Capítulo 71 - À nossa amizade

À nossa amizade


Marcela

Sendo bem sincera, eu quase desisti do happy hour do Lucas quando eu vi a fila de virar o quarteirão para entrar no infame Bar dos Ardos, só que aí eu encontrei a Alice fumando um pendrive do lado de fora e ela me fez companhia até que eu conseguisse efetivamente entrar no lugar, vendo como ele estava lotado e que, milagrosamente, o pessoal da CPN estava com uma mesa super bem localizada do lado esquerdo do palco que não tinha tanta muvuca.

— Marcela! — Andreia foi a primeira a me cumprimentar com um beijo na bochecha que com certeza deixaria uma marca, já que o seu batom era vermelho — vem, se espreme aqui do meu lado!

E, claro, ela enfiou uma cadeira entre ela e o seu namorado apenas para irritá-lo e eu um sorriso inocente, porque eu não tinha culpa se eu era o grande amor da vida dela e ele era apenas o rolo público.

— Desculpa a demora. Thales — eu revirei os olhos e tirei meu casaquinho cinza, dobrado-o metodicamente em cima da minha bolsa.

Andreia e Galileu concordaram comigo, pois, por mais que eles não tivessem tanto contato assim com o nosso Chefe-Supremo, a fama dele de ligar sempre no horário mais inoportuno de todos superou a do Fernando de pedir ajustes de última hora — só a Renata que era uma gestora organizada ali dentro, sinceramente.

— Vai querer dividir uma Eugência? — Valter me ofereceu um copo vazio de uma pilha que havia em cima da mesa e eu observei o que cada pessoa estava bebendo e era quase unânime que a CPN deveria ser patrocinada pelo Bar dos Ardos. Ou melhor, pela Eugência.

— Nada disso, finalmente alguém pra beber como engenheiro! — Sandro levantou o seu copo de uísque sem gelo e fez o número dois.

Eu estava mais a fim de uma tacinha de vinho branco naquela noite, afinal estava quente e o líquido gelado seria um refresco, porém as bochechas de Sandro estavam levemente rosadas e eu achava que não era melhor lhe negar isso.

— Tem outra maneira de beber? — eu brinquei com ele e recebi algumas vaias por ter recusado o elixir da cevada.

Então um copo de uísque com dose dupla surgiu na minha frente e eu sorri para o garçom que conseguiu atravessar aquele mar de gente entre o bar e a nossa mesa, porque eu tinha certeza de que eles estavam tentando desafiar a física e testar se realmente dois corpos não conseguiam ocupar o mesmo lugar.

E aí eu vi o sorriso aberto e completamente amigável de Breno na minha direção quando ele me reconheceu.

— E aí, Má! Tudo bem? — ele limpou a mesa com agilidade por causa da água que estava escorrendo da camisinha que envolvia a Eugência.

— Tudo certo e com você? Tem algum dia que aqui não fica insuportavelmente quente? — eu gracejei e ele jogou a toalha contra o ombro, acertando a cabeça de uma morena que não ficou nada contente com aquilo.

— Assim que o Abel conseguir consertar o ar, vai tudo melhorar — ele me garantiu e eu sorri aliviada com aquela notícia — hoje vai mais uma garrafa de uísque ou estamos mais de boa?

Eu notei que a conversa na mesa até diminuiu com aquilo e eu senti a vergonha irradiando das minhas bochechas até o meu pescoço, colorindo a minha pele em um tom de vermelho escarlate.

— De boa, Breno, de boa — eu confirmei com uma feição quase constipada enquanto ele ria da minha cara.

— Filhão, traz mais uma rodada de Eugência pro pessoal e aquele pastelzinho de camarão com pimenta biquinho? — Sandro pediu e Breno se afastou de nós, concordando com todos os comandos até que eu notei que...

— O Breno é o seu filho? — eu apontei para onde o rapaz tinha ido e o reconhecimento daquele olhar que os dois compartilhavam de quem estavam julgando sem julgar me atingiu com uma risada desafinada — como seu filho é tão legal e você é... essa pessoa aí?

— A gente tá tentando entender isso até agora, juro — Sâmia se inclinou e eclipsou Igor da mesa, o que eu não achei que era uma perda tão grande assim quando ele apenas resmungou algo do gênero "quando foi meu aniversário, ela não veio". Claro que eu não vim. Não viria nem sob ameaça de morte.

Só mesmo o Golden, amigo de todos, para convidar aquela pessoa para um rolê.

— Isso é porque vocês ainda não conheceram a Giovanna, tá? Mais amor que aquela garota não existe! — Valter apontou para o colega com um sorriso satisfeito de ter colocado aquilo na roda.

— Você tem uma filha? — Lucas, que havia acabado de retornar para mesa, aparentemente, indagou com curiosidade enquanto se enfiava entre as cadeiras para se sentar.

— Se você chegar perto da minha filha, a ameaça do andaime não vai mais ser só uma ameaça — o engenheiro disse com tanta frieza que eu senti que até o ambiente deu uma abaixada na temperatura.

Ou poderia ser o ar-condicionado.

Tudo era possível.

Eu acho que se Lucas fosse mesmo um Golden, ele teria feito xixi de tanto medo, mas eu espero que ele tenha conseguido controlar sua bexiga mesmo que estivesse transpirando medo.

Então ele me notou.

— Ei, a Má chegou! Vamos brindar! — ele levantou a sua caneca e todo mundo grunhiu com aquilo, menos a Andreia que apenas esticou seu copo de Moscow Mule, apenas soltando uma interjeição que parecia algo com "aeaeaeae", então eu imitei o seu gesto, porém estava sóbria demais para tentar imitar o som.

— Eu não acredito que você veio! — Gisele comentou, escondida atrás do corpo do Valter, porque, bem, o tamanho dos dois era inversamente proporcional — justo hoje que eu apostei que você não vinha!

— Sempre aqui pra te fazer perder dinheiro, Gi — eu levantei meu copo em um brinde solidário enquanto ela passava cinquenta reais para Lucas, que pareceu extremamente contente em ganhar aquela aposta.

Talvez mais pela minha presença do que pelo dinheiro, o que eu achei bem fofo.

— Cara, nunca foi tão difícil encontrar uma vaga de estacionamento aqui — e, como sempre, o aroma de One Million me atingiu antes de Eduardo aparecer em meu campo de visão.

Eu virei meu copo de uísque como um reflexo, porque, por algum motivo que era além da minha capacidade de entendimento, eu pensei que ele poderia apenas não comparecer neste happy hour, mas é claro que isso não ia acontecer, porque era do Lucas, o cara que era a pessoa mais sociável da empresa e trabalhava diretamente com ele, e eu achava que era melhor tentar acalmar minhas mãos trêmulas com álcool antes que alguém visse aquilo.

Como ele estava sempre cheiroso com aquele bendito perfume? Eu praticamente mergulhava dentro do meu frasco de Good Girl e eu sentia que ele durava só dez minutos em mim, mas ele dava uma borrifada no pescoço e outra no pulso e puf, perfumado para todo o sempre.

E que merda, eu era viciada naquele perfume.

— Você veio dirigindo? Como vai ficar trilouco? — Lucas apontou para todos os copos da mesa como se Eduardo tivesse falhado miseravelmente com ele.

— Lucas, você sabe que essas pessoas são seus colegas de trabalho e que amanhã todo mundo precisa, sabe, trabalhar? — Sandro indagou com tanta simplicidade que eu quase não entendi que ele estava sendo levemente ácido, por isso eu tenho certeza de que o arquiteto junior não entendeu a ironia.

— Não entendi como uma coisa anula a outra — Lucas replicou, inclinando sua cabeça para o lado quando Eduardo se sentava ao lado dele, em um lugar que possivelmente foi guardado para ele, e Sandro apenas revirou seus olhos, contudo notei que havia um esboço de sorriso em seus lábios, quase escondido pelo copo — shots, então?

— Golden, não — Eduardo disse, praticamente um adestrador pedindo para o seu cachorro sentar, porém o pobre animal ficou dividido entre o seu instinto e obedecer o seu superior.

— Gi, o quanto é oficial esse happy hour? — Andreia berrou a pergunta quando a banda começou a tocar ao nosso lado e...

Puta que me pariu (desculpa, mãe!!!!), eles não tinham outro repertório? Eles só conheciam Melophobia do Cage The Elephant ou eles estavam curtindo com a minha cara? O que vinha depois dessa? Do I Wanna Know, do Arctic Monkeys?

Instintivamente eu olhei para o Edu, querendo saber se quando ele escutava aquela música, ele também voltava no tempo, para este mesmo bar, e a memória do seu corpo prensado contra o meu no balcão do bar fazia com que ele... só que ele não estava olhando para mim, ele estava rindo de algo que o Valter disse enquanto passava o braço ao redor da cadeira do Lucas.

Claro que ele não lembrava. Não tinha sido nada, de qualquer forma, não é? Quero dizer, não é só porque eu me lembrava daquilo que havia sido algo memorável para ele também, mas para mim... eu sentia falta dele.

— Bem, não é — a musa das nossas carreiras deu de ombros, roubando minha atenção, e tomou um gole da sua Mautava, ficando com um bigodinho de espuma em cima dos seus lábios.

— Então pede seu shot, garoto — Deia deu um tapa na mesa e Gali me cutucou, em um sinal claro para eu roubar o drink da sua namorada e passar para ele já que ela só batia na mesa quando o álcool subia e ela não estava comendo.

Breno apareceu de novo na nossa mesa com mais seis garrafas de Eugência dos mais diferentes tipos e colocou vários petiscos que tinham o cheiro delicioso de fritura recém tirada do óleo.

Aí ele deixou, discretamente, um pedaço de papel cair no meu colo e eu estava prestes a comentar isso com o rapaz, porém ele nos deu as costas e foi dar suas piruetas para atravessar a manada de pessoas que estava pulando de um lado para o outro ao som da banda.

Eu quase joguei aquilo em cima da mesa, porém ele estava dobrado bonitinho demais para ser só um lixo, então eu abri o papel e vi que, realmente, não era um lixo, pois estava escrito uma mensagem em letras de forma que eram quase tão ruins de ler quanto os meus apressados hieróglifos:

"Vir aqui e não dar oi é falta de educação, sabia? G."

Eu amassei o papel e o enfiei dentro da bolsa antes que alguém visse aquilo e me perguntasse sobre o assunto.

Ok, eu poderia ignorar isso e fingir que nada havia acontecido e ficar mais dez minutos no bar e depois ir para casa para maratonar o Gambito da Rainha, mas eu tinha, de fato, um assunto pendente com aquela pessoa e era melhor apenas riscar aquela coisinha da minha lista.

— Eu vou ver se eles tem uma carta de vinhos, alguém quer algo do bar? — eu me levantei, pegando minha carteira e a colocando no bolso de trás da minha calça.

Óbvio que tive mais de sete pedidos diferentes e eu anotei tudo aquilo no bloco de notas do meu celular para não me esquecer de nenhum, enfiando-me entre as pessoas e quase sendo carregada por aquela multidão agitada.

Eu acho que o caminho da mesa até o bar demorava dez segundos, porém eu juro que eu demorei mais de três minutos para atravessar aquele mundaréu de pessoas suadas.

Assim que eu consegui ter uma fresta do mogno do balcão, eu me agarrei nele e me puxei para mais perto, finalmente respirando um ar fresco e não ar morno já respirado.

Gustavo apareceu três segundos depois com um sorriso torto e um copo de cerveja em mãos, entregando para a pessoa ao meu lado.

— Eu jurava que você demoraria mais alguns meses para aparecer de novo — ele sorriu para mim e eu revirei meus olhos dramaticamente, ouvindo-o dar uma risada abafada ao menear a cabeça — tudo bem?

Gustavo se inclinou para frente e esfregou o polegar contra a minha bochecha, murmurando algo sobre eu estar com batom ali — o que parecia extremamente verídico visto que Andreia havia me beijado.

— Melhor do que da última vez que nos encontramos, isso com certeza. E você? — eu apoiei meus cotovelos no balcão, impedindo que as pessoas me jogassem de um lado para o outro com o vem e vai.

— Trabalhando em uma nova poção mágica — ele desviou os olhos dos meus e serviu um Campari em um copo longo com gelo e limão siciliano para o senhor que estava na minha diagonal.

— Consegue me ver a carta de vinho? — eu pedi, porque foi isso o que eu disse pro pessoal que eu faria e seria meio suspeito se eu voltasse sem este álibi.

— Má, você realmente está me pedindo isso? — o barman riu abertamente de mim, porém quando notou que eu continuava séria, pegou o cardápio e apontou para os três rótulos que tinha.

Nenhum que eu gostasse muito.

— Só isso? Sério? — eu franzi meu cenho em total julgamento, virando as páginas para ter certeza de que não havia algo escondido.

— Digamos que nosso carro chefe seja outro — aí ele abriu a geladeira atrás dele, pegou três Eugênicas de frutas vermelhas com nozes e entregou para as pessoas que estavam atrás dele.

Como ele conseguia escutar tudo o que as pessoas estavam berrando? Eu só conseguia ouvir o caos e uma música cacofônica de tanto barulho.

E aí veio o silêncio desconfortável de quando o assunto morria e ninguém sabia exatamente como preencher.

Ok, aquela era a hora.

— Gus, sobre a outra noite, eu notei que eu fiz algo meio errado e queria saber se... — eu comecei falando, tirando a carteira do meu bolso para colocar em cima do balcão.

— Tipo transar comigo e sair correndo depois? Eu notei e eu espero que não tenha sido porque foi péssimo para você, porque eu quero muito acreditar que que não foi — ele coçou a nuca, levemente constrangido quando a mulher que surgiu ao meu lado nos olhou de cima a baixo, provavelmente medindo se havia um relacionamento entre nós ou não.

Não havia e eu acho que ela entendeu, porque piscou para ele e pediu uma Eugência Mautava com a voz aveludada e Gustavo piscou de volta quando a entregou, abrindo a garrafa com o braço — acho que fazer aquilo era sua marca registrada.

Eu precisei de praticamente sessenta segundos para tentar retirar a expressão chocada do meu rosto e voltar a ter controle da minha expressão facial.

— Tipo não pagar a conta — eu o corrigi, sentindo meu rosto queimar — eu fui embora sem pagar a conta e eu sei que é feio e eu não quero mesmo meu nome no Serasa, porque eu sou mega apegada a ter uma ficha limpa, então...

— Má, fica tranquila, não está devendo nada — ele me garantiu e eu arqueei tanto minhas sobrancelhas que eu acho que elas foram até a linha do meu cabelo.

Nada? Você está louco? Eu bebi metade deste bar — eu apontei para as garrafas de destilado que havia à sua frente e ele deu de ombros — não. Eu...

— Não vai.

— Vou sim.

— Não aceito.

— Você não tem que aceitar!

— Aceita você essa cortesia! — ele bufou, inclinando-se para mim e eu estreitei meus olhos na sua direção, prensando meus lábios um contra o outro para não rosnar de frustração.

— E se, pelo menos, eu pagar uma gorjeta? Eu prometi pro Breno uma bela gorjeta — eu sugeri e ele alisou o queixo, considerando o meu pedido enquanto mirava meus olhos com interesse, então ele sacou a maquininha que havia ali no bar e eu sorri com a pequena vitória.

— Quanto? — ele questionou com os dedos na tela.

— Segredo — eu a peguei de suas mãos e digitei o número que eu queria, enfiando meu cartão e seguindo o procedimento padrão antes de colocar minha senha e tirar uma via para mim e outra para ele.

Eu fui tão prática que fiquei orgulhosa de mim mesma.

— Marcela... — ele murmurou quando olhou o valor na notinha e eu lhe devolvi a maquininha.

— Eu fiz a conta por cima das Eugências, a possível garrafa de uísque e os shots de tequila, porém eu sei que deve estar faltando ainda — lhe expliquei calmamente — se não quiser me cobrar, ok, mas então que essa seja a gorjeta que eu prometi pro Breno. Agora você escolhe o que vai fazer com isso, boss — eu brinquei com o apelido dele e o rapaz meneou a cabeça, enfiando o papel no bolso da calça.

— Bem, se for assim eu que deveria te pagar um couvert artístico pelo seu cover de Faroeste Caboclo — ele sorriu, servindo um copo de uísque e colocando na minha frente — a galera pirou.

— Nem foi tanto assim, o cantor que não sabia a letra inteira, então eu tive que intervir — eu respondi com obviedade.

— Ele não sabia, porque eles não tocam essa música. Você pediu umas cinco vezes até que eles cederam, cara. Acho que ninguém sabe a letra inteira, né? Só você e o Renato Russo pelo jeito — ele riu quando eu abri minha boca para argumentar, só que não disse nada, então apenas puxou o celular do seu bolso quando eu guardei minha carteira no meu — a gente até colocou sua performance nos destaques do instagram do bar.

Meu coração parou.

Eles tinham feito o que?

— Gustavo do céu, eu tenho família! — eu avancei contra o balcão, praticamente o escalando, puxando o aparelho das suas mãos em um movimento praticamente felino de tão rápido ao voltar com meus dois pés no chão — qual a senha? Eu tenho que deletar isso!

Aí o barman começou a gargalhar do meu desespero, limpando lágrimas de tanto rir, enquanto servia alguns copos de absinto para umas garotas que claramente nunca tinham bebido a fada verde.

— Não tem vídeo — ele confessou ao limpar a garganta e eu engoli meu coração de volta para dentro do meu peito, tentando respirar aliviada mesmo que meu sangue ainda fervesse com a ideia da minha mãe poder ver um vídeo meu completamente alcoolizada... que pesadelo. Que vergonha! — mas agora que você está com o meu celular na mão, porque não coloca o seu número aí? Fica mais fácil para eu te chamar pra sair.

Aquilo foi tão ligeiro e tão sutil que eu só notei o que ele havia feito quando o sorriso sacana surgiu em seus lábios. Acho que ele estava orgulhoso de si mesma e eu estava me sentindo muito, muito, ingênua por ter caído naquela coisa que não deveria ser considerada uma cantada. Era um truque. Uma artimanha. Uma armadilha.

— Gustavo... — eu meneei minha cabeça na direção dele, estendendo o celular para o seu verdadeiro dono — eu só... desculpa. Eu não tô nessa vibe de sair com pessoas e ir a encontros e qualquer coisa desse gênero. Eu acho que preciso de um tempo para mim, pra colocar ordem na minha vida e entender o que eu realmente quero daqui em diante. Então não é o momento para eu me envolver com ninguém, mesmo que seja só um encontro casual. Desculpa.

— Ok — ele fez um beicinho, porém não pegou o aparelho que estava pairando entre nós — doeu? Doeu, mas eu aceito este toco com dignidade.

— Não é isso, Gus, de verdade. Se você quiser ser meu amigo e sair para almoçar sem segundas intenções, ou me acompanhar em missões impossíveis de compras de fim de ano e derivados, eu quero, mas é só isso o que eu quero agora. Um amigo. Sem segundas ou terceiras intenções — eu lhe expliquei com calma, jamais deixando de olhar para os seus olhos, porque eu não queria magoá-lo só porque ele me encontrou em um momento ruim.

— Quartas intenções estão liberadas então? — ele me deu um sorriso de canto e eu revirei meus olhos, sabendo que era brincadeira enquanto eu quisesse que fosse, por isso eu o encarei mais um pouco para que ele entendesse que eu estava irredutível naquele aspecto — ok, você é quem manda. Eu posso ser um amigo incrível, você vai ver — ele me garantiu, apontando com o queixo para o celular que ainda estava em minha posse e eu me dei por vencida, salvando meu número ali — e por um acaso esta sua falta de vibe tem olhos azuis e está neste mesmo bar? — e se serviu um copo de uísque.

— Regra número um da nossa amizade: não fazer perguntas sobre esse assunto — eu levantei meu copo na direção dele.

Na minha cabeça, falar sobre Eduardo com qualquer pessoa — principalmente Gustavo — era... íntimo demais, como se eu fosse uma adolescente e estivesse abrindo meu diário para quem quisesse ver, por isso eu o guardava dentro de mim, junto com o meu coração.

— Vou considerar isso como um sim, o que faz com que muita coisa faça sentido — ele brindou comigo com um sorriso divertido nos olhos, como se ele soubesse de algo que iria me contar apenas se eu pedisse com muito jeitinho — à nossa amizade.

— À nossa amizade — eu enfatizei a palavra e ele riu — agora eu tenho uma lista de pedidos aqui — e eu comecei a passar para eles desde o Negroni da Andreia até o submarino do Igor — e também me vê uns shots mal intencionados de tequila que o aniversariante ali está pro crime, pode ser? Obrigadinha — eu me desprendi do balcão e comecei a me afastar, ouvindo-o apenas concordar e reclamar que não estava curtindo tanto assim os termos deste nosso acordo.

Eduardo

A primeira coisa que eu percebi quando entrei no Bar dos Ardos foi que estava tocando Melophobia. Eu já estava criando uma teoria da conspiração de que eles avisavam à banda quando eu chegava para que eles pudessem pisotear meu coração — porque muitas e muitas lembranças vinham quando eu ouvia aquilo.

A segunda era que as lembranças estavam ficando cada vez mais vívidas, porque Marcela estava ali, enfiada entre Andreia e Gali e com aquele sorriso que me fez quase perder o rumo.

Eu tenho certeza que Lucas disse algo sobre eu ter vindo dirigindo e não poder beber como deveria, mas eu estava funcionando no automático e nem sei se ou o que eu respondi, perdido demais na ideia de que... Uma mesa de distância.

Aí eu senti como se aquele desenho no peito estivesse exposto e Marcela pudesse vê-lo e quase me encolhi automaticamente, tentando esconder mesmo que estivesse sob o tecido da camisa. Porque Chicão e Leandro não entenderam aquele desenho, mas ela entenderia.

Eu tentei não olhar muito para Marcela naquele momento, porque eu estava me sentindo tão nu na frente dela, como se ela pudesse enxergar a minha alma. Porque eu estava com ela marcada na pele e... Ela não precisava saber.

Ela provavelmente nem queria saber, de toda forma. Eu tinha me apaixonado. Ela...

Do I Wanna Know?, do Arctic Monkeys começou a tocar e eu quis pedir pelo amor de Deus para alguém mudar aquela música, porque não era justo. Gustavo precisava mudar aquele repertório.

Gustavo.

Marcela e eu no mesmo lugar que Gustavo.

E eu tinha uma tatuagem que claramente dizia que ela era a patroa e eu a cadela no peito. Eu era a própria piada pronta.

Agradeci mentalmente a quem quer que tivesse pedido uma Eugência para mim, porque Breno colocou uma belíssima Mautava na minha frente — era meu carma, não era?

De toda forma, apenas bebi, triste porque não podia virar um shot de tequila com Lucas ou pedir um copo daquela bebida verde que eu jurei que nunca mais tomaria, mas que agora parecia uma promessa sem sentido algum.

Especialmente porque Breno não tinha deixado apenas álcool e pastéis na nossa mesa. Bom, na mesa, literalmente falando, só isso. Mas eu vi o papel que ele jogou no colo dela.

E nem precisava ser exatamente um gênio para saber de onde ele tinha vindo, especialmente porque ela foi para o balcão trinta segundos depois.

Felizmente, o bar estava lotado de gente dançante e feliz que me impedia de vê-los, então eu apenas tentei não ficar olhando como se eu tivesse visão de raio-x e pudesse ver além da matéria que cobria o meu campo de visão, até porque eu acho que o Sandro estava bem atento — ou pelo menos eu senti seus olhos queimando na minha direção e mudei radicalmente meu foco para o celular, me dando conta, em um momento muito apropriado, de que eu precisava avisar Chicão e Henrique Francisco que eu ia chegar mais tarde antes que um deles (cof cof Chicão cof cof) entrasse em pânico porque algo horrível tinha acontecido comigo.

Eduardo: Vou chegar mais tarde hj, lindos

Henrique Francisco: Posso saber por que, meu coração?

Eduardo: Happy hour da empresa, aniversário do Lucas

Henrique Francisco: 1 – Eu não gosto dessa sua aproximação com outro cara legal, vc já tem dois e tá ótimo, vamos parar?

Leandro: Chicão, você precisa controlar esse educentrismo

Henrique Francisco: 2 – Mas eu estou feliz porque meu neném tá saindo para se divertir e se recuperar! Superando que fala!!!!!

Leandro: Neném? Meu Deus do céu olha aonde eu vim me meter

Leandro: (figurinha)

Henrique Francisco: 3 – CHUPA MARCELA

Henrique Francisco: Baba baby, baby baba, olha o que perdeu

Eduardo: Marcela está aqui...

Henrique Francisco: Ô porra edu, mas vc não ajuda a gente também!!!

Leandro: Controla a emoção, doutor, não é assim que se resolve as coisas

Leandro: Pq eu estou tendo que ser o adulto aqui? Eu tenho uma borboleta no cóccix, nem eu me levo a sério mais

Henrique Francisco: Lê, meu amor, se atenha a animar uma torcida e me deixa resolver a questão com o Edu aqui, eu não vou dar moral para alguém que fez meu homem de tapete

Leandro: Eu vou dormir no Felipe hoje se vc não me pedir desculpas. É assim que os divórcios começam.

Leandro: VOU ESTAR NOS LENÇÓIS DE OUTRO HOMEM

Leandro: E isso no meu mundo significa muita coisa, ok?

Henrique Francisco: Todo mundo sabe que você levaria os seus lençóis, galã

Procurei na minha galeria um sticker da Inês Brasil falando "se me atacar, eu vou atacar", mas falhei quando Lucas pegou meu celular da minha mão como um gato e o jogou para Sandro, me impedindo de enviar a figurinha e de mediar o divórcio de dois membros do nosso trisal.

— Desculpa, chefe, mas é meu aniversário e o Sandro mandou — ele se defendeu, colocando as mãos em posição de rendição como se eu fosse a polícia e fosse prendê-lo por furto ou talvez que eu fosse ser a causa de ele precisar colocar tala na mão de novo, sendo que faziam apenas dois dias que ele tinha sido autorizado a parar de usar.

Todo mundo achou que o Sandro ia parar de ficar puto com o Diego quando isso aconteceu, mas todo o rancor ainda estava ali. E eu meio que entendia, se eu tivesse um Golden e machucassem a pata dele, eu também ficaria fullstola. E aquele era Sandro Ventura, não é como se ódio constante não fosse seu mood neutro.

Eu tenho certeza que Bartolomeu só começou a reforçar a parede de cortiça do jeito certo porque ficou com medo do engenheiro master e agora seguia pianinho tudo o que era dito, embora Marcela também não o deixasse passar por cima de sua autoridade — era um pouco mais complicado porque Bartô ainda não tinha entendido que ela era tão furiosa quanto Sandro.

Mas, bem, eu não tinha mais que me preocupar com isso, não é? Sandro estava dominando a obra de um jeito incrível, com técnicas e ideias de quem tinha se envolvido de verdade no projeto e eu só queria me pendurar na cintura dele e dizer que ele era o máximo umas dez vezes por dia. Até Ceci amava Sandro Ventura — uma alma violenta encontrando a outra.

— Participa da conversa, Eduardo, você é mais enturmado do que isso — Sandro disse enquanto enfiava meu celular no bolso e, na sequência, aceitando o refil de uísque que Breno trouxe para ele. — Quando você e o Lucas ficam quietos, chega a ser esquisito.

— Ah, o Edu é de boa, quem gosta de falar é o Golden — Sâmia disse, pegando um dos pastéis e olhando para o dito cujo, que já tinha engatado em uma conversa com Alice e Alexandre, o que aparentemente era a prova real do que ela estava falando. — Eu nem lembro mais como era a empresa antes de ele ser contratado.

— Eu gostava do silêncio — disse Sandro, largando o copo vazio em cima da mesa.

— Ah, Sandro, quem não te conhece que te compre — Valter emendou, dando sua risada alta que sempre ecoava pelo ambiente. Ele estava com um bigode de cerveja que combinava mesmo com ele, acho que por isso ninguém avisou. — Você não comprou uma briga com o Diego pelo silêncio.

A amizade de anos dos dois foi posta à prova naquele exato momento, mas, ironicamente, Sandro riu.

— Bota ordem, amor! — eu disse para Valter, que me mandou um beijo no ar. — Você está um gatinho hoje, viu? — gracejei por causa do bigode e Gisele quase engasgou de rir porque ele começou a ficar ruborizado, embora tenha soltado uma gargalhada gigante após dizer que ele sempre era um gato.

— Eu comprei uma briga porque ele agiu mal — o engenheiro master se justificou.

— Só por isso, claro — Gigi completou e, na sequência, cobriu as orelhas com as mãos. — Eu não posso ouvir sobre essa briga que supostamente eu não sei que aconteceu porque senão vou ter que distribuir advertências. Vou esperar um comunicado oficial e...

— Considere feito, Gisele — Sandro disse, apontando o copo vazio para ela. — Estou te comunicando que eu dei uma chamada no Diego porque ele não sinalizou o piso molhado. Eu aceito minha advertência desde que ele também sofra consequências.

— Ninguém machuca o filho do Sandrinho! — Valter completou e arrancou várias risadas de todo mundo.

— Quem quer machucar o meu irmão? — Lucas completou e Breno, que tinha ressurgido com shots de tequila, ergueu as sobrancelhas exatamente da mesma forma que Sandro ao fazer a constatação sobre aquela frase. — Ah, não, vocês estão falando de mim!

E aí ele sorriu para Sandro, que rolou os olhos e tentou não sorrir de volta e Breno riu, dando um tapinha no ombro do seu irmão Breno. O início de uma bela amizade, eu diria.

A banda começou a tocar Chlorine, do Twenty One Pilots, quando Marcela voltou para a mesa, com o cardápio em mãos, porque aparentemente eles não tinham exatamente uma carta de vinhos, só que mesmo assim ela tinha um sorriso amável no rosto. Eu acho que eu sorri quando nossos olhos se encontraram por um milésimo de segundo, porque eu gostava de ver que ela estava bem.

Mas eu recolhi de volta meu sorriso, porque ela não estava sorrindo por minha causa. E eu nem podia fazer nada sobre o assunto, porque Leandro estava certo: ela estava solteira, eu que lidasse com isso. Só que embora meu lado racional soubesse disso, meu emocional só queria se jogar no chão e definhar sem ser incomodado.

E a pena pareceu arder, uma lembrança agridoce do porquê.

— Todo mundo tem que virar um shot! — Golden disse, interrompendo meus pensamentos e empurrando copinhos de tequila que foram sendo distribuídos ao longo da mesa com auxílio de todos. Eu dispensei o meu porque estava dirigindo e, pelo olhar do segundo engenheiro mais reativo da CPN para seu copo, ele queria fazer o mesmo. — Não, pai, é meu aniversário e você tem que beber comigo!

Valter quase morreu engasgado com uma Eugência por causa da crise súbita de risos que o acometeu e Galileu foi ao seu socorro, dando vários tapas não muito amorosos nas suas costas.

— Pai? — Sandro perguntou.

— Nem vem, Sandrinho, você comprou um bolo pra ele — Gisele disse e cobriu a boca com as mãos, como se tivesse acabado de estragar uma surpresa.

— Você o quê? Você é a melhor pessoa do mundo! — Lucas disse e acho que foi Alexandre quem o segurou para que ele não fosse até Sandro engatinhando por cima da mesa.

— Bebe, garoto, só bebe! — O "pai" ordenou e Lucas obedeceu, pulando a etapa de lamber o sal, porque já estava na borda do copo, virando o shot e chupando o limão com uma careta.

O movimento se estendeu por toda a mesa enquanto eu tomava apenas um gole de Eugência.

E, a partir daí, a noite e a conversa foram ficando mais leves, assim como Marcela, que não estava brincando em serviço e estava acompanhando Ventura no uísque e Andreia em um mojito — ok, no plural.

— Tem alguma coisa na minha cara, Golden? Porque você não para de olhar — ela perguntou depois de um tempo e, ao seu lado, Andreia começou a ter uma crise de risos. O sorriso de Marcela a acompanhou.

— Aproveita e pergunta a outra coisa! — ela incentivou e Marcela apenas riu e fez que não com a cabeça, voltando seu olhar para Lucas e provavelmente não olhando para mim de propósito.

Ótimo.

O Goldenzinho largou a Eugência que estava na sua mão sobre a mesa e se inclinou para frente, para poder se aproximar dela.

— Sabe, Má, você não é cimento, mas contigo eu toparia algo concreto — foi o que ele disse enquanto eu ergui minhas sobrancelhas e Galileu teve que socorrer outro engasgado, no caso, Andreia, que praticamente estava tendo um treco bem diante dos nossos olhos de tanto rir.

Marcela apenas riu e colocou o cabelo atrás da orelha, apontando o copo de mojito (que apenas tecnicamente era de Andreia) para ele.

— Eu não respondo esse tipo de coisa para pessoas do trabalho — explicou, com aquele sorriso que eu amava no rosto, o que só foi como colocar um soco inglês na pancada que eu levei.

— Não, não, espera! — Lucas disse e ela ergueu as sobrancelhas para ele de novo, esperando a próxima pérola. — Você é super inteligente, né? Me ajuda com uma questão complexa: uma esfera cai de uma ladeira com inclinação de... hmm... 20º. Se você desconsiderar a resistência do ar e o atrito, rola ou não rola?

Acho que até eu ri da audácia dele, mas Gisele se virou para os dois com um olhar especulativo por trás de suas lentes de gatinho.

— Eu não acredito no que eu estou ouvindo! Eu, a moça do RH!

— Mas ela é linda, eu não posso fazer nada e...

— Ok, Golden, se acalma — disse eu, colocando uma das mãos no ombro dele antes que ele se emocionasse demais. — A Marcela está um pouco fora dos limites.

— Por quê? — ele perguntou, fazendo uma careta chorosa como se eu tivesse lhe negando um petisco.

É, Eduardo, por quê?

Que limites ele estava ultrapassando?

Nenhum que você mesmo não tenha ultrapassado, então cala essa maldita boca!

Eu queria só um gole da maldita fada verde pra não ter que pensar no assunto e...

— Por que você não sabe se ela quer e está falando isso na frente de todos os colegas de trabalho dela? — Gisele sugeriu, com um sorriso cheio de razão e um olhar que seria mais determinado se ela não estivesse cheia de Sex on the beach.

Eu engoli a seco, grato por não ter que responder, e tenho quase certeza que Marcela olhou nos meus olhos. Espero que não por tempo o suficiente para entender que eu...

— Marcela! — Andreia a chamou, fazendo nossos olhares se desconectarem e eu percebi só ali que estava com a respiração presa. — Tá ouvindo? É Boate Azul! — Marcela apenas apertou as sobrancelhas enquanto a amiga começou a puxá-la pela mão, já de pé, para que ela também se levantasse. — Eu. Você. Palco!

— Eu não sei se a gente pode subir no palco! — Marcela disse no exato momento em que Andreia agarrou alguém pelo braço.

Gustavo.

Claro.

Vamos matar o Eduardo de quantas formas diferentes hoje?

Todas!

— Qual a possibilidade de você colocar a gente naquele palco? — Andreia perguntou, animada, apontando vagamente enquanto Gustavo subia as sobrancelhas, dando um sorriso para Marcela como se eles tivessem uma piada interna sobre aquele assunto antes de cruzar os braços.

— Tem certeza disso? — ele questionou, mais para Marcela do que para Andreia, mas as duas acenaram positivamente e ele devolveu daquele jeito Gustavo o sorriso que a engenheira deu para ele. Caralho, era melhor enquanto eu só estava imaginando isso acontecer. — Considerem feito, senhoritas.

As duas comemoraram e Gustavo pareceu me notar naquele exato minuto (eu quis não estar olhando como um psicopata? Quis, mas querer não é poder), então ele acenou para mim e sorriu. Algo no seu olhar tentou falar algo para mim, como se ele soubesse de algo que eu não sabia, mas eu não entendi e apenas o cumprimentei de volta erguendo a minha cerveja.

Então os três sumiram no meio das pessoas e, quando eu vi Marcela e Andreia de novo, elas estavam em cima do palco segurando microfones.

E a melodia de Evidências começou a serpentear o ambiente, trazendo tantas lembranças que foi apenas impossível não olhar para os olhos de Marcela.

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Cheirinho de Eugência, música de remember e Gustavo? Bem-vindos de volta ao Bar dos Ardos!

Golden é a pessoa mais animada da vida com aniversários (parece eu) e essa quantidade de álcool ainda vai cobrar o preço...

Não sei vocês, mas esse capítulo na mente de libriela tem um jeitinho de estar preparando o terreno para algo, né? hehehehe

Esperamos que estejam gostando da história <3 Vocês não tem a menor ideia de como a gente fica feliz em ler todos os comentários de vocês! É maravilhoso compartilhar um pouquinho de nós e saber que vocês amam tanto quanto nós duas!

Não esqueçam da estrelinha!

Quem topa post amanhã? Vai que a gente decida contar três coisinhas pra vocês antes do final de semana chegar...

Beijinhos,

Libriela <3


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