Capítulo 72 - Três Coisas
Três Coisas
Marcela
— Celaaaaaaaaaaa! — Deia me chamou, porém antes de eu conseguir me virar para saber o motivo dela ter berrado meu nome, senti o seu corpo colidindo contra o meu com um impulso que uma pessoa bêbada não deveria poder ter, e aí eu cambaleei para trás enquanto sentia as pernas dela enrolarem em minha cintura e a gente só não caiu, porque tinha uma mesa ali que conseguiu segurar o impacto — eu te amo, mas você não me ama.
— Eu cantei quatro vezes If you wanna be my lover com você no palco. Se isso não for prova de amor, não sei o que é, sinceramente — eu lhe disse, levantando minha perna direita um pouco para apoiar a bunda dela, já que seu quadril estava deslizando pelas minhas pernas e meus braços não estavam mais aguentando o tranco.
Só que, claro, a mesa não era fixa no chão, então ela deslizou para trás apenas um milímetro e nós duas fomos beijar o piso.
Ela em cima de mim, claro, fazendo com que meu corpo inteiro amortecesse o impacto do seu.
— Amorzinho! — Gali apareceu ali para nos salvar, porque a Andreia ainda não havia se movido e eu atualmente estava estirada no chão de maneira nada boa, porque eu tenho certeza que o ângulo que meu joelho estava fazendo não era natural — Marcela, você tá viva?
— Viva? Sim. Com vontade de estar viva? Acho que não — eu respondi assim que ele tirou a sua namorada de cima de mim, segurando-a de maneira mais firme do que eu havia feito.
Então Lucas surgiu das cinzas e me ofereceu a mão para que eu me levantasse, porém assim que eu a aceitei, ele não conseguiu fazer força para me puxar, e se não fosse o Eduardo o amparando, ele teria caído em cima de mim e eu não tinha certeza de meu corpo estava pronto para mais este trauma.
— Calma aí, Golden — Edu comentou com um sorriso, o seu braço ao redor da cintura do garoto e me olhou com um semblante levemente preocupado — tudo bem? — e ele me ofereceu a mão.
Só que eu estava vacinada e não acreditava mais que as pessoas poderiam ser confiadas para me tirarem do chão.
— Tudo, eu só... — eu me apoiei na cadeira ao meu lado e me levantei com dificuldade, sentindo minha bunda doendo pela queda, porém eu tentei dar um sorriso para as provavelmente vinte pessoas que estavam assistindo aquele vexame — tudo certo, pessoal. Se alguém encontrar minha dignidade, consegue me devolver, por favor?
Alguns dos telespectadores deram risada, voltando aos seus assuntos enquanto eu massageava o local da queda, tentando esticar meu corpo para descobrir se eu tinha que ligar pro Getúlio pra saber como tratar uma bunda quebrada, porque sinceramente eu não tinha certeza se havia um osso inteiro depois do ataque de Andreia.
— Ok, vou levar o Sandro pra casa, turma! A gente se vê — Valter comentou e Breno apenas riu do pai e das suas passadas tortas.
Aquilo era para ele não medir fígado comigo de novo não, porque eu possuía anos de experiência universitária com álcool de procedência duvidosa e tinha certeza de que meu corpo tinha criado um novo tipo de resistência ao etanol.
E aí o bar deu um pequeno giro e eu acompanhei o movimento, apoiando-me contra uma cadeira.
— Tá bem aí, Má? — Gali me perguntou, enquanto Andreia distribuía beijinhos em seu pescoço e ele sorria como se não quisesse estar em nenhum outro lugar.
Eu estava tão feliz por Galeia que eu não tinha como não mimicar o sorriso dele no meu rosto só que... eu queria aquilo também. O abraço, o beijo, o amor. Não de Andreia ou Galileu, obviamente, mas de uma pessoa que fazia com que esse sorriso de idiota apaixonada não fosse tão idiota assim.
— Tô, eu só acho que não vou brincar de embebedar o Sandro tão cedo — eu tombei minha cabeça para o lado, querendo ficar um pouco, e apenas um pouco, menos envergonhada.
— Ei, Marcela, chegou um negócio pra você — Breno me chamou e eu olhei para trás, notando que em suas mãos havia...
Um Brise Marine? Mas eles não tinham este Rosé no bar!
— Um passarinho me disse que é o seu vinho preferido, então quis só te agradecer, você sabe, pela gorjeta — ele me deu um abraço e deixou a garrafa nos meus braços — volte sempre, tá?
— Não precisava — mas eu acho que ele notou no meu sorriso que, ok, não precisava, mas foi muito fofo, então eu guardei a garrafa em minha bolsa e ouvi alguém respirar fundo perto dos meus cabelos.
Quando eu me virei para saber quem era, vi que o Golden estava fungando minhas madeixas, segurando uma mexa com os olhos fechados e uma cara de quem estava praticamente dormindo de pé. E o Eduardo estava olhando para o seu pupilo com um mix de emoções que ia desde a descrença até o ultraje completo.
— Golden, para! — ele pediu um pouco ríspido, tirando as mãos dele dos meus cabelos e me olhando quase em pânico — foi mal, ele está sem limites.
— Tranquilo, acho que a culpa foi minha de incentivar a tequila — eu dei de ombros e continuei olhando para Eduardo, porque era simplesmente bom estar perto dele, conversando como se a gente não tivesse quebrado o pau alguns dias antes.
Eu queria tanto isso de volta.
Ele.
Ele todinho.
— Tá indo também? — ele me perguntou, sacando a chave do seu carro do bolso e carregando o seu arquiteto de estimação porta a fora — acho que vou levar esse carinha pra casa por via das dúvidas. Ele já mencionou que quer ir pro after e eu tenho medo se ele vai aparecer vivo pro trabalho amanhã.
— Ótima escolha — eu peguei meu celular e olhei para a linha de rejunte do chão de tacos do restaurante, focando minhas forças para tentar acompanhá-la, mas ela estava meio esquiva, sempre dando uma entortadinha pro lado que eu ia pisar.
— Quer uma carona? — Edu me ofereceu, parando na minha frente e franzindo suas sobrancelhas como se estivesse entre a cruz e a espada.
Eu acho que a confusão que eu estava sentindo dentro de mim foi externalizada pela minha expressão, porque ele trocou o peso dos pés, desconfortável, o que era fofo visto que havia um Golden roncando baixinho em seu ombro.
Oh droga, eu amava aquele cara.
— Vou pedir um uber — eu mostrei meu celular para ele, porque era o que eu sempre fazia.
Metade do meu salário era uber. A outra metade era comida.
— O que aconteceu com a sua tela? — ele apontou com o queixo para ela e eu a olhei, completamente estilhaçada.
— Acidentes de trabalho — eu dei de ombros (ou eu acho que dei, porque eles estavam bem pesados e eu não tive muita força para levantá-los), vendo Galileu buzinando duas vezes ao passar por nós na rua e a Andreia berrar que me amava demais.
Acho que eu poderia dizer que este amor era recíproco.
— Vai, Má, eu te levo. É mais seguro do que você pegar um motorista aleatório do uber — Edu ofereceu de novo e eu hesitei — eu já vou deixar o Lucas na Vila Mariana e é caminho e eu juro que não bebi quase nada.
— Eu acho que o mapa de São Paulo que eu tenho na cabeça é bem diferente do que você tem — eu estreitei meus olhos na sua direção e solucei.
E de novo.
E de novo.
Eu prendi minha respiração e ele deu um sorriso contido na minha direção, esperando minha resposta, porque... ok, Cidade Alerta dizia mesmo que era melhor você sempre estar acompanhada quando era tarde. E eu estava levemente embriagada e eu tinha certeza de que o balancinho do carro poderia me fazer dormir, o que era completamente inaceitável quando você estava no carro de um desconhecido.
— Acho que pode ser — eu concordei com ele e solucei de novo.
— Meu carro está aqui na esquina — ele apontou para a direita e eu o segui, mas eu acho que não calculei muito bem a distância entre os meus pés, e eles se trombaram, fazendo com que eu tropeçasse em mim mesma, rumo ao chão.
Que dia, Brasil!
No entanto, eu nunca cai, de fato, porque uma mão firme segurou o meu braço e me puxou para cima, colidindo meu corpo com o seu com tanta força que Eduardo deu um passo para trás e se apoiou contra um carro.
A mão que não estava segurando meu braço, envolveu minha cintura, quase como reflexo, e meu coração disparou com o seu toque. Eu tinha certeza de que ele conseguia escutar o trote que ecoava dentro do meu peito de tão alto que ele estava.
Ok, eu acho que não estava respirando.
Respira, Marcela.
Eu apenas reparei que o braço que ele segurou estava no seu peito quando meus dedos envolveram a gola da sua camisa, porém eu me impedi de segurá-lo, puxá-lo para baixo e tocar seus lábios com os meus, mesmo que isso fosse tudo o que eu mais queria.
— Tudo bem? — ele me perguntou, sua voz apenas um sussurro fraco perto de todo o barulho que havia dentro do bar, só que eu não conseguia escutar mais nada além dele, como se eu estivesse sintonizada em sua frequência unicamente.
Eu assenti ao engolir seco, elevando meus olhos na direção dos dele.
Acho que até mesmo quando ele esteve a um suspiro de distância, eu nunca o senti tão perto de mim, porque a sua respiração estava pesada contra o meu rosto e eu consegui contar quantas gotas douradas havia em seu olhar naquela noite. Oito. Três em um olho e cinco no outro. A assimetria perfeita.
Aí eu ouvi um gemido parecido com um resmungo ao nosso lado e notei um Lucas Assumpção caído no chão, provavelmente tendo sido largado quando Eduardo correu para me segurar para que eu não caísse — exatamente como o arquiteto júnior estava.
Ele me segurou.
Ele me segurou.
Eu me afastei dele antes que Eduardo me pedisse espaço e o ajudei a pegar o Golden do chão.
Nós ficamos alguns minutos verificando se ele havia quebrado um dente ou luxado um osso — apenas Deus sabe que a fúria do Sandro cairia sobre nós dois caso o seu filhote sofresse qualquer dano de hoje para a manhã seguinte — e só nos demos por satisfeitos quando notamos que ele estava inteirinho, apenas com umas sujeiras, mas é como a grande filósofa moderna Kelly Clarkson dizia: que não nos mata nos torna mais fortes.
Edu abriu a porta do Cruze enquanto eu segurava Lucas contra o carro e ele murmurou algo que parecia com "quem é o cachorrão? Au au", mas eu estava completamente bêbada e tinha consciência de que não era a fonte mais confiável para traduzir os murmúrios confusos de um Golden muito muito bêbado e desmaiado.
Assim que a gente conseguiu enfiar o cinto de segurança nele, eu entrei no carro e senti aquele cheirinho de eucalipto que Eduardo trocava a cada três semanas.
Eu notei que a sua playlist de rock também era a mesma quando ele começou a sair da vaga e nos direcionou noite adentro.
— Você sabe o endereço dele? — eu perguntei por desencargo, quando ele entrou nas ruelas estreitas do Centro de São Paulo.
— Sei que é a Rua Afonso Celso de acordo com a Gisele — ele trocou de faixa e acelerou, mudando da segunda para a terceira — mas o número eu não tenho certeza.
— Ok, espera — eu pedi e me virei na direção do nosso Golden adormecido, que daria um belo príncipe da Disney com a sua boca aberta e a baba escorrendo pelo queixo. No caso, ele seria a Bela Adormecida — Lucas? — eu sussurrei o seu nome e toquei seu joelho para tentar não acordá-lo abruptamente — Lucas.
E nada dele acordar.
— Golden! — eu o chamei mais alto e dei um leve beliscão em sua perna, fazendo com que ele abrisse seus olhos em um supetão, ouvindo Eduardo rir ao meu lado.
— To acordado. Tô pronto! Cadê a Eugência? — ele piscou várias vezes na minha direção com aqueles seus olhos castanhos arregalados e assustados.
— Qual o número do seu prédio? — eu indaguei e ele ficou alguns segundos olhando para mim.
— Meu Deus, você tá indo pra casa comigo? — e o rapaz começou a abrir um grande sorriso na minha direção.
— Não, nenhum pouco. O Edu está te dando carona. Pra mim também. E cada um vai pra própria casa, muito bem separados, tudo bem? — eu falei já sentindo que o álcool estava deixando o meu sangue e o cansaço apenas aumentava, então eu peguei a minha nova garrafa de Brise e a desrosqueei (amém às pessoas que haviam feito isso para momentos que você não tinha um abridor de garrafas), e tomei um gole, fazendo com que Eduardo me olhasse de soslaio, se perguntando de onde aquela garrafa havia vindo.
E era uma boa história, só era longa demais e eu não tinha certeza se era uma boa ideia contar sobre os motivos de eu ter dado uma gorjeta gigante para Breno ou que eu havia fugido do bar antes de pagar a conta ou...
Então eu bebi mais um gole.
— 866 — Lucas murmurou olhando da minha garrafa, para mim, para Eduardo, e eu apoiei minha cabeça no encosto do carro, escutando Have You Ever Needed Someone So Bad e sentindo que a resposta era sim, eu queria uma pessoa tanto, mas tanto, que só de estar no mesmo carro que ele eu já estava perdendo a lucidez.
Eduardo tinha cheiro de Eucalipto com One Million com o couro falso que a gente já tinha se beijado tantas vezes, segurado a mão e trocado as marchas juntos e que...
Eu tomei mais um gole, sentindo um pouquinho escorrer pelo meu queixo, porque eu sempre achei que o sertanejo sofrência conseguia resumir muito bem tudo o que eu estava sentindo, mas parecia que aquela playlist de rock que eu conhecia de cor e salteado havia sido composta especialmente para sintetizar tudo o que eu sentia quando pensava naquele cara.
— Eu posso abrir um pouco a janela? — eu sussurrei as palavras para fora e já enfiei meu dedo no botão, não esperando se ele iria concordar ou não comigo, porque o seu cheiro estava nublando minha razão mais do que o álcool em si.
Era um belo conflito, se eu fosse pensar, porque álcool só me olhava e falava "olha aí a otária bebendo um vinho caríssimo como se fosse água só pra esquecer esse mané", enquanto o seu perfume disse simplesmente "você não vai me esquecer. Zero chances".
E eu acreditava mais no perfume, o que não me impediu de beber mais um gole antes de inclinar minha cabeça contra a janela e inspirar o ar fresco de São Paulo.
Eu amava essa época, quando não estava quente e nem frio demais.
E talvez beber não fosse a maneira mais eficiente de tirar da sua cabeça alguém que estava, literalmente, sentado ao seu lado, mas com certeza ajudava, porque eu já não me sentia mais estranha com todas as lembranças que aquele carro me entregava, porque eu me sentia... em casa.
Acho que eu me sentiria assim em qualquer lugar que Eduardo Senna estivesse.
Será que se eu falasse isso pra ele, ele iria rir da minha cara?
Então eu tomei mais um pouco de vinho, porque se eu estivesse com a língua enrolada, provavelmente não conseguiria articular isso pra ele.
— Eu curto essa música — Lucas comentou, porque ele não conseguia ficar em silêncio nem para salvar a sua vida, e Eduardo apenas sorriu, murmurando When Love Comes Down em uma respiração baixa, batucando o polegar no volante — você também gosta, Má?
— Sei lá, todo rock parece o mesmo — eu respondi, levantando um ombro e notando que o motorista me olhou discretamente, sabendo que aquilo era uma bela e grande mentira, porque eu conhecia aquela música de tanto que escutamos, e eu também sabia diferenciar um Bon Jovi de um Firehouse.
— Eu curto rock, mas um funkzinho é sensa — o arquiteto júnior continuou falando e eu soltei uma risada quando Eduardo começou a reduzir a velocidade e dar sinal de que iria parar — você curte funk, Edu?
— Ah, não é a minha praia, mas eu conheço uns aí — ele replicou, completamente evasivo e eu soltei mais uma risada abafada, porque eu tinha certeza de que os únicos funks que ele já havia escutado eram os que eu havia introduzido na sua vida — Golden, tá entregue. Toma bastante água antes de dormir e eu te vejo amanhã?
— Sim, chefe — ele enfiou a cabeça entre os nossos bancos e o Edu fez carinho nos seus cabelos, fazendo com que eu imitasse o movimento após rosquear a garrafa de vinho e guardar em minha bolsa, sentindo que eu estava mais levinha — boa noite, Má.
Eu me sentia tipo uma bolha rosé.
— Boa noite, Lucas — eu abanei meus dedos para ele assim que Eduardo deu partida no carro e eu fechei o vidro, começando a sentir frio, porém não encontrando meu casaquinho cinza e me mortificando que eu poderia tê-lo perdido de novo.
E eu gostava dele, porque seus botões eram pérolas e ele combinava com a blusa branca que eu estava usando por causa da harmonia de cores — eu teria que ir pra Zara comprar um novo, era fato.
Eu até pensei em perguntar se Eduardo se lembrava onde eu morava, mas como o rapaz não disse nada sobre e apenas continuou dirigindo, acho que ele se recordava sim, já que havia frequentado minha casa por tanto tempo quando nós trabalhávamos juntos.
Senti minhas sobrancelhas se unindo quando eu notei o quanto era solitário trabalhar sem uma segunda pessoa para revisar o projeto e dar opinião, porque, por mais que eu achasse que eu fazia ótimos trabalhos sozinha, as coisas não eram tão fluidas. Eu era direta demais, chegava às conclusões em tempo recorde, mas, quando eu parava para revisar tudo o que eu havia feito, eu notava que dava para melhorar. E aí eu melhorava. Só que eu demorava mais para notar estas melhorias sozinha, porque parecia que as coisas funcionam melhor quando havia alguém ali para conversar e escutar e opinar e...
Eu nunca pensei que a música Alone fizesse tanto sentido quanto naquele momento, porque era isso: eu sempre me virei bem sozinha, só que tudo mudou quando eu conheci essa outra pessoa com olhos de cristais e um sorriso que poderia ser visto de Marte.
Mas eu acho que só eu pensava assim, porque hoje, em um dos únicos momentos que a gente se olhou, eu notei que ele estava sorrindo, contudo quando ele me viu, seu sorriso morreu e ele desviou o olhar do meu — e eu poderia jurar que havia algo que doía dentro dele.
Doía olhar pra mim?
Era isso o que ele sentia agora?
Era assim que o amor morria? Quero dizer, eu o amava e não sentia que aquilo estava morrendo não, infelizmente, muito pelo contrário. E eu não sabia se eu queria que aquilo morresse, porque mesmo que ele me odiasse...
— Eu não te odeio, Marcela. Não tem como te odiar — ele me disse e eu prendi minha respiração, ainda encarando a pequena bolha que havia em seu insulfilm.
Eu havia dito aquilo em voz alta?
O que exatamente eu havia dito em voz alta?
Então eu fechei meus olhos e coloquei o braço na frente dos meus olhos quando a rua começou a passar rápido demais e as árvores deixaram se ser formas para virarem borrões e...
Eu abri o vidro e enfiei minha cabeça para fora do carro e respirei fundo.
Respira pelo nariz, solta pela boca.
— Quer que eu pare? — ele me perguntou e eu murmurei um fraco "não" — tem certeza? Se você estiver passando mal...
— Eu só estou meio enjoada — eu engoli minha bile e fechei o vidro, tentando dar um sorriso pra ele, notando que, agora, seus olhos buscavam os meus a cada troca de música, que foram três, porque a Vila Mariana de madrugada ficava a um pulo de onze minutos de Moema.
Droga.
Ele achava que eu achava que ele me odiava?
Só que ele disse que não odiava. Não tinha como.
O que isso queria dizer?
Eduardo parou o carro na frente do meu prédio e, por um milagre da vida, havia uma vaga ali, então ele fez uma baliza simples para se encaixar sem esforço no espaço restrito que tinha para manobrar.
Era isso, não era? O momento de dizer boa noite e ir para casa e dormir até esse álcool ser eliminado do meu corpo, né?
Mas eu não me movi, muito menos o Edu. Nós dois estávamos apenas escutando a música e existindo enquanto olhávamos para frente, esperando algo. Eu só não fazia ideia do que, e acho que muito menos ele.
Quantas chances como aquela eu teria na minha vida?
Um chute otimista? Nenhuma.
Então eu soltei o meu cinto e puxei uma das minhas pernas para cima do banco preto macio, virando-me na direção dele e vendo que ele virou levemente o seu rosto para mim.
— Eduardo — eu falei seu nome, uma parte de mim realmente queria chamá-lo, porém outra parte queria apenas dizer o seu nome em voz alta, porque eu amava o som que todas aquelas letras aleatoriamente colocadas juntas faziam. Era, talvez, minha palavra preferida na língua portuguesa.
— Tudo bem? Ainda está enjoada? — ele tirou suas mãos do volante e elas tombaram em cima das suas coxas, esperando.
O que você está esperando?, era o que eu queria perguntar, mas, ao invés disso, eu apenas olhei dentro dos seus olhos e senti meu peito quente, bem do lado esquerdo, com o meu coração irradiando calor apenas por estar perto de quem eu queria. De quem eu me importava. De quem eu amava.
E era por isso que não dava mais para a gente ficar do jeito que estava.
— Eu estou ridiculamente bêbada, então tudo o que eu te disser agora não pode ser usado contra mim. Tipo nunca — eu me aproximei mais dele, levantando minha mão para tocar o seu rosto. Ele fechou os olhos quando nossas peles se encontraram e eu quase senti um choque, mas não me afastei. Nem ele.
Meu polegar deslizou pelo seu maxilar e eu senti a sua barba começando a crescer, arranhando-me daquele jeito que eu já bem conhecia, arrepiando todos os pelos do meu braço antes que eu sequer pensasse em reagir a ele. Era tudo tão natural que quando meus dedos se enfiaram em seus cabelos, era como se eles nunca tivessem saído dali.
— Marcela... — ele sussurrou meu nome com uma nota de aviso e eu soube que se ele me pedisse para ir embora, eu iria, porque eu faria tudo o que saísse dos seus lábios, mesmo que isso partisse meu coração no meio do caminho.
— Eu preciso te dizer três coisas. Só três coisas. E se você nunca mais quiser olhar pra mim depois disso, eu vou entender. Mas eu não vou conseguir dormir sem te dizer isso — então eu soltei meu fôlego em algo que era parecido com uma risada, mas não chegou a ser — na verdade, eu não consigo dormir bem sem você.
— Má, não precisa dizer nada... — ele tentou me cortar, porém eu segurei o seu rosto com minhas duas mãos, forçando-o a abrir seus olhos e dizer isso na minha cara.
Só que ele não disse, apenas se calou e ficou me olhando com aqueles seus lindos lábios entreabertos.
— A primeira coisa é que eu não acredito que você odiou trabalhar comigo. Não de verdade — eu confessei de uma vez e notei que ele inspirou fundo ao umedecer os lábios, fazendo com que eu perdesse um pouco o rumo dos meus pensamentos ao acompanhar o caminho que sua língua fez — eu... estava passando por uma fase ruim com a engenharia. Comigo mesma. E aí eu desacreditei em nós como equipe como uma reação em cadeia de tudo e... o que eu quero dizer é que eu não odiei trabalhar com você. E eu sinto tanto, todo dia, que eu fiz você pensar que sim, porque... me desculpa, Eduardo. Por favor, me desculpa por...
Eu parei de falar quando uma das mãos dele cobriu a minha e ele a apertou com um pouco de força e, se eu quisesse deixar minha mente pouco confiável listar sentimentos, carinho.
— Má, eu nunca odiei trabalhar com você. Eu sempre gostei dos nossos trabalhos, de todos eles. Só que da mesma maneira que você ama quando Thales enfia uma ponte ou uma ferrovia ou um porto na sua mesa, eu amo obras sustentáveis. Eu tenho um puta orgulho de cada obra que a gente assinou juntos nesses três anos, afinal eu só estou onde estou hoje, porque você sempre me deixou ser ecochato, mesmo quando isso fosse te dar o dobro de trabalho — e aí ele tirou a mão que ele estava segurando do seu rosto e a pousou contra os lábios em algo que não era um beijo, mas poderia muito bem ser.
— Eu acho que a gente foi uma dupla incrível — eu continuei, sentindo meus olhos bêbados emocionados querendo se encher de lágrimas, então eu apenas pisquei mais rápido, concentrando todas as minhas energias no calor da respiração dele contra a minha pele e como aquilo fazia com que todo o restante desaparecesse.
— Eu não sei o que aconteceu pra você se desiludir tanto com a engenharia, mas eu espero que tenha passado, porque você é uma engenheira incrível — ele comentou, ainda sem tirar minha mão de perto dos seus lábios, não quebrando nosso contato visual, porém eu acho que ele notou o discreto que subiu nos meus lábios com aquela palavra. Ou melhor, com a definição que ele havia usado — a engenheira mais foda que eu conheço. Foda pra caralho — e ele sorriu, arrancando uma risada de dentro de mim quando eu mordi meus lábios.
Eu sabia que eu era incrível, mas com Eduardo, eu era sensacional. Era como duas coisas quando sozinhas eram ótimas, mas quando juntas eram... excepcionais. Isso se chamava sinergia, e eu tinha certeza que se fosse olhar no dicionário naquele segundo, Eduardo e Marcela seriam um sinônimo.
— Você é o melhor arquiteto que eu já trabalhei, Edu. Você merece a promoção e toda a felicidade que vem com ela e o seu setor, porque você merece todos os seus sonhos se tornando realidade. Você é fantástico. Sensacional. Maravilhoso. Eu deveria ter dito isso quando você foi promovido e todos os dias antes e depois. Você é tão incrível... colocando seu coração e sua alma em todos os seus projetos... tava na hora deles notarem que não existem dois Eduardos Sennas no mundo — e eu disse aquilo sobre o emprego, mas eu também disse para mim mesma, pois era verdade. Não existiam dois Eduardos Sennas no Planeta Terra e o único que existia estava bem ali comigo.
Acho que ele não estava esperando esta confissão, por mais que eu tivesse certeza de que eu já havia falado aquilo algumas vezes para ele antes, só que eu acho que uma coisa era ouvir estas palavras quando você estava nas nuvens e outra quando você havia caído em terra. Era a mesma coisa, mas o peso das palavras era ponderado de maneira completamente diferente.
Por isso que eu não parei com aquilo, porque uma vez que as palavras estavam saindo, era muito difícil que eu parasse. A verdade era libertadora, por mais assustadora que fosse.
— A segunda coisa que eu queria te dizer é que eu não sou a Ágata. Eu não tenho nada contra ela, mas eu não... — eu senti o seu rosto endurecendo contra minha mão e eu afaguei sua face para tentar amenizar a expressão confusa que ele me deu — eu nunca poderia ser a Ágata. Não com você. Não com ninguém. Quando a gente esteve juntos... era você. Só você. Eu e você.
Ele retirou minha mão dos seus lábios, pousando-a no banco entre os nossos corpos, porém ele não a soltou, o que eu não sabia ser algo bom ou não, porque eu não havia aprendido a entender este olhar que ele estava me dando naquele exato segundo.
Seus olhos buscavam algo no meu rosto, deslizando por cada pequena linha de expressão que eu tinha, procurando e estudando e analisando, sempre voltando para os meus olhos.
— Eu sinto muito por te acusar de estar com o Alecrim Dourado — ele me pediu e eu franzi meu cenho. Quem era Alecrim Dourado? E eu acho que ele conseguiu ler isso em minha expressão, porque acabou rindo e meneando a cabeça — o Cravo — ele voltou a explicar, porém o vinco em minhas sobrancelhas apenas aumentou — o Pirulito Louro. Eu sei que você não estava com ele pelas minhas costas, porque você não é esse tipo de pessoa.
— Alecrim Dourado? Cravo? O Rogger? — eu indaguei, rindo, e ele continuou com uma risada constrangida, puxando a outra mão que ainda estava no encontro do seu maxilar e a sua nuca, unindo-a com a sua e a juntando com as outras. Era um aperto estranho e meio torto, mas se ele continuasse me segurando, eu jamais pediria que ele soltasse.
— Não pergunte, por favor — eu notei que suas bochechas ficaram gritantemente vermelhas e eu quis, mais do que tudo, que ele me contasse o motivo dos novos apelidos, mas eu queria muito mais que a gente ficasse daquele jeito, então apenas sorri e me calei.
E eu não sei quantas músicas se passaram enquanto eu sentia seu polegar desenhando desenhos irregulares em minha palma, quase em um gesto inconsciente que eu estava muito consciente de que estava acontecendo.
Era como antes, Marcela e Eduardo apenas conversando e rindo — algo que eu achei que não tinha mais direito de querer, mas que eu queria com todo o meu coração.
— E eu acho que tenho que pedir desculpas, também, por ter sido estupidamente grosso. Por não ter sentado e conversado como eu deveria ter feito — ele olhou para baixo, para nossas mãos, notando que estava fazendo um carinho gentil em minha pele e parando — eu queria poder voltar no tempo, ter feito as coisas de maneira diferente, mas eu não posso. O que eu posso fazer é te pedir desculpas, então desculpa.
— Edu, você não errou sozinho — desta vez eu puxei suas mãos contra meu rosto, sentindo o cheiro do seu perfume perto do seu pulso, porém eu me controlei para não beijar ali, e sim apenas as costas das suas mãos, segurando-as contra o meu peito — eu te disse coisas horríveis. Muito antes da nossa briga e que... não era com você que eu estava brava. Nunca foi com você.
E eu acho que ele entendeu desta vez, porque seus dedos apertaram mais os meus e a gente ficou ali, naquele aperto engraçado e conversando com o olhar, tentando dizer tudo o que não saía pela nossa garganta, mas era tanta coisa que eu acho que a avenida das mensagens de olhar ficou congestionada.
— E a terceira? — ele me incentivou.
— Acho que a terceira eu posso deixar para outro dia — eu tombei meu rosto de lado, vendo que ele estava abrindo seus lábios para me dizer o quanto estava indignado por eu ter a coragem de ocultar esta informação dele — está tarde e eu acho que fiquei meio sóbria no meio do caminho.
— Tarde? São só... — ele olhou para o relógio do painel do carro, vendo os mesmos números que eu havia visto antes — ok, está mais tarde do que eu pensei e... é. Desculpa.
— Não, eu que peço. Eu te prendi aqui até mais tarde só pra... — eu apontei para o nada de forma lacônica, ainda segurando a mão dele contra a minha, porque eu não tinha coragem de soltá-lo.
— Mas eu acho que foi bom. Conversar. Nós dois — ele me deu um sorriso gentil. Nada daquele sorriso cheio de segundas intenções que eu amava ver, mas eu acho que este daí se tornou um dos meus sorrisos preferidos, porque sempre que eu me lembrasse desse dia, eu me lembraria dele.
— Obrigada por me ouvir — eu dei de ombros e abri meus dedos de leve, sentindo as mãos dele desprendendo-se das minhas aos poucos, como se elas estivessem hesitantes em realmente se afastarem — agora eu acho que preciso ir.
— Boa noite, Má.
— Boa noite, Edu — eu me inclinei e beijei sua bochecha, amando sentir sua barba por fazer contra os meus lábios e me demorando um segundo a mais naquele contato do que deveria, mas eu não resisti e o álcool me disse que estava tudo bem.
Eu abri a porta do carro, colocando minha bolsa contra o ombro e me virando para acenar para ele enquanto andava na direção do meu prédio, tentando memorizar e gravar que...
Aí eu tropecei no degrau que me levaria até o meu portão e eu me agarrei na grade para não cair de quatro no chão da maneira mais ridícula que poderia existir.
Se desse para morrer de vergonha, provavelmente eu já teria usado todas as minha sete vidas naquela noite apenas.
Então eu senti um par de braços passando embaixo das minhas pernas e outro me segurando pelos ombros, meu corpo encaixando no de Eduardo como uma peça pré-moldada. Eu envolvi meus braços ao redor do seu pescoço porque senti que eu estava deslizando e, de verdade, eu queria abraçar o seu pescoço e tombar meu rosto contra o seu peito, escutando o seu coração retumbar perto do meu ouvido como um dos meus ritmos preferidos.
Será que eu estava sonhando?
Oh, Deus, faria tanto sentido que isso fosse só um sonho e não... a realidade.
— O que você está fazendo? — eu perguntei depois de cinco segundos, quando ele já estava entrando no meu prédio e cumprimentando o Luciano.
— Você é um perigo para si mesma. Já é tipo a quarta vez que você perde o equilíbrio hoje — ele brincou e parou na frente do elevador, apertando o botão de alguma maneira que eu não entendi qual era.
— E a solução é me pegar no colo como uma donzela indefesa? — eu encolhi minhas pernas quando entramos no elevador e ele apertou o botão do meu andar com o cotovelo.
— Você é muitas coisas, Marcela Noronha, mas uma donzela indefesa não é uma delas — ele me disse em um suspiro e eu inclinei o meu rosto para cima para tentar olhá-lo, mas ele não estava olhando para mim, então eu não soube exatamente como entender aquela frase.
Eduardo, inclusive, não me soltou quando chegamos na minha porta — ele me fez abrir a fechadura no seu colo mesmo, porque alegou que eu ainda conseguiria tropeçar no meu tapete de entrada ou em algum sapato que estaria espalhado pela minha sala. Aquilo pareceu uma desculpa extremamente verossímil, então eu o deixei me carregar mais um pouquinho, aconchegando-me mais em seus braços e querendo fazer dali minha casa.
Ele me pousou na cama com calma, sentando-se ao meu lado. Eu fechei os olhos contra o meu travesseiro, sabendo que eu deveria tomar um bom banho antes de realmente dormir, mas os meus músculos haviam relaxado e eu não sabia mais se eu conseguiria sair dali.
— Quer um copo d'água? — ele me perguntou, tirando meus saltos, um a um, antes de deixá-los no chão.
— Eu só quero dormir — eu murmurei, sentindo o seu peso começar a suavizar do colchão.
Não.
Não.
Se era um sonho...
— Não vai — eu pedi com a voz arrastada, sentindo o sono me atingir de uma vez e eu sabia que metade de tudo o que eu estava sentindo era porque ele estava ali comigo.
Sem Eduardo eu apenas dormia. Com ele, eu descansava.
— Fica, por favor — eu segurei sua mão antes que ele se afastasse demais e eu não conseguisse mais impedi-lo de ir.
— Má... — ele sussurrou baixinho, tomando a minha mão que envolvia o seu pulso, tentando se soltar, algo que ele faria com tranquilidade, porque eu não tinha força alguma nos meus dedos.
— Por favor, Edu — eu pedi mais uma vez e o ouvi suspirar — por favor.
Então senti o seu peso aumentando contra o meu colchão, cedendo a cama onde ele estava e fazendo com que eu apenas rolasse para mais perto, abraçando seu corpo com um braço e apoiando minha cabeça em seu peito.
E a gente encaixou.
E era tão bom.
E o carinho em meus cabelos era tão suave.
Eu amava o carinho.
Eu amava Eduardo.
— A terceira coisa, Edu, é que eu amo... — murmurei contra sua blusa, entregando-me para o sono de uma maneira que eu jamais soube que fosse possível, porque ele me cobriu em sua manta e eu adormeci.
E acordei no dia seguinte com uma dor nos olhos tão forte que eu pensei que eles pudessem explodir.
Eu não me lembrava de ter fechado minhas janelas.
Ou de ter...
Espera.
Eu tateei o meu colchão à procura de Eduardo, porém eu estava sozinha, o que confirmava ainda mais a tese de que eu estava apenas sonhando e...
Só que exatamente ao meu lado tinha cheiro de One Million — eu sei, porque eu cheirei o travesseiro duas vezes para ter certeza de que não era fruto de minha imaginação.
Estava ali.
Ele esteve ali.
Eu peguei meu celular e rolei pela minha lista das quinze (vergonha, eu sei) conversas sem ler, apenas para encontrar uma nova:
Eduardo: Espero que tenha dormido bem
Eduardo: Te vejo no trabalho?
Eduardo: (figurinha)
E eu sorri, claro que eu sorri.
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POR ESSE CAPÍTULO NINGUÉM ESPERAVAAAAAAAAAAAAA!
AS BAMBUZETES VÃO A LOUCUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUURAAAAAAAAAAAA <3<3<3
Quem ainda tem um divertidamente funcional, para tudo e lê de novo, porque você leu errado!!!!!!!!!!!!!
Zero palavras para tentar explicar o surto que Gabs e eu ficamos quando este cap nasceu, porque ele é tão tão tão especial para a história e para Mardo, que não tem como ler apenas uma vez e não ficar com o coração quentinho!
E aí, Libriela, é real que as coisas estão começando a dar certo? Pois, é crianças, épocas das vacas frias acabou... será?
Esperamos que estejam gostando! Foi uma longa jornada até aqui e vocês são incríveis por enfrentarem todos esses percalços conosco <3 Obrigada pelo apoio e por todas as estrelinhas e todos os surtos e amor <3
Quando é o melhor dia para postar semana que vem? Libriela precisa de um descanso e de tempo para escrever CEM, porque foram semanas de posts intensivos hahaha
Beijinhos eternos,
Libriela <3
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