Capítulo 30 - Clássico
Clássico
Eduardo
— A gente chama de hard quando você está com um valor alto na mão — Heitor explicou, apontando para as cartas que eu estava segurando, porque claramente eu era café-com-leite naquela mesa porque ainda estava aprendendo a jogar. — Aqui, no caso, você está com 17, então, chegou no hard.
— Daí a melhor estratégia, geralmente, é ficar só com as cartas que você está na mão, que é o stand — Patrício disse. — Porque pedir mais uma carta, o hit, a chance é muito alta de extrapolar 21, que é o...
Patrício me deixou completar e eu sinceramente não sei se eu tinha força para decorar tantos nomes.
— Bust — completei e ele assentiu, aparentemente orgulhoso.
Naquele dia, o último do cruzeiro, houve um almoço em comemoração às bodas de Malvina e Nicolau, os avós de Marcela, então todos os Noronhas estavam ali e, aparentemente, boa parte deles estava feliz em me ensinar a jogar depois de perderem repetidamente para Marcela muitas e muitas vezes.
Todo o almoço foi bem divertido, embora eu ainda estivesse levemente enjoado (e, aparentemente, pálido, porque Patrício disse que eu estava parecendo o meu próprio fantasma) então, foi uma pena, porque, nas palavras de tia Marília, eu estava comendo exatamente como um pássaro diante daquele cardápio mineiro que era uma tentação com aquela polenta frita e o queijo canastra — uma sensação de saudade de Chicão e Leandro me abateu assim como a certeza de que eu ia vomitar até minha alma também, então fiquei na salada e na água de côco que Bruna tinha arranjado pra mim.
— Seguro? — Patrício perguntou.
— Não estou pensando em bater o carro — eu disse, já meio confuso com o que eles estavam falando e Patrício riu.
Juro que vi uma breve sugestão de sorriso nos lábios de Marcelo, mas acho que era uma ilusão de ótica ou miragem, que nem quando você está no deserto e começa a ver fontes de água.
— Pelo menos eu não vou mais ser a pior da família no 21 — cantarolou Bruna.
— Eu não me importo em carregar esse título pra você, Bru — eu disse e nós fizemos um brinde batendo nossas garrafinhas de água de côco.
— Duas horas e ele joga melhor do que você, princesa — Enzo disse e Bruna fez careta, abraçando o noivo pelo pescoço e mordendo sua bochecha.
— Ele já joga há uns quinze minutos, porque aprendeu a contar as cartas — Patrício implicou e Bruna atirou uma tampinha de plástico na sua cabeça.
Eu ia reclamar sobre ter que colocar na lixeira reciclável, mas eu finalmente entendia como era a labirintite de Henrique Francisco mesmo que o navio não estivesse mais sacolejando em ângulos estranhos, então ia deixar aquela passar.
— Edu, Bruna tem um par de setes e a carta do dealer é um três — Enzo começou e eu tentei prestar atenção nele. — O que você acha sobre um split?
Era um teste para ver se eu tinha aprendido. Split era quando havia um par de setes na mão e a carta do dealer, no caso Heitor, era superior a sete? Inferior? Cara, sei lá.
— Cara, acho que ela deveria seguir o coração — eu disse, massageando as têmporas como se aquilo fosse resolver o meu problema. — O que você acha, Bruna?
— Ok, a disputa pelo último lugar está acirradíssima — Valentina completou e, dessa vez, Marcelo riu de verdade.
Era uma humilhação Valentina saber jogar melhor do que eu? Eu não achava. Vai Val!
Senti uma mão no meu ombro e, quando olhei para cima, dei de cara com o Sr. Nicolau ali. Ele era um senhorzinho muito simpático, com olhos castanhos muito parecidos com os de Marcela e cabelo branco escapava por debaixo da boina que ele estava usando.
— Vocês não vão ensinar o rapaz a jogar em um dia — disse, se compadecendo da minha situação. — Especialmente porque ele está passando mal.
— Eu estou melhor, Seu Nicolau — expliquei, colocando minha mão por cima da dele. — Só um pouco abatido porque ainda não consegui colocar muita comida para dentro, mas estou com água de côco e logo vou estar pronto para outra.
Que não tenha outra, amém.
— Acho que você deveria tomar um sol, meu filho — disse ele, com gentileza. — E não deixar o Heitor tentar ensinar você a ganhar da Marcelinha porque ele não consegue.
— Um bom aprendiz tende a superar seu mestre, pai — Marcela gracejou para Heitor, se aproximando de onde nós estávamos com mais uma garrafinha de água de côco e me entregando com um olhar gentil. — Aceita.
Ela tinha cuidado de mim quando eu estava passando mal no dia anterior, mesmo que eu só tivesse forças para vomitar e existir por muito mais tempo do que achei que fosse possível e eu era genuinamente grato por ela ter me ajudado e por ter se preocupado comigo. Ficar com ela naquela tarde, com o barulho das ondas e da chuva e assistindo apenas alguns pedaços de Emily em Paris tinha sido um dos momentos mais incríveis daquele cruzeiro. Nós estávamos mentindo para a família Noronha inteira, mas se havia algo que eu tinha entendido que era verdade era Marcela e eu.
— Espero que você esteja pronta para uma revanche então, Celinha — Heitor ergueu as sobrancelhas para ela e eu logo ofereci meu lugar para ela, porque o jogo tinha passado a ser pro e até Marcelo se aprumou para ver melhor.
Heitor embaralhou os quatro baralhos com satisfação. Pelo menos eles só estavam disputando honra e não no cassino, apostando dinheiro de novo.
— Vamos — Nicolau disse para mim, caminhando em direção à parte descoberta do navio e eu fui junto, porque duas coisas eu sabia na vida: você sempre acredita quando uma pessoa idosa diz que vai chover e vitamina D realmente pode dar uma levantada no ânimo.
Eu não sabia se Nicolau gostaria de ajuda para subir os poucos degraus que haviam ali, mas ofereci meu braço mesmo assim e senti sua mão com aquela pele fininha se apoiar em mim, embora ele claramente não tivesse nenhum grande problema de mobilidade.
— O senhor tinha razão — eu disse, depois de um ou dois minutos caminhando ao lado dele pelo navio, perto do guarda-corpo, sentindo o sol queimar as minhas bochechas.
— Todos os Noronha sempre acham que tem razão, mas, normalmente sou eu quem tenho — gabou-se, apontando para o próprio peito. — Não conte para o Heitor, ele vai estar muito mal humorado quando perder para a Marcela.
— Ela é assustadoramente boa com cartas — confidenciei e ele riu, provavelmente muito mais ciente que eu de que aquilo era verdade.
— Mas e você, filho? — perguntou, apoiando a mão no guarda-corpo e olhando para o horizonte. — O que você faz?
— Obviamente não arraso nas cartas — eu disse e sorri quando ele riu. — Eu sou arquiteto — ele me encarou, como se esperasse por mais, então, prossegui: — gosto de uma vertente mais sustentável da construção civil, tentando minimizar os impactos ambientais com essas novas tecnologias que vão surgindo.
Ele sorriu, aparentemente um pouco mais satisfeito com a minha resposta.
— E você consegue fazer isso? — perguntou ele, estreitando os olhos para me ver a favor do sol. Ele colocou a mão sobre os olhos, como uma viseira, ainda que as lentes dos seus óculos tivessem escurecido quase automaticamente.
— Bom, mais ou menos. Eu trabalho para uma grande construtora fazendo projetos para prédios e construções maiores e, normalmente, ser ambientalmente correto é um pouco mais trabalhoso e um pouco mais caro, então não é exatamente o foco dos clientes — expliquei, dando de ombros. — Mas a engenheira que trabalha comigo sempre escuta as minhas ideias e, cada um cedendo um pouquinho, a gente consegue chegar em um meio termo bem bacana. Acho que, passo a passo, as ideias sustentáveis vão acabar sendo incorporadas nos projetos de forma mais natural e acho que é um excelente começo.
Eu não podia mencionar que a engenheira em questão era Marcela, porque, como combinamos com Getúlio e Romeu, nós apenas tínhamos executado um projeto juntos, porque seria mais fácil explicar dessa forma. Mesmo assim, não deixava de ser verdade, porque de fato ela estava aceitando cada vez mais as minhas ideias e nossos projetos estavam ficando mais e mais amigos do planeta e... Se ela não topasse, eu não conseguiria fazer aquilo.
Marcela era uma pessoa incrível, para além da engenheira fenomenal que eu sempre soube que ela era, mesmo no nosso primeiro projeto juntos, quando nós discordamos em 99,9% de tudo o que tínhamos que decidir juntos — e acho que o 0,1% era porque a gente não discutiu quando eu disse que ela era uma mandona com pernas lindas.
De certo modo, ainda que Nicolau não tenha dito nada, eu senti que ele sabia que eu estava falando da sua neta.
— E o senhor? — perguntei.
— Estou aposentado — ele sorriu, apontando para todo o navio como comprovação de que ele merecia aquilo e eu tinha certeza que sim. — Mas eu fui joalheiro.
— O senhor fabricava, vendia ou consertava joias? — perguntei, genuinamente curioso.
— Acho que um pouco dos três, mas, no geral, eu gostava de fabricar — ele sorriu, olhando para o mar como se estivesse visualizando uma outra época. — Eu gostava, sabe, de criar as peças.
— É mesmo? — Encarei o horizonte assim como ele. — Alguma chance de eu ter visto uma criação sua no pescoço ou nas orelhas ou nos dedos de alguém?
Ele sorriu.
— Não, Malvina guarda as jóias que eu fiz debaixo de sete chaves, como se alguma chegasse perto de ser tão preciosa quanto ela. — Não consegui evitar o sorriso que tomou minha boca, porque era lindo que depois de tantos anos ele continuasse amando a esposa daquela forma. — Mas soube que a Mal está guardando um colar de pérolas para o casamento da Marcelinha, então talvez você o conheça em breve. Talvez você não goste, não é nada moderno como você diz que gosta.
Eu ri, voltando a olhar para o rosto marcado pelo tempo porque o mar estava fazendo meu estômago embrulhar.
— Eu gosto de modernidade em prédios, mas, quando se trata do resto... O clássico tem seu charme. Tenho certeza que sua criação deve ser linda, senhor.
— Me chame de você, Eduardo, você é da família — disse e eu assenti, embora fosse um pouco mais difícil não contar a verdade para aquele senhorzinho do que para os outros. Ele me lembrava tanto o meu próprio avô, que fazia tanto tempo que eu não via e... Por que eu estava adiando isso? — Malvina jura que aquele colar é a joia mais bonita que eu já fiz e, modéstia à parte, é mesmo. Quase tão bonito quanto Malvina e Marcela.
— Com certeza é difícil criar alguma coisa mais bonita do que elas, com todo o respeito. — Maneei a cabeça.
— Você realmente gosta da Celinha, não gosta? — Ele perguntou e eu assenti com a cabeça, feliz porque isso era verdade. — Ela é preciosa, filho.
— Mais do que o colar? — perguntei, apenas para provocá-lo.
— O que você me diz? — ele me devolveu, sabiamente e eu acompanhei sua risada rouca.
— Eu sinto muito pelo colar, mas ele não chega nem aos pés daquela mulher incrível.
Eu soube que tinha dado a resposta certa quando ele sorriu. E a melhor parte é que era verdade.
⟰ ⟰ ⟰ ⟰ ⟰ ⟰ ⟰ ⟰
FELIZ DIA DO LEITOR <3
Pra comemorar viemos com um Edu pós enjoo e um almoço com toda a família Noronha!
Se a Bruna deixou de ser a pior jogadora da família eu não sei, mas a Marcela continua sendo a melhor!!!
E temos um momento com o Vovô Nicolau com o Edu, porque este namoro de mentira precisava de uma cena fofa dos dois já que a Má teve com a Vó Malvina (((:
Espero que estejam gostando! Não esqueçam da estrelinha e de dizer o que estão achando!
Beijinhos
Libriela <3
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top