Capítulo 66 - É, a cerveja...

É, a cerveja...


Eduardo

Sandro estreitava os olhos para mim todas as vezes que eu passava por ele, como se estivesse me alertando sobre o que aconteceria se eu pedisse meu celular de volta. E eu não era nem idiota de desafiar a ira dele.

Lucas tinha saído com Diego logo após o almoço e ainda não tinha voltado e talvez tenha sido um dos dias mais silenciosos da construtora, embora todos os sons cotidianos ainda estivessem ali: os barulhos frequentes de digitação, as conversas paralelas sobre projetos, Alice conversando com alguém no telefone, Ramiro ouvindo uma música com fone sem perceber que o fone não estava realmente conectado no computador e a firma inteira agora sabia do seu gosto de trabalhar ouvindo Sandy & Junior.

Um aviso do Google Agenda, eventualmente, subia na tela do meu computador para avisar que eu estava atrasado para uma reunião com Fernando Nogueira que tecnicamente deveria ter começado às 15h, mas já eram 15h47min e ele não tinha aparecido ainda, então eu apenas estava desenhando o esboço de uma divisão de cômodos para a pousada, que eu melhoraria depois que conseguisse encaixar tudo em um plano que fizesse sentido.

Fechei a notificação e voltei os olhos para meu desenho, notando que eu precisava repensar a posição da cozinha ou a pousada cheiraria a ovos mexidos o dia inteiro. Então eu apaguei e redesenhei o cômodo no lugar que fazia mais sentido.

— Eduardo! — Fernando disse, me fazendo tomar um susto que me fez dar um pequeno solavanco na cadeira. Ele estava ajeitando a gravata vermelha no pescoço e notei que, ao seu lado, Thales e Renata conversavam sobre alguma coisa. — A gente remarca nossa reunião, ok? — ele se virou para Alice, que também tinha parado o que estava fazendo para olhar a trindade naquele clima... Estranho, para dizer o mínimo. Eles sempre eram sérios, mas não com aquela intensidade. — Alice, pede para o Renan dar um pulo na minha sala agora.

Fernando não esperou por uma resposta e os três passaram por nós. Eu apenas ouvi Fernando falando "e a multa rescisória?", Thales complementando com "a gente quebrou a porra do contrato com razão" e Renata, claramente com sangue nos olhos, olhando para os dois e dizendo "eu não respondo por mim se eles acharem que tem o direito de cobrar alguma coisa da CPN depois de toda essa merda", então os três fecharam as portas da sala de vidro e não deu mais para escutar nada.

Eu não fazia ideia do que estava acontecendo, mas aparentemente era algo sério, já que até Renan, o gerente do jurídico da CPN e advogado mais metódico que eu conheci na vida, tinha sido envolvido.

Vi, de canto de olho, Ramiro baixar o fone desconectado para conversar com Marcos e Igor, que com certeza já tinha uma versão completamente deturpada dos acontecimentos do dia para compartilhar com os amigos. Meu olhar passou pelo de Sandro e ele apenas deu de ombros e negou com a cabeça, dizendo que também não sabia qual era o problema.

Então Renan passou por nós, com seu terno chumbo super alinhado, assim como seu cabelo grisalho-charmoso, e entrou pela porta de vidro da sala de Fernando Nogueira, onde a trindade estava.

Por volta das quatro e quinze da tarde, Renan saiu de lá. E voltou cinco minutos depois com algo dentro de um envelope timbrado e um livro embaixo do braço.

E aí o telefone de Alice tocou e ela atendeu, ouvindo pacientemente e então disse que podiam subir, porque estavam sendo aguardados. Dois minutos depois, os gêmeos idênticos Oliver e Matheus Kaiser atravessaram todo o ambiente sem cumprimentar ninguém e foram direto para a reunião com Renata, Thales e Fernando.

Não dava para ouvir nada, é claro, mas as paredes de vidro permitiam que a gente visse o que estava rolando lá dentro e, sinceramente, eu acho que eu nunca tinha visto os ânimos tão alterados ali. O olhar de Renata sobre Matheus Kaiser só faltava lhe lançar lasers (depois do que ele tinha espalhado dentro da CPN sobre Marcela, ele merecia mesmo) e até Thales e Fernando pareciam estranhamente irritados.

Vi Renan interferir duas vezes e colocar o envelope na frente dos Kaiser. Matheus bateu na mesa e começou a gritar alguma coisa com Renata, que nem se mexeu. Oliver, por outro lado, pegou o que quer que aquilo fosse e assinou antes de devolver para Renan e guardar a caneta prateada no bolso.

E foi aí que Matheus se levantou e abriu a porta com um chute. E eu notei que eu não era o único assistindo aquilo como se fosse uma novela, já que todo mundo, de repente, estava muito ocupado com seus próprios monitores.

— Isso é um ultraje! — Matheus disse e apontou para a trindade. Não, apontou para Renata, bem na altura do seu nariz. — Sinceramente, eu não sei como vocês podem acreditar em uma história da carochinha tão falaciosa como essa! Que empresa ridícula vocês dirigem, Fernando e Thales. Nunca esperei isso de vocês.

— E Renata. Eu também dirijo a empresa — Renata replicou e ele riu com os olhos, como se dissesse "está explicado porque é ridícula". — E estou avisando para você nunca mais colocar os pés aqui, Matheus Kaiser!

— Pode ter certeza que eu não vou — ele disse e saiu andando no meio da empresa como se não tivesse ninguém ali, inclusive derrubando uma das pilhas de papéis da mesa de Sâmia, seguido por Oliver.

Foi Fernando quem se adiantou para recolher os papéis e devolver para a mesa dela, já que todo mundo estava completamente estático com aquela cena. Renata finalmente relaxou as mãos, que estavam em punho aquele tempo todo, antes de voltar para a sala seguida pelos sócios e Renan, que era a única criatura que não tinha sequer mudado de expressão durante aquele tempo todo, como um robô.

— Caramba, o que foi que aconteceu? — perguntou Lucas, se aproximando de mim uns três minutos depois, com as sobrancelhas apertadas e a cabeça tombada para o lado como um cãozinho confuso. Eu nem tinha visto quando é que ele tinha voltado, mas notei que Diego também estava se atualizando dos fatos com Igor, Ramiro e Marcos. — Eu saí daqui em um clima ok, eu volto aqui e está tudo... Assim. Fernando e Thales caíram no soco ou algo?

Acho que nem se Thales e Fernando tivessem realmente caído no soco estaria todo mundo tão atônito e tentando entender o que estava acontecendo ali.

— Eu não sei o que aconteceu, Lucas, só sei que não foi tranquilo — eu respondi, só então me dando conta do fato de que ele tinha uma tala na mão esquerda e uma pulseira de quem tinha dado entrada no hospital Capixaba-Paulistano na outra. — Sua mão?

— O que aconteceu com você? — Sandro perguntou para Lucas ao mesmo tempo que eu, se aproximando da mesa e se sentando na cadeira vaga mais próxima.

Suas mãos enormes seguraram a de Lucas e ele analisou a tala, segurando com mais delicadeza quando o arquiteto fez uma careta de dor e soltou um grunhido.

— Eu escorreguei em uma área molhada e caí em cima do braço — ele disse e eu ergui as sobrancelhas ao mesmo passo que Sandro fechou a cara. — Está tudo bem, foi só uma torção e...

— Estava sinalizado que estava molhado? — Sandro perguntou e Lucas continuou falando que estava tudo bem, para que ele não se preocupasse, que não tinha sido nada, mas nada disso convenceu Sandro, que apenas prosseguiu, com a voz tão cortante como uma lâmina: — Lucas, eu não quero saber o quanto machucou. Estava sinalizado?

O olhar de Lucas procurou o meu e eu apenas o encorajei, já que Sandro o colocaria contra a parede até que ele falasse, então era melhor falar de uma vez — até porque sua hesitação já estava deixando a resposta muito clara.

Ele apenas negou com a cabeça e Sandro se levantou e chamou Diego praticamente em um rugido.

— Fala, meu engenheiro — Diego responde, rodando a cadeira giratória para olhar para Sandro e seu sorriso desmanchou no momento que ele viu a carranca com a qual o engenheiro master o olhava de volta. — Sandro, o que foi?

O que foi, Diego? Sério? — Ele apontou para Lucas e eu juro que o pobre arquiteto parecia querer sumir naquele exato minuto de sua existência. Seu olhar era claramente um pedido de desculpas para o universo. — Você levou um garoto inteiro para uma obra e devolveu desse jeito!

— Eu ainda estou inte... — o Golden tentou, mas foi prontamente ignorado. Aparentemente ele ter erguido um dedo da mão com a tala foi apenas a prova de que ele não estava inteiro.

— Ele só escorregou no piso molhado — Diego se defendeu.

— Que você não demarcou — Sandro vociferou de volta e Diego tentou disfarçar, mas deu um pequeno passo para trás.

Diego pareceu refletir por um momento, como se tentasse se lembrar do que exatamente tinha feito na obra e provavelmente chegando à conclusão que Sandro tinha razão, já que ele não atacou diretamente a questão de haver ou não a placa avisando sobre a área molhada.

— Foi só um escorregão no piso molhado, Ventura! Era só ele olhar por onde anda que nada teria acontecido, o lugar estava encharcado — disse ele e Ramiro ecoou um "é isso aí", ironizando um pouco a desatenção de Lucas. Ele percebeu que não deveria se meter quando Sandro olhou para ele de um jeito que provavelmente faria qualquer um desistir de argumentar. — Você está agindo como se ele tivesse aberto a porra da cabeça e eu tivesse chutado o cérebro!

Sandro chegou a mudar de cor e aquilo me preocupava um pouco.

Talvez o engenheiro master estivesse inflamado demais tendo em vista que Lucas estava bem, mas ele não estava errado com a questão de segurança. Havia muita coisa em uma obra que podia causar transtornos, por isso era imprescindível, primeiramente, andar nos locais com muita atenção e com os EPIs, mas também sinalizar e informar qualquer situação adversa para evitar acidentes — porque eles podiam resultar em um pulso torcido ou em uma morte trágica.

— Poderia ter acontecido já que o engenheiro responsável, mesmo estando lá, não se importou o suficiente nem para fazer o básico pela sua equipe — Sandro disse, tão autoritário quanto de costume, só que com algo quase tirânico na voz. Ele apontou um dedo para Diego, que chegou a ficar meio vesgo para olhar o gesto. — Você sabe que é responsável por todos os danos patrimoniais e pessoais que acontecem nas suas obras, Diego...

E então ele seguiu um um discurso sobre segurança, dever de urbanidade, o papel de um engenheiro enquanto responsável pela montagem e execução de um projeto e várias outras diretrizes que eram levadas muito, muito, a sério por Sandro. Só que Diego não estava assim tão a fim de escutar um sermão.

— Eu também cursei engenharia, caralho! Eu sei de todas essas merdas, não vem dar uma de sabichão para mim, Ventura — disse ele, ficando com as bochechas redondas muito, muito vermelhas.

— Então põe em prática, inferno! — Sandro vociferou de novo e, sinceramente, acho que aquela voz era capaz de abalar a estrutura do prédio que abrigava a CPN. — Para de deixar seu bom senso na carteira do CREA!

— Sandro, está tudo bem — Lucas disse, se levantando e colocando a mão no peito do engenheiro master, tentando puxá-lo para trás. — Por favor...

— Eu não vou ficar tomando um sabão só porque, por acaso, quem caiu na obra foi seu arquiteto de estimação! — Diego disse de volta. — Eu não sou responsável por cada cabeça de vento que não olha onde pisa!

Sandro fechou as mãos em punho.

Ok, talvez fosse o momento de interferir. Não por Diego, mas porque não dava para deixar Sandro perder a cabeça ali e acabar tomando uma punição só por ser... Reativo. E ninguém ia realmente se importar se eu saísse uns minutos mais cedo, especialmente carregando um Sandro furioso comigo, então...

— Sua obra, sua responsabilidade! — O engenheiro praticamente gritou na cara de Diego quando eu o segurei pelos ombros, puxando-o para o lado com delicadeza antes que Gisele aparecesse ali com uma advertência ou antes que ele usasse suas mãos capazes para dar um soco em um colega de trabalho.

Ele olhou para mim e eu enviei um olhar de alerta para ele.

— Certo, você já deu seu recado, Sandro — eu disse e percebi que Sandro meio que deixou que eu o puxasse. — Vem comigo.

— Eu não vou para lugar nenhum, caralho! — ele disse.

— Não foi um convite. Você precisa esfriar a cabeça, chega de ânimos alterados nessa empresa hoje — arrisquei, com toda a confiança que pude encontrar dentro de mim, antes de olhar para Galileu, que também acompanhava aquele segundo round do ringue que tinha virado a CPN naquela tarde. — Gali, ajuda o Lucas se ele precisar, por favor? Você, Sandrinho, vem comigo.

Ventura, depois de me olhar com ódio, pegou o casaco e a carteira na mesa e caminhou em passos pesados e largos até o elevador enquanto eu apenas conferia se estava com a carteira e a chave do carro nos bolsos.

Então eu o segui, torcendo para que desse para resolver nosso atual problema com Eugência.

O Bar dos Ardos estava sempre movimentado. Talvez fosse culpa da melhor cerveja de que se tem notícia, talvez fosse porque era um ambiente realmente agradável. Provavelmente os dois. Mas Sandro não ligou muito para esse fato, apenas caminhou decididamente até o balcão e se sentou em uma das banquetas com cara de pouquíssimos amigos.

Ok, nada de mesa então.

Eu nem sei como foi que consegui enfiá-lo no meu carro e levar até o Bar dos Ardos sem que ele gritasse comigo, mas desde que tínhamos saído da CPN, ele estava em silêncio. Exceto pelas eventuais bufadas (que considerei uma vitória absoluta quando pensei que ele podia, realmente, rosnar e gritar comigo por ser um enxerido que não deveria se meter nos assuntos dele).

Me sentei na banqueta ao seu lado e logo uma barwoman se aproximou, com um sorriso afável que Sandro e eu não conseguimos retribuir muito bem e perguntou o que nós queríamos beber — o engenheiro ao meu lado não parecia querer responder, então eu tive que arriscar:

— Duas Eugên... — Ele ergueu as sobrancelhas para mim, como se estivesse me perguntando se eu tinha certeza de que iria pedir isso. Talvez ele estivesse com um humor para algo mais forte? Definitivamente. — Uma Eugência de mel de laranjeira e um uísque duplo. Cowboy. — A moça assentiu, mas antes que ela se afastasse para pegar nosso pedido, algo me ocorreu: — O Breno, por acaso, está aqui?

— Ele só chega mais tarde — disse ela, simplesmente.

Talvez ela tenha se afastado tão rápido porque o olhar de Sandro podia desmatar a Amazônia, de tão cortante. E estava direcionado para mim nesse exato momento.

— Desculpa, eu achei que seria bom para te acalmar. Você fica feliz com o seu filho — me defendi, segurando a garrafa de Eugência quando a barwoman a deslizou para mim pelo balcão. — Você não parece muito calmo nesse momento.

Sandro matou o uísque em um gole antes de me responder. Sabiamente, a moça já estava com uma garrafa em mãos para um refil e eu acompanhei o líquido amarronzado caindo no copo dele.

— Eu ficaria calmo se Diego prestasse atenção no caralho da obra! — vociferou de novo, apontando o copo na minha direção antes de tomar outro gole. Ele não matou o líquido todo daquela vez. — O engenheiro é responsável pela porra da obra e pelas pessoas que estão nela!

— Eu sei, Sandro...

— Quando você ia para as obras comigo, eu deixava você se machucar? — Felizmente eu percebi que era uma pergunta retórica antes que algo saísse da minha boca e ele ficasse ainda mais furioso. — Não! E você era um arquiteto idiota que andava olhando para cima e falando no meu ouvido sobre construir com mato!

Eu nunca tinha me machucado com Sandro e, mesmo que parecesse um milhão de anos atrás, ele de fato sempre se preocupava em olhar onde eu estava. Eu sempre achei que era porque ele não confiava em ninguém nos seus projetos além de si mesmo, mas, agora...

— Arquiteto idiota? — arqueei as sobrancelhas para ele.

— Não no sentido de ser burro, Eduardo, porque você não é e nós dois sabemos disso — explicou, com um pouco mais de paciência (0,01%, eu diria). — Você era como todo mundo que está começando. Deslumbrado, desatento, não sabia que tudo que existe em uma obra pode te matar. Então, meu dever como engenheiro mais experiente é te ajudar, assim como o dever de Diego é ajudar o Lucas. Eu sei que te ameaçava com andaimes umas vinte vezes ao dia, mas jamais deixaria um cair em você de verdade.

— E nem no Lucas.

— E nem no Lucas, porque meu dever é esse. Eu sou o gestor da porra da obra assim como o Diego. Então acho bom aquele filho da puta começar a agir como tal e não machucar... — acho que Sandro viu que eu sorri, mesmo que eu tenha tentado esconder por trás do gargalo da long neck. Não era bom mostrar os dentes para um animal raivoso, eu bem sabia. — O que foi, porra?

— Nada — eu disse, apenas, porque eu jamais diria que tinha acabado de pensar no quanto Sandro gostava de Lucas, até porque ele não ia admitir isso de qualquer maneira.

Eu tenho certeza que ele estava puto pela questão da engenharia, porque era extremamente metódico e quase uma referência no assunto, mas havia algo além do profissional ali. Havia um pouquinho de coração envolvido na sua raiva.

Dei um gole na Eugência e senti o líquido leve e gelado descendo pela minha garganta. O engenheiro master estava desenhando círculos com o copo no balcão.

— Eu fico puto porque o trabalho dele é esse. Podia ter acontecido algo muito pior e ele simplesmente não liga! — O engenheiro sacudiu a cabeça, como se quisesse afastar aquela ideia e terminou seu uísque. A barwoman repôs rapidamente, como se surgisse magicamente do chão quando a bebida acabava.

Eu não sabia o que dizer, porque eu não ia defender Diego naquela cagada. Ele simplesmente deu sorte de não ter acontecido nada sério e também que Lucas provavelmente não faria nada a respeito além de colocar a culpa na sua própria desatenção, embora Sandro provavelmente fosse incentivá-lo a avisar a Gigi ou ao trio CPN sobre a conduta de Diego para que não se repetisse; poderia ser algo pior na próxima, muito além de um piso molhado, que era o básico com o que o engenheiro deveria se preocupar.

Aí Sandro enfiou a mão no bolso e jogou meu celular pra mim. Eu nem sei como foi que peguei no ar.

— Vibrou o dia inteiro. Seus amigos não tem o que fazer, não? — Sandro perguntou, erguendo as sobrancelhas. Eu vi que tinham mais de duzentas mensagens e pelo menos cem estavam no grupo do apartamento. — Ninguém morreu, fica em paz. Só responde logo o Lucas.

Então eu vi que as últimas mensagens nas notificações eram do próprio Golden, assim como Sandro tinha visto:

Lucas: Como etá o Samdro?

Lucas: *etá

Lucas: Porra

Lucas: /está

Lucas: o S A N D R O

Lucas: Q pora tc c 1 maum soh

Lucas: Cc entendeqw

— Ele quer saber de você — disse para Sandro, que rolou os olhos.

— Manda ele se preocupar com a mão dele, não comigo — respondeu o engenheiro, apenas, dando mais um gole no uísque. Eu acho que ele sorriu, mas eu podia apenas estar imaginando coisas.

Eduardo: Ele está bem

Eduardo: Te mandou um beijo

Ele demorou uns segundos para responder:

Lucas: C ele mandop bj entawm dev

Lucas: *dev estar mal p car4lho

Lucas: A, vc estah me zoand

Eduardo: Eu levaria o sandro pro hospital se ele mandasse um beijo para alguém

Eduardo: Mas, na real, ele está bem. Puto, mas bem

Eduardo: E você?

Lucas: (imagem)

Eu sorri para a selfie que ele tinha me enviado, sorrindo e fazendo joinha com a mão protegida pela tala para informar que estava bem. Inclinei o celular para o lado para mostrar para o engenheiro, que apenas deu de leve e disfarçou um sorrisinho atrás do copo. Eu quis dizer que ele era fofo quando se preocupava conosco, mas ainda zelava pela minha integridade física.

Enfiei o celular no bolso, deixando para responder o resto das pessoas depois e voltando a olhar para Sandro. Ele continuava bebendo uísque, com os lábios apertados contra o vidro do copo e encarando algum ponto na parede do bar.

— Para de me olhar com essa cara e me fala logo alguma coisa sobre sua arquitetura verde pra eu ficar com raiva de outra coisa — Sandro pediu, finalmente se virando pra mim. — Como está seu restaurante?

— Você vai sair daqui querendo deitar a Terra na porrada depois que eu te contar tudo.

Sandro ergueu as sobrancelhas, em um sinal claro de que não duvidava de mim. E então eu falei.

Sobre paredes de bioconcreto e bambu.

Sobre argamassa de argila.

Sobre ter encomendado placas fotovoltaicas de um fornecedor nacional que estava crescendo no ramo.

Sobre um sistema diferenciado de ventilação para cozinha.

Sobre vidro inteligente.

E Sandro rolou os olhos para cada uma dessas coisas, o que eu julguei como um ótimo sinal.

— Certo, já estou suficientemente irritado — ele disse, dando um tapinha no meu ombro que poderia ter me movido mais de um metro se eu estivesse em pé. — E por que você parece desanimado falando sobre tantos planos sustentáveis?

Eu nunca tinha reparado como os olhos de Sandro eram expressivos. Aquele castanho escuro, com certeza, estava invadindo a minha alma. E desde quando ele era perceptivo com... Sentimentos humanos?

Fiz um desenho aleatório no balcão com a água que estava escorrendo pela garrafa de cerveja, girando-a pelo gargalo. Eu não queria mentir para ele, então optei por... Ocultar alguns nomes da verdade que existia por trás do meu desânimo. Porque não era a obra que me desanimava, era apenas que... Ela não parecia completa.

— O engenheiro saiu da obra — eu disse, simplesmente e ele nem reagiu exatamente, apenas esperou que eu continuasse. — É óbvio que eu preciso de outro, mas não é exatamente simples encontrar um engenheiro que não corra de um projeto tão... Ecológico? É inovador e não é qualquer um que arriscaria o próprio CREA em algo que só supostamente vai funcionar. Exceto que vai funcionar. É um excelente projeto. Eu estive pensando em chamar o Isaac, porque ele parece gostar disso, mas eu não quero que ele ache que é obrigado só porque eu sou gerente e...

Sandro ergueu as sobrancelhas para mim e eu parei de falar.

Eu ergui as sobrancelhas para ele de volta.

Ele levou um tempo olhando para a minha cara e foi como se um filme se passasse por seus olhos. Eu já estava me perguntando se eu estava com sujeira agarrada em mim um com ranho preso no nariz.

E aí ele tomou o resto do uísque que tinha no copo e apontou um dedo na direção do meu peito.

— Eu não acredito que vou construir algo com bambu e bioconcreto — ele disse, olhando para mim.

Ele estava falando sério?

Sandro Ventura?

Ele ia...

Ele estava...

Não era possível.

— O quê? — perguntei, tomando cuidado para não sorrir antes da hora.

— Não me faz desistir, Senna, caralho — ele disse, me olhando de esguelha e erguendo o copo para a barwoman, cujo bordado na blusa dizia que se chamava Eliana.

Assisti enquanto ela pegava a garrafa de uísque e se aproximava, balançando o cabelo muito loiro de um lado para o outro e dando um sorriso compreensivo para Sandro antes de encher o copo dele. Todo mundo tinha um dia ruim em que precisava encher a cara e aquele era o de Sandro.

— Sandro, eu jamais te pediria isso, eu sei que você odeia construções verdes e...

— Porra, Eduardo, você não pediu. Mas se fizer cu doce eu vou te deixar se virar para conseguir outro maluco para arriscar o CREA por bambu. — Ele, novamente, me apontou o copo como se fosse uma arma. — E acho bom o projeto dar certo, porque se der errado você vai se arrepender mais do que eu, eu garanto.

E eu sorri para Sandro, como se ele não tivesse acabado de me ameaçar. Porque ele nunca tinha deixado um andaime cair na minha cabeça. E porque ele era o segundo melhor engenheiro que eu conhecia e... Bom, quem ocupava o topo dessa lista não era uma opção no momento.

— Obrigado, Sandro — eu disse e me levantei. — Você definitivamente não vai se arrepender, eu prometo.

— Se você me abraçar, você está morto! — ele avisou, mas eu dei um abraço nele mesmo assim e ele nem gritou comigo ou tentou me afastar; ao contrário, eu senti suas mãos nas minhas costas enquanto ele me apertou de volta.

Isso me colocava no patamar de um... Um Border Collie? Eu podia ser um Border Collie para Sandro.

Claro que ficou um pouco esquisito quando eu o soltei, porque eu nunca tinha abraçado o engenheiro master na vida e não tinha a cara de pau de Lucas Assumpção — Sandro literalemente não falou nada, mas eu fingi estar muito interessado na última conversa ativa no meu celular, embora eu estivesse me sentindo com o ânimo estranhamente renovado.

Sandro ia terminar um projeto sustentável comigo!

Henrique Francisco: EDUARDO VC MORREU??

Henrique Francisco: É bom ter morrido pq faz SEIS HORAS que você não me responde

Leandro: Se ele estiver morto ele não vai te responder

Henrique Francisco: Se ele estiver morto em uma vala vc vai se arrepender tanto, Leandro!!!!

Henrique Francisco: VC ACABOU DE LER ESSA MERDA, EDUARDO? EU VOU TE MATAR

Eu acabei me distraindo tanto com o drama de Henrique Francisco e procurando uma figurinha de um cachorro bebendo uma caixinha de leite com manga para mandar para ele que eu só me dei conta de que Breno e Gustavo estavam ali quando ouvi a voz do mini Ventura:

— Pai? Tá tudo bem? — ele perguntou, colocando a mão delicadamente no ombro de Sandro, que se virou na banqueta e deu o primeiro sorriso do dia, que meio que dizia "você era tudo o que eu precisava ver hoje" antes de bagunçar o cabelo dele com os dedos enormes.

— Agora está — Sandro respondeu, com aquele sorriso mole que ele tinha quando se tratava do filho. Ele apontou para mim. — Lembra do Edu?

Eu acenei e Breno acenou de volta antes de voltar sua atenção para o pai.

— Breno-pai, sempre bom te ver por aqui — Gustavo disse e me chamou apontando uma banqueta mais distante com o queixo, quase compartilhando comigo o pensamento de que eu deveria dar privacidade para os dois. Eu saltei algumas banquetas enquanto ele ia para o lado oposto do balcão, jogando uma toalha no ombro antes de se aproximar. — Eduardo Senna, achei que ia demorar menos para te ver por aqui já que, supostamente, você é fã da minha cerveja.

Eu bati a mão na que ele me oferecia. Eu quase tinha esquecido o quão boa pinta Gustavo era, sinceramente, mas ali estava ele, vestindo preto e com o cabelo mais bonito que eu já tinha visto na vida e a pele bronzeada de quem tinha passado muito tempo no sol.

— Eu sou muito fã da cerveja desse bar, Mautava inclusive — eu disse e ele sorriu, abrindo um freezer horizontal e me entregando uma garrafa não solicitada da sua bebida de café após retirar a tampa com o braço.

— Vou acreditar só porque o Breninho disse que você esteve aqui comemorando uma promoção na minha folga. Parabéns, inclusive — ele disse, secando alguns pingos de água que estavam no balcão. — Como está a vida pós cruzeiro?

— Trabalhando muito para ter uma promoção. Cada vez mais de cabeça nos projetos e nas obras — contei, dando de ombros. — E você? Parou de panfletar em navios?

Ele deu de ombros e sorriu de canto. Eliana parou o que estava fazendo para olhar para ele e eu queria dizer que não entendi porque, mas eu tinha entendido sim.

— Precisavam de mim aqui, alguém tem que colocar ordem na casa — ele disse e sorriu para Breno, que apenas fez que sim com a cabeça. Meu Deus. Ele era muito exatamente como Lucas e isso explicava tanta coisa. — Estou trabalhando em uma nova cerveja, quem sabe em breve eu desbanque a Mautava de café? O plano é esse, sempre para cima! — Eu concordei com ele e, estranhamente, Gustavo pareceu considerar algo por um momento antes de voltar a falar, quase como se estivesse pisando em ovos: — Tem visto a Marcela? Ela veio aqui outro dia e... Bem, ela saiu meio triste, eu acho.

Claro que ele ia perguntar sobre ela. Claro. Nós tínhamos sido quase uma pessoa só durante sete dias, era meio... Natural?

Só que a menção a ela me fez pensar naquele "vai ficar" de Gisele. Será que já tinha ficado tudo bem? Ou será que ela ainda estava com aquele mesmo ar triste de quando eu a vi chegando com Valter naquela manhã? Eu sinceramente não queria pensar que ela tinha ficado triste daquele jeito um dia inteiro, porque...

— Todos os dias — eu disse, novamente, propositalmente evasivo, dando um gole da cerveja com a cabeça vagando para o apartamento onde eu tinha passado várias noites, desejando que Marcela estivesse bem e rindo com Retúlio àquela altura. Gisele estava cuidando dela e eu confiava no poder da rainha do RH, sem dúvidas. — Que bom que ela finalmente se rendeu à sua cerveja, Gus.

Gustavo parou devagarzinho de esfregar o pano no balcão e seus olhos subiram até os meus, meio em dúvida sobre como proceder, analisando alguma coisa que eu não entendi o que era, mas que estava em algum lugar na minha expressão facial.

— É, a cerveja... — Gustavo disse, sendo... Vago sobre o assunto.

Ele literalmente não disse nada sobre, mas algo na sua voz, na sua hesitação, no jeito que ele me olhou, buscando alguma coisa no meu olhar...

Eu entendi.

E foi exatamente como se eu tivesse tomado um tapa. Ardeu e foi irradiando pelo meu peito, deixando um rastro dolorido e quente que foi se estendendo por cada nervo do meu corpo.

Marcela não tinha se rendido. Ao menos não à cerveja.

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Sextou pessoal, tudo bem com vocês? Como foi a semana?

Depois de um capítulo de paz, tivemos um capítulo que pode ser definido por: caos!

A Trindade realmente botou os Kaiser para correr e isso só mostra que a Rê estava falando mega sério quando prometeu que faria tudo possível e imaginável para ajudar a Má <3

Quem ficou com vontade de cuidar do nosso Golden de estimação? Ele ta com a patinha machucada e precisa de um beijinho para sarar  hihihi

E agora é oficial, Eduardo descobriu sobre a Marcela e o Gustavo da pior maneira possível. Sem querer. E sozinho. O que vocês acham que ele vai fazer?

HORA DA TEORIA!!!!!!! Se você tem uma teoria muito boa, compartilha com a gente! Dependendo do que a gente ler, podemos postar o próximo cap com um spoiler do que #vemaí!

Não se esqueçam da estrelinha e do amor <3 Conta pra gente o que estão achando de CEM!

Beijinhos,

Libriela <3

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