Capítulo 78 - Eu acho que estou sendo engolida viva

Eu acho que estou sendo engolida viva


Marcela

— Mas, mãe, a Cele comentou que queria um novo conjunto de taças semana passada quando estávamos conversando sobre a clínica dela — eu retruquei, apontando para as taças em questão com meu celular apenas para ouvir o seu "hum" tradicional, que havia sido passado diretamente para Marcelo na linhagem dos Noronha e que dizia muito mais do que qualquer rejeição que ela me desse — ok, o que você acha que eu deveria dar?

Eu parei no meio da loja, vendo que as pessoas estavam enlouquecidas ao meu redor, comprando tudo o que seus braços conseguiam agarrar, porque uma promoção na época de natal era o mesmo que fazer pessoas comprarem mais presentes do que realmente era necessário.

Eu nem conseguia acreditar que o ano estava acabando. Parecia ontem que eu estava discutindo com minha mãe sobre o meu "namorado" inexistente para levar como acompanhante no cruzeiro e agora... Natal?

Parecia errado querer que o ano acabasse rápido, porque eu não era o tipo de pessoa que acreditasse naquele velho jargão "novo ano, novas chances", porque as chances apareciam de qualquer maneira, com um novo ano ou não, então aquilo não fazia sentido, mas eu queria, desesperadamente, colocar um ponto final ali.

Havia acontecido tanta coisa, boas ou ruins, que eu apenas esperava que o ano que viesse fosse mais gentil comigo. E com quem eu amava, porque não foi fácil para ninguém, eu acho — Edu estava com o rosto meio esverdeado como prova de que 2020 literalmente bateu nele...

— Um conjunto de lençóis. Sam e Cele comentaram que está nos planos delas comprarem novos, então você pode dar um bem bonito pra cada, o que acha? — ela sugeriu, trazendo-me de volta para realidade, e eu voltei a câmera do celular para o meu rosto, vendo que nós duas estávamos assustadoramente parecidas com o cabelo preso em um rabo de cavalo e nossos brincos de pérolas.

Verdade fosse dita, Alessandra Noronha era uma senhora belíssima, então se eu realmente envelhecesse como ela, com apenas algumas rugas de expressão e ter cabelos brancos após os quarenta e cinco, eu estava mais do que contente em ser o xérox da minha mãe.

— Certeza? Posso confiar? — eu indaguei, arqueando minhas sobrancelhas e vendo meu pai rir lá no fundo do vídeo de algo que Patrício estava contando.

Será que era a história do dono do bar que havia criado uma cabra para guardar o lugar? Ou era da senhora que fingiu estar morta por dois dias pra passar a perna no INSS? Seja lá o que fosse, papai estava até rosa de tanto rir.

— Confia, filha — ela assentiu e eu me dei por vencida, porque ela era meus olhos e ouvidos em Vitória, então eu tinha que confiar em suas dicas, não é? — pro seu irmão já organizei uma nova estufa para ele criar aquelas flores holandesas que ele tanto estava querendo.

Ah, as famosas tulipas do Marcelo. Todo mundo já escutou o parto que foi para ele conseguir importar as sementes depois de elas ficarem por mais de dois meses na Receita Federal, porque ninguém estava acreditando que elas eram mesmo apenas sementes e não porta-maconha.

— Perfeito, me coloca no rateio desse presente, por favor? — eu peguei a minha lista e risquei o nome de Marcele, Samantha e Marcelo de uma vez — pro Pat o plano ainda é aquela maleta de couro chique?

— É sim, Cela! Obrigado! — eu ouvi o advogado berrando de volta e eu rolei meus olhos, porém risquei o nome dele mesmo assim.

— Precisa de mais alguma ajuda? — minha mãe perguntou e eu passei meus olhos na lista que eu tinha em mãos, analisando a probabilidade de eu não conseguir encontrar um presente para alguém, porém acho que eu estava bem e foi isso o que eu lhe disse — e como está? Faz tempo que você não liga.

— Os últimos meses do ano foram corridos. Muito trabalho e eu tive que fazer algumas viagens pro Sul para acompanhar a obra da Ponte, então acabei super enrolada e agora eu estou começando a desacelerar com todos os recessos de fim de ano. E aí apareceu um novo projeto que meio que pulou a frente dos outros lá no Nordeste e eu tive até que vender quinze dias de férias que estavam prestes a vencer para não deixar o pessoal na mão — eu dei de ombros, meio que me desculpando, porque era para eu ter pego as duas semanas de natal e ano novo para ir pra Vitória.

Ela me olhou por alguns segundos antes de sorrir para mim, dizendo que estava tudo bem e eles entendiam que eu tinha que mostrar serviço depois da promoção.

Desde o meu famigerado "término" com Eduardo, a família se dividiu em dois clãs: aqueles que estavam jogando na minha cara que eu não conseguiria encontrar outro cara como ele dando sopa por aí e aqueles que sempre queriam saber se eu estava bem. Acho que no fundo aquela era a maneira de todo mundo apenas mostrar apoio e que eles estavam ali por mim, mas eu já estava ficando cansada dos memes que a Bruna e o Enzo estavam mandando de "cantadas de arquiteto", porque eram a cara do Edu.

"Quer me renderizar para ver como é no real?"

"Me chama de escalímetro e me usa sem medidas."

"Eu sou o arquiteto que faltava no seu projeto de vida."

"Você é um prédio? Porque é difícil ficar sem você."

"O único crime contra a natureza que existe é nós dois não sermos um casal." Este entrou na lista pela sustentabilidade e não pela arquitetura.

Eu acho que tudo só começou a voltar mais ao normal depois que o Eduardo acabou aparecendo em uma vídeo-chamada que eu estava tendo com o Marcelo para elogiar a barba dele — ele estava do meu lado, porque estávamos almoçando juntos e resolveu se meter na ligação por ser enxerido quando ouviu sobre a saga das tulipas.

E depois disso, para a surpresa da nação, o Marcelo contou pra todos os Noronhas que eu e o Edu estávamos em bons termos de novo, então isso reacendeu a esperança de que a gente ainda fosse reatar o nosso relacionamento, mesmo que eu garantisse que nós éramos apenas amigos.

Porque era isso o que éramos, não é? Amigos.

Sem segundas intenções ou interesses escusos.

Bem, eu acho que não, porque ele não tinha tentado me beijar de novo desde o churrasco (não que a gente tivesse tido outro momento a sós de qualquer maneira), mesmo que eu eu ainda conseguisse sentir o calor dos seus lábios perto dos meus, da sua boca deslizando pela minha pele como se ele conseguisse fazer tudo, menos ficar longe de mim. Só que depois disso... nada.

Claro, a gente estava almoçando juntos e às vezes até eu topava um happy hour não programado, mas não é como se... eu não sei. Eu achei... eu não sei.

O que eu sabia, o que eu tinha certeza, era que eu queria continuar com o que tínhamos. Com as piadas não intencionais, com os olhares entendedores, com os toques acidentais e aquela coisa boa e sinérgica que a gente sempre teve e que eu só comecei a dar valor quando perdi.

Por isso eu não queria perdê-lo de novo. Eu aceitava tudo, menos estar longe dele — e acho que nesse ponto a gente convergia muito bem.

De todo modo, o Edu estava ocupado gerindo um Golden muito empolgado e um Isaac completamente emocionado com a possibilidade de usar tijolos de replast. O que era sensacional, pensando que começamos o ano brigando por uma parede verde em uma obra e agora ele poderia enfiar mato onde quisesse.

E, com certeza, seriam os melhores projetos de sua vida, porque Eduardo Senna estava se realizando como o arquiteto sustentável maravilhoso que ele era com cada rabisco de projeto que fazia no seu tablet. E eu adorava ver aquele brilho em seu semblante de quem estava dominando o mundo. Uma construção verde por vez.

— Sua avó até gravou o programa que você apareceu, sabia? — dona Alê me contou e eu pude jurar que seus olhos brilharam mais intensamente — ela ficou tão feliz que a sua neta agora é famosa!

— Mãe, foi uma entrevista de dois segundos para um jornal local. Eu tô bem longe de ser famosa — eu revirei meus olhos, mas não consegui esconder muito bem que eu estava radiante com aquilo.

Eu ainda não havia acreditado que Thales e Renata me pediram para ser o rosto da CPN para quando aparecêssemos nas câmeras para atualizarmos o status da Ponte Navegantes-Itajaí — aquilo era um risco, claro, porque outras empresas de engenharia vieram falar comigo, me fazendo propostas e prometendo mundos e fundos, porém eu não me interessei por nada disso, porque eu tinha uma lealdade cega para com eles depois de tudo o que eles fizeram por mim.

— Prepare-se que a Valentina entrou no jornal da escola dela e provavelmente vai te alugar a ceia toda — só que eu notei que no seu anúncio não havia uma nota de apreensão sequer, apenas um orgulho infinito que me deixou sorrindo feito tola — o que foi?

— Nada — mas era tudo, se eu tivesse que ser sincera, então eu resolvi me abrir — só estou cansada e feliz e realizada e apreensiva e... são muitos sentimentos de uma vez. Esse ano foi uma montanha russa que eu fui do céu ao inferno em questão de dias e... o ano está acabando e eu ainda não sei se meu saldo foi positivo.

— Marcela, filha, eu, como sua mãe, não poderia estar mais orgulhosa da mulher que você se tornou — ela enfiou uma uva na boca e continuou falando comigo — eu sei que eu não estou por dentro de tudo o que aconteceu este ano e você tem todo o direito de manter os seus particulares para si, mas eu sei que você se entregou pra tudo o que colocou a mão, então eu continuo tendo um orgulho gigantesco de você. Quase tanto quanto eu te amo.

E, desta vez, eu fui pega tão de surpresa pelas suas palavras que esbarrei em uma pilha de travesseiros e derrubei tudo no chão — ainda bem que eram apenas travesseiros e não as taças que estavam do meu outro lado, senão o meu décimo terceiro inteiro não conseguiria dar conta de cuidar do meu saldo negativo.

Às vezes, a gente imagina que precisamos de grandes momentos para ouvir aquilo que tanto estávamos esperando, mas, no meu caso, foi no meio de uma caçada de presentes de natal, dentro de um shopping, que isso aconteceu.

Era como abrir um pote de sorvete no congelador e descobrir que tinha feijão da sua mãe — porque tudo o que você queria naquele momento era realmente encontrar o feijão. E eu acho que foi muito mais especial por isso, porque não precisou de uma conversa séria ou de uma intimação ou de um motivo.

Minha mãe simplesmente disse as palavras que eu sempre sonhei ouvir de maneira tão natural que parecia que ela as dizia todos os dias — e quem disse que não dizia, não é? Às vezes apenas não pra mim.

Aquele foi o melhor presente que eu já recebi dela e eu não tinha certeza se ela sabia disso.

Meus olhos marejaram um pouquinho em plena loja e eu tentei fingir que era pelo preço da escumadeira de inox, porém eu não consegui esconder o sorriso de tão grande que ele havia surgido em meu rosto.

— Eu também te amo, mãe — eu sussurrei baixinho, porque não conseguia dizer nada mais e eu acho que ela reparou, comendo mais uma uva, mas eu notei que seus olhos também estavam resistindo à primeira lágrima.

— Má! Achei! — eu ouvi de longe.

— Mãe, preciso terminar as compras de fim de ano. Nos falamos mais tarde? — eu lhe perguntei.

— Só me ligar. Boas compras, filha — e aí ela desligou no mesmo momento que Gustavo apareceu do meu lado com um decanter estilizado que custava o dobro do preço de um tradicional e que era a cara de Romeu Sampaio.

— Diz que é esse — o barman me implorou com o olhar, porque já era o terceiro que ele havia "achado" sendo que nenhum deles era o certo.

Eu abri a foto do meu celular e olhei para todos os detalhes e curvaturas e até mesmo a grossura do vidro, analisando com as especificações que eu havia encontrado nas profundezas do Pinterest.

— Acertou em cheio, Gus — eu dei um high five com ele. Vi que Gustavo apenas limpou o suor da sua testa com a sua polo e duas pizzas nada sensuais estavam cobrindo suas axilas — cansou? Não foi você que me chamou para fazer compras natalinas?

— No caso, eu comprei dois presentes e você está comprando o shopping inteiro — ele me recriminou, mostrando as duas pequenas sacolas perdidas no meio das minhas. Um deles era para sua melhor amiga que morava na Bélgica, Heloísa, e o outro era para o miniboss, Breninho.

— Minha família é gigante e a gente leva o Natal muito a sério — eu levei o decanter até o caixa e pedi para entregarem em meu apartamento, porque era sacanagem pedir para o Gustavo ser meu burro de carga e segurar aquele peso frágil ao longo da minha caçada pelas lojas.

— Eu aceito um almoço como recompensa — ele esbarrou o seu ombro no meu daquele jeito irreverente dele e eu vi que ele realmente estava ofegando.

Será que eu estava mesmo pegando pesado?

Aí eu olhei para as sete sacolas que ele estava carregando além das dele e percebi que a bonita aqui estava apenas com as mãos abanando enquanto ele fazia o serviço pesado.

Bem, ele que escolheu o passeio, não foi?

— Eu pensei que a minha companhia já era a recompensa — eu o corrigi e notei que ele abriu a boca para retrucar, porém parou quando eu comecei a responder mensagens de Romeu, anunciando que havia encontrado o porta-jóias que eu tanto queria para minha mãe e ele já estava indo ao meu encontro — vamos? Rommi está vindo e eu tenho ainda alguns...

— Marcela, pelo amor da Santa Eugência Mautava, a gente está aqui faz quatro horas. Não podemos fazer uma pausa? — Gustavo me pediu com um sorriso cansado e eu olhei para uma loja de chás que havia ali perto.

— Senta no Blend Perfeito que eu já te encontro, preciso só comprar o presente da Sam e da Cele — eu apontei para o corredor do shopping e ele hesitou um segundo. Acho que suas pernas estavam pedindo arrego, mas era mais o orgulho que o estava impedindo de descansar sem mim — vai lá. Dois minutos e eu te encontro.

Ele concordou comigo quando eu pedi para ele já adiantar um chá verde gelado de abacaxi, gengibre, limão e hortelã, aí ele comentou algo sobre pegar uma jarra de um litro e eu apenas deixei que ele fosse feliz.

Quem era eu para limitar o quanto chá uma pessoa poderia beber antes de se tornar uma torneirinha ambulante?

Eu entrei na primeira loja de lençóis que vi, o Castelo de Algodão, então eu esperava que no mínimo fosse algo decente, porque minha experiência neste tipo de aquisição de produto era meramente direcionada na seguinte pergunta: dá pra dormir? Sim. Ok, levei.

Como tinha gente que gastava mil reais em um lençol que nem iria saber se era bom, porque estaria dormindo? Sinceramente, eu era amante do capitalismo, mas não havia uma alma que me convencesse nessa relação custo x benefício.

Admito que eu não ligava muito pra enxoval e essas coisas, e, além disso, eu estava meio acelerada, porque não teria outra chance de comprar presentes de natal e eu acho que o Gustavo estava a uma loja de me abandonar com mais de dez quilos de compras para carregar sozinha, se bem que...

— Você não quer esse daí. 50% de poliéster nunca vai te deixar dormir em paz — eu ouvi a voz atrás de mim e retirei a mão do lençol, porque ele era realmente mais áspero ao toque e eu me senti flagrada fazendo algo que eu não deveria.

Leandro Lamas estava a dois passos da minha pessoa com uma sacola com mais de cinco lençóis diferentes e eu tentei espiar o que havia ali, mas acabei desistindo quando notei que eram todos brancos e pra mim eram basicamente a mesma coisa.

Só que pelo olhar do galã dos mil fios, ele provavelmente entendia e apreciava muito esta lógica. O que, naquele segundo, era tudo o que eu queria.

— E qual você me recomenda para dar de presente de Natal? Irmã e cunhada. Mesmo presente — eu questionei e já comecei a dar os dados necessários para o diagnóstico inicial, apontando de maneira genérica para a loja e os olhos do galã brilharam, cheios de possibilidades.

Acho que ninguém se animava como Leandro quando falava sobre skincare ou lençóis ou shampoos (eu ainda usava a linha da Tresemmé NoPo por causa dele e meu cabelo agradecia a mudança) e não sei exatamente como era a relação dele com as roupas de cama de Henrique Francisco e Eduardo tinham, mas eu tinha a leve impressão que a maior parte era presente do galã.

— Se você não gostar delas, pode dar esse daí mesmo que elas vão te odiar para sempre — ele me disse e eu meio que já tinha entendido que aquele lençol seria queimado na minha frente se eu desse de presente, mas foi bom uma opinião especializada para que eu tivesse certeza — tenta ficar sempre no material puro. 100%.

— Certo. Algum tecido em específico? — eu continuei meu interrogatório quando ele começou a andar pela loja.

— Algodão ou malha. Seda poderia ser bom também, mas aí a pessoa normalmente gosta de comprar a sua própria seda pela estamparia, então foque nos fios — ele continuou e eu notei que ele passou a mão em uma cama montada, então imitei o seu movimento para sentir o que ele queria dizer — No mínimo 400, ok?

— Ok — eu concordei automaticamente, porque eu acho que nunca tinha prestado atenção nisso antes, então eu passei a mão no segundo tecido que ele pegou e reparei que ele realmente era melhor do que o anterior.

— Normalmente eu gosto da marca Castelo de Algodão ou Imperatriz da Cama, mas existem outras que são tão boas quanto — ele continuou, mais em um monólogo do que em uma conversa e eu deixei que ele divagasse para onde quisesse ir, contanto que ele me ajudasse com os presentes, estava tudo certo.

Aí ele começou a discorrer sobre anti peeling revolucionário dos tecidos de malha, porque antigamente eles faziam bolinhas e hoje em dia ele me garantia que ela não faria isso — e desta vez eu realmente reparei que isso era verdade, porque eu sempre doava o lençol quando ele começava a criar as famigeradas bolinhas.

Eu trombei no seu corpo quando ele parou de andar, me olhando com um sorriso levemente animado demais antes de anunciar:

— Eu tenho o presente perfeito! É o paraíso. Espera! — ele saiu correndo para dentro do estoque da loja e eu me perguntei se ele poderia realmente fazer isso.

Pelo sorriso líquido da vendedora, ele poderia até morar naquela loja que ela provavelmente não reclamaria.

— Leandro vai voltar com sete lençóis e, se você tiver sorte, um cupom de desconto. Acho que você fez o dia dele mais feliz do que descobrir que a L'occitane estava com promoção no sabonete líquido de amêndoas que ele usa — Henrique Francisco apareceu do meu lado com duas sacolas de presentes bem lotadas e o mesmo olhar cansado de Gustavo.

Claramente uma parceria de compras de fim de ano consistia em uma pessoa empolgada e outra que era arrastada à força.

— A gente espera apenas se aproveitar dos conhecimentos dos amigos sobre lençóis e ainda faz o dia da pessoa mais feliz? Com certeza o Edu tá no lucro no quesito amigos — eu bufei de brincadeira e o Chico arqueou as sobrancelhas, possivelmente se perguntando o que Retúlio havia feito daquela vez. A pergunta era o que eles não haviam feito — último presente de aniversário que o Romeu me deu era um vinho que ele guardou por anos. De pé — eu expliquei para o atleticano, porém ele continuou confuso — basicamente eu tenho um vinagre de quatrocentos reais na minha despensa.

— Até o seu vinagre custa mais que o presente do Titi — ele resmungou, olhando para as suas sacolas em busca de algo — ele me pediu um novo Almanaque Infantil para Saúde dos Dentinhos.

Era a cara de Tiago Lira pedir algo assim e, pelo sorriso contido e as bochechas meio coradas, Henrique Francisco amava exatamente isso no dentista enquanto coçava a nuca do jeito que delatava "fiquei mais tempo na cama com o Tiago do que fora dela e não me arrependo nenhum pouco".

Eu adorava aquele casal que ainda não havia oficializado as coisas, mas que estava no limite de ser oficial por osmose.

Na última consulta que eu tive com o Tiago, ele fez uma limpeza incrível nos meus dentes e ainda elogiou minhas técnicas de escovação dental, dizendo que nunca viu alguém conseguir limpar com o fio dental até mesmo o dente do siso — eu realmente nunca recebi um elogio desses, mas acho que seria meu novo padrão para saber se o meu dentista estava me valorizando. Durante toda a consulta, ele não parou de falar sobre Henrique Francisco nem um segundo que fosse e eu até tentei conversar com ele, mas era meio difícil com as suas mãos dentro da minha boca e eu tinha medo de mordê-lo.

— E o que mais? — eu inclinei meu rosto para o lado e o oftalmologista apenas tombou seu rosto em uma confusão que se acumulava em sua mente.

Aparentemente as compras de fim de ano haviam torrado seus neurônios funcionais.

— Você comprou o almanaque e o que mais? — eu expliquei com mais calma, porque ele claramente não estava mais em suas plenas capacidades mentais — tipo, um perfume ou um sapato ou um cinto ou aquela bermuda que ele estava namorando da Lojure?

Ok, era oficial, ou eu era a louca dos presentes ou ninguém levava a sério o Natal? Um livro infantil não era presente adequado pro mozão!

— Eu... — ele arregalou os olhos em um pânico certo.

— Acho que ele comentou que queria uma pezeira nova também. Algo envolvendo velas aromáticas e óleos que não eram ecologicamente corretos estavam envolvidos, mas ele não se estendeu no assunto — eu sugeri, apontando para uma manta que eu achava que poderia tanto ser uma pezeira quanto uma toalha bem felpuda.

Eu não tinha os mesmos dotes enxovalísticos que Leandro, aparentemente.

— Dica pro futuro, cuidado com a cera. E não misture os óleos com as velas — ele deu de ombros, porém começou a rir comigo enquanto eu tentava manter a compostura e falhava miseravelmente.

Por Deus, eu amava aquele casal!

— O Leandro demora mesmo? — eu espiei ao redor da loja, porém nada do galã dos lençóis.

— Provavelmente ele está se pegando com uma vendedora no estoque, mas fica tranquila que ele sempre volta, porque ele jamais te deixaria na mão quando se trata de lençóis — ele me explicou e eu acho que nem com um guindaste meu queixo voltaria para a posição normal.

De verdade, como assim? Na loja? Como as pessoas passavam por aquele sorriso cheio de gengiva dele sem perguntar se ele estava com dor de dente?

— Ok, Má, eu te escolho pra testar essa cama — e antes que eu pudesse perguntar da maneira mais delicada possível mas que porra ele queria dizer com isso, Henrique Francisco apenas largou suas sacolas no chão e me puxou pelo cotovelo para cima de uma das camas, fazendo com que a gente caísse em seu colchão — ai, tem uma mola nas minhas costas!

— Eu acho que estou sendo engolida viva — eu tentei me mover, porém tenho certeza de que a cama apenas envolveu ainda mais o meu corpo e eu jamais conseguiria sair dali.

Eu era um fã de camas duras, porque quando se cresce com uma quiroprata de plantão, até mesmo o travesseiro da sua cama tinha que acomodar a sua cabeça da maneira correta — eu nem sabia que você tinha que decidir o travesseiro pela maneira que você dorme na cama, mas hoje em dia eu tinha um de algodão bem fino, porque eu dormia de bruços, o que era um sacrilégio para a postura de acordo com Marcele Noronha.

E qual era a minha culpa se lá no Espírito Santo a gente tinha simplesmente a melhor loja de colchões da história? Bons Sonhos era quase uma religião capixaba e eu tinha orgulho em dizer que havia feito Sam usar um furgão da polícia para esse transporte de mercadoria preciosa — Sandra Mesquita era uma visionária que o paulistano médio não estava pronto para conhecer.

— A cama foi reprovada, né? — ele indagou, aconchegando-se em um travesseiro e eu notei um lojista nos olhando torto, mas ele ainda não tinha tido coragem de nos falar que não era para nós realizarmos um test-drive na cama.

— Eu diria que sim, mas agora eu não consigo mais sair daqui, então talvez essa seja a técnica de venda mais genial ou mais fracassada que eu já presenciei — eu fiquei de barriga pra cima e deixei minhas mãos deslizarem pelo edredom, fechando meus olhos para me imaginar naquela cama todos os dias.

Ok, não era de todo ruim, o problema seria apenas sair da cama no dia seguinte.

Eu senti meu celular vibrando e o retirei do bolso da minha calça, vendo uma mensagem de Gustavo para me avisar que ele estava na mesa com nosso chá e Romeu havia sido encontrado, mas pelo jeito ele e o Tutti se perderam dentro da Magazine Luiza e eles ainda estavam tentando contato.

Getúlio se empolgava tanto com a Magalu que era até bizarro, porque eu tinha certeza de que eles já tinham o estoque da loja inteira depois dos presentes de casamento que ainda não haviam terminado de abrir.

Eu ouvi Chico limpando a garganta e girei meu rosto, deixando o aparelho cair na minha cara, bem na minha testa, sentindo o impacto, porém eu não me mexi, querendo que a cama terminasse de me devorar para eu não ter que parcelar aquela vergonha.

— Você sente sua visão ficando embaçada ou pontos pretos? — o rapaz me perguntou e eu pisquei algumas vezes para cima para ter certeza de que não.

— Acho que não, mas eu me sinto psicologicamente influenciada, porque agora eu vejo pontos pretos — eu comentei, mas provavelmente era apenas porque eu havia olhado muito tempo para a luz da loja.

— Então não teve danos graves — ele deu de ombros — a consulta fica por conta da casa, mas próxima vez eu cobro em consertos domésticos.

— Minha especialidade — eu brinquei e senti que, por conta das nossas risadas, a gente havia se enfiado ainda mais dentro da cama.

Droga, como eu explicaria pra Gisele que eu não conseguiria trabalhar por estar presa na cama? Aposto que ela não acreditaria em mim.

Droga de colchão fofinho!

Ai meu celular tocou de novo e eu tomei cuidado para não o deixar cair na minha cara, sentindo o olhar de Chico direcionado em minha tela enquanto Gustavo me mandava fotos dele e de Romeu com tiaras de ano novo combinando.

Túlio ficaria furioso que havia perdido esse momento.

Aí uma coisa estranha aconteceu.

Quero dizer, não era todo dia que uma pessoa, enquanto tentava escapar de uma armadilha de molas e penas e espuma, simplesmente despencava em cima de você como Francisco havia feito comigo.

E isso não foi o estranho. Não!

O estranho foi que eu senti que ele havia deliberadamente escolhido cair em cima de mim.

— Ouch! — eu soltei minha respiração, enquanto ele enfiava seu cotovelo na minha costela para sair da cama.

— Desculpa, Desculpa! — ele pediu, porque acho que nem mesmo ele havia previsto que agora a cama engoliria nós dois e ele teria que explicar isso para Tiago e o seu muito raivoso motorzinho de limpeza dental — mas que caralho, eu não consigo sair daqui.

— Rola pro lado, Chico! — eu o empurrei, tentando fazer com que ele se salvasse, porém era como areia movediça e o quanto mais ele se debatia, mais a gente ficava preso — para de se desesperar e rola pro lado!

Isso jamais teria acontecido nos Bons Sonhos! Jamais!

— Você acha que eu to fazendo o que, bonitona? — ele arfou quando eu o empurrei com mais força, porém acho que funcionou, porque ele saiu dali, então ele me puxou e eu consegui liberdade.

Quase me joguei no chão de tanta emoção.

— Acho que eles nunca mais terão uma propaganda tão boa quanto a gente enrolado naquele colchão — eu apontei e comecei a rir, abafando o caos que era o meu cabelo e o oftalmologista não conseguiu não rir comigo, quase limpando os olhos de tanto que gargalhava.

Meu celular voltou a tocar e eu apenas o ignorei, porém senti os olhos dele acompanhando o movimento que eu fiz para bloquear a tela e guardar no bolso — com muito mais interesse do que ele deveria ter, acho.

— Tudo certo? — eu indaguei, procurando a distância Leandro, porém acho que a previsão do paradeiro do colega estava bem assertiva, porque ele ainda não havia voltado.

— Eu... — e aí ele trocou o peso do pé, completamente desconfortável com algo que não existia dois segundos antes.

— Que foi? — eu comecei a olhar para minha roupa, porque as vezes meu sutiã havia resolvido aparecer ou havia uma etiqueta nas minhas costas?

Mas aí ele olhou para o chão e trocou o peso do corpo de pé. De novo.

Ok, algo de errado, não estava certo.

— Pode falar, Chico, o que está te incomodando tanto? — eu o incentivei com um sorriso, ele me olhou, no fundo da alma, e suspirou pesadamente, fazendo com que eu começasse a me preocupar com o que estava acontecendo em sua mente.

No entanto, o que poderia incomodar o rapaz tanto assim a ponto de ele se sentir desconfortável? Quero dizer, algumas coisas passavam na minha cabeça, claro, mas nenhuma era significativa o suficiente para ele me olhar com aquelas suas grandes orbes negras, hesitantes.

Na verdade, uma era.

Só que eu e o Edu estávamos bem, não estávamos? Depois do churrasco, a gente continuava se falando e mesmo que ele ainda estivesse meio doído da briga com o Igor (que claramente estava muito pior e tinha levado uma advertência tão grande que quase achei que ele seria demitido), o nosso arquiteto estava bem. Nós estávamos bem.

— Primeiro você tem que prometer em nome do aço que não vai ficar chateada comigo. E depois jurar em nome do concreto que vai me escutar de coração aberto. E aí, pelo Ti, você não vai contar para ninguém que a gente conversou? — ele me ofereceu e se aproximou.

— Ok, eu tô com medo agora, então eu posso deixar minha resposta em espera e só te confirmar quando você terminar de falar? — eu sugeri, sabendo que aquela não era uma opção — só... vai que nem band-aid, arranca de uma vez, pode ser?

Ele não precisava me falar com palavras sobre o que ele queria me dizer, porque só pelos seus lábios secos e o olhar incerto, eu já sabia exatamente para onde essa conversa iria. E eu sabia que a gente precisava conversar para que ele parasse de estar quadrado comigo, mas eu também não queria reabrir feridas cicatrizadas.

— Má, você sabe que eu sou muito seu fã. Eu sou tão seu fã que eu mais do que apoiei você e o meu Eduzinho quando vocês ainda nem eram um casal de verdade — ele começou a falar, jamais deixando de me olhar, só que pela intensidade, quem queria desviar os olhos era eu, achando o fio solto da minha blusa realmente fascinante — e, eu não quero dizer aqui que eu deixei de ser seu fã, porque eu ainda gosto leras de você. E eu estou mesmo muito feliz que você e o Edu voltaram a se falar, porque tudo o que eu mais quero é que ele seja feliz de novo e você faz aquele cara mais feliz que o reflorestamento da floresta amazônica. Ou pelo menos quase empata.

Eu ri com aquele adendo, porque a gente sabia que nada ganhava do reflorestamento. Ele não parava de falar daquilo nas últimas semanas e eu tinha certeza de que ele só não estava lá com os outros voluntários, porque o Fernando enfiou alguns projetos incrivelmente grandes no colo dele.

A CPN estava mesmo disposta a entrar de cabeça no ramo das construções ambientalmente corretas e eles tinham a maior arma que a concorrência não tinha: Eduardo e sua paixão sustentável.

Ok, talvez a conversa não seria tão ruim assim? Será que eu exagerei em pensar que ele queria brigar comigo ou algo?

— Mas? — eu continuei pelo oftalmologista, porque as reticências ainda estavam ali e ele não parecia muito convencido a continuar por conta própria.

— Mas eu não sei se ele aguenta outro baque. Outra briga — ele me disse e eu hesitei, porque eu odiava me lembrar daquela época e reviver todos os olhares magoados que eu havia causado nele. Saber que ele perdeu o tesão até mesmo por tijolos de cogumelo por minha causa. Veja bem, tijolos de cogumelos!

— Henrique... — eu sussurrei o seu nome, começando a levantar minha mão para tocar o seu braço, mas eu não sabia o que dizer, porque não havia o que ser dito.

O que aconteceu foi uma merda colossal e eu fui a catalisadora de tudo, por mais que Romeu jure de pés juntos que a culpa não era minha — mas era e eu sabia, porque se não fosse por mim, nós jamais teríamos brigado e nos separado e terminado.

Será que a gente ainda estaria juntos?

— Eu não sei o quanto vocês realmente falaram dessa época e eu sei que você passou por um período foda pra caralho, mas não foi fácil pra ele também, sabe? — o médico enfiou as mãos no bolso da calça com tanta força que eu jurei que o cinto iria ceder e ela iria cair — não estou nem de perto falando que é a mesma coisa, porque não é, é só que... eu seria um amigo de merda se eu não viesse falar contigo, entende? Eu nunca vi o Edu tão mal, Marcela, nem durante o término com a Ágata ele ficou tão...

Desta vez eu nem tentei abrir minha boca, porque eu sabia o que sairia dali. Um total de zero palavras, porque eu acho que até hoje não sabia falar sobre o assunto.

— Eu só quero te pedir pra cuidar dele, Má. Longe de mim ditar como vocês devem levar esse lance de dupla-dinâmica, porque vocês são duas pessoas adultas e com um psicotécnico comprovando que não são doidas — ele deu uma risadinha que eu acho que era para descontrair o clima, só que eu acho que eu apenas consegui me encolher contra meus ombros — não, não fica assim. Não é pra brigar contigo que eu vim aqui. Mas o meu coração não-pisciano-emocionado ficaria mais tranquilo se, dessa vez, vocês fossem com calma — e aí ele revirou os olhos com um sorriso mais gentil e eu me permiti acreditar que a parte ruim já tinha ido — porém eu sei que ele não vai pensar duas vezes antes de mergulhar de cabeça na Edulândia e navegar no mar dos impulsos sem medir as consequências, mas você sim, porque você para e pensa e entende. E eu sei que tudo começou com um lance que era "cuidado, é mentira", mas agora não seria mais uma mentira. Por isso que...

E aí ele parou de falar, olhando para cima de novo ao engolir a seco, porque sua voz havia embargado levemente, e, de verdade, eu parei, pensei e ele não precisava dizer mais nada. Eu entendi.

O pior é que ele não estava errado em pedir cautela com o seu melhor amigo. Na verdade, ele seria realmente um bosta de amigo se não fizesse isso, porque o Eduardo era mesmo levado pelos seus impulsos e eu não tinha achado que estes impulsos, quando direcionados a minha pessoa, poderiam ser algo ruim. Pelo menos, nunca pensei isso até agora.

Eu só... nunca cheguei a imaginar que ele ficou tão mal assim. Eu lembro da época da CPN com a dor de saber que ele estava logo ali, mas não estava ali-ali para mim e a incapacidade de nós dois coexistirmos em uma sala de reunião, mas ele nunca... quero dizer, ele comentou que chorou e me chamou de Begônia, mas isso não significava que... estava bem na minha frente, não estava? Ele me disse com todas as letras o quanto ele havia se machucado com a nossa briga, o quanto eu o havia machucado, e eu... não vi. Não dei a devida atenção e não entendi.

— Só me promete que você vai cuidar melhor dele, Má, porque ele é a porra da perfeição encarnada e eu não... ele não merece sentir que é menos que isso — os seus lábios tremeram e eu umedeci os meus, de repente sentindo que minha garganta estava mais seca do que o deserto do Saara inteirinho.

Nunca cheguei a avaliar o estrago que eu havia feito quando nós brigamos, porque eu estava tão presa dentro dos meus problemas, que fui quase cega para o restante do mundo nesta época e eu não notei... não pensei... como eu pude fazer isso com ele?

— Chico, eu... — amo o Eduardo e juro que nunca mais vou fazer isso. Só que eu não terminei de falar, porque acho que eu havia perdido esse direito, né?

Como você pode dizer que ama e admira e quer o bem de alguém quando você mesma é a causa da dor dela?

O quanto egoísta eu era por ter colocado toda dor dele de lado apenas para tê-lo por perto mais um pouquinho quando tudo o que eu mais temia era perdê-lo por querer demais?

— Marcela! Achei o presente perfeito — Leandro apareceu com uma caixa e uma vendedora ao seu lado, abanando a mão para o outro lojista como se falasse "ah, é só o Leandro". O batom dela estava mais em seu queixo do que na boca e ela não estava nem tentando esconder que despia o rei dos lençóis com o olhar.

Eu sorri para ele, tentando tirar o olhar atordoado do meu rosto, mesmo que não conseguisse deixar de olhar Henrique Francisco por um segundo que fosse, porque suas palavras reverberam dentro de mim.

— Posso falar que é culpa sua se elas não gostarem? — eu gracejei, forçando-me a dar atenção aos lençóis.

— Elas não ousariam reclamar de um presente desses — ele me confirmou com seriedade e eu o segui até o caixa, dividindo em quatro vezes, porque eu quase levantei as mãos para o alto e anunciei que estava sendo assaltada antes de colocar a senha do cartão ali.

Eu pensei que a gente estivesse indo com calma, apenas na amizade e que quando ele sorria para mim entre nossos monitores fosse apenas uma coincidência, ou quando ele arrumava meu cabelo bagunçado por causa do vento era só porque eu estaria parecendo um poodle sem sua ajuda, ou quando dizia que ele não tinha mais medo das minhas ameaças de pranchetas era porque ele realmente havia entendido que eu não atirava pranchetas nas pessoas... eu pensei que...

Acho que eu não tinha pensado sobre o quanto ele estava se arriscando por me deixar entrar em sua vida de novo, porque eu nunca parei para pensar que eu, logo eu, tinha tanto poder sobre ele. Sobre seus sentimentos. Sobre o seu... coração?

E foi com esse pensamento que eu me despedi dos dois e fui até onde Gustavo estava, vendo que Getúlio havia sido recuperado com sucesso — será que dar uma coleira para eles não se perderem era um presente útil ou eles usariam pra sacanagem? — e Romeu estava mostrando um body de renda azul pastel para o barman quando eu me sentei, querendo pensar em outra coisa que...

— Se esse for o meu presente de Natal e você estiver mostrando para o shopping inteiro, eu te mato, Romeu Sampaio Alves — eu ameacei Rommi que o enfiou dentro da sacola com as bochechas completamente vermelhas por ter sido flagrado.

— Não tem Alves, somos um casal desconstruído e cada um manteve o seu próprio sobrenome — meu amigo revirou seus olhos, tentando manter a plenitude que ele não tinha, mas a cara de pau ainda estava ali — o presente é pra usar no ano novo. Azul chama serenidade, amabilidade e paciência. Digamos que você pode usar alguma dessas coisas ano que vem...

— Eu achei um presente muito bom, de verdade, se quiser ter uma ocasião para tirar do guarda-roupa além do ano novo, eu mais do que posso te proporcionar a ocasião... — Gustavo me deu uma piscadinha, porém eu apenas revirei meus olhos para aquele seu sorriso sacana, mesmo que a mesa de garotas ao nosso lado parecesse extremamente impactada com aquele pequeno gesto.

— Fechado, posso te repassar de presente de aniversário, mas não vai ficar meio apertado em você? — eu tombei meu rosto para o lado e eu notei que ele deu tela azul, sem saber como prosseguir.

Eu tinha a figurinha exata que tinha esse efeito em mim, porém eu não a usava nem a recebia em meses.

— E, de novo, aqui nosso lance é exclusivo para amizade sem colorir nada, lembra? — eu reiterei os termos para o barman e Getúlio riu contra o seu copo — tá rindo do que, Docinho? Sabia que você está com uma tatuagem de Meninas Super Poderosas na bochecha? — eu apontei e ele imediatamente bateu no seu marido.

— Você disse que tinha saído — ele o recriminou.

— Não. Você perguntou se saiu e eu disse que você estava lindo. Lindo com a tatuagem — Romeu explicou, o que o fez apenas apanhar de novo, porém Túlio não era nenhuma Marcela Noronha, então seu tapa e o vento era a mesma coisa — comprou tudo o que precisava?

Quase todos, mas faltava ainda um muito importante, só que... o que dar de presente para alguém que só de estar na sua vida já era o maior presente de todos?

— Quase — eu espiei de soslaio para o barman que me olhou ultrajado — se controla aí, Gustavo, eu termino outro dia. Não precisa reclamar que seus braços estão doendo de novo.

— Pensei que você malhasse — Tutti franziu o cenho e eu quase cuspi o chá no copo com o olhar indignado do Gustavo.

— Eu malho, mas não significa que eu tenha disposição pra carregar trinta sacolas por dez horas sem parar ou descansar — ele tentou se defender.

— Ai, Tesouro, bem vindo ao capitalismo — Romeu deu dois tapinhas em seu braço, porém eu sabia que aquilo não tinha nada de pena, apenas uma tentativa de ver se ele realmente era malhado por baixo daquela polo cinza-chumbo.

Era.

Mas o olhar do Romeu tentando ser discreto e o olhar curioso do Tutti fizeram valer a pena não compartilhar aquilo, porque Gustavo pareceu não se importar em ser descaradamente apalpado.

— Desde quando ele é Tesouro? — eu apontei para o rapaz ao meu lado, completamente indignada — porque as pessoas são sempre Tesouro, Preciosa ou Cristal e eu sou a Celinha? Isso não é justo, gente.

— Você precisa merecer essa posição, Marcela — Romeu retrucou e eu estreitei meus olhos na direção dele — ei, ei, nada de atirar objetos nos coleguinhas, por isso você vai ganhar uma lingerie azul e não vermelha fogosa! — ele avisou quando eu peguei um saquinho de açúcar para acertá-lo na testa.

— Posso te chamar de princesa, se quiser, minha pintura renascentista — Gustavo sugeriu com uma piscadela, apoiando seus cotovelos na mesa com dificuldade de abocanhar o canudo do seu copo, porque parecia que ele fugia sempre que ele se aproximava.

Getúlio, que estava assoprando o canudo para longe, era um detalhe mínimo a ser compartilhado? Era, mas eu também não contei sobre isso.

— Viu? Alguém aqui sabe meu valor — eu dei um soquinho na mão de Gustavo mesmo que ele tivesse vindo para um abraço, porque... limites, né? Eu estava treinando o rapaz e tinha certeza de que ele ainda não havia entendido que nós seríamos apenas amigos.

Unicamente amigos.

Porque a pessoa que eu queria, a única pessoa que eu amava... bem, amor e querer não eram suficientes, às vezes.

— Falou, Princelinha — Túlio gracejou e eu joguei o saquinho de açúcar nele, porém eu não tinha visto que ele estava aberto e voou açúcar por todo canto — Marcela!

— Escorregou, foi mal — só que isso não me impediu de rir até minha barriga doer quando Romeu deu uma lambida no seu marido para ver se ele tinha ficado mais doce mesmo e tirando uma foto para o seu instagram.

Isso porque estávamos em um shopping.

@romsampaiio publicou uma foto em que você foi marcada: Se as compras de Natal estão assim, a data vai ser mais doce do que antes @marcela.noronha @tulio_alves @guscanas #açúcar

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Olar, pessoas lindas desse wattpad, tudo bem com vocês?

Primeiro, podemos acalmar o coração bambuzete de vocês, porque a Marcela está muito empenhada em ser exclusivamente amiga do Gustavo, mesmo que ele claramente tenha segundas intenções com a nossa engenheira.

E a conversa da Dona Alê com a filha aqueceu qualquer coração <3 se a gente comparar a relação delas no começo da história até agora, a evolução foi linda e tão tão importante que esse foi o melhor presente que a Má poderia receber da mami <3

E... Marcela e Henrique Franciscos presos em uma cama pré-conversa tensa sobre o Edu? Querendo ou não, nós que sabemos o quanto o Chico ama o amigo, então sabíamos que isso ia acontecer uma hora ou outra, mas o que isso significa pra Mardo? O que isso significa pra Má?

Perguntas, perguntas!!!!

Esse final de semana chegamos a 50k de leituras na plataforma (GRITITOS DE COMEMORAÇÃO), então decidimos compartilhar um spoiler mega inédito com vocês:

"— Marcela Noronha? — eu ouvi meu nome e soltei o áudio, olhando para a pessoa que me chamou e deixando um sorriso surgir no meu rosto quando eu o reconheci.

— Rui Casagrande? — eu baixei o aparelho e me desprendi do carro, vendo o rapaz bem na minha frente de mãos dadas com uma morena lindíssima de olhos verdes como duas esmeraldas — quanto tempo!"

Obrigada por serem pessoas lindas e maravilhosas <3 Esperamos que estejam gostando!!! Não esqueçam das teorias e da estrelinha!

Beijinhos

Libriela <3

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