Capítulo 107 - Eduardo Senna Lamas Gadelha

Eduardo Senna Lamas Gadelha


Eduardo

O dia tinha começado um pouco estranho.

Primeiro, porque Leandro e Chico fizeram café da manhã para mim — eu adorava meu shot anti-inflamatório e normalmente só ia realmente comer lá pelas 10h, mas não dava para falar não para a tapioca com queijo branco de Chicão e nem para as frutas com farelo de aveia que Leandro tinha cortado em cubos tão perfeitamente idênticos que parecia que tinha medido com uma régua antes de simplesmente passar a faca.

E eles estavam sorrindo tanto que eu comecei a ficar preocupado, porque Tiago nem estava ali para haver tantos dentes para fora.

Depois, eles me disseram que eu deveria vestir a camisa azul à prova de erros. E, tudo bem, Leandro gostava mesmo de opinar sobre roupas, mas Henrique Francisco? Eu podia aparecer vestido em um saco de estopa que ele ainda diria que eu era o homem mais bonito do Brasil.

E aí eu "perdi" a chave do carro, mesmo tendo certeza de que, como absolutamente todos os dias, eu a tinha guardado na cestinha do aparador, onde nossa falecida begônia costumava ficar — agora, no mesmo local, havia um vaso de margaridas que faziam Henrique suspirar, portanto, só podiam ter vindo de um certo dentista — e tive que revirar a casa inteira a procura dela.

A parte estranha foi que, depois, ela magicamente apareceu exatamente no aparador, como se sempre tivesse estado lá e eu fosse um completo lunático que não tinha conseguido achá-la junto com as outras duas chaves de carro que ficavam lá.

Claro, isso me fez atrasar para chegar a CPN, porque eu acabei no trânsito da hora do rush de São Paulo e, entre engarrafamentos, buzinas e palavrões, foram vários minutos a mais no trajeto que eu teria evitado se tivesse saído de casa no horário certo — se havia um lado bom, é que agora eu sabia que o clima daquele dia seria ameno, a possibilidade de chuva era de 20% e que a umidade do ar era de 53%, pois tinha acabado de ouvir o noticiário matinal da rádio.

Não sei para que eu usaria essas informações, mas o que abunda não prejudica, certo? Certo.

A próxima coisa extremamente esquisita que aconteceu foi que, quando eu cheguei ao saguão do prédio da CPN e apertei o botão para chamar o elevador, Sâmia praticamente se jogou atrás do vaso de Espadas de São Jorge que ficava ali no canto e depois se esgueirou por trás de dois chineses de terno com o celular na mão.

Eu tentei pensar um único motivo plausível para que ela estivesse se escondendo de mim, mas acho que eu não era perigoso e nem a estava perseguindo, então cheguei a conclusão que tinha que ser outra coisa, ajeitei a alça da pasta no ombro e entrei no elevador, pescando o celular do bolso e checando meu e-mail.

Seu pedido da Amazon foi aceito

Viaje com as milhas do seu cartão Paulistano

Sem floresta, sem vida: Proteja a Amazônia!

Estava apenas rolando pelos e-mails quando atravessei o corredor e empurrei a porta que dava para a sede da CPN, momento em que só meu corpo ficou de pé ali, porque minha alma foi passear em outro plano quando Lucas praticamente latiu um "chefe!" para mim, tão alto e inesperado que eu parei o que estava fazendo para colocar a mão sobre o coração e erguer os olhos para...

Balões verdes espalhados pela CPN inteira.

Todo mundo reunido ali, inclusive a trindade, os três sorrindo.

Aliás, todo mundo estava sorrindo... Para mim?

Havia uma faixa me parabenizando e eu juro que enquanto eu ouvia a rádio no trajeto, o locutor disse que era fevereiro, então não podia ser meu aniversário, pois eu só faria trinta e um anos em março. Mas não tinha outro Eduardo na CPN, então tinha que ser eu, só que... Quê?

Lucas não me deixou pensar muito sobre o assunto, porque no segundo seguinte ele estava pendurado no meu pescoço, feliz como só um cachorrinho poderia ficar, e eu o abracei de volta, mais porque eu não ia deixá-lo no vácuo do que por, de fato, entender o que estava acontecendo ali.

— Parabéns, chefe! Parabéns, parabéns, parabéns! — ele disse, claramente empolgado demais enquanto meu cérebro estava tomado por uma tela de erro que simplesmente se recusava a sair dali.

Felizmente, Valter veio ao meu socorro, com seu sorriso afável, suas bochechas cor-de-rosa e um iPad na mão, colocando seu braço sobre os meus ombros e segurando o objeto entre nós dois para que eu pudesse ver com ele.

The best Architectural Project in 2021 is Estádio do Futuro, designed by Eduardo Senna, Brazil

O quê?

— Coração, você venceu um concurso internacional de arquitetura! — ele anunciou e eu apenas voltei os olhos para a tela de novo, para ter certeza do que ele estava falando e de que eu realmente tinha lido meu nome ali, antes de olhar para o rosto rosado de Valter Rodolfo. — O projeto do estádio!

Meu nome continuava ali. Valter colocou o iPad na minha mão depois de dar um beijo risonho no meu cabelo, porque eu claramente tinha congelado e não estava... Olhei o endereço do site que ele tinha aberto e reconheci o nome que estava ali, sentindo uma sensação gelada subindo pela minha espinha.

Aquele concurso era gigantesco. Eu nunca tinha pensado em enviar um projeto para lá porque eles tinham critérios muito específicos para simplesmente aceitarem uma inscrição, a banca era renomada e os concorrentes eram brilhantes, sempre com projetos muito, muito, além do convencional, à frente do que normalmente era aceito na arquitetura da vida real. Projetos realmente diferenciados.

Eu tinha convicção de que era um excelente arquiteto e de que fazia bons projetos e não era — e nem costumava tentar ser — modesto sobre o assunto, mas, na verdade, era um certame muito complicado, então eu nunca pensei que eu... Pudesse. Nem mesmo de brincadeira, porque eu nem passaria da primeira eliminatória.

Mas meu nome estava ali.

Como era possível, se eu não...

— Mas eu não me inscrevi — disse para Valter, procurando seus olhos para que, pelo amor de Deus, alguém me explicasse que caralho estava acontecendo!

Será que era um sonho e em alguns segundos meu despertador tocaria e eu estaria deitado na minha cama, enrolado com um monte de cobertas, o casaquinho cinza de Marcela e provavelmente com uma poça de baba no meu travesseiro na qual eu estava me afogando para justificar o tamanho do meu delírio?

Porque parecia um sonho.

Um sonho lindo, incrível, maravilhoso, que estava me fazendo sentir nas nuvens e eu...

Pelo amor da Amazônia, meu nome estava naquele site!!!!!!!!!!!!!!!!!!

— Não foi você, bobo. E está acontecendo de verdade — Gisele se aproximou, passando o braço pela minha cintura do lado oposto de Valter. — Parabéns, Sr. Arquiteto — ela sorriu, um sorriso enorme e orgulhoso de rainha do RH.

Só quem tinha acesso àquele projeto...

— Puta que pariu — eu sibilei, olhando para a tela antes de cobrir a minha boca aberta com a mão e olhar para a CPN, procurando a engenheira reativa e dona do meu coração, que palpitava tão rápido no meu peito que podia ser fatal, no meio das pessoas que começaram a comemorar quando perceberam que eu finalmente tinha entendido o que estava acontecendo.

Ouvi gritos, assobios, aplausos e um barulho que só podia ser de uma garrafa de espumante sendo estourada, mas eu acho que meu cérebro ainda estava ocupado demais processando o fato de que eu tinha vencido um concurso de arquitetura internacional que eu jamais acreditei que pudesse vencer, mas que alguém tinha acreditado por mim.

Marcela Noronha tinha colocado o nosso projeto naquele concurso, ela tinha acreditado que dava para vencer e... Ela estava certa, como quase sempre.

Eu estava completamente atônito quando Valter e Gisele me abraçaram de novo e eu abracei os dois de volta, agradecendo por todas as coisas boas que eles falaram para mim; Golden voltou para me abraçar, falando que era um orgulho ser meu pupilo porque eu era seu ídolo e, dessa vez, eu consegui te alguma reação além da completa descrença — eu acho.

Depois eu abracei Sâmia, Alice, Galileu, Andreia... Era gente demais para registrar, pelo menos naquele estado de felicidade. Eu só queria sorrir e agradecer a todos por estarem felizes por mim e dizer para Marcela que eu amava que ela acreditasse tanto em mim, acreditasse tanto em nós, que tinha feito aquilo. Que tinha realizado um sonho que nem sabia que eu já tinha sonhado, mas que me sentia com cinco centímetros todas as vezes que pensava em realizar.

E ela tinha feito aquilo como a gigante que sabia que era; tinha acreditado no arquiteto eco-chato que tinha sido dela por tantos anos, e no cara eco-chato que seria dela pela vida inteira, se ela quisesse.

Tinha acreditado no nosso projeto incrível.

Aquela era a prova concreta de que nós éramos um match perfeito em qualquer coisa que fizéssemos juntos. Qualquer coisa.

Eu procurei por ela com os olhos enquanto as pessoas me parabenizavam e demorei um pouco para entender que ela também estava perdida entre abraços e pessoas orgulhosas dela, porque a verdade era que não havia uma disputa entre arquitetura e engenharia na CPN, por mais que a gente fingisse que sim; era uma relação de co-dependência.

Não, era uma parceria.

Arquitetos e engenheiros trabalhavam juntos e, ainda que o prêmio fosse para a arquitetura, ele não seria meu sem ela — e eu nem estava falando sobre o fato de ela ter feito a inscrição, mas sim sobre o fato de que, sem ela, aquele projeto não seria tão bom. Assim como não seria tão bom sem mim.

A CPN nem imaginava o quão certa estava quando resolveu me designar para Marcela Noronha. E nem fazia ideia de em quantos aspectos essa escolha tinha mudado absolutamente tudo — ainda que, tenho certeza, se não fosse desse jeito, Marcela e eu acabaríamos encontrando um ao outro de outra forma. Ela derrubaria café em mim, ou eu resolveria tentar a sorte com a engenheira de pernas lindas, ou qualquer outra casualidade.

Eu tinha ganhado um prêmio internacional, puta que pariu!

— Vai arquitetura! — Fernando disse, aparecendo na minha visão com um terno cinza chumbo, seu sorriso branquíssimo e uma taça de plástico em cada mão. Ele me abraçou e eu senti a base das taças na parte de trás da minha camisa. — Parabéns, Edu! Você merece!

Quando eu recebia elogios de Fernando Nogueira, acho que eu entendia a felicidade do Golden quando Sandro o elogiava, ou quando eu aprovava seus projetos e suas ideias. Eu admirava Fernando para um caralho e meus joelhos quase se esqueciam da sua função básica que era me deixar de pé quando ele me parabenizava, porque eu sentia como se tivesse atingido um objetivo.

Ele deu dois tapas nas minhas costas e eu sabia que ficaria um mês cheirando a Armani por causa dele, então, ele me entregou uma das taças com dois dedinhos de espumante dentro, enquanto eu obrigava meu cérebro a reaprender a formar sentenças coerentes.

— Obrigado, Fernando. Significa muito — eu disse e ele sorriu, dispensando o elogio —, mas eu não fiz isso sozinho, sem a Marcela...

— Nós jamais esqueceríamos os méritos da Má nisso, fica tranquilo — Thales completou, passando o braço por cima dos meus ombros em uma intimidade que nós não tínhamos, mas tudo bem por mim. Eu super toparia uma amizade real e sincera com o big boss da CPN. — Parabéns, Edu, eu estou orgulhoso!

— Obrigado, Thales! — Passei o braço pela sua cintura e aproximei minha taça da dele num brinde feliz e desengonçado. — Da próxima vez que eu ver o Junior, vou contar para ele sobre como é incrível ser arquiteto.

Thales riu, junto com Fernando, e notei uma terceira pessoa se aproximando. Renata.

— Meu sobrinho vai ter que passar um tempo com a tia Rê, soube que ele conversou muito com o Edu e ama o Fernando, a influência da arquitetura está muito forte e é na infância que a gente aprende do que gosta na vida — Renata ponderou, com seu sorriso afável e brilhante. — Fernando criou profissionalmente o Eduardo e olha no que deu! E ainda te convenceu a trazer bebida para o expediente, Thales, ele sabe ser persuasivo e o Junior é apenas uma criança!

Renata se aproximou e eu abracei a engenheira, recebendo de bom grado o beijo que ela deu na minha bochecha enquanto me parabenizava pelo projeto. Eu admirava tanto aqueles três que eu nem sabia mais como explicar para mim mesmo que eu não podia chorar de felicidade — e nem como exatamente me forçar a não fazer isso.

— Criei você direitinho, não foi? — Fernando piscou para mim e eu ri. Acho que era um pouco Eduardo Nogueira sim, não tinha como negar. A gente até estava com o topete para o mesmo lado e sua camisa também era azul caribe, quase como se tivéssemos combinado. — Minha próxima meta é fazer você e o Lucas usarem gravatas para trabalhar, não posso ser o único que entende o poder de um terno e eu já desisti do Thales, porque ele se vendeu para as camisas polo.

Fernando falou isso com uma careta desgostosa, como se usar camisa polo fosse um crime.

— Em minha defesa — Thales disse, erguendo um dedo em riste para Fernando, que fez cara de paisagem imediatamente —, não foi no meu cartão corporativo que o álcool foi comprado. E acho que vale dois dedinhos de espumante para cada um, porque não é uma comemoração sem espumante, como diria...

— Marcela — eu completei, sem nem me dar conta. Thales sorriu e ergueu uma sobrancelha. — Ela sempre fala isso.

— Falo mesmo — a engenheira completou, com uma taça cor de rosa na mão, os olhos nos meus e aquele sorriso lindo nos lábios. Ela estava usando uma camisa branca, e se isso não fosse um sinal, eu não sei mais o que era. — Vai arquitetura? — arriscou, erguendo a taça para um brinde.

— Traidora! — Thales brincou, mas levantou sua taça também, assim como Fernando e Renata.

Eu juntei minha taça à deles e foi Fernando quem berrou um "vai arquitetura!" que fez o Golden abraçar Joaquim, que era o arquiteto mais próximo. Você percebe que todo mundo tem um coração quando Gentil deixou que o garoto fizesse aquilo, porque ele não ia rosnar e tacar coisas no Golden Retriever da CPN, embora provavelmente não se importasse em jogar um grampeador na cara de galã de Fernando, caso ele se aproximasse demais.

Sem pensar muito sobre o assunto, caminhei até Marcela e a abracei pela cintura, tirando o amor da minha vida do chão enquanto ela ria e me abraçava de volta pelo pescoço, sem tentar me impedir.

— Parabéns, Edu! — Má disse perto do meu ouvido; minha nuca se arrepiou com as suas palavras e com o beijo profissional que ela deu na minha bochecha assim como metade da CPN tinha feito, mas que tinha um peso diferente quando vinha dos seus lábios. — Tenho certeza que esse é só o seu primeiro prêmio, você é um arquiteto incrível!

— Arquiteto mais foda para você, gosto de paridade de elogios — eu disse antes de colocá-la no chão com a ciência de que estava com ela nos braços há tempo demais e também reparando que Marcela Noronha poderia usar qualquer perfume e eu continuaria amando, pois já amava seu perfume novo com todas as minhas forças. — Eu não acredito que você fez isso, Má!

Ela sorriu e continuou me olhando daquele jeito que me fazia sentir o melhor arquiteto do mundo, porque parecia que era isso que ela pensava. E, sendo sincero, a recíproca era inteiramente verdadeira.

— Inscrever o projeto? — perguntou e deu de ombros. — Não foi nada demais.

Eu neguei com a cabeça, devagar, ciente de que meu sorriso que se apresentou não era o famoso nada-bom-moço, mas sim uma versão agradecida e apaixonada dele, que fez Marcela olhar minha boca por um tempinho, como se analisasse.

— Não é disso que eu estou falando — esclareci. — Obrigado por acreditar.

Ela sorriu abertamente para mim, com um brilho diferente no olhar que me dizia que ela sempre tinha acreditado, mesmo quando nós éramos apenas uma engenheira genial e um arquiteto ecologicamente correto tentando coexistir em equilíbrio e produzir obras que nós dois tivéssemos orgulho de assinar. Marcela sempre acreditou em mim do mesmo jeito que eu acreditava nela, acho que eu só demorei para entender.

No entanto, antes que saísse qualquer palavra de sua boca, todo mundo se virou na direção da porta, fazendo com que nós dois também nos virássemos para ver o motivo da pequena comoção — foi aí que eu vi Cecília e Sandro empurrando um carrinho de entrega (que, se eu não estivesse errado, era um dos que ela me arrastou para escolher com ela duas semanas antes) com um bolo em cima, coberto de chocolate e brigadeiros enrolados como enfeite.

Minha irmã abriu o maior sorriso do mundo para mim, seus olhos incrivelmente azuis brilhando enquanto ela ignorava todo mundo e atravessava o pequeno contingente de pessoas até mim, pulando nos meus braços e deixando Sandro com a missão de empurrar o bolo sozinho — não por muito tempo, porque seu filhote jamais o deixaria sozinho e se juntou a ele naquela missão.

Abracei Cecília com força, totalmente feliz por ela estar ali. E, claro, supondo que este fato também tinha um dedinho de Marcela para ter acontecido.

— Eu estou tão tão tão tão tão orgulhosa de você, Edu! — Ceci disse, segurando meu rosto e beijando uma das minhas bochechas e depois a outra. Ela nem precisava ter dito nada, porque tudo nela demonstrava como ela estava orgulhosa, desde o brilho nos seus olhos, o sorriso enorme, a forma como ela correu para mim e até seu rabo de cavalo balançando de um lado para o outro pela animação, como se ela não conseguisse ficar parada nem enquanto eu a segurava pela cintura. — Sabia que você ia ser um arquiteto incrível desde quando a gente montava casinhas de lego e você queria fazer varandas enquanto eu só queria jogar tudo na sua cabeça!

— Obrigado, Ceci — eu disse, fazendo carinho na bochecha dela antes de beijar sua testa. — Pelo orgulho, não pelas peças na minha cabeça. Eu podia ter passado minha infância sem isso.

— Você finge que não amava brincar com sua irmã bruta, mas eu sei a verdade — Cecília gracejou e, em defesa dela, ela não estava mentindo.

Acho que eu era o único cara da minha idade que amava brincar com a irmã mais nova, porque Cecília Senna era uma criatura incrível e adorava Henrique Francisco tanto quanto eu (acho até que ela teve uma leve paixonite por ele por volta dos 14 anos, mas eu fingia que não sabia disso mesmo que seus olhos quase virassem corações quando ele estava no ambiente).

Provavelmente nós dois éramos os únicos meninos, na infância, que ela não odiava completamente.

— Parabéns, Senna! — Sandro disse, se aproximando já com Marcela presa embaixo de seu braço, em um abraço de paizão que eu sabia que ele tinha. Ele me enfiou do outro lado, amassando nós dois contra seu tronco com toda a força bruta e Má fez uma careta. — Vocês dois, nunca esperei menos. O único arquiteto eco-chato que eu respeito e a única mente brilhante para quem eu aceitaria ser o número dois na engenharia! Eu estou orgulhoso demais!

— Que lindo! — Golden disse, se juntando ao abraço desengonçado e fazendo um sanduíche de nós três.

— Eu amo que o Breno e a Gio deixam ele ser seu filho e nem tem ciúmes — Ceci disse e o pet da CPN foi até ela para lhe dar um abraço. — Oi, Lucas. — Ela sorriu, provavelmente já tendo aceitado que era madrasta daquele garoto uma cabeça mais alto que ela.

— Então você é a famosa Cecília Senna, cozinheira de mão cheia, dona do restaurante mais verde que se tem notícia, irmã do meu arquiteto, namorada do Sandrinho. Um prazer conhecê-la — Fernando disse, estendendo a mão para Cecília, que apertou a dele com um sorriso afável no rosto.

— E você deve ser o Fernando. Eu achava que você era só uma criatura mística, tipo um semideus da arquitetura que meu irmão idolatra, mas realmente existe. — Cecília ergueu as sobrancelhas para Fernando e senti que fiquei em três tons de cores diferentes naquele pequeno espaço de tempo, mas a terceira parte da trindade apenas riu e piscou para mim. — O prazer é meu.

Vou confessar, fui impactadíssimo.

— O bolo é só lindíssimo ou também é saboroso? — Valter perguntou, piscando para Ceci que piscou de volta para ele.

Era uma amizade perigosíssima para Sandro, eu tinha certeza.

— Valtinho, você alguma vez comeu algo ruim que eu tenha feito? — Valter negou e sorriu, feliz. Eu ia apresentar um certo bolo de pepino para ele, qualquer dia.

— Que tipo de vegetais estranhos vamos encontrar nesse bolo? Soube que o último foi pepino — Má perguntou e Cecília a abraçou pelos ombros.

— Bom, melhor engenheira que se tem notícia — Sandro pigarreou, mas Cecília apenas prosseguiu, dando atenção para Marcela e fingindo não ter entendido a "indireta" de Sandro Ventura, que só queria um carinho no ego —, dessa vez é só bolo de cenoura com brigadeiro trufado e ganache de chocolate amargo, eu prometo! Nenhum legume estranho envolvido, porque o melhor arquiteto do mundo merece não ser cobaia dos meus experimentos hoje. Mas não se acostuma, vamos ter que compensar essa folga, Edu!

Ergui minhas mãos em rendição, porque era melhor não contradizer Cecília Senna ou sabe-se lá o que ela enfiaria na sua próxima ideia brilhante que me faria experimentar.

— Eu não sei como você fez esse bolo a tempo, Ceci, mas está lindíssimo — Má disse.

— Nós, chefs, temos truques na manga — minha irmã explicou e encaixou o braço no meu, apoiando a bochecha no meu ombro. — E eu me senti inspirada e orgulhosa, então aconteceu.

Eu pisquei várias vezes, olhando para aquela pirralha e sentindo meu coração em êxtase por ela estar ali, sentindo orgulho de mim. Feliz por mim.

Senti a mão de Marcela no meu braço oposto e o passei por cima dos seus ombros, a puxando para perto também até que ela estivesse perfeitamente apertada contra meu tronco, encaixada em mim e com um dos braços ao redor do meu tronco.

A engenheira olhou nos meus olhos e um sorriso subiu pelos seus lábios; tudo estava levemente nublado e eu estava totalmente feliz pelo prêmio, por estar entre duas das minhas pessoas favoritas no mundo, cercado por pessoas que eu admirava e que me admiravam de volta e estavam verdadeiramente felizes por mim, então eu me deixei ser quem eu era: um arquiteto foda para caralho, mas também um tremendo pisciano emocionado e feliz.

Uma lágrima solitária escorreu pela minha bochecha, mas eu sabia que não seria a única. Não depois daquilo, não com Cecília e Marcela me olhando como se eu fosse um cristal precioso, não com o tanto de felicidade que estava no meu peito.

— Ai, que lindo! O chefe está emocionado! — Lucas disse, tombando o rosto e fazendo um biquinho, notei, em direção a Alice e Isaac. — Cinquenta reais de cada na minha mesa até o fim do dia! Eu sabia que ele ia chorar!

Então ele me abraçou pela terceira vez.

A CPN inteira almoçou no Vegetarious naquele dia, ainda como parte da comemoração — e, mesmo com todo mundo conversando sobre o projeto do estádio, sobre reportagens e sobre marketing para a CPN em cima do prêmio, eu não consegui parar de sorrir, porque foi exatamente naquele restaurante que tudo começou.

Foi quando Marcela falou sobre o cruzeiro, quando eu fingi ser seu homem pela primeira vez para afugentar o Mick Jagger de Taubaté e nós terminamos jantando ali, enquanto eu a ajudava com o Tinder e ela era ela — linda, incrível, engraçada e inteligente. Apenas amigos, quando a possibilidade de acabarmos nos envolvendo era apenas uma ideia que faria nós dois rirmos muito pela improbabilidade (embora, desde aquela época, eu não fosse reclamar que ela enrolasse suas belas pernas em mim).

Porém, embora tudo o que eu quisesse fosse algum tempo sozinho com ela para agradecer direito sobre o que ela tinha feito por mim — dizer obrigado com o rosto enterrado no seu pescoço enquanto ela se arrepiava por causa dos meus lábios na sua pele, beijar cada pedacinho do seu rosto lindo, deixar que ela envolvesse meu pescoço com seus braços e me sentir o cara mais sortudo do planeta Terra porque, com sorte, ela ia me olhar daquele jeito que me dizia que ela não queria estar em outro lugar além do meu abraço — nós mal tivemos tempo de conversar, exceto nos mais ou menos trinta segundos em que fizemos toda uma logística para enfiar mais uma cadeira para Andreia na mesa onde nós estávamos.

Então, desde que o horário de almoço tinha acabado, eu estava esperando que ela voltasse para a sua mesa, olhando eventualmente e de relance para o lugar que ela ocupava durante o expediente, enquanto Lucas e Isaac falavam sobre o último projeto que tinha sido repassado para a Construção Sustentável, um bistrô em Santos do qual eu tenho certeza que eu precisava saber dos detalhes, mas minha cabeça simplesmente não se concentrava naquilo e nem em Lucas tentando nos convencer a fazer aquilo com traços e linhas retas para dar estilo e imponência.

Eu só conseguia pensar naquele concurso, no meu nome na tela do computador, da qual eu simplesmente não conseguia sair, e em como eu precisava falar com Marcela sobre aquilo.

Depois de alguns minutos e alguns desenhos de um Golden muito empenhado, ele e Isaac foram até a cozinha tentar pegar um pouco do bolo de Cecília que não havia sido devorado de manhã e, aparentemente, estava sendo disputado pelas pessoas da CPN porque era incrivelmente delicioso — eu tinha certeza que o pratinho na mesa da Rainha do RH era obra de Valter Rodolfo.

Puxei o celular do bolso, visualizando a foto de Marcela Noronha, sempre tão linda quanto possível, no cantinho do aplicativo.

Eduardo: Ei, amor

Eduardo: Estou sentindo sua falta

Eduardo: O que não é nenhuma novidade, é claro, mas queria você aqui, especialmente hoje, comigo

Eduardo: Acha que consegue fazer algo depois do trabalho? Estou pensando em você de vestido vermelho, eu de gravata e nós dois em um jantar

Eduardo: Velas e espumante envolvidos

Eduardo: É a minha vez de ganhar um buquê de begônias, eu acho

Aí eu notei que os dois tracinhos que indicavam que ela estava recebendo as mensagens não apareciam e tentei me lembrar de alguma obra que ela estivesse executando que fosse em algum lugar sem cobertura, mas não me lembrei de nenhuma. Talvez ela pudesse estar sem bateria? Provavelmente.

Suspirei, porque eu sabia que Marcela tinha que trabalhar e, obviamente, eu não ia cair na mesma paranoia da minha promoção e achar que ela não se importava com as minhas conquistas profissionais, porque eu sabia que esse pensamento maldoso tinha sido apenas um produto da mágoa que eu estava sentindo naquela época, porque ela se importava e sempre tinha se importado. Se não se importasse, nem teria me inscrito em um prêmio internacional.

Provavelmente ela tinha ido para alguma obra? Provavelmente.

Todavia, não tive tempo de pensar muito no assunto, pois uma nova mensagem no famigerado Quer Leitinho? apareceu, me mostrando que tinham várias outras que eu tinha deixado se acumularem por ali na bagunça que tinha sido aquele dia — aquele dia perfeito que eu nunca ia esquecer.

Leandro: PARABÉNS

Leandro: Coisa linda e cheirosa

Leandro: Arquiteto premiado INTERNACIONALMENTE

Leandro: Que orgulho, Eduardo, puta que pariu

Leandro: Vou enterrar minha cara no seu pescoço com cheiro de One Million todo dia

Leandro: E te dar quantidades absurdas de amor, meu arquiteto

Henrique Francisco: Primeiramente, o Eduardo é meu

Henrique Francisco: Mas eu vou deixar você pensar que a gente divide ele hoje pq ele merece ser soterrado de tanto amor mesmo

Leandro: (figurinha)

Henrique Francisco: Eu tô orgulhoso para um caralho

Henrique Francisco: Você é incrível, Eduardo Senna

Henrique Francisco: Estou emocionado no trabalho e meu secretário está preocupado comigo e me trouxe um colírio porque meus olhos estão vermelhos, como se eu não fosse quem deve receitar isso

Henrique Francisco: Te amo tanto, porra

Henrique Francisco: Brilha mais que esses olhinhos de cristal, você é do caralho!

Leandro: Lindo lindo lindo lindoooooooo

Leandro: Desculpa esconder a chave do seu carro hoje de manhã, foi necessário porque senão você ia chegar no trabalho antes de estar tudo pronto

Leandro: Só foi mais fácil do que fazer o Chico não te carregar no colo de manhã, mas ele não podia estragar a surpresa

Henrique Francisco: Ah pronto, eu vi quem estava lacrimejando quando saiu de casa, ridículo

Leandro: E você não estava, doutor?

Henrique Francisco: EU ESTOU ORGULHOSO DO MEU HOMEM

Leandro: EU TAMBÉM

Eu sorri para a minha própria tela, sentindo meu coração pequenininho por causa dos meus dois melhores amigos, que eram duas das pessoas mais incríveis, talentosas, bons profissionais e inteligentes que eu conhecia, sempre fazendo festa para as minhas conquistas como se fosse deles mesmo — e era, porque nenhuma grande jornada era solitária. Nunca.

Eduardo: Obrigado, meus príncipes, por tudo

Eduardo: Eu sabia que vocês tinham escondido minhas chaves e que não fariam comida para mim sem motivo

Eduardo: Vocês são lindos e maravilhosos

Eduardo: Quero um cheiro dos dois quando eu chegar em casa

Leandro: Um cheiro no cangote, um beijo, dormir na minha cama

Leandro: Você pode ter de mim o que quiser, só para deixar claro

Henrique Francisco: Vamos parar, galã?

Henrique Francisco: Ele fica comigo

Henrique Francisco: Mas na minha cama cabem três, só jogando no ar

Eduardo: Tem Eduardo para vocês dois, posso perfeitamente ser Eduardo Senna Lamas Gadelha

Leandro: Você se vira, quero

Henrique Francisco: Vai ter que fazer acontecer, ninguém mandou botar a ideia na nossa cabeça

Leandro: E que ideia!

Eduardo: (figurinha)

— Eu estou vendo mesmo você rir para o celular, chefinho? — Lucas perguntou, voltando para a mesa com um prato com bolo e toda a felicidade de um pet que tinha conseguido um petisco. — Quer me contar alguma coisa?

— Acho que isso nem é relevante hoje, Lucas — Isaac prosseguiu, os olhos meio caídos e com olheiras, mas um ar orgulhoso e animado por baixo da camada de sono que claramente era culpa de Luísa. — Edu estava rindo para uma lixeira hoje cedo. E nem era lixo reciclável.

Sorri para os dois, que voltaram para as cadeiras à minha frente. Apoiei meu cotovelo na mesa e o rosto no punho para olhá-los, ciente de que eles poderiam ver todos os meus dentes, porque eu não conseguia mais guardá-los para mim. Eles estavam mais bonitos que o normal ou meus olhos simplesmente não conseguiam ver nenhum defeito em absolutamente nada naquele dia?

— Eu não consigo parar de sorrir — eu confessei, como se fosse algo secreto, mesmo sendo a coisa mais óbvia do universo.

Os dois sorriram para mim de volta, e o resto do dia passou como um borrão entre uma reunião com Fernando, as primeiras ideias para o bistrô e a felicidade que eu estava sentindo, que me fazia sentir um arquiteto incrível e uma pessoa querida, porque todo mundo estava demonstrando, de alguma forma, que estava feliz por mim.

Acho que era assim que era estar nas nuvens? Acho que sim.

Horas depois, quando estacionei no prédio onde morava, a primeira coisa que aconteceu foi que eu fiquei uns dez minutos no estacionamento do prédio, sendo parabenizado pelos narizes da minha mãe e do meu pai, porque mesmo que eles entendessem o conceito de chamada de vídeo e tivessem se espremido para caber no quadrinho limitado da câmera, ainda estavam próximos demais dela. Mas eu não ia reclamar, não com os dois felizes e babões por mim — e, eventualmente, meu pai percebia que eu estava vendo apenas partes deles e afastava um pouco o aparelho.

Ele tinha acabado de fazer isso, enquanto eu ia em direção às escadas do prédio, para não perder o sinal com eles no elevador, sorrindo de orelha a orelha.

— Estou tão orgulhosa, filhote — minha mãe disse, apoiada no ombro do meu pai, olhando para a tela onde meu rosto estava com tanto amor que eu só queria poder piscar a aparecer em Campinas para me enfiar no meio dos dois.

— Eu também — meu pai disse, ajustando os óculos empurrando-o sobre o tronco do nariz e piscando seus olhos muito azuis, que Cecília e eu tínhamos herdado, irritado com a luz da luminária pendente que ficava em cima da bancada da cozinha. — Nós vamos amanhã para São Paulo para a inauguração da Horta e para comemorar essa conquista com você, Edu.

— Nós queríamos ir hoje, mas ficou difícil com seu pai na faculdade e eu com todos os horários preenchidos na clínica, desculpa — Esther Senna prosseguiu, com a culpa exalando de cada poro. — Mas nós estaremos aí amanhã!

— Comemorando sobre você e a sua irmã realizando os sonhos de vocês e fazendo de nós dois os pais mais orgulhosos que poderíamos ser! — Meu pai completou e eu senti meu coração apertado, de saudade deles, mas ao mesmo tempo completamente grato por estar fazendo aqueles dois felizes.

Acho que quando seus pais te dão tanto amor, acreditam tanto em você, nos seus sonhos, te deixam escolher o caminho que quer trilhar e estão ali para te ajudar a levantar sempre que você acabar caindo, você simplesmente entende que as suas conquistas também são deles — e eu estava inteiro derretido por saber que tinha dado orgulho para as duas pessoas mais importantes da minha vida.

— Obrigado, eu amo vocês demais — eu disse, como o perfeito cara derretido que eu sempre era. — E não se preocupem, a gente comemora com a Ceci amanhã.

Os dois disseram "amo você" em uníssono, deixando meu coração quentinho enquanto olhava para eles. De novo, só dava para ver os narizes, mas eram os narizes que eu mais amava nessa vida e em todas as outras que eu tivesse.

— Chico e Leandro vão comemorar com você hoje? — Esther Senna quis saber, mas o lábio do meu pai se retorceu. Nem o fato de Cecília estar com Sandro o fazia esquecer da suposta traição de Leandro com os lençóis, mas o galã estava empenhado e já tinha mandado sabonetes artesanais de erva-doce e maracujá para eles.

Meu pai amava, mas não ia admitir que já tinha perdoado o galã por conquistar a sua filhinha. A parte engraçada é que o problema não era que Cecília se enrolasse com quem ela quisesse, mas que Leandro tivesse o enganado — supostamente.

— Eu não vou ficar sozinho, fiquem tranquilos. Chico e Lelê estão comemorando comigo desde que eu acordei — contei e os dois sorriram. — E teve uma comemoração na CPN também.

— Espero que seus chefes te coloquem num jornal. Quero emoldurar a reportagem — meu pai disse.

— Thales já conversou com o editor d'O Paulistano para negociar, então é possível. — Dei de ombros, como se não fosse importante, mas eu sabia que era. — Pai, eu estou vendo o interior do seu nariz, afasta a câmera um pouquinho.

Os dois rostos voltaram para a tela. Minha mãe, linda como sempre com o cabelo preso em um rabo de cavalo que deixava Cecília ainda mais parecida com um clone dela e meu pai com seus óculos meia-lua e o cabelo, que costumava ser tão preto quanto o meu, já quase completamente grisalho.

Lindos demais.

— E quais os planos para hoje à noite? — mamãe perguntou, ainda se sentindo culpada por não estar ali. Dava para ver.

E talvez levemente preocupada com como tinha sido na minha promoção, ainda que ela só soubesse que eu tinha ficado alcoolizado e chorando e não soubesse que isso não tinha sido nem um pouco relacionado com questões profissionais.

— Não vou ficar sozinho e triste no apartamento, tá bom? Prometo! Eu não ficaria triste hoje nem se eu me esforçasse muito. — Sorri para eles para provar meu ponto que, sinceramente, era uma verdade incontestável. Parecia que nada poderia tirar a felicidade que eu estava sentindo, não depois daquele dia. — Com certeza Leandro e Chico vão me encher de álcool e beijos como é bem do feitio deles, mas estou tentando marcar um jantar com a Marcela antes de ficar bêbado no tapete com dois homens. Marcela, a engenheira — expliquei, embora eu tivesse absoluta certeza que eles conheciam o nome depois de todos aqueles anos.

Primeiro, quando eu reclamava da pessoa que vetava minhas firulas verdes nas nossas obras; depois, quando eu mencionava a engenheira genial que fazia as minhas firulas verdes acontecerem; então, a amiga excepcional que combinava tanto comigo nas construções que tinha quase o mesmo cérebro que eu.

Claro, eu nunca tinha mencionado que ela era mais do que minha amiga há um tempo, mas, conhecendo Esther Senna... Ela saber antes de mim que eu estava me apaixonando por Marcela Noronha era uma possibilidade real. Minha mãe entendia as pessoas, muito mesmo, e o que dizer sobre seu próprio filho?

— Eu me lembro da Marcela — ela disse, abrindo um sorriso afável que foi replicado pelo meu pai, porque ele também já tinha escutado aquele nome. — Ela parece ótima, Edu, nada como a engenheira reativa que você costumava descrever. E estava realmente muito feliz por você quando ligou para me contar do seu prêmio hoje de manhã e...

Duas palavras passaram pela minha cabeça: "o" e "quê". Seguidas de um ponto de interrogação.

— Marcela ligou para você? — perguntei, meu cérebro totalmente incapaz de fazer aquela matemática sem que alguém fizesse o passo a passo comigo. E normalmente eu era realmente bom em cálculo! — Eu achei que a Ceci...

— Sua irmã ligou também, o cabelo parecendo um ninho, o pobre Sandro amarrotado na cama ao lado dela com um olho só aberto enquanto ela meio chorava e meio tentava explicar que você tinha ganhado um prêmio de arquitetura — minha mãe explicou.

— E isso fez o Sandrão abrir o outro olho — meu pai contou e eu até esqueci meu choque momentâneo para dar risada, porque meu pai sofreria mais que a minha irmã caso algo desse errado com aquele relacionamento. Certeza que ele já considerava Breno, Giovanna e Golden seus netos. — Mas aí a Ceci disse algo sobre ter que fazer um bolo e desligou na nossa cara.

— Um pouco mais tarde, a Marcela ligou para explicar o que tinha acontecido e contou direitinho sobre o prêmio e sobre porque Cecília estava procurando trufas às oito e meia da manhã. — Minha mãe tinha um sorriso nos lábios que se estendia até a sua voz. — Ela estava muito feliz por você, filho, falando várias vezes sobre como você merece o primeiro lugar e como você é um arquiteto totalmente fora da curva. A pobrezinha estava com a voz embargada e tudo, sabe?

Eu parei no lance de escadas onde estava a apoiei minhas costas na parede, completamente incapaz de esconder o sorriso ao ouvir sobre as coisas que Marcela tinha dito. As coisas que ela sempre me mostrava, mesmo que não fosse exatamente com palavras.

E meu coração a amou um pouco mais, se é que isso era possível.

Ah, Má...

— Ela é maravilhosa — eu contei, segurando o celular na altura do meu rosto e ajeitando o EarPod da orelha esquerda, que estava prestes a cair.

— Ela parece ser, Edu. E contou que vocês estão juntos no projeto do estádio e que vão construir na terra dela, Vitória. — Uma sobrancelha da minha mãe se arqueou levemente. — Já tem planos de quando vão para lá? Soube que tem praias lindas e que a moqueca é simplesmente sensacional!

— Nós nem vencemos a licitação ainda, então é cedo para dizer e...

— Mas vão! — Meu pai cravou as palavras com um grau tão grande de certeza que eu podia até imaginar se ele não tinha criado uma teoria física irrefutável sobre o assunto.

E talvez fizesse sentido pensar dessa forma. Não tinha um único motivo para eu acreditar que não era possível que nosso projeto vencesse a licitação, especialmente depois do prêmio, ainda que uma coisa não tivesse nenhuma conexão com a outra.

Passei os próximos minutos apoiado na parede, sem me importar de estar de pé ali falando sobre o estádio com meus pais porque ninguém usava as escadas ao invés do elevador e porque eu não me importaria de ser flagrado tagarelando ali com meu celular. Eu simplesmente estava falando sobre traços rígidos, estruturas, manta termoacústica, tinta solar e vários detalhes do estádio que com certeza soavam como grego para meus pais, mas eles ouviam mesmo assim.

Felizes, animados, orgulhosos.

Algum tempo depois, eles desligaram, prometendo que nós nos veríamos no dia seguinte e eu apenas assenti, louco para vê-los na inauguração da Horta.

Chequei se Marcela tinha respondido minhas mensagens de mais cedo, mas ainda não tinham sido entregues — e eu suspirei, porque tudo o que eu queria naquele dia era ser amado por Henrique Francisco e Leandro e, depois, levá-la para algum lugar onde seu pé pudesse escorregar pela minha panturrilha da mesma forma que seu sorriso escorregava até os seus olhos quando ela olhava para mim.

E falar sobre sonhos. Sobre metas. Sobre a vida. Fingir que eu não gostava de vinho só para ela dar uma de enóloga e me explicar todos os motivos pelos quais eu deveria gostar apenas porque eu amava quando ela estava empenhada em me convencer de algo que ela já tinha me convencido há anos luz.

Mas ela não estava respondendo e, quando eu liguei, a ligação foi direto para a caixa postal.

Então eu ia fazer a parte um do meu plano, que era chegar no apartamento e ser amado pelos meus dois caras preferidos e voltei a subir a escada — o que se provou um erro quando eu cheguei no quinto andar e ainda faltavam seis.

Meu celular vibrou e eu o pesquei de volta no bolso, desbloqueando a tela.

Felipe: Boa noite, Sr. Arquiteto Premiado Internacionalmente

Felipe: É o Felipe. Galhardo. Filósofo.

Felipe: Leandro me passou seu número, espero que não seja um problema

Felipe: Pensei em te ligar, mas não quero acabar interrompendo seu dia

Felipe: Porém o Lê entrou na revista lacrimejando de tão feliz por causa do seu prêmio, a coisa mais fofa

Felipe: Então, parabéns! Estou muito metido porque meu apartamento foi reformado por você (se um dia for vender, será que isso faz o valor aumentar?)

Eu ri para o iPhone de novo, tropeçando no degrau e quase rolando tudo o que eu já tinha subido, mas me segurando no corrimão antes de acabar no hospital (ou no colo de Henrique Francisco, o mais provável). Acho que soltei alguns palavrões no processo, ao que Siri disse "para essa emoção, eu receito chocolate".

Eduardo: Obrigado, Galhardo, de coração

Eduardo: Você não interrompe o meu dia, fica em paz haha

Eduardo: Eu posso autografar um dos azulejos do apartamento para você, com certeza vai valer mais um milhão em uns dez anos

Felipe: Isso seria incrível, Malu disse que prepara um chá para você porque está te devendo desde a noite no Bar dos Ardos

Felipe: Mas, claro, você já supõe que eu não estou aqui apenas para te dar parabéns (parabéns de novo!)

Eduardo: Então você não veio aqui por causa da nossa amizade completamente desinteressada? Não acredito!

Eduardo: O que Sêneca diria sobre isso?

Felipe: Sêneca é meio triste. Ele sempre acha que o dia seguinte é o pior e essas coisas, sabe? Nada bom para o seu momento

Felipe: Mas por mais que nossa amizade seja desinteressada de fato

Felipe: Qual a possibilidade de você dar uma entrevista para a VixSão?

Felipe: Estou falando de você na capa, só para deixar claro

Felipe: E prometo não deixar a Malu distorcer a sua cara no Photoshop quando for tratar sua foto

Eduardo: Eu ficaria honrado, Galhardinho

Eduardo: Desde queeeeeeeeee

Eduardo: Você e sua digníssima jamais, sob nenhuma hipótese, contem para a Marcela sobre o negócio do triturador de carne

Felipe: Temos um trato, Edu

Felipe: SE

Felipe: Você nunca divulgar esse vídeo para ninguém

Felipe: (vídeo)

Eu abri o vídeo e eram Malu e Felipe fazendo uma dancinha (Malu bem envolvida na questão, Felipe com muita vergonha e dois pés esquerdos) e gritando "parabéns Edu!" no final. Eu subi um andar inteiro revendo aquilo em looping antes de postar no meu instagram de tia, junto com todas as outras felicitações que eu tinha recebido e minha foto com o rosto vermelho de choro e a testa suja de chocolate por obra de Lucas Assumpção — porque era assim que o arquiteto premiado mantinha o equilíbrio do mundo. + Prêmio = - Dignidade.

Felipe: Eduardo!

Eduardo: (figurinha)

Finalmente eu tinha chegado na porta do meu apartamento e enfiei a chave no miolo da fechadura e tentei girar, percebendo que estava travada. Tentei girar de novo.

— Puta que pariu — sibilei, tentando pela terceira vez, a chave se movendo apenas por alguns milímetros antes de haver resistência demais para eu tentar empurrar.

— Se você forçar, vai quebrar essa chave aí e nós vamos ficar presos — Leandro disse.

— Minha chave está na fechadura pelo lado de dentro, você não vai conseguir abrir, Edu — Chicão completou.

Franzi o cenho. Mas que porra?

— Me trancar para fora não é exatamente o amor que vocês passaram a tarde prometendo que iam me dar — lembrei, puxando a minha chave e apoiando o braço na madeira e a testa no braço após enfiar o chaveiro no bolso.

— É porque você precisa ir para o terraço, coisa linda da minha vida. — A voz do galã de revista.

Cheguei a abrir a minha boca para retrucar que eu queria um banho e amor, mas antes que eu conseguisse efetivamente fazer isso, Henrique Francisco me cortou:

— Não questiona, só vai.

Sem opções, eu me dei por vencido e concordei, já tentando imaginar que tipo de surpresa os dois estariam aprontando se eu estava indo sozinho para o terraço. Olhei para trás apenas para ver se as duas madames estavam me seguindo como os piores espiões que se tinha notícia, mas, atrás de mim, estava apenas o corredor vazio.

Segui para o terraço, empurrando a porta de metal que dava acesso e sentindo o ar fresco de São Paulo no rosto, notando finalmente que o local estava... diferente.

Mas antes de reparar no que quer que fosse, meus olhos se fixaram em quem estava ali, só levemente ciente do sorriso que se desenhava na minha boca enquanto encarava a minha engenheira preferida sorrindo para mim também.

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Oieee, QUEM TA NO SURTO COM A GENTE DA UM AAAAAAAAAAAAAAAAA AQUI!

Como a maioria suspeitou, nosso pisciano chorou horrores sabendo que é premiadíssimo e que a Má sempre acreditou nele.

Como prometemos um spoiler a maior parte das pessoas acertou... bem hihihi


"— Cala a boca, caralho! — alguém do andar de baixo gritou, mas aquilo não amedrontou Henrique Francisco.

— Eu estou apaixonado! — foi o que ele respondeu para nosso vizinho que, se tudo desse certo, jamais descobriria quem era o maluco berrando uma e meia da manhã.

— Fique apaixonado em silêncio, eu quero dormir!

— Eu fiz isso e deu muito errado para mim, meu namorado talvez me odeie agora — Chicão respondeu e eu só ouvi um barulho de janela batendo. — Mas eu o amo porque ele é incrível!"


Quem te viu quem te vê, né? Estávamos planejando isso faz muito tempoooooooo e é tão lindo ver todos os pequenos detalhes de CEM se encaixando aos pouquinhos <3

Obrigada por serem maravilhosas e entenderem as pequenas demoras do nosso processo criativo, mas só vou falar que estamos trabalhando horrores aqui e alguém (jamais direi quem) acabou de entregar um capítulo LINDISSIMOOOOOOOOOOOO! 

Prepara que tem mais surto e amor vindo aiiii <3

Agora o que a nossa engenheira preferida está fazendo no telhado do Edu? A gente descobre logo mais!

Beijinhos,

Libriela <3

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