Capítulo 19 - Eu estava muito ferrada
Eu estava muito ferrada
Marcela
— Ok, podemos fugir da piscina da hidroginástica? Queria aproveitar o sol sem pessoas dançando e espalhando água por todos os cantos — eu comentei, terminando meu café enquanto lia o cronograma de atividades do dia de hoje — ah, tem trivia! Eu adoro jogos!
— Ah, eu sei, mas você é competitiva e eu acho melhor a gente passar essa oportunidade — Eduardo tombou a cabeça na minha direção, lendo o mesmo papel que eu enquanto seu polegar deslizava em um movimento lento e circular pelo meu ombro, abaixando e levantando a alcinha da minha saída de banho azul.
Aquele era um dos movimentos que nós havíamos treinado na noite anterior e naquela manhã, e eu não fugia mais quando ele se aproximava, o que era uma vitória absoluta para nós dois. Eu virei meu rosto apenas um pouco para olhá-lo e pousei minha mão em sua coxa, notando um sorriso divertido em seus lábios quando eu o fiz, pois ele disse que aquele era um movimento que, na linguagem de Leandro, significava "vamos para o quarto", mas para nós significava "estou tentando ser fofa".
— A gente provavelmente ganharia alguma coisa — eu arqueei minhas sobrancelhas, querendo que ele concordasse comigo, porém ele apenas meneou a cabeça — ah, tá bem, então. Nada de jogos para nós.
— Fico feliz que a gente concorde com algo, amor — ele pegou a minha bolsa com todos os nossos pertences de piscina e me ajudou a sair da mesa, entrelaçando nossos dedos com leveza, quase se separando, porém ainda juntos.
— Eu sempre gosto das suas ideias, quando elas são exatamente iguais as minhas. Todas as outras precisam de melhorias — eu brinquei e ele passou o braço nos meus ombros, puxando meu corpo contra o dele e plantando um beijo nos meus cabelos enquanto eu ria.
— Cadê o amor, Marcela? Preciso de amor também. Não é justo só você receber — ele sussurrou contra o meu ouvido e eu sorri, colocando minha mão em cima do seu braço enquanto nós ainda andávamos de maneira desengonçada pelo abraço estranho em que nos encontrávamos.
— Ah, Edu... — eu comecei a falar, porém um gritinho animado me fez desviar meus olhos dos dele (uma pena) para olhar para frente.
Oh, Meu Deus!
Por que a Marcele não me avisou que eles haviam chegado?
Eu puxei meu celular para reclamar com ela em uma mensagem nada delicada, porém notei que ele estava no silencioso desde a noite anterior e eu tinha mais de dezessete ligações perdidas e algumas mensagens de Marcelo perguntando se eu havia pulado do navio para escapar deles — o que não deixava de ser uma ótima ideia.
— Marcelinha! — minha avó foi a primeira a me reconhecer e eu me desprendi um pouco do Eduardo que apenas arregalou os olhos ao entender que provavelmente iria conhecer a minha família inteira naquele exato momento. Aquele era o momento. Se eles não acreditassem logo de cara, provavelmente não acreditariam nunca.
— Vovó! — eu puxei a mão de Eduardo junto comigo enquanto éramos engolidos por uma multidão de Noronhas, cumprimentando, se apresentando e beijando e abraçando e gritando e fazendo perguntas.
— Filha! Que maravilha! Como está? — Minha mãe me abraçou com carinho e eu a abracei de volta, dando um beijo em sua bochecha no meio de um sorriso.
— Estou ótima, mãe, e você? — eu a soltei depois de um tempo.
— O de sempre. Aposentada e feliz — ela arrumou o meu cabelo que estava levemente frizado pela brisa marítima — e esse deve ser o Eduardo?
— Sim! Eduardo, minha mãe, Alessandra. O carequinha é o meu pai, Heitor. Do lado dele está a Marcele, minha irmã e o Patrício, seu noivo. E do lado dela está o Marcelo, meu irmão e a Samantha, esposa dele — eu apontei e Eduardo hesitou um momento quando seus olhos pousaram no meu irmão, apertando minha cintura.
Ah, eu acho que eu não comentei com ele que meu irmão era gigante. Tipo, Khal Drogo de Game of Thrones. Ele tinha dois metros de altura e gostava de ser crossfiteiro de carteirinha, então seus músculos eram algo que ele tinha muito orgulho mesmo de cultivar. Patrício quase desistiu de namorar a Marcele quando conheceu o Marcelo, mas eles estão juntos faz anos, então acho que qualquer medo inicial havia sido superado. Acho que o problema é só o primeiro momento — e não é como se Eduardo tivesse que se preocupar de verdade, né? Ele só tinha que fingir por sete dias.
Sete dias.
— É um prazer! — ele se aproximou para um aperto de mãos extremamente educado, porém meu pai o puxou para um abraço e ele foi passado de abraço em abraço pela família toda enquanto minha mãe e minha irmã me mandavam mensagens pelos seus olhos que elas aprovaram muito o meu namorado. Muito mesmo.
Eu tentei apresentar Eduardo a todos, porém eram mais de vinte Noronhas e eu tenho certeza de que ele não pegou o nome de ninguém do clã, apenas, talvez, dos meus irmãos, meus pais e meus avós, porque nós havíamos falado deles incansavelmente nos últimos dias.
Ok, acho que foi Noronha demais de uma vez para Eduardo. Hora de recuar.
— Gente, vocês acabaram de chegar, né? Vou deixar vocês colocarem suas malas no quarto, fazerem check in com calma e nos encontramos mais tarde na piscina? Você também, Valentina, para de me olhar com essa cara — eu sorri para eles e ouvi vários sins sendo tidos enquanto eles começavam a se dispersar.
— Quanto ela está te pagando? Pra fingir que namora com ela? — Valentina, minha prima de quinze anos e muita petulância, perguntou para o Eduardo.
Ela pintava os cabelos de loiros meio escuros e tinha uma carinha de anjo, mesmo que sua língua tivesse sido batizada pelo capeta.
— E por que ela precisaria fingir? — ele perguntou com um sorriso brincalhão nos lábios e me puxou para mais perto.
— É a Marcela. Se existem duas coisas certas no mundo é que o Homem de Ferro não precisava ter morrido em Ultimato e que a Marcela continuará solteira para sempre — ela estourou o chiclete azul da sua boca e me deu um sorriso meigo mesmo que eu soubesse que sua intenção era apenas me irritar.
— Eu realmente concordo que o Homem de Ferro não deveria ter morrido. Existiam mais de trinta maneiras de terem derrotado o Thanos — ele revirou seus olhos, uma animação clara tomando o seu tom de voz — mas o para sempre, sempre acaba, não é assim a música? — ele piscou para minha prima que apenas estreitou seus olhos na direção dele.
— Tchau, Val, não morda a própria língua. O seu veneno ainda pode te matar — eu me despedi dela, começando a andar para longe deles junto com Eduardo antes que ela respondesse algo.
Nós fomos para piscina em silêncio. Eu estava impressionada de ver tantos Noronhas juntos e Eduardo ainda estava atordoado de tantas pessoas conversando com ele ao mesmo tempo. Manter quatro conversas simultâneas era algo que a minha família fazia com facilidade, porém, apenas por conhecer Cecília e a sua classe indiscutível, eu tinha certeza de que na casa dele eles tinham que levantar plaquinhas para terem um momento de fala.
Nós dois encontramos duas cadeiras para tomar sol pertinho do bar do Gustavo que sorriu para nós, já nos levando uma taça de Rosé e uma Eugência para Eduardo, que pareceu tão emocionado com o fato que abraçou o colega.
— Bom dia, casal — Gustavo piscou para nós.
— Minha família chegou, então, por favor, não fale nada sobre aquela coisa que você sabe o que é em voz alta, pode ser? — eu pedi, arqueando minhas sobrancelhas para cima e o barman apenas sorriu para mim, concordando — obrigada, Gus.
— E se você ver um armário de cinco metros de altura por sete de largura, por favor, me esconda — Eduardo pediu e eu apenas o empurrei pelo braço — é sério, eu acho que o irmão da Marcela vai me usar para palitar os dentes.
— O que eu não faço por vocês — ele deu dois tapinhas no ombro do Eduardo — qualquer coisa eu derrubo bebida em vocês para uma saída rápida.
— Genial — eu brindei com sua mão e tomei um gole da minha taça de vinho — hm, eu amei esta uva.
— Pinot Noir, acredita? Só que Rosé — ele me contou e eu não deixei de ficar surpresa com aquela informação — tenho que sair, pessoas para atender. Mas qualquer coisa, vocês sabem onde me encontrar.
— Valeu, irmão — Eduardo puxou a sua camisa pelo corpo e a jogou na sua cadeira, esticando o seu corpo.
A pele dele era morena, meio dourada pelo sol que o tocava, então as suas tatuagens estavam extremamente visíveis e eu não consegui deixar de analisar como os traços da tinta negra faziam com que seu corpo inteiro parecesse uma tela que um artista havia decidido testar seus dons com o pincel — neste caso com a agulha.
— Ei, amor — ele murmurou para mim, me chamando com o dedo e eu inclinei meu rosto para mais perto para saber o que ele tinha a me dizer — acho que você está com uma babinha escorrendo aqui — ele passou a mão no meu lábio inferior e eu o empurrei, rindo — eu sou irresistível mesmo.
— Para de se achar, Edu — eu revirei meus olhos, abaixando minhas mãos dentro da bolsa e pegando os meus protetores. Um para o rosto, um para o corpo e outro para a tatuagem (mesmo que eu tivesse quase certeza de que ela não apareceria debaixo do tecido do biquíni marrom metálico com tons de dourado) — e para de olhar.
— O que foi? — ele cruzou seus braços depois de tomar um gole do seu corpo, seu pomo de adão se movimentando com sutileza enquanto ele engolia o líquido âmbar.
— Eu vou tirar a saída de banho e seria ótimo se você não ficasse me olhando — eu pedi e ele voltou a me dar aquele irritante sorriso de canto. Seus dentes rasparam no seu lábio inferior e eu segui o movimento.
Ele poderia ter me beijado ontem. Quero dizer, a noite estava linda, o espumante estava fresco e nós dois ali... ele poderia ter me beijado. Eu não tinha recuado. Mas ele não me beijou.
Por que ele não me beijou? E por que eu queria que ele tivesse me beijado?
— Marcela, estamos dormindo no mesmo quarto. Estamos namorando — ele se aproximou mais de mim e suas mãos seguraram a barra da minha saída, deixando sua boca tão próxima do meu ouvido que o seu hálito gelado pela cerveja tocava o meu rosto antes de suas palavras — as pessoas imaginam que um casal já tenha visto até... mais, sabe?
— Isso é só uma desculpa para você me ver seminua? — eu coloquei uma mão em seu peito, sentindo o seu coração sempre estável contra a minha pele. Será que ele não estava mesmo nenhum pouquinho impactado?
— Você que me chamou para um cruzeiro. Isso não estava dentro do convite? — e, desta vez, suas mãos puxaram o tecido para cima, fazendo com que (eu tenho certeza que foi de propósito) as costas de suas mãos passassem pelo meu corpo enquanto ele tirava minha saída de banho, seus olhos jamais deixando o meu rosto, até que ela passou pela minha cabeça e ele a deixou cair ao nosso lado — pronto. Não doeu, doeu?
Eu engoli a seco e revirei meus olhos, pois minha garganta estava seca e eu tinha certeza de que minha voz iria falhar se eu tentasse replicar.
Sentei meu corpo na cadeira de praia e peguei o protetor solar número um e o espalhei pelo meu rosto, vendo Eduardo apenas pegar o seu celular para responder mensagens, rindo de algumas coisas que estava lendo, porém, ocasionalmente, eu notava as sutis olhadelas que ele me lançava. Uma parte do meu corpo por vez.
— Não vai passar protetor? — eu ofereci e ele fez uma careta — sabe, câncer de pele e queimaduras não são uma invenção do capitalismo para te fazer comprar mais protetor, ok?
— Eu só não gosto da sensação de ficar grudento — ele deu de ombros, sentando do meu lado e eu suspirei, colocando bastante protetor em minha mão e dando um tapa em sua testa, fazendo com que ela ficasse branca pelo creme — que merda, Marcela!
— Pronto, se não foi pelo amor, vai pela dor — eu dei um sorriso inocente e guardei meu protetor de rosto, começando a passar o de corpo em meu peito e pernas, notando ele estava me olhando e ainda não havia se movido para limpar o protetor em sua testa — eu tenho que cobrar cachê artístico?
Inclinei-me para frente e deslizei meus dedos pelo seu rosto, espalhando o líquido branco, aproveitando para olhá-lo, pois ali eu tinha a desculpa perfeita. O seu rosto parecia uma escultura, pensada e repensada para apresentar os melhores ângulos possíveis em uma única pessoa. O seu maxilar era marcado, seu nariz era proporcional com o seu rosto, e as sobrancelhas negras e grossas emolduravam tudo de maneira harmônica. E haviam aqueles seus lábios, que eram perfeitos. Quero dizer, eles não eram nem pequenos demais para que sumissem em um beijo, porém não eram grandes demais para engolirem os meus. Eles eram suaves e gentis e...
— Pronto — eu comentei, depois que havia terminado de espalhar o protetor pelo seu rosto de maneira completamente eficiente, forçando-me a parar de olhá-lo.
— E ainda veio com massagem facial? Sorte a minha ter uma namorada como você — ele se deitou na cadeira e colocou um óculos em seu rosto.
— E as tatuagens, Eduardo? Precisa passar nelas também — eu ofereci meu protetor pegando um pouco para passar de maneira discreta e rápida na minha. Acho que ele nem chegou a ver nada.
— Tudo isso é uma desculpa para passar suas mãos pelo meu corpinho? — eu não precisava ver seus olhos por trás das lentes escuras para saber que ele estava brincando comigo.
Antes que eu pudesse dizer algo a mais, eu ouvi a risada de gralha se afogando da Samantha e notei que minha família estava se aproximando de nós. Pelo menos, desta vez, eles estavam em menor quantidade, ou seja, menos pessoas para fazer as perguntas chatas.
— Nossa, Marcela, são dez e meia — tia Marília olhou para minha taça de vinho já na metade e franziu o cenho — sabe que é melhor pelo menos esperar pelo meio dia.
— Ai, Marília, você e suas manias antiquadas — minha mãe comentou com uma risadinha — querido, consegue pegar uma garrafa para nós e várias taças?
Meu pai saiu para pegar o vinho e Eduardo foi com ele, completamente solícito para não ter que passar protetor em suas tatuagens, e eu notei que minha família inteira o acompanhou com o olhar, analisando todos os pequenos detalhes dele.
Bem, havia mesmo muito que olhar. Ele era uma bela visão.
— Cela! Que homem! — Marcele se sentou em minha cadeira e eu puxei minhas pernas para mais perto do meu corpo para lhe dar espaço, porém ela logo se levantou para falar algo com Samantha.
Marcelo e Patrício foram com meu pai e Eduardo para pegarem cerveja pros homens, o que fez com que a viagem deles para nos servir mais álcool demorasse mais do que realmente deveria — com certeza aquilo foi uma emboscada e Eduardo estava relativamente ferrado, então eu comecei a me levantar para salvá-lo, porém a mão de minha mãe me parou onde eu estava.
Mamãe, tia Marília, tia Vanessa e a Bruna — filha da tia Vanessa — conseguiram se espremer na cadeira que eu e Eduardo pegamos para começarem o interrogatório e eu estava cercada por todos os lados, querendo encontrar Marcele e Samantha, porém as duas haviam saído para algum lugar desconhecido.
Pelo jeito a família conseguiu escapar por todos os cantos daquele cruzeiro para não ficarem juntos e eu começaria a me utilizar daquela técnica pro futuro pelo bem da minha sanidade mental.
— E como vocês se conheceram? — tia Marília, com seus cabelos negros Morena Mais Elegante, e um óculos que era quase duas vezes o tamanho do seu rosto começou com as perguntas.
— Ele é arquiteto, nos conhecemos em um projeto — eu deixei vago, pois dizer que ele trabalhava comigo daria muitas outras perguntas que eu não queria adentrar.
— E estão juntos faz seis meses? Como ninguém ficou sabendo? Eu postaria esse homem todos os dias em meu instagram — Bruna indagou, prendendo seus cabelos castanhos com um elástico e começando a passar seu protetor solar de spray em seu corpo, provavelmente intoxicando metade dos passageiros que passavam ali do lado com o cheiro.
— Somos discretos — eu dei de ombros da maneira gentil que eu sabia que tinha que responder.
— E ele já falou algo de um passo a mais? Temos grandes novidades vindo? — tia Vanessa pressionou e eu dei uma risada meiga, como havia treinado antes.
— Eu tenho um grande projeto vindo e...
— Ninguém liga pro projeto. Estamos falando do seu namoro. Vão se juntar quanto? — Bruna me cortou da maneira pouco elegante que era e eu respirei fundo.
— Não falamos sobre isso ainda — eu olhei para o lado, vendo meu pai e Patrício rirem de algo que Eduardo havia dito, apenas Marcelo que apenas levantou uma sobrancelha, estreitando seus olhos da maneira intimidadora que havia feito com Patrício no seu primeiro jantar de família.
Naquela vez, Patrício começou a gaguejar e quase saiu correndo, o que fez com que o tempo dele conquistar o respeito de Marcelo demorar um pouco mais, porém Eduardo deu de ombros para algo e apontou para o lobo em seu bíceps como se contasse algo e meu irmão revirou os olhos — o que era um sinal um tanto positivo já que ele não havia rosnado. Sim, Marcelo rosnava quando não gostava de alguém, mas eu juro que no fundo não havia pessoa mais amorosa no mundo.
— É, bem, se ele não falou sobre isso, pode ser que ele não queira, né? As vezes ele sabe que é só um namoro passageiro — Bruna disse com o toquezinho de provocação que sempre haviam em nossas conversas — o Enzo me chamou para morar com ele com três meses de namoro e estamos ótimos. Falando nisso, estamos planejando nos casar em 2022. Outono. Mês que vem eu mando o save the date — seus olhos brilharam na minha direção eu resisti a vontade de rolar meus olhos.
— Fico tão feliz por você, Brubru — minha mãe mandou um beijo no ar, pois Bruna cheirava a protetor solar e provavelmente mamãe sabia que morreria sufocada caso se aproximasse demais — Marcele e Patrício estão se organizando, sabe? Ela tem que se programar, porque eles estão terminando de quitar o apartamento que compraram e estão mobiliando tudo.
— E você, Marcelinha? Tem planos? — tia Marília indagou e eu voltei a sorrir, porém desta vez sem mostrar meus dentes.
— Eu ando meio ocupada com o trabalho. Ele demanda bastante e...
— E filhos, Marcela? Vai deixar sua mãe não ser avó? — tia Vanessa me interrompeu — seu corpo é um relógio e o seu daqui a pouco vai começar a apitar.
— Mamãe tem três filhos, né? Avó ela vai ser. E provavelmente vai começar com o Marcelo — eu olhei para Gustavo que indicou minha taça e eu concordei, implorando por um refil.
— Seus óvulos estão ficando velhos — tia Marília apontou para o meu ventre e eu coloquei a mão no local, tentando me proteger dos olhares que elas me deram — você tem que parar de se preocupar tanto com trabalho e pensar em uma família, também. Deixe que o seu marido pense em dinheiro e trabalho, sua função não é essa.
— Os tempos mudaram, tia — eu inclinei meu rosto de maneira amável estendendo minha taça para Gustavo enquanto ele me servia mais vinho — obrigada, Gus.
— Pare de incomodar a Marcela, Marília — minha mãe pediu com o seu tom definitivo e o olhar pouco amigável — ela finalmente encontrou um cara decente. Meu coração de mãe está mais do que em festa com essa notícia — ela sorriu para mim com praticamente corações em seus olhos — mais feliz que isso só o dia que ela se casar e eu tiver meus netinhos.
Eu sei que minha mãe quis dizer isso de uma maneira carinhosa, porém eu senti meu rosto travar em uma expressão que não era nem feliz, nem triste. Ela queria o meu bem, queria que eu fosse feliz e que eu alcançasse uma vida plena, assim como ela, porém as nossas noções de felicidade eram muito diferentes. Eu queria sucesso profissional, queria ser bem sucedida e queria, sim, uma família, mas não acreditava que uma coisa era impeditiva da outra.
No entanto, ali, para mais da metade dos Noronha, felicidade feminina estava atrelada exclusivamente a cuidar do lar, da família e do marido.
E eu não queria limitar minha felicidade a nada disso.
— Eu... estou meio enjoada. Acho que vou me deitar um pouco — eu comentei, passando minha saída de banho pela minha cabeça, pegando minha taça e estendendo minha mão na direção do bar enquanto saía, recebendo uma garrafa de Rosé do meu barman preferido.
Então eu fui para meu quarto, escutando tia Marília comentar que é isso o que acontecia quando se bebia antes do meio-dia.
⟰
Eu estava enrolada em no meu roupão felpudo, encolhida na cadeira da minha sacada enquanto observava o líquido rosado dentro da minha taça, decidindo se seria prudente beber mais um gole ou não. Eu poderia até tirar uma foto daquilo para mandar para Romeu, que adoraria saber que os vinhos do cruzeiro eram da sua empresa, porém eu havia deixado minha bolsa inteira na cadeira da piscina.
Será que alguém havia sequer sentido minha falta? Difícil quando se tem vinte pessoas falando em sua cabeça ao mesmo tempo.
Mais uma lágrima escorreu pelo meu rosto e, desta vez, eu deixei que ela fizesse todo o caminho pelo meu rosto, escorrendo pelo meu pescoço até encontrar com o meu roupão felpudo para se secar.
A porta do quarto se abriu e eu imaginei que poderia ser minha mãe ou Marcele, porque eu tive que pegar uma nova chave na recepção, afinal eu havia esquecido a minha dentro da minha bolsa.
— Marcela? — a voz de Eduardo fez com que eu me assustasse e tentasse limpar as lágrimas já secas em meu rosto, porém ele colocou a cabeça para fora na sacada antes que eu tivesse terminado — o que aconteceu?
— Nada — eu tentei dar um sorriso e bebi mais um gole da minha taça — eu só estava me sentindo meio cansada, aí vim para cá.
— Sabe, a gente trabalha junto faz mais de três anos e eu sei quando você está mentindo — ele se sentou na cadeira ao meu lado e eu vi que ele, assim como eu, apenas havia saído da piscina, sem se preocupar em pegar nossas coisas ou pensar em colocar uma camiseta — se você não pode contar para mim, para quem vai contar?
— Pro Romeu — eu repliquei automaticamente — só não estou com o meu celular agora.
— Então eu sou tudo o que você tem — ele colocou a mão em cima do tecido do meu roupão, em minha perna, e a apertou com carinho — pode confiar em mim.
Eu respirei fundo e me servi mais uma taça, estendendo-a na direção dele e ele a pegou, tomando um gole e fazendo uma pequena careta no final, o que me fez sorrir.
— O vinho é maravilhoso, para de graça — eu pedi e o olhei de novo, apontando com meu rosto para taça.
Ele deu de ombros em um suspiro e aceitou tomar mais um gole, desta vez realmente tentando saborear o líquido e, surpreendentemente, sorrindo no final.
— Viu? É delicioso — eu sorri e ele riu comigo.
— Pare de mudar de assunto — ele pediu, olhando-me com aquela infinidade azul. Será que se eu mergulhasse em seus olhos, algum dia eu conseguiria sair dali?
— É só... minha família — eu tentei explicar — eles têm algumas noções de felicidade e planos para o futuro que não casam com os meus. Eu... eu sou incrível, Edu — ele deu risada da falta de modéstia e eu empurrei o seu ombro — estou falando sério. Eu me formei em engenharia na Politécnica de São Paulo em quatro anos e meio, eu fiz estágios apenas em empresas mundialmente conhecidas e eu tenho uma carreira sensacional dentro da CPN. Eu sou realmente incrível, mas nada disso importa para eles. Minha mãe ficou mais feliz com o casamento do Marcelo do que com a minha formatura. Ela ficou mais animada com o noivado da Marcele do que com o fato de eu ter sido promovida a engenheira plena na CPN aos 25 anos. Aposto que eu posso ir para a lua e voltar, mas ela só vai ser feliz de verdade por mim quando eu me casar e lhe dar um neto. E não é só ela, são todos! E... eu acho que esse sonho de família é lindo, mas não é para mim. Não é meu sonho. Ou melhor, não é só esse o meu sonho.
Eduardo me escutou, assentindo nos momentos certos e franzindo o cenho quando eu dizia algo que eu também achava absurdo.
— Desculpa esse desabafo é só que... é tão frustrante que as pessoas queiram vincular minha felicidade a um status de relacionamento — eu encolhi ainda mais as minhas pernas e apoiei minha bochecha em meu joelho, olhando-o — e eu achei que trazendo um namorado as coisas seriam melhores, mas... é a mesma coisa. Nada nunca está bom o suficiente para eles.
— Má, você não tem que pedir desculpas — ele passou as mãos pelos meus cabelos e eu fechei meus olhos, apenas sentindo seus dedos naquele carinho que era tão mais do que apenas um carinho — eu sempre te digo que você é incrível. Uma engenheira fodástica. Uma amiga sensacional. Uma pessoa maravilhosa. Sua família sabe disso, eles só estão se preocupando com você.
— O quão pateticamente triste eu estou para você me metralhar de elogios assim? — eu abri meus olhos, notando que ele havia se inclinado para mais perto, jamais parando o carinho em meus cabelos. Aqueles pontinhos dourados haviam voltado para seus olhos como gotas de ouro jogadas no oceano.
— Eu poderia passar o dia te elogiando, se você quiser. Mas não é por você estar triste, é porque é verdade — ele aproximou seu rosto de mim e seus lábios beijaram minha testa.
— Se quiser me contar algo chato para estarmos quites, eu vou me sentir mais feliz — eu brinquei, levantando meu pescoço e bebendo mais uma taça do nosso vinho, deixando minhas pernas se apoiarem em cima das dele.
O meu roupão se abriu um pouco e ele segurou minhas pernas, que estavam deslizando para fora do seu colo. Sua pele estava fervendo contra a minha e eu senti um comichão exatamente onde ele me tocava, subindo pelas minhas coxas, espalhando-se pelo meu corpo inteiro.
— Bem, você conheceu a Ágata ontem — ele comentou e eu fingi tentar me recordar sobre a loira estonteante e o seu sorriso radiante. Sim, eu me lembrava exatamente da musa grega que tinha o título de ex-namorada do Eduardo Senna — faz uns bons anos que a gente terminou e eu queria nunca mais encontrar com ela.
— Eu sei que quando começamos a trabalhar juntos vocês já tinham terminado — eu disse com pouco caso, mas eu estava curiosa — e depois disso nunca mais outra namorada.
— É, bem, ela terminou comigo pouco antes do dia dos namorados. E um ou dois dias depois ela estava namorando com outro — ele suspirou, olhando-me lateralmente e eu queria que minha expressão não fosse tão transparente, porém eu não consegui deixar de demonstrar como aquilo me surpreendeu — fácil fazer o dois mais dois e saber que ela estava me traindo fazia um tempo.
— Vocês namoraram muito tempo? — eu questionei, franzindo o cenho com aquela informação.
— Uns dois anos? — ele considerou, cansado — foi foda pra caralho no começo. Chicão teve que assistir umas trinta vezes Titanic comigo e eu demorei semanas até aceitar que eu poderia conhecer novas pessoas sem me envolver com elas. Aí eu não quis mais me envolver. Dói menos, né?
— Ai, Edu — eu coloquei minha mão sobre a dele, chamando seu olhar para se encontrar com o meu — ela com certeza sabe o que perdeu. Tava na cara dela ontem. E se ela não te valorizou, o erro foi completamente dela. Você também é incrível. Mesmo com sua tendência sustentável.
— Eu sabia que não conseguiria um elogio sem crítica — ele sorriu, deixando seu polegar afagar minha coxa, mandando ondas de choque pelo meu corpo inteiro — mas eu não ligo. Quero dizer, eu não sofro mais com isso. Ela ficou bem no passado e tudo bem, sabe? E hoje em dia eu estou namorando a mulher mais maravilhosa que eu já conheci — ele piscou para mim.
— Olha, quem te ouve falando isso nem imagina que é mentira — meu cabelos voaram pelo meu rosto — e eu também estou namorando o cara mais incrível de todos.
— Eu sabia que meu rostinho bonito seria apreciado em algum momento — ele passou a mão que não estava em minha perna nos seus cabelos, rindo contra o vento.
— Não é só o rostinho bonito — eu complementei.
— Mas...? — ele esperou mais algum comentário da minha parte.
— "Mas" nada — eu finalizei, notando que desta vez, quando ele sorriu para mim não foi o seu sorriso de canto de bom moço cheio de segundas intenções que me encontrou. Não. Foi um sorriso completo, totalmente aberto, tão grande que seus olhos até se estreitaram no final.
Oh, droga. Eu estava muito ferrada.
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ATENÇÃO ATENÇÃO, LIBRIELA ENLOQUECEU!!!!!!! Como assim post dois dias seguidos?????
Acho que a gente tá se deixando influenciar pelo espírito natalino e dando presente adiantado, viu? hehehehe (e para quem estava pedindo a maratona de CEM, desejo realizado?)
Falando em presente, QUE CAPÍTULO FOI ESSE SENHOR? Marcela tá totalmente na do Edu ou foi impressão?
Tiveram tantos momentos de Mardo que eu não sei nem dizer qual foi o meu preferido! ai ai esses dois
E aqui a gente conhece também a Família Noronha em pesoooooo!!! Parece com a de algum de vocês? A minha é bem menor, então o caos é controlado hahaha
E a gente também entende um pouco sobre as motivações da Marcela por encontrar um +1, né? Mesmo que a gente saiba que status de relacionamento não define felicidade nem sucesso (néeee, tias da Má!!!!)
Pra quem curte figurinhas, ontem a Gabs tava inspiradíssima e criou dois packs de figurinhas exclusivas para CEM e AER!!! A gente já compartilhou algumas no nosso grupo de whats, então se quiserem, avisa aqui que a gente passa o link :D
Espero que estejam gostando!! Obrigada pelas estrelinhas e pelos comentários (eu sei que pareço repetitiva, mas se vocês soubessem o quanto a gente ama todo esse carinho de vocês... nossa sem palavras por todo apoio que vocês nos entregam desde o capítulo 1)!!
Beijinhos
Libriela <3
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