Capítulo 102 - Acho que tudo bem não estar bem com ele
Acho que tudo bem não estar bem com ele
Marcela
— Tem que reforçar duas vezes essa parede, Valtinho, senão ela não vai aguentar a tensão residual do porto — comentei riscando o rascunho de Lavínia, que já havia aceitado que se não quisesse um esboço rabiscado não deveria deixar perto de mim.
As vezes eu tinha certeza de que ela planejava o meu sumiço na calada da noite, mas acho que ela entendeu que a Andreia a sangraria se ela encostasse em um fio de cabelo meu, então simplesmente decidiu me aceitar — contanto que eu comprasse o seu humor com comida, como eu descobri no dia que o Edu mandou coxinhas para nós duas na CPN e ela quase me deu um beijo de boa noite de tão feliz que estava.
Nós até criamos uma agenda do humor dela no meu Outlook, onde essa era a semana do chocolate e semana que vem era da empadinha. A parte boa é que eu sempre comprava em dobro para comer com ela. A parte ruim era que eu comprava em dobro, então o meu bolso não estava tão feliz assim comigo. Nem meu colesterol ou glicose.
— Se nós usarmos o concreto protendido já serve? — ele inclinou a cabeça na minha direção e eu notei que estava agoniado em relação a algo, possivelmente mais um encontro romântico com o Sandrinho que ele se atrasaria? Acho que era a opção mais provável.
Oh, céus, eu shippava demais esses dois. Salder? Vandro? Definitivamente Vandro.
— Acho que sim, consegue ver com o Marcos se é suficiente? — entreguei o esboço de Lavi para ele e notei que ela estava prestes a reclamar sobre o papel, porém apenas se afundou na cadeira teatralmente e eu lhe empurrei mais uma trufa quando Valter se afastou.
Ele checou quatro vezes seu celular enquanto caminhava até a sala de Gisele.
Opa, será que tinha algo errado no trabalho?
— Pelo jeito o Sandro vai se aposentar esse ano — Lavínia comentou comigo, esticando seus dedos como uma pianista antes de tocar Mozart, mas no caso dela era apenas a sua preparação antes de enfiar uma trufa de chocolate branco na boca de uma vez, arrependendo-se imediatamente, porque ela era grande demais para ser mastigada em uma mordida só.
— Ele fala que vai se aposentar desde que começou a trabalhar — revirei meus olhos e vi que Marcele estava me ligando de novo, porém eu apenas ignorei a ligação e voltei meus olhos para o e-mail.
Meu Deus, a Gisele estava metralhando e-mails para todos os lados? Alguém tinha morrido?
Ah, eu tinha desconto na Blend Perfeito de 5% por ser funcionária da CPN? Meu Deus, minha mãe iria pirar com essa notícia!
— Acho que o passatempo dele é criar ilusões de aposentadorias precoces — considerei enquanto encaminhava aquele e-mail para Mama Noronha, arquivava os demais e deletava os trinta spams que o Golden estava mandando para todo mundo desde o momento que clicou sem querer em um vídeo de cachorrinhos dançando Macarena e pegou um vírus que nem a TI estava conseguindo bloquear — acho que isso faz com que ele seja mais feliz.
— Eu não sei se "feliz" seria algo que eu diria na mesma frase que o Sandrinho Poodle — ela testou e eu arqueei as sobrancelhas — você não ficou sabendo que a Gio pediu um cachorrinho de presente e ele deu um Poodle pra ela? O Valter mandou para todo mundo no grupo do churrasco "sem querer" — ela fez aspas com as mãos e eu comecei a rir.
— Quando foi que você roubou meu cargo de pessoa mais bem informada da empresa? — eu perguntei, adorando que Valter e Lavínia estavam no meu dia a dia, porque eles faziam o trabalho mil vezes mais leves com esses momentos.
— Nem eu sei? Acho que eu só presto atenção nas coisas. Tipo o Isaac, tá quase caindo de pé por causa da filhinha e o Golden já enfiou duas presilhas de brilho nos cabelos dele e ele nem notou — Lavi comentou e eu girei minha cadeira para ver que era verdade. Em seus cabelos dourados meio ondulados, tinham duas presilhas extremamente delicadas.
E ele estava encarando a tela do seu computador, como se pedisse que ele apenas levasse a sua alma, porque o corpo não tinha mais forças.
— Eu não sabia que ele tinha uma filha. Ou namorada — eu dei de ombros, voltando para a minha vida, porém Lavi achou que aquilo era um ótimo momento para me contar que a namorada dela trabalhava na mesma empresa hoteleira que a namorada do Isaac, por isso ela sabia daquilo. Com muitos detalhes, ocupando mais de vinte minutos do nosso tempo.
— Enfim, a Luísa é um amor, mas está dando trabalho — ela completou a saga, dez minutos depois e eu desacreditei na coincidência — o mundo é um ovo e com certeza a gente conhece mais pessoas em comum.
— Eu não duvido nada disso. Você já pensou em trabalhar para a polícia? Minha cunhada com certeza adoraria você — eu comentei com leveza, pegando uma trufa e me babando toda com o recheio de morango que tinha ali.
— Já pensei nisso, mas eu acho que ia prender homens hétero topzeira só por serem chatos, aí acho que não daria muito certo — ela disse com facilidade e eu me perguntei se aquela ideia realmente havia passado pela sua mente ou se estava brincando comigo.
Meu celular vibrou de novo com outra ligação de Marcele e eu ignorei mais uma vez, porque eu estava no horário do trabalho e não conseguia ter uma quarta videoconferência com a banda de pagode que o Patrício havia contratado para ver se eles não topavam tocar outra coisa na mesma linha tipo Taylor Swift — óbvio que o cara não gostou muito da ideia e quase rompeu o contrato e quase gerou uma crise em Pacele.
— Eu acho que você mandaria bem, sabia? Você já tem toda a marra de policial — brinquei e fui na direção de mais uma trufa, porém me lembrei que eu tinha um cheesecake com calda de goiabada em minha geladeira esperando por mim, então apenas rolei a trufa na direção de Lavi, que me mandou um beijo no ar pelo mimo.
— Eu nasci assim, um dom para poucos — a arquiteta jogou suas longas tranças para trás do seu corpo e suspirou dramaticamente.
Comecei a rir dela, vendo que meu celular voltou a vibrar e eu estava prestes a mandar minha irmã ir trabalhar quando notei que agora o nome na tela era do Marcelo.
E ele não me ligava.
Ele, na verdade, odiava ligações com todas as suas forças.
O que me acendeu um alerta de que aquilo era algo realmente importante e que merecia a minha atenção.
— Lavi, eu tenho que atender isso — comecei a me levantar da minha mesa, bloqueando a tela do meu computador e sorri para minha dupla, que voltou para sua aula online de Revitt — não esquece de colocar o fone de ouvido dessa vez? — brinquei com ela e ela me lançou seu pequeno olhar de morte antes de me ignorar por completo.
Da última vez, ela esqueceu de colocar os fones e ligou o seu curso, porém, antes dele começar, veio uma propaganda sobre Viagra e acho que as pessoas só não fizeram mais piada sobre o assunto, porque ela quase avançou na direção do Isaac quando ele riu — veja bem, o Isaac! Ele era a pessoa mais neutra do mundo! E tinha uma neném chamada Luísa!
Eu passei por Alice, Golden e Sâmia, que estavam ao lado de um antigo datilógrafo que a Renata havia encontrado nas profundezas da bagunça do Márcio, seu marido, e levou para ver se alguém da empresa queria aquela raridade — e, pela cara de confusão dos três, eles nem ao menos sabiam mexer naquela relíquia.
Ah, a Geração Z.
Entrei na copa, que milagrosamente estava vazia, e atendi o celular antes de pegar mais um copo de café, porque eu meio que havia desistido dos chás quando percebi que eles davam muito mais trabalho e o café era uma cápsula de cafeína instantânea.
— Oi, Celo, o que foi? — eu perguntei com um sorriso, tentando mentalizar apenas coisas boas e que ele queria mais uma ajuda para escolher o sifão do tanque da sua casa.
— Eu preciso que você esteja calma e sentada — ele começou e tudo o que eu fiz foi ficar nervosa e de pé, porque você simplesmente não pedia para alguém ficar calmo e a pessoa misteriosamente se acalmaria, principalmente quando eu não fazia ideia do motivo para que ele quisesse que eu me acalmasse.
— Aconteceu alguma coisa com a Sam e o M4? — eu perguntei para ele, porque ainda não sabíamos o sexo do baby Noronha e o apelidamos de M4, já que era óbvio que o nome da criatura começaria com M para manter a tradição.
— Eles estão bem — meu irmão me consolou e eu soltei a respiração aos poucos, porém um arrepio subiu pela minha coluna e eu engolia seco, porque se a Sam e o baby estavam bem...
— Então o que aconteceu? — eu verbalizei minha dúvida e bebi o café fervendo mesmo, porém nem ao menos senti minha língua queimar de tão concentrada que eu estava em tentar manter meus batimentos cardíacos estáveis.
Marcelo, que normalmente era uma pessoa direta e não enrolava para nada, ficou em silêncio.
E eu me senti meio sem chão.
— O vô Nic... sentiu um aperto no peito hoje. Estamos no hospital para um check-up completo e o médico disse que poderia ser só uma coisinha de leve, mas... — Marcelo continuou falando, contudo eu acho que não consegui mais prestar atenção no que ele efetivamente estava me dizendo, porque conseguia sentir apenas minhas pernas ficarem bambas.
Eu estava completamente sem chão.
— Mas ele está bem? No Natal agora ele estava mais saudável que a Bruna! — eu comentei, porque a nossa prima era a pessoa fitness da família desde que havia entrado no projeto noiva e estava tentando converter o Enzo ao seu novo estilo de vida. Sem doces, sem gorduras, sem sedentarismo, sem graça.
— Ele tem oitenta e quatro anos, Celinha, sabe que a saúde dele é frágil — o florista respondeu com calma e eu comprimi meus lábios, porque eu odiava quando ele usava a sua voz condescendente comigo — só um segundo — ele me pediu e afastou sua boca do telefone, porém eu ainda conseguia escutar o que estava falando — tô indo daqui a pouco, eu só preciso conversar com a Marcela, ok, meu bem?
Então Sam deve ter respondido algo baixinho, porque eu apenas escutei a sua voz, porém não consegui distinguir o que efetivamente ela falou.
— Voltei — ele me informou e eu fechei minha mão, que estava tremendo tanto quanto a minha perna. Eu poderia virar campeã de sapateado de tanto que meus pés estavam batendo no chão de maneira ritmada.
— Marcelo, eu posso pegar um vôo daqui a pouco e... — eu falei às pressas, começando a fazer as contas, porque eu já havia decorado os dois voos da Latam que tinham em Congonhas de quinta-feira e se eu me apressasse, conseguiria pegar o último do dia para...
— Não faz isso. Não precisa. Todo mundo está aqui — notei que a voz dele estava levemente alegre, talvez com o fato da família estar reunida.
— Eu não estou — eu sussurrei, sentindo meus olhos pinicarem e meu nariz coçar, porém eu comecei a piscar rápido para não chorar, porque eu estava no trabalho e não poderia perder o controle assim.
— Eu sei e todo mundo sabe que você estaria se morasse aqui do lado. Todo mundo entende que você está mandando todas as energias positivas pro vovô quanto é possível — ele disse aquilo que ele achava que eu sentia, mas o buraco era muito mais embaixo — eu te mando uma mensagem avisando de cada resultado, está bem? Eu só te liguei, porque você merece saber, mesmo que não tenha nada a ser feito por enquanto — ele falou depois de um suspiro — então não faz nada no surto, pode ser?
Claro que não.
— Ok — eu respondi, porque era mais fácil concordar do que argumentar e isso me fazia ser uma Noronha esperta — me manda mensagem?
— Claro. Se cuida, Celinha — então nós nos despedimos e eu fiquei encarando a tela do aparelho por alguns minutos antes de ver que Marcele realmente havia tentado falar comigo antes, mas eu apenas...
Eu achei que não era nada demais.
Meu Deus, e se fosse algo muito grave?
E se o vô Nic...? O coraçãozinho dele era tão pequeno e ele já estava carregando um sopro desde que havia nascido, então um aperto no peito dele era muito diferente de um aperto no meu peito — mesmo que eu estivesse sentindo que meu coração marretasse minhas costelas com a força de cada pulsação, tentando pular no meu peito para ir para o do meu avô.
Eu trocaria com ele se pudesse.
Daria tudo para ele se a vida me permitisse.
Tudo bem, eu precisava só... de uma passagem aérea.
Eu abri a porta da copa e fui direto para a minha mesa, ignorando por completo a Gisele e o Valter no bebedouro quando me atirei na minha cadeira e errei duas vezes a senha pelas minhas mãos estarem tremendo.
Eu detestava tremer.
Foco, Marcela Noronha! Entra em desespero em Vitória, mas agora foca em encontrar uma passagem.
Eu abri três sites de uma vez, contudo a rede da CPN resolveu quintar mais cedo, porque ela estava demorando horrores para carregar uma simples página de busca de voos!
Colabora com a causa, irmã!
— Má, tem dois minutos? — Andreia me pediu e eu neguei com a cabeça — sobre docinhos de festa?
— Desculpa, mas agora não consigo te dar atenção, Deia — eu pedi, sem retirar meus olhos da tela e odiando a quantidade de pop-ups que haviam surgido ali.
Eu estava sendo movida na base do ódio, naquele momento.
Ódio pela rede lenta, ódio pela CPN não ser em Vitória, ódio pela dor no peito do vô Nic, ódio por eu ter demorado tanto tempo para ter respondido a ligação da Marcele, ódio por todos os voos daquele dia estarem lotados e com overbooking...
Eu dei um soquinho na minha mesa e o Alexandre me olhou feio quando o copo d'água dele virou em cima do seu teclado, porém a culpa não era minha que ele a havia deixado aberta, então apenas estreitei meus olhos na sua direção e ele recuou.
Muito bem.
— Má, será que...? — Eduardo parou do meu lado e eu tentei respirar fundo, atualizando a página de busca para ver se havia algum vôo da Gol ou da Azul ainda hoje, porque neste momento eu me sentia monotarefa e não conseguia dar atenção a mais nada além de ter raiva e buscar uma passagem — vai viajar?
— Espero que sim — eu respondi vendo o preço estratosférico de dois mil reais uma perna para Vitória e quase caindo dura com aquele absurdo — merda — murmurei baixinho, colocando meus indicadores em minhas têmporas para tentar canalizar meu foco naquilo e aceitar que dois mil reais valiam estar com o meu avô.
Claro que valeriam eu só...
Droga.
— Ei — Eduardo me chamou, enfiando sua cabeça na frente da tela e me obrigando a me afastar para que eu não estivesse com a testa no seu queixo, que chegava a ser uma bela visão, só não era meu foco naquele momento — tudo bem?
— Sim — eu concordei com um sorriso plástico — tudo ótimo.
— Era pra eu acreditar? — ele tombou a cabeça de lado com o olhar desconfiado e se afastou um pouco para arregaçar mais as mangas da sua camisa e cruzar seus braços no peito — aconteceu alguma coisa? Posso ajudar em algo?
— Você tem um jatinho particular para me emprestar? — eu tentei dar um sorriso, mas ele saiu amarelo e eu fechei meus lábios, sabendo que se eles ficassem abertos, provavelmente iriam tremer — desculpa, eu só... precisava ir para casa — ele continuou levemente confuso e eu mordi meus lábios — lá em Vitória.
Meu celular tocou de novo.
Desta vez era minha mãe — normalmente eu não atendia particulares no meio do trabalho, porém eu apenas apertei o botão verde e o levei até minha orelha enquanto caminhava de novo para a copa, porque eu não podia perder nenhuma ligação.
— Oi, mãe, como está o vô Nic? — eu perguntei em um sussurro, entrando na salinha e fechando a porta atrás do meu corpo, sabendo que eu estava chamando a atenção das pessoas por perambular de um lado para o outro e não ficar com a merda da bunda na cadeira para trabalhar.
— Oi, filha, ainda não tenho muitas notícias — ela estava com a voz cansada e rouca, possivelmente de um dia conversando com todos os Noronhas que existiam na face da terra e tendo que repetir as mesmas notícias diversa vezes — estamos esperando o resultado da tomografia e dos exames de sangue. Por enquanto a pressão dele está dez por seis, o que é normal para ele, a oximetria está em 97% e ele está fazendo aquela piada do aquecedor de novo, então acho que podemos dizer que ele está bem.
Eu sorri, querendo escutar aquela péssima piada da sua boca só porque, quando ele a contava, não era tão péssima assim. Era fofa. A melhor piada de todas.
— Mas o que o médico acha que pode ser? — eu indaguei baixinho, como se... eu não sei, talvez se eu não falasse muito alto, não fosse tão real? — ele se esqueceu de algum remédio? Ou foi aquela gastura que ele tem de vez em quando? Ou...?
— Eles estão investigando, meu amorzinho — ela soltou as palavras em um fôlego e eu fiz o mesmo, agachando-me no chão — vão fazer um cardioeletrograma nele até o final do dia e vai ficar aqui para monitoramento com o seu pai, porque ele precisa estar acompanhado.
— Mas as costas do papai não estão muito boas para ele dormir no sofá do hospital — apoiei minha cabeça contra os joelhos — eu posso...
— Marcela, tem mais de vinte Noronhas aqui em Vitória. Está tudo bem. Confie que nós vamos cuidar do vovô tão bem quanto você cuidaria — ela me pediu e eu me encolhi ainda mais.
— Eu sei que vocês vão cuidar bem dele, mas eu me sinto tão impotente aqui não podendo ajudar em absolutamente nada — eu respondi a verdade, porque às vezes era apenas difícil demais querer ser forte o tempo todo.
— Acredite, aqui a sensação só piora. Eu vejo as pessoas entrando e saindo pela porta e eu sinto um aperto no peito sempre que não é o seu avô — ela me confessou e eu respirei fundo, encostando minha nuca contra a parede gelada da copa — e eu só queria escutar a sua voz. Saber que você está bem.
Eu meio que sorri, começando a me levantar do chão.
— Eu estou. Completamente preocupada, mas estou bem — eu lhe respondi e senti meus braços arrepiados, duvidando que aquilo fosse 100% verdade — eu só... consegue me avisar se tiver alguma novidade? Qualquer noticiazinha?
— Se for para você vir, eu te aviso na hora, filha, mas não vai precisar. Seu avô é turrão. Vaso ruim não quebra fácil não — ela riu e eu ri também, sentindo minha garganta apertar um pouquinho e minha visão embaçar — eu te amo muito.
— Eu também. Muito — eu umedeci meus lábios e desliguei a chamada, absorvendo o que estavam me dizendo enquanto eu aceitava que teria que ser paciente.
Era muito mais fácil ser paciente quando se sabia o que esperar, o que estava do outro lado de toda aquela agonia e ansiedade e falta de informação.
A porta da copa se abriu e eu me sobressaltei, fazendo meu celular voar na direção da pia e colidir contra a quina em um baque mortal, assustando o Golden e o Isaac que quase fizeram xixi ali mesmo, com medo de terem quebrado algo inteiro.
Eu observei o aparelho caído no chão por dois segundos antes de me desprender da parede e abaixar para recuperá-lo, vendo que a película nova estava trincada de novo e eu esperava que a tela ainda estivesse intacta, porque era essa a intenção, não era?
— Ei, Má, você está com cara de quem não anda dormindo muito bem — o Golden sorriu para mim, quase balançando o seu rabinho serelepe — a gente podia tentar dormir junto um dia para ver se melhora.
— Claro, ótima ideia — eu concordei, meio aérea — eu tenho que voltar pra minha mesa, licença — eu passei por eles, notando que o Golden quase desmaiou de emoção e estava literalmente nos braços do engenheiro, sendo acudido por ter certeza de que havia morrido e ido parar no céu.
O que ele disse mesmo?
Eu estava a caminho da minha mesa quando senti uma mão me parando pelo braço e eu nem precisei olhar para saber quem era a pessoa que estava ao meu lado, porque meu corpo respondia de maneira diferente quando ele me tocava. Não era apenas o seu cheiro que combinava com o meu, ou a sua pele que parecia sempre ter a temperatura certinha para que esquentar, ou a sua presença que me desmontava e queria derrubar todas as minhas barreiras...
— Ei, tudo bem? Tudo bem se não estiver, eu só... eu estou aqui se me quiser — Eduardo disse aos poucos, como se mastigasse cada palavra antes de colocá-las para fora, medindo o quanto ele queria falar com o quanto eu precisava escutar.
Eu olhei para o seu rosto, para os seus olhos azuis como uma manhã ensolarada de domingo, e senti um aperto no meu peito, mas não era de uma maneira ruim, muito pelo contrário, eu sentia que com ele, esse aperto afrouxava, que o peso do mundo ficava mais leve e que não importava a situação ou o local ou o momento ou o horário, ele sempre — sempre — estaria ali comigo. Por mim.
E por isso eu sentia que o nó na minha garganta estava atordoado, não sabendo se deveria permanecer firme, impedindo as palavras de saírem, ou se deveria desatar e deixar aquele furacão de sentimentos saírem pelos meus lábios.
Era tão confuso.
E, ao mesmo tempo, era simples, porque eu sentia, no meio do aperto do meu peito, eu queria falar com ele. Me aninhar nos seus braços. Sentir que estava tudo bem. Saber que ele continuaria ali comigo até essa tempestade passar.
Só que eu... eu gostava de tentar ser o meu próprio herói na maior parte das vezes.
— Eu... só preciso focar no trabalho — eu olhei para o chão, balançando meu corpo para começar a andar de novo, sentindo a mão de Eduardo afrouxando em meu braço — aí eu acho que as coisas vão melhorar.
E foi quando ele começou a me soltar que eu notei que eu não queria ficar longe dele. Não queria que ele ficasse longe de mim. Na verdade, eu queria que ele me abraçasse forte, e dissesse que mais uma vez já estávamos distante de tudo e que nós tínhamos o nosso próprio tempo...
— Ok... Ok — ele concordou comigo e eu tentei sorrir, me sentindo meio desnorteada. O que eu estava fazendo mesmo? Eu tinha que validar algo, mas era com o pessoal de RP ou com a área de Logística? Que horas era mesmo a reunião que eu tinha com o setor de suprimentos? Eu... — mas antes... quer tomar um ar?
E eu estava prestes a dizer que não, que estava tudo bem e que eu conseguiria lidar com aquilo sozinha, como eu sempre fazia, mas quando eu olhei para Eduardo, para o seu sorriso preocupado e o pequeno vinco entre as suas sobrancelhas, eu senti que eu queria morar ali. Nele. Queria fazer do seu carinho a minha casa e ficar para sempre.
Acho que pela maneira que ele me olhava de volta, ele sentia o mesmo? Será que ele queria morar em mim tanto quanto eu queria morar nele? Porque se sim... então eu acho que tudo bem não estar bem com ele. Tudo bem... não querer estar sozinha. Tudo bem... querer que ele ficasse comigo durante aquele temporal.
— Acho que sim — eu concordei, sentindo que meus movimentos estavam mais lentos do que o normal, tentando controlar o meu rosto para que ele não me traísse no meio da empresa e mostrasse o quanto eu estava perdida e confusa.
— Vou pegar sua bolsa, me espera na frente do elevador? — ele me pediu, porém não esperou pela resposta, apenas andou com passadas largas até onde nossas coisas estavam, pegando minha bolsa e o celular que ele havia deixado em cima da sua mesa, voltando até onde eu estava antes que eu pudesse entender que eu tinha que me mover.
— Mas eu tinha que... — eu apontei na direção da Lavínia, que estava ao lado do Valter, discutindo com entusiasmo sobre uma viga abobadada que ela queria enfiar na entrada do porto e que eu disse que iria avaliar, mas o Valter estava adorando a ideia com suas bochechas rosadinhas.
— Eles conseguem, Má. Você tem uma equipe incrível — ele me garantiu e eu anui, começando a andar na direção do elevador quando senti a mão de Eduardo contra a base da minha coluna, guiando-me pelo caminho que eu já bem conhecia, mas eu acho que não era exatamente aquele o motivo da mão dele estar ali.
Acho que ele estava tentando apenas fazer com que eu não me sentisse tão sozinha. Mostrar que ele estava ali comigo quando e como eu precisasse.
Então meu corpo começou a desacelerar do turbilhão de sentimentos e suposições que estavam invadindo a minha mente aos poucos, e quando nós entramos no elevador, eu senti que já não estava mais com uma bola gigante na garganta, e que quando nós saímos dele, minhas costas já não estavam mais tão pesadas. E eu só notei que nós estávamos indo para o carro dele e não para o térreo do prédio, quando ele destravou a porta do Cruze e a abriu para mim.
— Edu, eu... — eu comecei a falar, mas um pedacinho de mim doeu um pouco, pensando em como eu conseguiria tentar contar tudo o que estava preso no meu peito naquele momento sem desmoronar por completo, porque a ideia de que o vô Nic...
— Está tudo bem. Vai ficar tudo bem — ele me prometeu, afagando minha bochecha com cuidado e me olhando daquele jeito que me pedia para acreditar nele, antes de me ajudar a entrar no carro e ir até o seu lado, nos deixando ali dentro sem ligar o motor ou tentar colocar uma música.
Eu fechei meus olhos e apoiei minha cabeça contra o vidro do carro, sentindo-me quente em contato com o frio, conseguindo concentrar uma inspiração em cada pulsação do meu coração, buscando encontrar um equilíbrio perfeito entre os dois.
Então eu senti os dedos do Eduardo contra as costas da minha mão, bem de leve, me dando todo o espaço para me afastar dele se eu quisesse, porém eu não queria, então eu apenas virei minha palma para cima e deixei seus dedos escorrerem por entre os meus, enlaçando minha pele com a sua.
Era engraçado como algumas pessoas simplesmente te entregavam paz, mesmo que você sentisse que havia uma zona de batalha cheia de trincheiras em seu peito.
Eu tombei meu rosto suavemente na sua direção, vendo que ele estava encarando nossas mãos, talvez tão confuso quanto eu estava, porém por motivos diferentes — e eu queria saber o que estava acontecendo na sua cabeça. O que o estava deixando tão concentrado assim? No que ele tanto pensava?
— Para onde você quer ir? — ele me perguntou em um sussurro, ainda sem quebrar o contato do único ponto em que nossos corpos se encontravam.
Para onde eu queria ir? Era uma pergunta tão simples, mas, por algum motivo, parecia extremamente filosófica naquele momento.
— Para Vitória? — eu sugeri, esperando que ele entendesse que eu estava brincando, porém seus olhos subiram na direção dos meus e eu tive certeza de que se eu pedisse, ele me levaria para lá em um piscar de olhos dentro do seu Cruze, mesmo que ele precisasse trabalhar e Henrique Francisco fosse me matar pelo desaparecimento do seu amor platônico — acho que eu quero ir para casa. Aqui em São Paulo mesmo.
— Retúlio está lá? — ele questionou antes de dar partida no carro, tendo que quebrar o contato das nossas mãos.
— Acho que não. Hoje eles têm um evento de aniversário de alguém do trabalho do Romeu — eu dei de ombros, assistindo o carro sair do estacionamento e eu bloqueei e desbloqueei o celular quatro vezes em um minuto, querendo que qualquer nome Noronha surgisse na minha tela com notícias.
O que não foi o caso.
E eu sabia que eu apenas aumentaria a ansiedade e apreensão deles se eu ficasse perguntando coisas que eles não saberiam me responder.
E eu acho que era pior ter duas pessoas ansiosas do que apenas uma.
Será que eu deveria ligar para a vovó para perguntar se estava tudo bem? Quero dizer, com certeza ela precisaria de algum apoio e todo mundo estaria ao redor do vovô, então será que alguém estava mesmo cuidando da vovó?
Claro que sim. Val e Bruna já deveriam estar lá com o tio Cris e a tia Vanessa.
Eu ouvi Eduardo começando a assobiar uma melodia bem baixinho e eu o olhei, quase sorrindo quando eu a reconheci.
— Eduardo Senna, isso é Girl From Rio? — eu senti um canto da minha boca subindo levemente e ele me olhou no meio de um beicinho, como se só naquele momento ele tivesse percebido o que estava fazendo, completamente dividido entre continuar e fingir plenitude, ou parar e fingir demência.
— Leandro ficou viciado nessa música e eu tenho certeza de que ele converteu até mesmo o Tiago pro proibidão — o arquiteto se defendeu, trocando de faixa e rindo com suavidade.
— Ei, Anitta não é proibidão, Edu. E foi o Ti que apresentou o O Baile da Gaiola pro Chico, ok? — eu lhe contei e Eduardo pareceu chocado com aquela revelação — o que? Você pensou que foi o Chico que começou com aqueles funks de procedência duvidosa?
— Eu me sinto profanado — ele colocou a mão no peito, horrorizado, e eu dei risada do seu semblante, sabendo que aquele teatro todo era mais por mim do que por ele — eu preciso de uma lavagem cerebral. Algo para me indicar?
— Lá vai você julgar minhas músicas — eu rolei meus olhos, negando com a minha cabeça.
— Juro que desta vez eu te dou o benefício da dúvida, mas não abusa — ele me ofereceu o seu celular quando paramos em um semáforo e eu olhei para a sua tela, mordendo os meus lábios antes de aceitar e desbloquear o aparelho.
Eu não coloquei uma música específica, apenas selecionei The Neighbourhood, na primeira faixa deles que era Sweater Weather, porque ela sempre me dava uma sensação de aconchego quando tocava e eu amava a maioria dessas músicas desde que Tutti deixou o "Rádio The Neighbourhood" tocando no meu apartamento nos últimos dias, alegando que era a melhor playlist do stream — eu não estava ali para negar nada.
— Eu só... — ele limpou a garganta e segurou com mais força no volante, fazendo com que eu notasse como os nós dos seus dedos estavam brancos pela força que ele estava empregando ali — você vai ficar bem sozinha?
Eduardo virou mais uma esquina e eu percebi que estávamos quase chegando em meu apartamento.
Just us, you find out
Nothing that I wouldn't wanna tell you about, no
'Cause it's too cold
For you here
And now, so let me hold
Both your hands in the holes of my sweater
E ele não disse nada sobre eu estar estranha — mesmo que eu estivesse.
Não perguntou nada sobre meu humor horrível — mesmo eu sabendo que ele estava tentando de tudo para fazer com que eu me sentisse mais leve.
Não comentou sobre eu aceitar sair do trabalho duas horas antes mesmo com as reuniões e os prazos e... e eu acho que esse era o jeito dele me dar espaço sem ficar longe, aceitando o meu tempo e querendo que eu ficasse bem, mesmo que fosse um processo demorado e extremamente difícil.
E eu senti que tudo bem se o mundo estivesse prestes a ruir, porque ele estaria do meu lado para me ajudar a cuidar de todos os meus destroços. Todas as minhas partes. E ele não iria embora quando visse aqueles pedacinhos que eu tentava esconder dentro de mim
— Eu acho que sim, mas eu... — eu dei de ombros, cobrindo meus olhos com meu braço, notando que a luz dos postes estavam fortes demais para mim, mas na verdade era porque eu senti que meus olhos começaram a lacrimejar — eu acho que não quero mais ficar sozinha. Eu quero ser forte e dizer que está tudo bem, mas é uma droga, Edu. Tentar ser forte o tempo todo e fingir que eu estou bem quando eu sinto que eu estou a um suspiro de desabar. Às vezes eu só... é tão cansativo. É tão solitário.
Ele parou no próximo farol vermelho e se virou na minha direção, abaixando o meu braço com calma para descobrir o meu rosto e encarar os rastros molhados em minhas bochechas antes de secá-los com os seus polegares, trilhando em meu maxilar com calor dos seus dedos. E mesmo que seus olhos não conseguissem fisicamente me tocar, eu sentia que eles me cobriam inteira e me guardariam até que aquela dor no meu peito se acalmasse.
— Você não tenta ser forte. Você é. E você não está sozinha, porque eu sempre, sempre, vou estar aqui com você, Marcela — ele me deu um sorriso discreto, meu nome rolando pela sua língua como poesia e senti meus lábios se curvando para cima como reflexo — e tudo bem não querer ser forte o tempo todo. Tudo bem querer dividir o peso, porque ele é...
— Mais leve em dois? — eu ecoei as palavras que ele um dia havia me dito, sentindo os cabelos da minha nuca arrepiados.
Meses antes. Meses haviam se passado. E ele continuava se preocupando comigo, querendo cuidar de mim.
— É, se quiser — ele apertou minha mão antes de voltar seus olhos para frente quando o carro de trás buzinou e notamos que o semáforo já estava verde de novo.
Ele entrou na minha rua e eu senti que pela primeira vez naquele dia estranho, eu não estava tão confusa assim. Eu não me sentia mais tão perdida. E o que eu queria era que ele ficasse comigo, assistindo séries de humor suspeito, comendo sobremesas divinas e nos enrolando daquele nosso jeito que encaixava em qualquer lugar — a qualquer momento — contanto que nós estivéssemos juntos.
— E se você não estiver muito ocupado hoje... tem cheesecake da Ceci na geladeira — eu olhei para frente, engolindo a seco enquanto tentava secar as minhas palmas em minha calça jeans — e eu estou louca para assistir aquela série que o Sandro é viciado para poder julgar o gosto dele com propriedade.
Eduardo demorou meio segundo para entender o que eu havia dito e me lançar um olhar aliviado, como se tudo o que ele quisesse ouvir naquele momento eram aquelas palavras sem sentido e um convite atropelado, diminuindo a velocidade do carro ao olhar ao seu redor.
— Depois de uma proposta dessas, não tem como eu dizer não — ele sorriu para mim e eu senti que pelo menos um pouco do peso que havia nas minhas costas estava mais leve —, mas eu acho que não tem vaga por aqui...
— Você pode... colocar na minha garagem. Se quiser.
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Oiee <3
Brasil só levou bloqueio da Rússia hoje no Vôlei, mas o Edu não foi bloqueado pela Má! MUITO PELO CONTRÁRIO!!!!!!!!!!!
Nosso coraçãozinho está apertado e na torcida pelo Vô Nic, esperando que ele esteja bem e que tenha sido apenas um sustinho, mas enquanto isso vamos enaltecer essa evolução de Mardo (porque, quem se lembrar bonitinho, o estopim da primeira briga deles começou bem assim, né?).
E aí? Eduardo vai entrar na garagem da Marcela ou não? hehehehe
Gabs e eu estávamos conversando e fazendo contas e matutando aqui e sentimos que vocês deram uma sumidinha (tanto de comentários quanto de estrelinhas)... e, bem, a gente decidiu que se vocês se empolgarem com a gente para os próximos capítulos, semana que vem teremos maratona de TRÊS CAPÍTULOS!!!!!!!!!! O que acham?
Só queríamos dizer que tem muita coisa sensacional chegando aí e nós estamos loucas pra saber o que vocês acham!
Teorias? Críticas? Comentários? Surtos? Manda ver <3
Beijinhos,
Libriela <3
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