vezes você tem que explicar — ela disse, trazendo os dedos para o meu rosto e eu suspirei quando ela deixou as pontas passearem pela minha bochecha, num carinho que, mesmo leve, me colocou em chamas.

Ah, Marcela Noronha...

— Boa noite, Má — eu disse, dando um beijo na testa dela antes que toda a vontade que eu sentia e o álcool me dessem coragem de fazer o caminho que eu realmente queria fazer até a sua boca.

Eu fiquei de pé, deixando a mão dela cair no colchão e ela piscou várias vezes, olhando enquanto eu, relutante, me aproximava da porta de saída.

Eu só queria um. Um motivo para ficar.

— Edu — ela chamou quando eu apaguei a luz, me fazendo girar sobre os calcanhares para observá-la, vendo apenas o que a luz do corredor iluminava. — Eu estou com frio.

Claro que eu podia ter procurado uma coberta.

Claro que eu sabia que ela ia se esquentar assim que entrasse embaixo da colcha e seu corpo fosse ganhando calor, porque ela provavelmente ainda estava em equilíbrio com a temperatura da piscina e não com o ambiente, então era só uma questão de tempo.

É claro que eu sabia que isso era contrariar o bom senso, porque ela estava com Gustavo e por mais que eu quisesse ficar ali com ela, eu não deveria.

Claro que eu sabia de tudo isso.

Mas eu queria um motivo para ficar, e eu tinha um.

Mas...

Follow Your Heart, certo, Scorpions? Então eu ia seguir a merda do meu coração.

E aí eu fui até Marcela e me deitei com ela, abraçando seu corpo pequeno e a trazendo para o meu peito mesmo que ela já estivesse fazendo isso sozinha, se encaixando em mim daquele jeito esquisito que a gente costumava fazer, mas que fazia todo o sentido do mundo. Ela até colocou a cabeça exatamente sobre o meu ombro, daquele jeito que deixava a curva do meu pescoço ao alcance dos seus lábios.

E eu jurei que ficaria só um pouquinho, só até ela se aquecer e dormir, porque nós éramos apenas amigos.

Mesmo que eu soubesse que era quase impossível, para mim, ser só amigo dela.

E aí ela encostou o pé gelado na minha panturrilha.

Só um pouquinho.

Só...

Um...

Pouqui...

It's up to you to make it real...

⟰ ⟰ ⟰ ⟰ ⟰ ⟰ ⟰ 

Quartou por aqui, e com vocês?

MARCELA VAI VER A PENA! É AGORA! TA CHEGANDO! E... não foi dessa vez! Aparentemente a nossa engenheira preferiu começar o ano perdendo no poker do que deixando o Edu sem camisa... o que o amor não faz, não é?

Depois de altas emoções, nosso casal 20 ainda se enrolou na espreguiçadeira e na cama, dormindo coladinho um no outro do jeitinho que a gente ama <3

Já que a pena não foi descoberta neste cap, quando vocês acham que ela vai aparecer?

Conta pra gente o que vocês estão achando da história! Não esqueçam da estrelinha e do amor <3

Beijinhos, 

Libriela <3

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