Capítulo 110 - Nunca estaremos quites pelo lance do Galhardo

Capítulo 110 - Nunca estaremos quites pelo lance do Galhardo


Eduardo

— Me fala, por favor, que a Cecília colocou dois sapatos iguais agora — a voz de Romeu, vinda de trás de mim, me fez girar sob os calcanhares para vê-lo entrando na Horta Verde de mãos dadas com Getúlio.

Os dois estavam usando ternos pretos e eu tenho certeza que o fato de Romeu estar com uma gravata com listrinhas cor-de-rosa não era uma coincidência, já que a gravata borboleta de Túlio era da mesma cor e eles eram um casal tão irritantemente fofo que isso nem parecia brega — ou talvez até fosse, mas meu julgamento estava seriamente comprometido, pois eu tinha comprado dois pares de meias de flanela na Amazon e, sim, eles combinavam entre si e eu desejava que um deles fosse parar nos pés da melhor amiga deles, então acho que o meu moral para julgar casais combinando era... Bem, zero.

Mesmo que a encomenda ainda não tivesse chegado.

Eu ainda podia mudar de ideia.

Claro, Eduardo, claro. Podia sim. Confia.

— Que coisa indelicada, Rommi! Ela está nervosa! — Getúlio arrumou a gravata borboleta. — Mas, Cristal, ela acertou? Porque o vestido que nós escolhemos para ela certamente não vai esconder se ela aparecer aqui com um crocs vermelho e outro verde!

Estreitei meus olhos para Romeu, que nem tentou disfarçar que tinha espalhado todo o seu desgosto pela escolha de look da minha irmã naquela manhã para o marido — e nem eram as cores diferentes que tinham realmente incomodado, mas o fato de que crocs eram o calçado que ela escolhia diariamente para cozinhar.

Bom, em defesa dela, os crocs podiam até não ser bonitos, mas eram como calçar uma nuvem e ela estava mesmo nervosa para lidar com qualquer coisa mais complicada do que isso.

Sandro e eu, que tínhamos pedido aquela sexta-feira de folga para a CPN, passamos o dia tentando ajudá-la, mas claramente falhamos porque ela não tinha penteado o cabelo, nem colocado os sapatos certos e tinha aparecido no restaurante com um moletom furado (que deixou Leandro incrivelmente indignado quando ele apareceu perto da hora do almoço para entregar o vestido que ele e Getúlio tinham escolhido para ela, dentro de uma capa de plástico, sem um amarrotadinho e com cheiro de aromatizador de lavanda) e os famigerados crocs de cores diferentes (que tinham queimado os olhos de Romeu, que tinha aparecido de manhã com várias caixas de vinho e ânimo para reorganizar a adega do restaurante).

No fim, era o sonho dela, então todo mundo entendia que ela estivesse se sentindo pressionada a fazer tudo ser perfeito — desde a equipe, que passou semanas selecionando junto com Dani e sua nova sous chef, que costumava trabalhar no restaurante de Claude como entremetier (seja lá o que isso significa, mas é algo importante) e tinha se demitido para entrar na Horta na primeira ligação de Ceci, até as toalhas branquíssimas que estavam sobre as mesas naquela noite.

— Não foi por mérito próprio, mas ela está com dois sapatos iguais porque Leandro deixou separado e Sandro enfiou nos pés dela — contei, porque na verdade quem tinha narrado aquilo tinha sido o próprio Ventura e eu ainda não tinha olhado para os pés da minha irmã, que tinha decidido que ia tomar um dedinho de vinho na cozinha quando viu que tinham mesmo repórteres ali para fazer matérias sobre a inauguração e sua comida.

Embora, tenho certeza, ela não fosse beber de verdade e fosse apenas para conferir tudo que estava acontecendo nos bastidores pela enésima vez, porque ela tinha colocado o dólmã por cima do vestido antes de ir.

— A gente com certeza confia no Sandro? — Romeu meio afirmou e meio perguntou e eu assenti, porque Sandro Ventura certamente era uma pessoa confiável para qualquer missão, mesmo que fosse fazer sua namorada armada com facas grandes demais calçar os sapatos certos. Satisfeito, Romeu abriu os braços de forma convidativa, então eu dei um passo para frente para cumprimentá-lo. — Oi, Cristal!

— Que bom ver vocês aqui — disse, quando soltei Romeu para abraçar seu marido, no qual dei uma olhada um pouco mais analítica. — E que bom que você está bem, Túlio!

O pediatra sorriu, mas dispensou minha preocupação ao gesticular com as mãos.

— Eu estou bem desde ontem, Cristal, mas eu casei com um cara super dramático que me descreveu até para a minha mãe como se eu fosse um baiacu.

O cara dos vinhos murmurou um "mas você estava mesmo inchado e cheio de bolhinhas!" para se defender, mas aquilo não exatamente convenceu o Getúlio do seu ponto, então deu de ombros e concluiu:

— Se você está dizendo que meu erro é amar demais, então eu continuo errando.

Túlio o abraçou pelo ombro, plantando um beijo em sua bochecha.

— Eu poderia reclamar de estar segurando vela para vocês, mas como a maior entidade romântica que eu conheço, acho que eu me sinto honrado. — Os dois sorriram enquanto eu dava um golinho na taça que tinha em mãos.

Romeu estava arrumando a gravata de Túlio para comprovar quão entidade romântica eles eram.

— A gente ama que as pessoas reconheçam nossos méritos em ser um casal maravilhoso — Túlio disse, enrolando seus dedos no de Romeu ao segurar sua mão. — Mas hoje é sobre a Cecília e a Horta Verde.

— Sinceramente, esse lugar ficou incrível. — Romeu olhou em volta, fazendo com que eu acompanhasse a direção de seus olhos. — Mesmo que eu não soubesse disso, daria para adivinhar que você e a Celinha fizeram isso juntos. Quando a Ceci me mostrou a cozinha, eu consegui ver a veia prática e perfeccionista de Marcela Noronha, mas as florzinhas roxas no teto? Cem por cento Eduardo Senna.

Eu sorri.

Acho que mesmo com o estádio, que era incrível, a Horta sempre teria um valor sentimental tão grande para mim que nada ia competir. Era para a minha irmã, a criaturinha terrível e irritante que eu pedi para os meus pais devolverem para o hospital depois de dois dias que ela tinha nascido, de tanto ciúme que eu senti do amor de Fábio e Esther Senna por ela, mas aí eu mesmo comecei a amá-la tanto que não tinha nenhuma explicação racional.

E tinha o adicional de ter feito aquilo com Marcela — eu tenho certeza que Romeu e Getúlio sempre souberam que ela estava por trás de tudo, mesmo quando Sandro tinha assumido a obra, e provavelmente queriam ver minha caveira e que a engenheira armasse um plano para aquilo tudo cair na minha cabeça.

A Horta também tinha trazido Sandro para nossas vidas e mostrado uma faceta do engenheiro máster que ninguém conhecia — e se aquele cara fazia Cecília feliz, era o que mais importava, no fim das contas, ainda que ele devesse receber todos os louros por ser um engenheiro muito, muito, foda mesmo e uma pessoa sensacional por trás do mal humor matinal, das ameaças e do piercing.

Além disso, a obra tinha ficado mesmo incrível e eu não poderia ser modesto sobre isso nem se quisesse. Os janelões de vidro deixavam a rua à vista, o sistema de ventilação da cozinha era incrível, as paredes de bambu e bioconcreto me faziam incrivelmente feliz, assim com as de cortiça reforçada, os móveis de madeira de demolição e o telhado verde, que ficaria ainda mais bonito quando as pitangueiras e as flores crescessem mais. E, claro, o famigerado espelho d'água que tirou os engenheiros do sério, mas valeu totalmente o risco que eu e meu pescoço corremos enquanto era construído.

— Eu amo esse lugar — confessei e senti que os dois acompanharam o meu sorriso. — E as florzinhas roxas são flores de cebola. Cecília fez o pessoal da jardinagem encher o telhado de temperos.

Romeu e Getúlio riram, porque aquilo só surpreenderia alguém que não conhecia Cecília Senna. É claro que ela ia querer plantar temperos no telhado verde.

E claro que eu jamais faria algo para impedir.

— Acho que combina muito com o conceito da Horta, na verdade — Romeu observou, girando uma taça que tinha acabado de pegar da bandeja de um dos garçons e observando o vinho branco que estava ali dentro como só um enólogo faria, porque ele até tinha cheirado antes de sorver um golinho, aparentemente aprovando a escolha que ele e Ceci tinham feito juntos entre tapas e beijos (queria dizer que não era literal, mas eu sabia que ela tinha jogado uma concha nele quando eles discordaram sobre um dos rótulos e depois fez cookies para se desculpar). — Esse conceito de sustentabilidade tem tudo a ver com "temperei sua comida com as coisas que plantei no telhado verde que ajuda o meio ambiente".

Nós passamos os próximos minutos conversando sobre os detalhes do conceito que Cecília queria para a Horta Verde — a ideia de que ninguém precisava ser explorado para que uma refeição fosse incrível alinhada à construção sustentável. Eu tinha absoluta certeza que Romeu e Getúlio já tinham ouvido tudo aquilo de Marcela, supondo que os dois eram sua versão de Leandro e Chicão, que sem sombra de dúvidas já podiam dar uma aula de arquitetura sobre aquele restaurante, ainda que não fizessem a menor ideia do que era uma marquise ou que a altura do chão à laje se chamava pé-direito.

Ao mesmo tempo em que contava para o casal os detalhes que me faziam feliz por ter projetado aquilo, um garçom se aproximou, trazendo consigo uma bandeja de canapés da qual Túlio e eu pegamos um — bom, eu peguei, porque Getúlio foi impedido ao tomar um tapa na mão que com certeza doeu menos do que o olhar resignado de seu marido.

— Ai? — O pediatra meio perguntou e meio exclamou, um pouco incerto por causa da reação de Romeu.

— Você perguntou se tem aspargos nisso, Getúlio Alves? — Romeu pareceu um pouco bravo, estreitando os olhos enquanto Túlio sacudia a mão recém-lesionada. — Se você não quer que eu te descreva como um baiacu para as pessoas, não me dê motivos para fazer isso!

— Ele acabou de dizer que são canapés de figo caramelizado e queijo de cabra, Rommi — Túlio disse e deu um beijo na bochecha de Romeu. — Não precisa ficar tão preocupado, tá bom?

Desviei o olhar enquanto eles se entendiam apenas olhando um para o outro e coloquei o canapé na boca.

Cecília tinha feito Chico, Leandro e eu de cobaias dos seus experimentos gastronômicos inúmeras vezes, então eu já tinha experimentado aquela receita; mas, de algum modo, parecia que na inauguração ficava com um sabor ainda melhor do que sentado no meu apartamento com Henrique Francisco comendo aos montes e Leandro cheirando a comida para ter certeza de que Ceci não estava servindo nada potencialmente perigoso para nós — e aí ele sugeriu usar figos mais maduros, o que se provou uma ótima ideia porque deixava tudo agridoce.

A verdade era que eu tinha provado e testado tantas versões do cardápio daquela noite — algumas vezes apimentadas demais, salgadas demais, com temperos estranhos demais — que achei que nada mais poderia me surpreender, mas a versão final que estava sendo servida naquela noite era ainda melhor do que todas as outras. E se os canapés já estavam absolutamente incríveis, eu mal podia esperar pelo resto do menu, porque a verdade era que Cecília tinha um paladar extremamente aguçado e mãos de fada.

E claramente eu não era o único que achava isso, como muito bem pontuou o enólogo de plantão:

— Eu posso comer isso aqui para o resto da vida!

Getúlio e eu murmuramos em concordância no exato momento em que Cecília enganchou seu braço com o de Romeu, parando ao lado dele seguida por um Sandro que, naquela noite não era apenas seu namorado, pessoa que ajudava com seus surtos (ela podia ser uma chef brilhante, mas ainda era uma Senna e nós éramos emocionados por natureza) e engenheiro da obra, mas também tinha sido promovido a carregador do dólmã preto que seria seu novo uniforme, pelo menos até uma das ajudantes de Ceci passar ali e levar o tecido de volta para o interior da cozinha.

— Por favor, fale isso de novo! Eu preciso ouvir — Sandro e eu abrimos a boca para dizer à minha irmã que nós tínhamos falado isso pelo menos um milhão de vezes só naquele dia, mas ela prosseguiu: — de alguém que não seja meu namorado e nem da minha família!

Romeu colocou a mão esquerda sobre a direita dela, apoiada no seu braço.

— Ceci, com isso aqui, uma garrafa de vinho e o Getúlio, eu passo um ano — Romeu gracejou e Cecília abriu um sorriso que era o significado de gratidão. — Está mesmo delicioso e mal posso esperar pelo prato principal.

— Leandro me contou que a sobremesa é sorvete e eu estou sonhando com isso faz três noites — Getúlio confessou e minha irmã riu, soltando-se de Romeu para abraçá-lo de lado antes de vir para mim.

Abri os braços para Ceci, que se encaixou tão certinho ali que eu apoiei gentilmente meu queixo no topo da sua cabeça quando ela encostou a bochecha no meu ombro. Ela era chef e proprietária de um restaurante enorme agora, tinha quase trinta anos e era uma mulher de negócios e, ainda assim, quando a gente se abraçava, parecia que ela era uma criaturinha frágil que eu tinha que proteger do mundo inteiro, ainda que não fosse verdade e que ela fosse terminantemente contra afeto demais em público.

Mas, para mim, sempre seria minha pirralha implicante e com cheiro de La Vie Est Belle, não importava o que acontecesse ou quantos anos ela tivesse.

— Está tudo delicioso e lindo, Ceci — eu disse para ela e senti que ela fez que sim meneando a cabeça, ainda que não tenha movido um único músculo para sair dos meus braços. — Eu estou orgulhoso e feliz para um caralho.

— Eu sei que está, mas não fala isso porque eu estou emocionalmente instável hoje e minha lua em peixes vai me trair a qualquer momento. Eu só espero que tudo na minha cara seja a prova d'água — ela disse e fungou antes de dar um beijo na minha bochecha e reclamar da barba por fazer, muito menos leonina do que seu habitual. — Obrigada por me ajudar nessa, Edu, mesmo. Eu nem sei dizer o quanto sou grata por esse projeto lindo — ela sorriu e olhou em volta enquanto eu dizia para ela parar de me agradecer, porque não havia nada que eu não faria por ela, então estendeu a mão para pegar a de Sandro, ainda com o rosto no meu paletó. — E a você também, Ursão, obrigada. Você é um engenheiro incrível.

— Você que é incrível, Cecília — Sandro disse, tão meigo que eu queria estar filmando para poder assistir depois e ter certeza que eu não estava delirando com aquele homem brutíssimo se derretendo que nem chocolate em banho maria enquanto sorria para a minha irmã, tão apaixonado quanto alguém poderia estar. — Foi uma honra estar nesse projeto.

Ele olhou para mim e sorriu, mas seus olhos caíram nos dela de novo. Sandro estava com o cabelo muito bem penteado, especialmente considerando o seu bagunçado habitual, e um terno e eu quase estiquei a mão para cutucá-lo só para ter certeza que era Sandrinho Ventura em pessoa, porque aquilo tudo era atípico para ele.

— Que lindinhos! Tanto o fato de você estar de par de vaso com o Eduardo — sim, porque é claro que Cecília e eu estávamos de azul, porque Leandro decidiu que meus olhos combinavam com o terno azul marinho e uma gravata preta — como seu namorado que me assusta quando está longe de você — Getúlio sorriu, tombando a cabeça para o lado de Romeu.

Ceci finalmente se soltou de mim e colocou uma mão na bochecha de Romeu e outra na de Getúlio, distribuindo um beijo na bochecha de cada um.

— E eu não esqueci de como vocês me ajudaram, então obrigada! Eu amo que o vinho tenha me apresentado para os dois. — Ela sorriu e eles sorriram de volta quando Ceci limpou uma marca de batom vermelho que tinha ficado em Túlio. — E claro que tenho uma dívida eterna com a Marcela também, mas não a vi ainda para perguntar se ela quer que eu pague em cookies ou caramelo.

Minha irmã deixou os olhos correrem pelo salão, procurando pela engenheira.

— A Celinha ficou presa na CPN e vai atrasar uns minutinhos, Ceci. — Getúlio pescou o celular de dentro do bolso enquanto dizia isso, provavelmente para checar se estava tudo bem com a engenheira. — Mas ela com certeza vai querer os dois, pois seus cookies são deliciosos e até hoje ela não aprendeu a replicar sua receita de caramelo e queimou tanto os dedos tentando que desistiu.

Eu tinha certeza que Marcela não ia desistir daquilo até conseguir, afinal, era Marcela. Ela não aceitava nãos nem dela mesma e acho que isso era uma das muitas coisas que me fazia admirá-la tanto.

Getúlio começou a digitar alguma coisa ao mesmo tempo em que Romeu deu uma risada para o próprio celular, como se os dois tivessem um tipo estranhíssimo e pouco compreensível de sintonia — será que as pessoas se sentiam assim quando Marcela e eu estávamos juntos? Como se nós dois também tivéssemos uma espécie de sinergia completamente inexplicável e natural?

Bom, talvez não inexplicável.

— Ceci, acabei de receber uma mensagem confirmando a entrega no seu antigo restaurante — informou Romeu e ergueu uma sobrancelha para minha irmã, um sorriso muito perigoso brotando nos seus lábios. — Tinha algum bilhete? Porque disseram que não encontraram.

— Não precisa, ele vai saber quem enviou a garrafa. — Ceci garantiu ao pegar a mão de Sandro, que apenas aceitou aquilo com muita naturalidade, ainda que a expressão em seu rosto se traduzisse como "garrafa? chefe? quê?".

Ironicamente, daquela vez, eu tinha entendido.

— Você realmente enviou uma garrafa de vinho para o seu ex-chefe? Foi uma devolução da que você roubou ou algo assim? — quis saber e o engenheiro pareceu levemente chocado com a informação, razão pela qual eu me apressei em explicar: — Ela não comete crimes com frequência, Sandrinho, foi um caso isolado.

É assim que se melhora as coisas.

— Não é crime se eu merecia aquela garrafa! — Cecília pontuou, um dedo se erguendo em riste e eu sabia que ela usaria aquela enorme unha vermelha contra mim se precisasse. Tinha certeza que ainda era furto, mas ela com certeza seria capaz de convencer qualquer juiz de que quem tinha cometido um crime foi seu ex-chefe e, sendo sincero, ele tinha mesmo roubado anos da vida dela em que ela poderia estar brilhando, então, justo. — Ele me mandou flores e um recadinho mal educado hoje de manhã pela inauguração e eu achei que ele deveria saber que eu não estou nem aí para ele. E você não deveria me julgar, Eduardo, porque eu estou emocionalmente instável e o Romeu é um cara vingativo com acesso a muitas adegas que não tentou me impedir!

Romeu apenas deu de ombros, com um total de zero arrependimento, tão escorpiano e vingativo quanto possível.

— Eu sabia que você seria uma má influência para a Cecília — Getúlio gracejou e Romeu colocou a mão sob o queixo, como se tivesse acabado de ser elogiado. De certa forma, não era mentira, porque Túlio amava até o lado malvado do marido.

E quem não, foi a pergunta que eu me fiz.

— Não se engane, Túlio, ela não precisa ser influenciada a nada — eu disse e minha irmã pisou no meu pé, sem qualquer delicadeza.

— Desculpa — disse, piscando várias vezes como se não fosse 100% premeditado.

— Já que estamos falando sobre como todos aqui admiramos e amamos a chef Cecília Senna — Romeu acenou vagamente para uma das garçonetes que meneou a cabeça em concordância, sumindo pela porta que levava para as áreas exclusivas de quem estivesse de serviço naquela noite —, acho que chegou o momento de eu te mostrar o que eu fiz para você.

— Para mim? — Ceci franziu o cenho e Túlio bateu palmas em afirmação; Sandro e eu estreitamos os olhos em sincronia, sem entender do que ele estava falando. — Você passou o dia arrumando minha adega, Rom, não tem nada mais que...

Ela se calou quando a moça voltou com uma garrafa e várias taças em uma bandeja. O enólogo pegou a garrafa e colocou nas mãos dela que, notei, estavam trêmulas enquanto olhava para o rótulo dourado que estava na garrafa e então sorriu.

— É o meu primeiro. — Romeu explicou enquanto ela meio que ria para o rótulo e olhava para ele. — E é uma homenagem para você, porque foi a sua história sobre ter chutado o traseiro do seu chefe famoso, roubado um vinho e construído seu sonho que me fez ter coragem de produzir o meu vinho também, então...

— Você me fez um Merlot? — perguntou Ceci, com a voz embargada pela qual ela com certeza culparia sua lua em peixes depois, os olhinhos brilhando com lágrimas que ela estava tentando não deixar cair quando foi até Romeu e o abraçou pelo pescoço em algo que com certeza poderia ser classificado como um semi-enforcamento por alguém que visse sem entender o contexto. — Romeu! Eu não tenho nem palavras para agradecer!

— Meu marido é incrível! — Getúlio comentou para ninguém em específico, mas eu assenti mesmo assim.

— Aceito pagamento naquele risoto de cogumelos e tofupiry. — Ela riu antes de marcar a maçã do rosto dele com batom vermelho ao plantar um beijo ali. Túlio pigarreou para alertar que seu marido estava se esquecendo de algo, então Romeu completou: — E aquele sorvete de queijo canastra com compota de goiaba branca!

— Considere feito — Cecília disse e olhou a garrafa mais uma vez quando soltou o pescoço dele. — Eu quero guardar essa garrafa para sempre, não consigo abrir.

— Tem que abrir! Eu já deixei uma garrafa intacta no seu escritório, a terceira. A primeira é minha e do Tutti, a segunda é da Celinha porque é a Celinha e ela jurou que não ia me matar por entregar seu presente sem ela, a terceira é sua e essa é para você experimentar — explicou. — Para nós, na verdade.

Cecília não precisou de um segundo incentivo e não sei quem apareceu com um saca-rolhas, mas logo a garrafa estava aberta e ela tinha derramado o líquido roxo escuro nas taças. Peguei uma que, uns segundos depois, estava erguida em um brinde junto com a de Romeu, Getúlio, Sandro e Cecília.

— Aos sonhos — Ceci disse.

— À Horta — completou Romeu e, então, aproximamos mais as taças antes de tomarmos um gole.

Ok, eu estava convencido. Haviam cervejas boas no mundo, mas também havia vinhos muito bons e Romeu Sampaio assinava um deles.

Algumas garrafas e Marcela eram tudo o que eu precisava para passar um ano.

— Caramba, Romeu — eu disse e ele pousou a mão que não estava na haste da taça sobre o coração ao olhar para minha reação, um sorriso gentil curvando seus lábios —, isso é delicioso.

— Obrigado, obrigado — agradeceu sobre um eco de concordância que os outros fizeram, deixando os dedos correrem pelos cabelos.

— Aroma, acidez e taninos perfeitos, Romeu Sampaio! Eu realmente não sei como agradecer uma coisa dessas — Ceci disse, tão visivelmente emocionada que fez Getúlio tombar a cabeça com um biquinho meigo ao encará-la. — E você batizou de Sancília!

Sandro ficou roxo, azul, verde e amarelo antes de engasgar. Eu dei um tapa nas suas costas, talvez para ajudá-lo a desengasgar, talvez porque era uma oportunidade de não ser ameaçado com um andaime.

— A intenção não era ser um vinho de casal, só aconteceu naturalmente! Sancília, tem nome de vinho chique, então pode respirar! — Romeu explicou, sem tentar segurar a risada que escapou por sua garganta.

Um homem daquele tamanho!

— Você poderia não engasgar caso fosse, seria incrível, Ursão — Cecília disse antes de rir.

— Eu só... Não estou acostumado a ser tão casal assim, Ceci, não me interprete mal — Sandro explicou e ela sorriu, negando com a cabeça e dispensando a explicação. — Mas eu gosto da ideia de ser.

Sandro colocou a mão na dela e a puxou para perto, fazendo com que o corpo dela, relativamente pequeno em relação aos seus praticamente dois metros de altura, se chocasse no dele com suavidade.

— Você não pode me falar esse tipo de coisa em um dia como hoje, Sandro Ventura — Ceci praticamente ronronou antes de colar a boca na dele por um segundo. — Não estou em condições emocionais normais e isso é muito perigoso. Para você e essa boca linda, quero dizer.

Sandrinho Ventura sorriu como se tivesse acabado de ganhar o dia — e eu, Getúlio e Romeu estudamos sua boca porque, bem, Cecília quem tinha começado!

— Acho que vou aceitar o risco, Ursinha — ele comentou, fazendo Cecília abrir um sorriso enorme e mal intencionado.

Minha irmãzinha.

Enquanto eu estava com os olhos arregalados e Retúlio, aparentemente, abençoava aquele casal com todo o seu poder de entidade especializada em amor e murmúrios fofos, o engenheiro deu de ombros, sorrindo para a Senna caçula um sorriso diferente de todos os que eu já tinha visto nos seus lábios (mais ou menos 2).

Ok, eles eram um casal maravilhoso e nem se eu quisesse conseguiria bancar o irmão ciumento.

— Vocês são o casal mais incrível que nunca imaginei que seria real — comentei, simplesmente, sorrindo para os dois porque, se era Sandro quem fazia minha irmã feliz, então...

Ele me ameaçava com andaimes umas quatro vezes ao dia e eu estava derretendo com a ideia? Meu Deus, Eduardo Senna, onde estão seus princípios? Seus instintos de sobrevivência?

— Não somos? — Ceci sorriu antes de olhar para Sandro e marcar a bochecha dele com seu batom também. Então, ela se virou para Romeu: — Eu amei seu vinho, Rom. Muito. Mesmo. Se vocês estão tentando me matar de felicidade hoje, o caminho é esse!

— Tem uma caixa na sua adega, se você quiser servir hoje — Romeu disse, tímido.

Romeu.

Tímido.

Eu vivi para ver.

— É claro que eu quero! — Ceci bateu uma palma e Romeu sorriu, arrumando a gravata. Ela mordeu o lábio devagar, enumerando alguns itens que estavam apenas na sua cabeça enquanto erguia os dedos das mãos. — Saideira?

— Leu meus pensamentos!

— É cedo para eu falar que amo você? — Minha irmã gracejou e Romeu riu, fazendo que não com a cabeça. — E sorte sua por isso, porque eu vou ter que mandar reimprimir a nossa carta para incluir Sancíla nela!

Cecília piscou e piscou e piscou enquanto olhava para ele e eu sabia que aquela era uma tentativa de não ir às lágrimas, ainda que seu tom não tenha sido algo tipo "vou colocar se você quiser ou tiver disponibilidade" e sim um "se vira para produzir, meu anjo, eu quero espalhar seu vinho para o mundo inteiro e você que lute!".

— Tudo no seu rosto é a prova d'água — o pediatra cochichou com um sorriso torto no canto dos lábios.

— Você não deveria ter me contado, Túlio! — E então ela deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto e Romeu teve que segurar sua mão para que ela não as secasse de qualquer jeito e terminasse com a base das bochechas nas orelhas, porque lágrimas não eram exatamente a mesma coisa que água para a maquiagem, conforme o enólogo tentava explicar para minha irmã sem fazer alarde. — Obrigada por fazerem meu sonho uma realidade melhor do que eu sonhei! — Ela olhou para cada um de nós antes de enlaçar os dedos nos de Romeu, colocando um ponto final no momento fofo: — Vamos repensar os vinhos da noite e organizar a adega antes que alguém tire uma foto minha nesse estado!

— Vamos! — Romeu sorriu e gesticulou para Sandro. — A gente precisa de músculos para mover caixas, Sandrinho, e você tem muitos! Só alguns minutos, Tutti e Cristal, e a gente volta.

Então eles sumiram atrás de Cecília, rumo à adega.

— Se você passou maquiagem, não seca o rosto — Getúlio me alertou antes de dar outro gole no vinho, escondendo uma risada com a taça.

— Mas que droga, eu estou chorando também? — perguntei.

Acho que eu passava noventa por cento do meu tempo chorando, então nem percebia mais quando meu rosto estava molhado ou quando aquele ardidinho que precedia as lágrimas queimava atrás dos globos oculares.

Ou apenas estava feliz demais para me importar.

— Cristal, você é você — ele disse, como se esse argumento explicasse tudo. Bom, meio que explicava, né? Eu não tinha uma lua em áries ou escorpião para me salvar de ser um pisciano emocionado para um caralho. Só então eu notei que ele estava com o celular perto da boca, falando com um ar de divertimento que se estendia até os olhos castanhos: — A gente ganhou do Rommi, Celinha, ele chorou!

Ah, a fama que eu tinha.

— É sério que todo mundo ganha dinheiro às minhas custas? — perguntei.

— Não foi dinheiro dessa vez, mas é, todo mundo sabe que você vai chorar, é uma aposta ganha. Acho que Romeu só apostou contra porque não quis ser soberbo e achar que o vinho dele te faria chorar, mas, por favor. Romeu é incrível.

Eu rolei os olhos enquanto ria e concordava sobre Romeu, e o pediatra acompanhou antes de ouvir um áudio, provavelmente, já que aproximou o celular do ouvido e suas sobrancelhas ficaram apertadas.

— Tá bem, Celinha, chego em quinze minutos — ele gravou antes de colocar o aparelho no bolso e olhar para mim. — Vou ajudar a Celinha a conseguir chegar a tempo, Cristal. Você se importa se eu te deixar sozinho?

— Ela precisa de alguma coisa? Eu posso...

— Ei! — Túlio disse e eu me calei. — Nós já éramos os Três Mosqueteiros antes da Celinha decidir que gosta de Cristal, então fica tranquilo e disponível para a sua irmã hoje, ela precisa de você. Athos, Porthos e Aramis dão conta da situação.

Assenti, porque minha irmã podia ter dezenas de pessoas atrás dela, mas eu sabia que era para mim que ela viria se algo desse errado porque a nossa relação era exatamente assim.

— Eu sou tipo D'Artagnan nessa analogia? O quarto mosqueteiro?

Getúlio tombou a cabeça e riu. Tiago estava fazendo maravilhas pelos dentes daquele grupinho e eu tinha provas.

— Talvez daqui a alguns anos, Cristal, quem sabe? Vai ter que provar que merece ser um dos mosqueteiros e isso leva tempo. — Apertou meu ombro do mesmo jeito que Sandro tinha feito. — Volto assim que possível.

— Cuida bem da Má, Túlio — eu disse e ele sorriu de um modo tão entendedor que eu sabia que havia algo mais do que o que eu tinha dito na sua mente, mas ele não mencionou, apenas meneando a cabeça para dizer que faria isso.

Bom, ele sempre tinha feito, não é? Nós dois sabíamos o quanto a mercadoria era preciosa.

— Me fala que eu estou vendo uma miragem, por favor — pedi, olhando para frente meio embasbacado e meio rindo, acompanhando com os olhos enquanto o objeto de apreciação andava entre as demais pessoas, pedindo desculpas quando esbarrava em alguém e ajeitando a gravata verde esmeralda que, de alguma forma, combinava muito com o blazer cinza chumbo (algo que tinha muito cheiro de Lelê).

— Eu sei que parece, Eduzinho, porque algo tão bonito não pode ser outra coisa senão fruto da imaginação — Chicão, ao meu lado, tentou manter a voz branda mas eu o conhecia há tempo demais para não perceber o decibel mais grave que atingiu mesmo que ele não estivesse com aquele sorriso lindo e líquido na cara —, mas ele estava assim desde ontem, vocês que não viram.

— Você precisa me perdoar, mas o fato é que ele estava de boné e não tivemos muito tempo para apreciar a visão porque você começou a tirar a roupa dele logo depois da primeira frase que ele disse ao chegar no apartamento, aí Lê e eu resolvemos parar de olhar — expliquei.

— E você foi dormir na cama dele. Sem o seu pretinho! — Chicão disse, em um tom de acusação.

— Já pedi desculpas por isso! E, sinceramente, você não deveria se preocupar comigo, nós dois sabemos que meu amor por você é incondicional. — Olhei para ele por cima do ombro, depois olhei novamente para Tiago, que sorriu para Chicão assim que o viu, caminhando em nossa direção a partir desse momento. — Quero ver como nós vamos fazer para o Leandro não dar em cima da Loira Odonto a noite toda agora que ele está loiro de verdade.

E estava mesmo. O cabelo de Tiago, normalmente escuro quase-preto, estava em um tom loiro platinado que poderia ser visto da lua de tão brilhante. A NASA já deveria estar estudando a estranha aparição capturada por um satélite.

— É só temporário para o carnaval! — Como se sentisse que era disso que nós estávamos falando, Tiago passou os dedos por entre os cabelos descoloridos que, em defesa dele, acentuavam mesmo seus olhos escuros e até as tatuagens que escapavam pela gola da camisa e pelos punhos e por cima de suas mãos.

— Não é a mim que você tem que convencer.

— Edu!

— É verdade!

— Eu sei!

— Oi, pudim — Tiago disse quando estava perto o suficiente e, então, colou a boca na de Henrique Francisco, que estava sorrindo tanto quando eles se desencostaram que podia iluminar metade de São Paulo com seu sorriso branquíssimo. Então o dentista me abraçou de lado. — Eduzinho, acho que eu nem te dei parabéns pelo prêmio, então parabéns! Sempre me disseram que você é um arquiteto fora de série e, aparentemente, é verdade mesmo!

Abracei o dentista passando meu braço por cima do ombro dele.

— Obrigado, Titi, você é meu dentista preferido da vida e eu estou te dizendo isso de verdade, mesmo que a próxima coisa que eu vou dizer faça parecer que não — eu disse e Tiago subiu as sobrancelhas, que ainda eram escuras, em um gesto idêntico ao de Chico, a quem apontei com o queixo. — Eu vou te levar em uma obra e derrubar um andaime em você se fizer esse homem chorar de novo.

E aí eu sorri e dei dois tapinhas no ombro dele, já que a gente estava abraçado.

— Eduardo! — Chicão disse, porém seu tom e expressão facial davam margem para duas interpretações.

Primeira: Eduardo, não ameace meu namorado, seu ridículo!

Segunda: Eduardo, você está ameaçando um cara por mim!

Claro que eu ameaçaria, Henrique Francisco não era o único amigo que colocava o outro em um pedestal da nossa relação, embora ele claramente fosse realmente o mais ciumento entre nós dois.

Mais ou menos.

Talvez.

Supostamente.

— Ele está falando sério? Você chorou? Por minha causa? — Tiago perguntou olhando para Henrique Francisco como se fosse a primeira vez que ouvia sobre o assunto. Ok, talvez houvesse uma terceira interpretação para a fala do melhor oftalmo do Brasil e fosse "cala a boca, Eduardo!". Parecia bem verossímil a esse ponto. Chico apenas mordeu os lábios e Tiago o abraçou, apoiando a cabeça no seu ombro antes de olhar para mim. — Vou entrar embaixo do andaime voluntariamente se fizer isso de novo.

— Não vai, não. Eu estava bêbado e emocionado quando aconteceu e foi porque... — Chico disse. — Bom, eu gritei depois, mas antes não estava conseguindo!

— Desculpa, pudim, desculpa — Ti disse e Chicão segurou seu queixo para beijar sua boca de novo.

Eu até olhei por um tempo, porque eu ficava feliz quando os dois estavam felizes. Eles eram um casalzão do caralho e parecia bizarro que, alguns meses atrás, Tiago não existisse nas nossas vidas, porque agora era tão presente e fazia Henrique Francisco tão feliz que ele tinha começado a cantar de manhã.

E mesmo cansado depois de um dia inteiro olhando dentes alheios, ele sempre passava no apartamento antes de ir para casa, era cuidadoso e atencioso e fazia Henrique sorrir, e eu acho que eu também amava Tiago Lira por isso.

Não sei em que momento eu me perdi nos meus próprios devaneios, mas a próxima coisa que eu me dei conta foi que Tiago e Chico estavam experimentando outra das iguarias de Cecília Senna.

— Sério, isso é mesmo berinjela? Todas as vezes que eu comi antes achei que era mega estranho e molengo, mas agora eu quero compensar todo o tempo perdido — Tiago comentou, enfiando outra das finger foods pré jantar que Cecília tinha programado aos montes com pavor de alguém sair dali com fome.

— Rolinhos de berinjela com pasta de ricota e castanhas do Pará — Chicão contou, abrindo um sorriso tremendamente orgulhoso. Querendo ou não, ao ser meu amigo desde os seis anos de idade, ele conhecia Cecília desde que ela tinha três, então era óbvio que ele a considerava sua irmãzinha também e estava tão bobão quanto eu sobre tudo o que ela estava construindo. — Eu não sei como ela faz isso, mas faz.

— Estou pensando em oferecer assistência dentária infinita para ela em troca de comida — confessou Tiago. — Será que ela topa?

Avistei Breno e ele acenou para mim de trás de uma taça de vinho, entretido em uma conversa com Giovana e algumas outras pessoas que eu não conhecia. Sandro tinha mencionado que Gustavo tinha feito toda uma troca de turnos para que ele pudesse estar ali e Cecília estava muito feliz que estivesse, porque adorava os filhos de Sandro — e também tinha usado os coitados como cobaias, então eles mereciam estar ali aproveitando quando tudo estava perfeito, especialmente se tinham passado pelas mesmas provações que as Três Espiãs Demais.

— Que coisa mais linda! — A voz de Leandro chamou nossa atenção.

Eu tenho absoluta certeza que ninguém no universo inteiro combinaria tanto com um terno marsala quanto Leandro Lamas, que se aproximava já com uma taça de vinho rosé nas mãos e o sorriso flerte brincando nos lábios.

Claro, o sorriso quase infinito era direcionado para o pobre dentista, que enfiava rolinhos de berinjela na boca. Tiago começou a ficar vermelho e, consequentemente, a combinar com a roupa de Leandro. Ele nunca tinha ficado tímido com Lelê antes, o que significava que a talaricagem estava em outro patamar quando havia um loiro e um homem de terno de cores exóticas envolvido.

Para evitar que Chicão concretizasse a promessa de que ia esganar Leandro que estava em seu olhar, passei o braço por cima do ombro do galã, o puxando para perto em um abraço de lado que ele prontamente aceitou.

— Coisa linda? Certeza que é comigo — disse e Leandro riu.

— Poderia ser, porque você está definitivamente lindo. Por nada por escolher seu terno e uma estrelinha para Getúlio pela gravata — Leandro ajeitou a minha gravata, preta e brilhante, antes de me abraçar de volta. Ele tinha literalmente escolhido a minha roupa e a de Chicão e eu tinha fortes tendências a acreditar que Tiago também tinha sido objeto de seu senso de moda que todo mundo achava extremamente refinado, porque ele estava sempre por aí arrancando elogios. — Mas nós todos sabemos de quem eu estou falando.

E aí ele me cumprimentou com um beijinho no rosto só para poder fazer o mesmo com Tiago depois, eu tinha certeza, porque foi exatamente isso o que ele fez enquanto Henrique Francisco o olhava de um jeito que dizia que o fato de ser um oftalmologista também garantia que ele sabia arrancar um olho com precisão cirúrgica se Leandro continuasse provocando sua ira.

Mas claro, nosso galã sempre foi e sempre seria um rebelde sem causa, então óbvio que isso não o inibiu.

— Ei, não me olha assim com tanta raiva, magoa meu coração — gracejou para Chicão enquanto o abraçava para cumprimentá-lo também, claramente se divertindo mais em provocar Chico do que efetivamente dando em cima de Tiago, porque se a intenção fosse realmente ser o talarico, ele não teria enviado o vídeo de Chicão gritando que o amava para ele. — Henrique!

Só que, no momento em que o chamou, Chicão realmente virou para Leandro que, por sua vez, estava pronto para dar um beijo no rosto dele.

E ele deu um beijo.

Só que não no rosto.

Bem, tecnicamente a boca fazia parte do rosto.

E aí eu comecei a rir, porque Henrique Francisco Gadelha estava tão chocado que podia, facilmente, ter acabado de descobrir uma nova doença ocular ou visto uma bomba e não apenas dado um selinho em Leandro — que, no momento, se dividia entre rir e dar um sorriso flerte e risonho para um Chicão completamente estático.

— Ah, não! — disse Tiago, cruzando os braços e fechando a cara enquanto o rosto de Henrique ia mudando de cor. — Leandro, porra!

— Eu até queria saber como era, mas eu juro que foi sem querer! — O galã se defendeu ao erguer as mãos em rendição, rindo, mas olhou para Chicão e Tiago. — Acho que vocês dois acabaram de se tornar o significado de tanto faz para mim. Que boquinha, doutor.

Eu tombei a cabeça para trás para rir e Tiago estreitou os olhos para mim porque, tecnicamente, eu deveria estar tão furioso quanto ele. Talvez não fosse seguro deixar que ele cuidasse dos meus dentes depois disso, mesmo que ele fosse um dentista muito incrível. Em minha defesa, Leandro e Henrique moravam sob o mesmo teto há mais de um ano, então se eles quisessem ter alguma coisa, eles já teriam tido, então eu não precisava me sentir culpado, certo?

O que me fez pensar que...

Não.

Será?

Não!

Mas será que não mesmo?

Eduardo Senna!

— Acho que agora nós estamos quites pelo Galhardo, Chicão — eu disse, secando as lágrimas do canto dos olhos e puxando Leandro para perto só para garantir que haveria uma barreira entre ele e Tiago se fosse necessário, porque o dentista estava roxo de ciúmes, o que era meio fofo.

E eu entendia. Como entendia, porque também tinha um puta ciúme do meu pretinho.

— Sério, Leandro, é o hidratante da Ágata? Caramba! — Foi o que Chicão disse ao voltar à vida. Leandro assentiu e falou que fazia milagres e deixava os lábios muito macios mesmo, eu comecei a rir de novo e Tiago cutucou a cintura de Chico, que fez biquinho para ele. — Ei, pudim, você sabe que eu só tenho olhos para você!

Isso funcionava tão bem quando era dito por um oftalmologista!

Será que eu deveria começar a cantar Marcela com as melhores cantadas de arquiteto?

Me chama de Revitt e faz uma família comigo.

Sou o arquiteto que faltava no seu projeto (de vida).

Não sou metro quadrado, mas eu estou na área.

Felizmente, meu bom senso impediu que eu continuasse com essa ideia. Era legal só com Henrique e Tiago — que, por sinal, não pareceu muito convencido do amor de Chicão naquele momento e apenas ergueu as sobrancelhas antes de cruzar os braços sobre o peito, o que fez o oftalmologista se aproximar e sussurrar algo no ouvido dele que foi desarmando mais o dentista a cada palavra, até que apenas um sorriso de setenta e sete dentes e más intenções estivessem naquela boca.

— Vou cobrar. E com juros. E correção — Tiago disse antes de aceitar a mão que Chicão estendeu para ele, encaixando seus dedos nos do namorado com aquele sorriso que não sairia do seu rosto pelo resto da noite. — Vai sair bem caro e eu vou adorar.

— Pode cobrar até multa se eu não cumprir — Chicão disse e deu um beijo no dorso da mão de Titi, bem em cima da tatuagem de rosa que ele tinha ali. Então, os olhos castanhos do oftalmo pararam nos meus. — E nós nunca estaremos quites pelo lance do Galhardo, Eduardo Senna.

— Gandhi falava que o perdão é um atributo dos... — Leandro começou, provocando ao citar algo que obviamente tinha saído da boca filosófica de Felipe, mas suas palavras se perderam em algum ponto quando ele começou a sorrir.

O casal claramente não estava prestando atenção nele, envolvidos demais no que quer que fosse que Chico tinha prometido para notar que não era o sorriso flerte meio torto e cheio de gengiva que estava na boca do galã, mas uma versão totalmente linda e nova dele, com a quantidade perfeita de gengiva e dentes expostos e com o ângulo correto dos lábios. Realmente bonito.

Depois de assimilar esse fato, meus pensamentos eram um misto de "não acredito que você sabe sorrir direito" e "para de sorrir assim para o Tiago, Chico é seu melhor amigo", só que aí eu notei que não era para Tiago que ele estava sorrindo.

Era para uma loira, com certeza, mas uma Loira Marketing que estava chegando até nós caminhando sobre saltos altíssimos e com um macacão laranja terroso que esvoaçava quando ela andava até nós, segurando uma bolsinha pequena e com uns cinquenta anéis em cada mão, mais ou menos, sorrindo para ele de volta.

Tamara Betini aceitou a mão que Leandro estendeu para ela e deu uma voltinha para que ele a visse, rindo para ele antes de abraçá-lo com o carinho e familiaridade de alguém que se sentia à vontade. Ela cochichou algo no ouvido dele e os dois riram juntos.

— Edu, Chico — Tams cumprimentou com um aceno quando Leandro pousou a mão na base da coluna dela por um segundo e depois simplesmente enfiou no bolso, um tanto incerto do que estava fazendo. — Dr. Tiago, eu amei o clareamento!

Claro que Leandro já tinha panfletado Tiago Lira. Claro.

Tiago sorriu, orgulhoso. Seu sorriso era a maior propaganda que ele podia fazer, porque era lindo mesmo, branquinho, com um milhão de dentes para serem inspecionados por quem duvidasse de suas habilidades.

— Continua sem o café e colocando o gel antes de dormir que vai ficar ainda mais incrível, Tamara — garantiu e ela assentiu. — Seus dentes são lindos.

Ela sorriu e dispensou o elogio, os olhos passando por Leandro antes de pararem em mim.

— E você, parabéns pelo prêmio! A VixSão inteira quer te contratar agora, então se prepare para uma nova sede cheia de bambu e G.G. te chamando de querido e espalhando boatos sobre seus olhos serem mais azuis do que os do Rui — Tams sorriu e ficou na ponta dos pés para dar um beijo na minha bochecha e eu abaixei um pouquinho para que ela alcançasse.

Claro que eu sorri para Leandro, porque obviamente a revista inteira saber sobre mim era mérito do único galã de revista que habitava no meu coração ecológico, ainda que ele estivesse extremamente resignado por perder a competição anual que rolava na VixSão para Felipe de novo (ele ficou uma hora no telefone com Rui, o ridiculamente bonito namoradinho de infância de Marcela, quando isso aconteceu e não sei quem estava com o ego mais ferido).

Eu apostava que eram os óculos redondinhos, porque deixavam o filósofo realmente adorável. E quem magoaria o coração de uma pessoa com óculos? Que tipo de monstro? A vida dela já é difícil o suficiente!

— Estou prontíssimo para isso quando ela estiver — comentei e pisquei para Tams em retorno. — Eu sou mesmo um querido.

— Isso porque você nem é capa de revista ainda, Eduardo. — Uma das sobrancelhas perfeitamente loiras da musa do marketing ficou mais alta do que a outra. — Não deixe a fama subir à sua cabeça, vocês já tem "amor próprio" — ela fez aspas com os dedos para enfatizar — demais em casa só com a Afrodite.

Leandro, que estava com um canapé a caminho da boca, parou por um segundo ao ouvir a menção ao seu apelido que, sinceramente, combinava demais com ele. Com certeza ele meio que passava a ideia de uma figura de amor, sedução e sexualidade — ainda mais naquele terno.

Se Tamara já sabia sobre eu ser capa da próxima edição da VixSão, então era mesmo oficial agora. Quero dizer, eu tinha tomado um café de trinta minutos com Felipe Galhardo naquela tarde para combinar alguns detalhes, mas acho que só ia parecer oficial quando eu visse minha cara impressa por aí. Acho que nem tinha caído a ficha ainda de que eu era um arquiteto premiado, por mais que já fizesse um tempinho que eu sentia toda aquela felicidade explodindo no meu peito.

— Eu amo que o apelido dele seja Afrodite — Chicão disse. — E amo que a Marcela tenha contado isso para a gente, porque o bonitão mesmo não contou.

Leandro deu um sorriso flerte para ele em retorno e Tiago praticamente rosnou antes de também ser contemplado pelo excesso de gengiva.

Como era a vida antes de Lelê? Eu não me lembrava mais.

— Tudo bem, faz mesmo o meu tipo, mas hoje eu vou emprestar meu apelido para a Tams — ele disse e ela colocou a mão sobre o coração, fingindo estar lisonjeada. Ou talvez não fingindo, porque aquilo era um puta elogio. — Você sempre é linda, mas hoje está um espetáculo, Afrodite.

A sobrancelha de Tiago subiu tanto pelo seu rosto que talvez agora tivesse dado a volta na sua cabeça e se perdido em definitivo na sua nuca, mas aí ele se distraiu com um canapé de damasco e queijo brie..

— Ok, o que colocaram na sua bebida, galã? Estou preocupada porque só hoje você me convidou para ser seu mais e me elogiou, talvez precisemos de ajuda médica em breve. Espero que o Chico se prontifique. — Henrique meneou a cabeça em concordância e Tamara arregalou os olhos, finalmente se dando conta de algo: — Ai meu Deus, você não vai começar a cantar a música do PROERD de novo, né? Eu não quero um remember do show do Casaca e achei que você tinha parado com isso!

E aí ela acertou o ombro de Leandro com a bolsinha enquanto ele ria e jurava que o famigerado show tinha sido a última vez que ele colocou sob a língua coisas que deixariam Patrício, meu advogado preferido, de cabelo em pé.

— Você lembra onde eu acordei naquele dia? Eu parei! — Leandro garantiu.

A marketer pareceu acreditar no galã e até Tiago pareceu surpreso com aquela versão soft de Leandro Lamas que, pela primeira vez, não parecia ter um tique no olho de tanto piscar.

— Onde está a Cecília? — Tams perguntou, brincando com o pingente do cordão, arrasto-o de um lado para o outro pela corrente dourada. — Queria dar parabéns por esse lugar! Está mesmo incrível!

Ela olhou ao redor, os olhos claríssimos absorvendo os detalhes que eu amava sobre o ambiente. Por um momento, tentei me lembrar de onde ela conhecia Cecília e, por fim, ficou óbvio que era do nosso primeiro encontro, que tinha sido duplo junto com minha irmã e Leandro, o que parecia uma vida atrás, quando eu ainda não era...

Bom, certamente eu me lembrava das costas de Marcela apoiadas levemente no meu peito, do seu sorriso e da sua voz risonha me dizendo que estar no mesmo bar que eu não era um sinal e, acho, foi a primeira vez que eu me senti um pouco diferente sobre ela. E olha onde tínhamos chegado.

— Provavelmente discutindo com Romeu na adega enquanto Sandro carrega caixas e intermedia a Guerra do Vinho — eu contei e, embora Chico, Lê e Ti tenham rido, Tams apenas apertou as sobrancelhas, sem saber de quem é que eu estava falando. — Logo ela aparece, Tams...

Fui interrompido por um gritinho animado que chegou aos meus ouvidos, uma voz familiar e deliciosa que me fez sorrir de orelha a orelha antes mesmo que eu me virasse sobre os calcanhares para olhar para as duas pessoas que eu mais amava no mundo.

— Meu bebê premiado!

Minha mãe se adiantou, soltando a mão do meu pai para abraçar meu pescoço em algo tão apertado que provavelmente meus olhos estavam esbugalhados para fora do crânio, mas eu não me importei nem um pouco porque ela tinha aquele calor reconfortante e aquele cheirinho de mãe que me fazia querer não soltá-la por muito, muito, tempo.

— Que saudade de você! — eu disse, mesmo que não fizesse tanto tempo assim desde que nós tínhamos nos encontrado no fatídico aniversário de Ana Sofia (minha irmã canina) e meus pais se recusavam a mandar as fotos de Sandro de chapéuzinho de festa porque sabiam que era o maior material de chantagem que eu teria na vida. Beijei sua bochecha várias vezes antes de falar no seu ouvido: — Se as pessoas te ouvirem me chamando de bebê eu vou perder meu nome para sempre, mãezinha.

— Eu sou sua mãe, Eduardo, minha missão na Terra é não me importar em te fazer passar vergonha. Acho até que meu dever é esse. — Ela sorriu abertamente e eu tentei não bagunçar o seu cabelo inteiro, porque ele estava lindo preso em um coque que evidenciava suas feições tão parecidas com as de Cecília, embora o sorriso fosse claramente o molde que fabricou o meu.

Fiz uma careta para Esther Senna antes de abraçá-la de novo para ouvir mais uma vez o quanto ela estava orgulhosa do meu prêmio internacional, totalmente encantada com a ideia de que seu bebê tinha projetado um estádio que impressionou vários nomes de peso da arquitetura — e acho que saber que ela sentia tanto orgulho de mim era o maior prêmio que eu poderia receber.

Vi meu pai abraçar Henrique Francisco chamando-o de filho e meu pretinho falando com o "tio Fábio", como o chamava desde os seis anos, com todo o carinho que tinha criado pelos meus pais ao longo daqueles anos todos — Henrique Francisco Gadelha era meu irmão, a ausência do Senna no seu nome era uma mera questão técnica — e depois abraçando Tiago também.

— Tia Esther! — Chicão disse quando minha mãe me soltou para abraçá-lo e deixar batom cor de rosa no seu rosto. — Que saudade de você!

— Você está tão grande, Chiquinho! — minha mãe disse como se não o visse há uns dez anos e não há uns seis meses, antes de limpar o rosto dele e olhar com expectativa para ser apresentada para Tiago, de quem ela com certeza já tinha ouvido falar (e nem foi por mim, ela e Chicão se ligavam constantemente e com certeza ele já tinha contado sobre seu namorado).

— Pai! — Abracei Fábio Senna, com seus cabelos com marcas grisalhas penteados para trás e os olhos azuis e gentis que também eram meus e de Ceci. Senti os tapinhas que ele me deu nas costas.

— Estou tão orgulhoso de você, Edu! Premiado internacionalmente, o meu garoto! — ele disse e eu sorri, a lã fria do terno dele na minha bochecha enquanto eu me deixava ser abraçado pelo cara mais incrível que eu conhecia. — Sempre soube que você era fora da curva! Você e a sua irmã, duas pessoas maravilhosas e profissionais incríveis! Eu chorei por horas quando soube, mas não conte para a sua mãe.

Bom, eu também tinha puxado isso de alguém, não é?

— Obrigado, pai — eu disse, ao mesmo tempo que minha mãe rolava os olhos e dizia "como se eu não soubesse, Fábio, depois de trinta e cinco anos de casado a gente entende como a pessoa funciona e você soluça enquanto funga, nada discreto".

E aí ela mandou Tiago cuidar muito, muito, muito bem de Chicão. E abraçou Leandro, que a apresentou como sua sogra para Tamara.

As sobrancelhas do meu pai quase se fundiram em uma só no meio de sua testa quando ele ouviu isso, mas Lê explicou que era por minha causa e não por Cecília — até porque ela estava namorando o Sandro, né? Leandro estava livre, leve e solto para conhecer vários lençóis por aí e, até onde me constava, ele e Cecília tinham se superado totalmente, a ponto de fazer a ideia de que eles um dia estiveram juntos ser extremamente engraçada, como se nunca tivesse acontecido de verdade.

Claro, o galã jogou o braço por cima dos ombros do meu pai, abusado como todo mundo sabia que ele era.

— Fabinho, a gente tinha um combinado — lembrou e meu pai olhou para mim.

— Ele cuidou bem de você ontem, filho?

— Sempre cuida, pai. — Leandro colocou a mão sobre o coração e apenas aí meu pai o abraçou de verdade, mas o sorrisão que estava no rosto do patriarca Senna demonstrava que ele queria ter feito isso há muito tempo.

Ele adorava Leandro. E os lençóis e sabonetes artesanais, mas também adoraria Lelê sem eles.

Passamos mais um tempo conversando com meus pais, Chicão falando sobre olhos e as novidades em sua vida (que incluíam aquele cara apaixonado e tímido que derretia toda vez que Chico falava "meu namorado", "ele me faz feliz para caralho, tia" ou simplesmente o olhava como se ele fosse a pessoa mais preciosa do planeta inteirinho); Tamara, ao contrário de Tiago, estava mega à vontade e tinha emendado um assunto com meu pai e os dois estavam rindo junto com Leandro como se fossem amigos há anos.

Eu era um cara muito sortudo, mesmo.

Depois de um tempinho, uma moça pequena com um terninho azul se aproximou de Leandro e ele e Tamara foram atrás dela, o que me fez perceber que ela era a repórter gastronômica da VixSão que estava assustando Cecília — e que, se eu tinha entendido bem, queria ajuda do galã para conseguir uma entrevista com ela.

Tiago e Chicão foram cumprimentar algum conhecido do dentista e, de novo, eu me vi abraçado com a minha mãe, meu braço repousando gentilmente sobre seus ombros enquanto os dela envolviam minha cintura. Meu pai nos olhava com carinho, bebericando golinhos de vinho branco porque, assim como eu, era 100% team cerveja e porque estava ocupadíssimo narrando sua última façanha em reparos domésticos.

— Aí o Sandrinho disse que eu precisava de uma chave Philips para apertar o parafuso porque era do tipo fenda cruzada — explicou ele, gesticulando. — Só que aí eu colei com silver tape e deu super certo!

Habilidades domésticas, check.

— E eu adoro aquela gambiarra no armário da cozinha, ficou lindíssimo, meu bem, confia — minha mãe gracejou e eu ri. — Tomara que o Sandro nos visite logo, a porta da área fica rangendo e eu não quero que seu pai cole fita nela também.

— Dá para fazer com óleo de girassol, já fizeram assim na porta do meu apartamento — eu contei, porque Marcela tinha feito isso na noite do nosso primeiro beijo, quando consertou metade da minha casa com muito mais vinho na cabeça do que era recomendado. Claro que nós três colaríamos fita na porta, então completei: — Vou levar o Sandro lá qualquer dia, ele é ótimo nisso.

E provavelmente não ia ameaçar ninguém (eu, porque ele jamais falaria sobre andaimes assassinos para os meus pais) desde que Cecília pedisse.

Ou talvez Marcela fosse lá antes dele? Eu não precisaria pedir, ela certamente se ofereceria para lubrificar a porta e consertar o armário colado com fita e outras coisas que nós nem saberíamos que precisavam de reparo, mas ela sim.

Eu sorri pela possibilidade daquela mulher incrível junto com meus pais. Seria um dia histórico quando eu pudesse apresentá-la para eles e contar que eu amava aquela criaturinha reativa que, eu não tinha dúvidas, rosnaria para mim porque eu apenas olharia enquanto ela trabalharia, efetivamente (mas ela teria todo o meu apoio moral, com certeza).

Claro que meu sorriso não passou despercebido porque Esther Senna estava sempre atenta.

— Você está feliz, Edu? — perguntou ela. Eu abri a boca para responder, mas minha mãe completou: — Não estou falando sobre o prêmio ou sobre sua irmã ou o quanto essa obra é linda. Estou falando da sua vida.

— Embora tudo isso tenha seu mérito também — esclareceu meu pai e ela assentiu, meneando a cabeça levemente para cima e para baixo.

Pensei por um segundo, concluindo que eu só tinha pessoas incríveis na minha vida. Que eu era sortudo por trabalhar em algo que eu amava, por estar cercado de gente que se importava comigo, por ter dois amigos que tomariam um tiro por mim, por ter minha irmã sempre por perto, por ter tido a sorte de ter alguém como Marcela na minha vida.

— Pra caralho, mãe.

Ela sorriu, satisfeita, mas me beliscou porque eu tinha xingado e isso fez meu pai rir, encantado com a esposa que, por sua vez, deu um beijinho no meu queixo antes de ir até ele e segurar sua mão, sorrindo. Eles eram tão fofos!

Todavia, foi nesse pequeno lampejo de tempo que eu olhei para o lado e vi Getúlio caminhando para onde estavam Chicão e Tiago, o que significava que...

Olhei em volta, procurando por aquela pessoa específica que eu ainda nem tinha visto, mas que fez meu coração começar a martelar contra as minhas costelas, batendo apressado e animado e em expectativa pela simples possibilidade de que estivesse ali.

Depois de um tempinho vendo rostos estranhos e familiares que não eram aqueles que eu estava procurando, eu a vi caminhando entre as pessoas em passos confiantes, sorrindo para um ou outro conhecido e acenando eventualmente até seus olhos caírem em mim e seu sorriso, lindo e amplo, ficar diferente, combinando com o que quer que fosse aquela coisa boa que brilhasse em seus olhos naquele exato momento.

Repliquei automaticamente aquele sorriso, meu coração caindo de um desfiladeiro e errando várias batidas enquanto todo mundo meio que perdia o foco porque eu estava concentrado em uma única pessoa, em um único sorriso, em um único olhar.

Ela estava me mandando um sinal, não estava? Porque eu tenho certeza que eu estava prestes a ter uma morte súbita ao notar que ela estava usando o vestido que eu tinha escolhido para ser a reposição do macacão manchado no dia do churrasco da CPN.

Tão, tão, tão, linda que eu não sabia nem como reagir.

E não me importei, porque ela estava vindo para mim e isso era tudo o que eu queria, ainda que meu coração parecesse estar tendo problemas em bombear sangue naquele momento, como se tivesse desaprendido sua função básica.

Amei aquele sorriso dançando nos seus lábios e amei mais ainda quando ela me abraçou, trazendo para perto todo o conjunto da obra de arte que ela era e ficando tão confortável entre meus braços que parecia a coisa mais certa que tinha acontecido em todo aquele dia cheio de coisas certas.

— Você está linda demais, amor — sussurrei baixinho no ouvido dela, deixando meu nariz encostar propositalmente na pele exposta de seu pescoço e ouvindo-a rir antes de se afastar de mim e, felizmente, ela não foi tão longe assim.

Apenas um passinho de distância e nossos olhos se encontraram por alguns segundos — talvez segundos demais, mas eu jamais me importaria em me perder naquelas íris douradas. Quando eu saí daquele transe e olhei para os meus pais, eles estavam sorrindo em expectativa também.

Limpei a garganta, fazendo a engenheira olhar para o mesmo lugar que eu.

— Essa é a Marcela — eu disse para eles e gesticulei em direção à engenheira; Marcela, que tinha um olhar levemente assustado entre o reconhecimento e a surpresa por não ter visto com quem eu estava, sorriu. — Má, esses são Esther e Fábio, os meus pais.

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Helloooooooo Bambuzeteeeees, saudadeeees <3

Sabemos que demoramos um horror para postar, mas acreditem em nós, tinha muita coisa que Libriela precisava ajustar para que esse calhamaço maravilhoso surgisse e caísse nas mãos de vocês hihi

Finalmente a Horta abriiiiiiiiu <3 Tem tanta coisa acontecendo que nem sabemos o que efetivamente falar, então vamos para os momentos marcantes: SANCILIA VIROU VINHOOOO <3 Rom maravilhoso fez essa honra pra nós!

E... tan tan tan... Marcela vai conhecer os pais do Edu, será que ele apresenta como Má, Amor ou Amor da minha vida? Lancem as apostas! hahahaha

Esperamos que estejam curtindo, não sei se notaram, mas as coisas estão dando muito certo, né? Já imaginam o motivo?

Não esqueçam do surto e da estrelinha <3

Será que a Gabs me mata por falar que estamos com planos para Libriela 3.0 e é uma história boa pra cachorro? hehehehe

Beijinhos,

Libriela <3

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