Capítulo 54 - Está tudo bem?
Está tudo bem?
Eduardo
Certo. Eu claramente não era conhecido por ser uma pessoa insensível nem nada assim, bem pelo contrário, mas não precisava ter mais do que dois neurônios ativos para saber que tinha alguma coisa definitivamente errada.
Para começar, Marcela não tinha me retornado na sexta-feira e a única mensagem que eu recebi dizia que ela estava gripada e precisava ficar sozinha naquele final de semana. Depois disso, total e absoluto silêncio.
E tudo bem, eu entendia que gente gripada não quer interação humana e que só precisa ficar com o nariz entupido em paz, então eu respeitei totalmente e nem tentei aparecer para levar uma sopa nem nada assim - embora, talvez, eu devesse ter feito isso, porque alguma coisa não estava bem e não parecia gripe. Talvez eu pudesse ter ajudado em algo?
Eu vivi meu final de semana com Leandro limpando tudo, Tiago pedindo pelo amor de Deus para nós irmos para o apartamento dele (aparentemente ele acreditava fielmente que Leandro poderia fazer uma ótima faxina lá) e Chicão se emocionando com os jogos (sim, no plural, porque a gente não tinha assinado um pacote com Fox Sports, SporTV, ESPN, Premiere e vários outros por acaso. Eu só queria ver o Discovery Channel e Leandro o Home & Health, mas não era possível com Henrique Francisco e Tiago em casa).
Na segunda, acordei cinco horas da manhã para ir para academia encontrar Vinícius, o personal trainer, que me passou um treino novo que me fez ter a certeza que eu era só um corpo naquele momento, porque a alma tinha ido embora há muito tempo.
Tomei meu café da manhã que deixava Leandro assustado, o famoso shot anti-inflamatório e mandei mensagem para Má perguntando se ela queria que eu a pegasse em casa, ao que ela me respondeu que já estava no ônibus.
Então eu cheguei na CPN, vários minutos mais cedo do que o início do expediente porque eu já estava acordado mesmo e tinha calculado meu tempo para passar na casa de Marcela, e botei meus olhos nela.
Precisei de mais ou menos dois décimos de segundo para perceber que, sim, havia um problema e que não, não era uma gripe. A aura de tristeza dela me atingiu praticamente como um soco e eu descobri que vê-la daquele jeito era uma das coisas que eu mais odiava no mundo inteiro - ali do ladinho no ranking com gente que arranca as barbatanas dos tubarões para fazer pratos exóticos e jogava o resto do corpo dele no mar, ainda vivo, para morrer sufocado. Sim, porque tubarões são criaturas aquáticas que precisam nadar para respirar.
Ok, eu odiava caçadores de tubarões. E eu odiava Marcela Noronha triste.
Eu gostaria de ter comprado um cappuccino de canela para ela. Ou uma quantidade enorme de açúcar. Ou qualquer coisa que tirasse aquela expressão triste do rosto dela.
Me aproximei cautelosamente e acho que ela só percebeu que eu estava ali quando eu já estava na cadeira ao seu lado.
- Amor... - Eu comecei e ela virou o rosto para mim. Talvez alguém menos atento não perceberia e aquilo passaria apenas como Marcela Noronha mau humorada como de costume, mas eu conseguia perceber suas pálpebras inchadas.
- Eduardo - ela disse, erguendo uma sobrancelha.
- Não tem ninguém aqui, Má - eu disse e puxei uma das suas mãos do teclado, colocando entre as minhas. - Está tudo bem?
Era uma pergunta idiota, mas eu tinha que começar de algum lugar.
- Está - ela disse e sorriu.
Dei um beijo na mão dela.
- É para eu fingir que acredito? - perguntei, erguendo as sobrancelhas. - Quer conversar?
Marcela fez que não com a cabeça e seu sorriso não fraquejou, ainda que seus olhos me contassem uma história muito diferente. Eu a conhecia há tempo suficiente para saber que ela nunca demonstraria fraqueza dentro daquela empresa, mas, bem... Eu não era como os outros colegas de trabalho dela, né? Eu era... Eu. Para as horas boas e ruins.
Eu nem vi exatamente qual foi o momento que o elevador abriu, mas acho que foi no mesmo segundo que Marcela puxou a mão das minhas como se eu fosse um agente alergênico que provavelmente a mataria pelo contato.
Então Sandro apareceu, com seu inseparável copo térmico de café, seu cabelo negro com pontos grisalhos espetados para todos os lados, com uma pasta embaixo do braço, sua cara habitual de poucos amigos e com seu humor de segunda-feira.
- Noronha, Senna - cumprimentou, passando por nós e encarando Marcela. - Ele está tentando te aliciar na horda dos ambientalistas? Não deixa, viu? Tem que sobrar algum engenheiro que gosta de engenharia e não de firula. Já viu aquele Isaac? Ele disse que gosta de tijolo replast! Tijolo replast! Eu estou ofendido com uma coisa dessas e...
Sandro continuou praguejando, sem falar necessariamente com ninguém, até chegar a sua mesa. Lucas chegou pelas escadas.
- Ele deixou a porta do elevador fechar na minha cara! - disse ele, e não precisava que explicasse para que todo mundo soubesse de quem ele estava falando. - Bom dia, Edu. Bom dia, Marcela. Sandro, já pensou naquela argamassa de argila?
- Passa reto pela minha mesa, Lucas! Reto! - Sandro vociferou ao mesmo tempo em que Marcela e eu respondíamos um "bom dia" uníssono.
Então chegaram Galileu e Andreia (vi Marcela dar um sorriso genuíno para ela), depois Marcos, então Igor e... O dia na CPN começou.
- Marcela - eu tentei de novo.
- Eu só preciso de um bom dia de trabalho, Edu, então energias renovadas - disse rapidamente. - Bom trabalho.
- Bom trabalho, Má - eu disse e me levantei, entendendo que tinha sido dispensado.
Voltei para a minha mesa e peguei a planta do hotel que estava projetando com Diego, analisando novamente a distribuição dos espaços internos com as fachadas, tentando enxergar alguma coisa que fizesse haver algum sentido em pensar em varandas. Não havia nada.
Então pensei sobre o revestimento dos banheiros. Provavelmente o ideal seria algum a base de resina, porque não seria problemático em um ambiente úmido (eu estava bem tentado a colocar aquele de PET e fragmentos de pedra, mas acho que ia assustar Diego). Talvez eu devesse colocar algo ainda menos convencional só para ele achar essa ideia muito boa? Ok. Escrevi "ladrilho hidráulico" apenas porque ele ia ter quase uma síncope por causa da necessidade de resina para lidar com a porosidade e a manutenção com cera, então eu ia sugerir... Pastilhas de PET? Ou de côco? Com certeza ele ia achar pet e pedras uma opção fantástica comparada com côco (embora... Côco era realmente uma má ideia? Eles eram bem resistentes à temperatura e à umidade).
Eu adorava a ideia das pastilhas de côco e ia comprar essa briga com Diego, atualmente o engenheiro mais próximo de Sandro que possuíamos. Bom, era como lidar com a Marcela do começo de novo. Exceto que ele não era lindo e tinha pernas fantásticas e cheiro de Good Girl e aquele beijo que me faz esquecer totalmente no que eu estava pensando e...
No que mesmo eu estava pensando?
Depois de algum tempo estudando possibilidades para o design interno do hotel, enfiando pequenos toques ecológicos no meio de todo aquele glamour que possivelmente seriam mais funcionais do que o tradicional e... Bem, estavam pagando bem caro por um projeto de hotel cinco estrelas, se eu conseguisse colocar coisas sustentáveis ali seria incrível. Minha tese atual era que o sustentável é lindo também - para mim, ser sustentável meio que bastava, mas não acho que um empreendedor multimilionário acharia essa ideia divertida, realmente.
Vi que o relógio do meu computador estava marcando um pouco mais de onze horas. Olhei por cima do monitor e vi que a mesa de Marcela estava vazia, então mandei uma mensagem.
Eduardo: Quer almoçar onde hoje, linda? Por minha conta
Ela demorou cinco minutos para responder.
Marcela: Estou na Casa Amarela, Edu
Marcela: Problema no cabeamento (de novo)
Marcela: Valter e eu vamos almoçar aqui perto
Eduardo: Estou perdendo um almoço com meus dois amores?
Enviei uma figurinha de kkkkkrying. E estranhei porque... Eu não tinha que ajudar Marcela a acompanhar essa obra? Eu conhecia aquilo. Quer dizer, não que ela realmente precisasse de mim lá, mas eu gostava de estar onde ela estivesse e de ver como ela botava moral em tudo mesmo sendo menor que quase todo mundo ali.
Um minion de capacete mandando em um monte de Grus. Linda que chegava a ser obsceno. E normalmente ficava mesmo obsceno quando a gente chegava em casa depois - eu fazia massagem nos seus pés e a gente demorava mais ou menos cinco minutos para dormir um do lado do outro porque estávamos mortos de cansados.
Marcela: Ossos do ofício
Eduardo: Má... Vou perguntar de novo: tá tudo bem?
Marcela: Sim
Não.
Mas, se ela queria espaço... Bem, eu daria espaço, certo? Eu não ia ser daqueles caras invasivos, então, com um suspiro resignado, apenas mandei uma figurinha com olhar desconfiado e coloquei o celular no bolso, tentando entender o que podia estar dando errado. Será que eu deveria falar com Romeu, mesmo ele ainda estando na sua viagem de lua de mel?
Marcela me mataria, não é? Por falar com Romeu e por atrapalhar a viagem dele, mas, sem ele, ela provavelmente não estava falando com ninguém sobre o que estava acontecendo. Bem, ela sabia que eu estava ali por ela, nem que fosse só para levar sua cabeça para longe dos problemas nos quais ela não queria pensar. Ela fazia muito isso comigo e acho que eu teria colapsado sem ela ali nos últimos tempos.
- Opa, Senna - Sandro disse, acompanhado de Marcos e Caíque, me tirando do transe. - Estamos indo no Quíron. É lá quem tem aquele quibe horroroso que você gosta, né? Está a fim?
Coloquei a mão sobre o coração e Sandro rolou os olhos, provavelmente se arrependendo de ser legal comigo. Ok, em minha defesa, era mesmo muito divertido implicar com ele.
- Assim parece até que você gosta de mim, Sandrinho - eu gracejei e Marcos riu. - Jamais recusaria um convite seu.
- Eu gosto de você, Eduardo - ele esclareceu. - Vou te convidar mais vezes para usar concreto e vidro.
- Jogo sujo - Lucas comentou enquanto eu pegava meu casaco e conferia se minha carteira estava no meu bolso.
Galileu ia almoçar com Andreia, então acabamos somando apenas Diego e Igor às pessoas que iriam conosco. Eu particularmente não ia muito com a cara de Igor, mas era só um almoço e eu iria sobreviver. Quando chegamos lá, encontramos com mais gente da CPN - Paulo, Vitor, Ramiro, Wagner e Luciano, então acabamos todos apertados em uma mesa que, apesar de grande, não comportava onze caras, mas comportou mesmo assim, ainda que talvez o cotovelo de Lucas estivesse entre as minhas costelas.
O prato do dia era virado à paulista e todos pareceram realmente empolgados com aquilo, então acabei pedindo a versão veggie, que não tinha o bacon e nem a bisteca, mas vinha com um ovo extra e um queijo coalho tostado que eu tinha certeza que eu tinha ganhado porque a moça que nos atendeu gostou de mim.
- Como está a Torre Norte, Eduardo? - Sandro perguntou e eu ergui as sobrancelhas. Sandro se interessando pelos projetos dos outros era... Inédito.
- Eu estou um pouco afastado porque estou trabalhando com o Diego no hotel - respondi e Diego assentiu. - Mas tudo bem, até onde eu sei. Marcela está cuidando de tudo. Posso perguntar o por que a curiosidade sem parecer mal educado?
Será que era isso que estava deixando Marcela triste? Algo com a Torre Norte que ela não queria me contar?
Por que ela não iria querer me contar algo assim? Eu ia ficar sabendo de qualquer jeito.
- Kaiser pediu para eu dar um pulo para conferir a obra, por algum motivo - Sandro deu de ombros. - Eu disse que se Marcela está de frente, ele não tem nada com que se preocupar porque ela é a engenheira mais inteligente dessa firma. Não me olha assim, Diego, você sabe que é verdade.
Kaiser... Pedindo uma segunda opinião sobre o projeto? O quê eu não estava entendendo?
- Eu sou inteligente também - Diego se defendeu.
- Ninguém disse que não é, cara, mas a Marcela é foda demais, desculpa - eu disse.
- Talvez ele quer ter certeza de que ela está fazendo tudo certinho, né? - Ramiro disse e ergueu as sobrancelhas de um modo que claramente queria insinuar alguma coisa, mas, a princípio, eu não entendi do que ele estava falando. Wagner ecoou a risadinha que escapou dos seus lábios, claramente por dentro do assunto. - Porque agora ela pode estar... Distraída.
Todos riram juntos, com exceção de Lucas, Sandro e eu. Aparentemente nós estávamos perdendo a piada do dia.
- Do que vocês estão falando, caralho? - Sandro perguntou, delicado como um coice, como era de seu feitio. Lucas tomou um susto e eu quase ri da sua cara de Golden Retriever que tinha feito xixi no lugar errado, mas estava focado naquela conversa sobre, aparentemente, Marcela estar distraída.
Os caras olharam um para o outro e, sei lá por qual critério, ficou decidido que era Wagner quem ia nos contar.
- Ela está... Saindo com o Kaiser, aparentemente - contou e eu ergui uma sobrancelha.
Oi?
- Qual dos Kaiser? - Paulo perguntou.
- Soube que os dois - Marcos respondeu. - Não tem muita diferença, né? Eles são gêmeos idênticos.
Acho que meu cérebro tinha parado de funcionar, porque aquela conversa... Marcela? Aquilo não fazia o menor sentido. Nem eles estarem explodindo em risadas.
- Fiquei sabendo que foi um encontro na sexta-feira, perto da obra da Torre Norte, naquele lugar chiquezinho que tem do lado, sabem? - Ramiro comentou, com meia bisteca mastigada rolando dentro da boca. Eca. - Nem estão disfarçando.
- Pode ter sido só um jantar... - Lucas disse, baixinho. - Eles trabalham juntos, né? Talvez só queriam conversar sobre a obra e...
Sua voz foi praticamente engolida pelos demais.
- Você ficou sabendo de um jantar só? - Diego disse. Diego! Eu estava trabalhando com esse cara! - Eu fiquei sabendo de... Bom, coisas diferentes.
Ele ergueu a sobrancelha com ar de insinuação. Mas que filho da puta!
- Falem logo, caralho, estamos só entre brothers aqui - Igor disse, rolando os olhos com um sorriso divertido no canto dos lábios, amando aquela fofoca. - Matheus está comendo a Marcela.
Matheus, o que olhava para Marcela como um pedaço de carne em toda porra de reunião? Até parece. Era mais fácil eu estar dormindo com a Renata - e Deus sabe que eu admiro demais e respeito demais a profissional que ela é, então... Simplesmente não.
- Marcela jamais faria isso - eu disse e, pela expressão de pânico de Lucas, acho que a minha cara não estava muito boa.
- Ai, Eduardo, todo mundo sabe que você vira um boiola do caralho com a Marcela e ela manda em você, mas ela não está aqui, viu? - Igor disse, dando risada.
- Se você quiser me chamar de boiola, Igor, foda-se. Mas eu conheço a Marcela e sei que ela não faria isso - disse eu, de repente notando meu peito estufado e o dedo em riste.
Eu podia acreditar totalmente em um jantar com um dos Kaiser para debater algo sobre o projeto, por mais improvável que isso fosse. Podia acreditar que ela era dedicada a esse ponto. Mas, que ela estava se envolvendo em encontros românticos ou sexuais com aquele cara que sequer respeitava o trabalho dela? Porra nenhuma.
- Marcela é íntegra, Igor - Sandro defendeu. - Uma das poucas pessoas assim. Para de falar merda.
- Vocês acreditem no que vocês quiserem, consagrados, mas eu ouvi isso da boca do Kaiser - Igor disse.
Ok. Até eu tinha um limite.
- Igor, vai para a casa do caralho - eu disse.
Simplesmente levantei daquela mesa e saí. Acho que os caras falaram que eu era "boiola" e "cadela da Marcela" e Igor veio com um "pergunta pra ela o que ela fez na sexta, campeão", mas que se fodesse. Eu não era obrigado a ouvir esse tipo de insinuação e discutir com eles era inútil - eles iam continuar falando e falando e falando.
Sandro mandou todo mundo calar a boca e ir para o inferno e veio atrás de mim, seguido por Lucas, seu Golden de estimação.
- Eles são uns merdas, impressionante - Sandro disse. - É por isso que eu acabo com os dois arquitetos sustentáveis da empresa. Vamos conversar sobre energia solar para mudar esse clima pesado.
Sandro Ventura, decorem esse nome. Foi Sandro Ventura quem conseguiu desmanchar um pouquinho a carranca da minha cara quando jogou os braços por cima dos meus ombros e dos de Lucas.
Talvez Lucas tenha morrido de felicidade, mas eu estava tão puto que... Eu só precisava entender o que estava acontecendo naquela empresa e porque Marcela estava daquele jeito - porque com certeza não era por estar vivendo um tórrido caso de amor com Matheus Kaiser.
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Confesso que conversar com Lucas e Sandro sobre materiais sustentáveis melhorou um pouco meu humor. Surpreendentemente, Sandro conhecia muito sobre o assunto - muito mais do que eu julguei que um engenheiro super clássico saberia. Ele também começou a nos chamar de Edu e Eduzinho. Eu era o Eduzinho.
Era por isso que eu continuava gostando dele depois de todos os anos de "você tem medo de andaimes, Eduardo? Deveria". No fim das contas, ele tinha anos de experiência com momentos de crise e parecia uma bailarina colocando tudo no lugar de forma extremamente graciosa.
Sandro. Gracioso. Duas palavras que nunca pensei ver juntas.
Não foi tão fácil assim quando Lucas e Sandro foram trabalhar nos próprios projetos e eu me vi preso a Diego de novo.
Normalmente, eu não tinha problemas para lidar com ninguém, mas naquele dia... Eu não sei com quem daquela mesa eu não teria problemas para lidar.
Ele até começou a soltar um "fica frio" quando eu entrei com ele na sala de guerra, mas acho que algo na minha cara o fez calar a boca. Eu apenas desenrolei a planta e me joguei na cadeira mais distante dele possível enquanto ele colocava os óculos e olhava.
- Revestimento de pastilha de côco? - ele perguntou. Eu apenas balancei a cabeça positivamente. Era isso que estava escrito, né, caralho? Totalmente sem paciência para gente estúpida. - Ok.
Claramente não foi uma boa tarde, pelo menos no quesito comunicação. Provavelmente ele ia chorar para o Fernando para me tirar do projeto pelo meu comportamento, mas pelo menos assim eu podia voltar para Má e as pontes e pessoas com um mínimo de senso do ridículo. Engraçado como ele ficava quieto quando não estava falando merda em bando.
Acho que meu humor só realmente ficou um pouquinho melhor quando eu vi Marcela chegando com Valter na CPN e se sentando para trocar a botina pelas sapatilhas que estavam embaixo da sua mesa. Ela parecia um pouco mais ela mesma rindo de algo que ele tinha dito e suja de poeira - não que ela sempre fosse assim, sabe, empoeirada. Ela era limpa, linda e cheirosa, mas aquilo meio que fazia parte de quem ela era.
Talvez ela tenha achado que eu entrei no elevador com ela como obra do acaso, mas foi total e friamente calculado. Ela ergueu os olhos para mim e tinha algo respingado na sua bochecha, mas eu não me importei, apenas a abracei pelos ombros e a puxei contra o meu peito.
Acho que eu precisava tanto dela quanto ela de mim, porque seus braços envolveram minha cintura e ela se aconchegou em mim enquanto eu beijava seus cabelos e fazia carinho nas suas costas e nós dois parecemos um pouco mais calmos. E eu finalmente senti que alguma coisa ainda funcionava de verdade naquele dia que parecia ter sido fruto de um delírio.
- Eu vou te levar em casa, tá? - eu perguntei e ela ergueu os olhos para mim. - Sei que você não está bem, Má, me deixa ser seu ursinho carinhoso agora.
- Só não abusa - ela disse e eu vi (ou quis tanto ver que sonhei com) uma sombra de sorriso. - Obrigada por me entender.
Então apoiei minha bochecha no cabelo dela e vi, pelo espelho do elevador, que ela fechou os olhos e apertou a minha camisa com os dedos até os as juntas ficarem esbranquiçadas.
Foi quando o barulho do elevador parando se fez audível que ela me largou rápido, ajeitando a barra da blusa e colocando o cabelo no lugar. Ergui as sobrancelhas, levemente curioso com aquilo. Eu achei que... Bem, eu achei que depois que ela não correu do meu carro no outro dia a gente tinha superado isso?
Enfim, era um dia atípico e, bem, a gente não tinha oficializado nada, né? Mesmo que, dentro da minha pasta, estivesse aquela coisa sobre a qual eu ainda não tinha falado com Marcela. Um dos termos de relacionamento da CPN, que eu tinha pegado exatamente uma semana antes.
Na minha cabeça, fazia sentido oficializar o que, pra mim, já era oficial. Eu estava de verdade com Marcela Noronha e, já há um tempo, eu sabia que aquilo que nós tínhamos não era casual e eu não queria outra pessoa.
Aliás, desde o primeiro envolvimento com Marcela, eu não quis, ainda que eu nem tivesse me dado conta desse fato. Ela facilmente tinha se tornado a melhor parte dos meus dias, a calmaria no meio do caos e eu não conseguia imaginar a gente colocando um ponto final no nosso lance - que não era mais um "lance" e provavelmente tinha um nome correto.
Mas quando ela corria do meu carro, ou me largava segundos antes da porta do elevador abrir, eu ficava um pouco em dúvida sobre o que ela queria com relação àquilo. Quando estávamos juntos, era como se falássemos uma língua em sincronia, como se quiséssemos exatamente a mesma coisa, mas, às vezes, como nesse momento, eu só realmente não sabia se estávamos no mesmo ritmo.
Eu estava apaixonado e queria estar com Marcela, dar nome, sobrenome e até um RG para o que a gente tinha se ela quisesse. Mas aquele não era um bom momento para dizer isso, então eu apenas destranquei o carro e a assisti entrar nele e se esconder atrás dos vidros com insulfilm, ainda que ele não fosse realmente tão escuro assim.
Suspirei, porque, mesmo que ela não quisesse ser vista comigo, ela claramente era a melhor parte do meu dia e eu só queria fazer o mesmo por ela: ser a parte boa de um dia, semana ou mês ruim.
Quando eu entrei no carro, vi que Marcela estava olhando alguma coisa no celular e seus ombros murcharam quase como uma reação automática, mesmo que seus lábios estivessem entreabertos, como se ela quisesse dizer algo, mas simplesmente sua voz não saísse. Será que estava acontecendo alguma coisa na família dela? O que poderia ser assim tão ruim?
O caminho em si foi silencioso, mas não silencioso daquele jeito normal de quem está apenas muito à vontade na companhia de outra pessoa. Era um silêncio diferente - eu nem sabia realmente que silêncios podiam ter classificações diferentes -, estranho, desconfortável. E aquilo estava me matando.
Eu queria respeitar o espaço de Marcela e me calar, mas simplesmente era muito difícil apenas esperar enquanto estavam falando dela pelas costas e enquanto ela ficava tão, tão, triste daquele jeito e eu simplesmente não podia fazer nada sobre nenhuma das duas coisas.
Então começou a cair uma garoa.
Um Honda Fit buzinou quando o trânsito parou e eu suspirei, estalando os dedos após colocar a alavanca do câmbio na primeira marcha e deixar o carro pronto para entrar em movimento de novo.
Um metro a cada dois minutos.
E a garoa começou a se tornar uma chuva forte.
Marcela não parecia se importar. Não sei nem se ela tinha noção que realmente estava chovendo, apenas com a cabeça encostada no vidro e olhando para fora, para algum ponto perdido e sem importância que provavelmente ela sequer sabia o que era, tipo quando eu ficava olhando o purificador de água da CPN.
Mordi meu lábio e apenas esperei pacientemente que fosse possível pegar uma via lateral porque não tinha como continuar naquela avenida. Um caminho alternativo ia ter que ser no meio daquela chuva.
A playlist do carro era uma de sertanejo que Marcela gostava e, de vez em quando, eu apenas olhava para ela procurando uma resposta, esperando que ela falasse algo... Era muito difícil apenas ter paciência quando eu podia e queria ajudá-la a carregar o peso do que quer que fosse que a estivesse deixando daquele jeito. A carga era mais leve para dois.
Cantarolei junto com Louca de Saudade, Te Assumi Para o Brasil, Todo Mundo vai Sofrer, Regime Fechado e outras músicas que eu não sabia o nome, tentando entender o incompreensível e aquela dor que ela estava silenciando.
Peguei sua mão pequena e coloquei junto com minha, mesmo sabendo que ela não ia gostar de ter que ficar passando as marchas comigo, mas eu queria apenas que ela soubesse que não estava sozinha. Ela apenas deixou que eu fizesse isso, sem propriamente reagir.
Por algum milagre, tinha uma vaga para eu parar o carro na frente do prédio dela, então eu coloquei meu carro ali, desligando o motor porque, quando eu olhei de verdade para Marcela, eu só queria a segurar no colo e a beijar e fazer carinho até que aquela bosta de coisa ruim passasse e eu não iria simplesmente dar ré e ir embora. Porque era quase uma dor física ver aquela mulher daquele jeito.
- Má - chamei e ela finalmente pareceu se dar conta de onde estávamos. Era isso. Eu não conseguia. Talvez eu fosse um violador da dor alheia ou algo, mas eu simplesmente não estava aguentando mais ficar quieto sobre aquilo. - Por favor, Marcela, eu não aguento mais esse silêncio. Me deixa te ajudar.
Peguei uma das mãos dela e dei um beijo no dorso, apenas porque... Eu não conseguia não fazer isso.
Ela fechou os olhos com pesar e voltou a abri-los após um suspiro.
- Não tem nada que você possa fazer, Eduardo - ela disse, com uma voz baixa que me quebrou inteiro. - Só... Não força.
- Eu não quero forçar, só acho que talvez fique menos dolorido se você falar comigo. Eu me importo com você, Marcela, pra caralho - eu disse e olhei aqueles olhos castanhos que, normalmente, me olhavam com um sorriso, sentindo falta daquela coisa boa que tinha neles porque... Não estava ali.
Passei meus dedos pelos de Marcela, assistindo-a abrir e fechar a boca algumas vezes, como se quisesse falar algo e não soubesse como. Ou como se desistisse no meio do caminho. Fosse o que fosse, não combinava com ela.
Ela tinha me falado, ainda no cruzeiro, como se sentia sobre sua família não se importar com sua vida profissional. Nós já éramos, lá, amigos o suficiente para que ela chorasse na minha frente e dividisse a carga emocional comigo. O que estava diferente agora?
Marcela puxou os dedos dos meus, devagar.
- Eu... - sibilou, desviando o olhar do meu. - Eu só preciso de espaço e... um tempo.
- De mim? - perguntei, apertando as sobrancelhas. O quê?
- De tudo. Eu só... Sinto muito.
Isso foi tudo o que ela disse antes de abrir a porta do carro e sair correndo pela chuva até estar protegida pela cobertura do prédio. Quando ela enxugou os olhos, eu não acho que era apenas água da chuva que havia ali, mas eu não tive tempo de ter certeza antes que ela sumisse pela portaria, sem me dar a oportunidade de perguntar se ela queria um tempo de nós dois, um tempo a sós, um tempo para pensar ou o que exatamente aquilo significava, me deixando com um enorme ponto de interrogação.
E, corrigindo: ela não tinha me quebrado inteiro antes, porque ainda havia alguma coisa inteira que se quebrou enquanto eu ligava o carro e tentava entender o que tinha acabado de acontecer.
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Hoje CEM está na vibe de uma blue monday (segunda azul = segunda triste), alguém ainda vivo depois desse cap?
A gente sabe que a Má está passando por uma fase horrível na vida dela e tudo o que o Edu mais quer é ajudar, mas quando a gente não quer conversar... bem, dá pra entender um pouco o motivo dela estar se afastando, né? (ou vcs acham que fariam diferente se fossem ela? Conta pra gente!!)
Agora apenas no aguardo do Edu fazer a matemática mais básica de todas: má triste + fofoca dela na empresa + má se afastando = ?????????????????
A dor e o sofrimento que acompanham este cap são reais </3 mas a gente espera que vocês continuem acompanhando a história e estejam gostando (apesar dos apesares).
E para compensar esse cap tenso, um spoiler coletivo para vocês:
"Eu estava digitando uma resposta apenas mais ou menos educada para ele quando Fernando Nogueira apareceu.
- Eduardo, você tem um minuto? - perguntou.
Claro que quando é o seu chefe que pergunta, não é realmente algo para o que você possa falar não, então eu apenas anui, já imaginando que Diego tivesse falado algo sobre eu estar sendo extremamente intransigente e eu fosse tomar um delicado aviso para parar de ser assim."
Não esqueçam da estrelinha e de nos contar o que estão achando!!! Teorias pros próximos caps?
Beijinhos,
Libriela <3
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