- II-
Seu apartamento estava uma completa bagunça. Há duas semanas a mulher o transformara numa verdadeira trincheira. Uma dó! - pensava ele. Havia trabalhado tanto para mobilhá-lo ao gosto da esposa e, num instante, seu esforço foi jogado por água abaixo...
As janelas agora estavam seladas com ripas e os armários de madeira maciça, removidos dos seus lugares, como elegantes barricadas, tornava o acesso a elas ainda mais difícil.
Mesmo assim, depois que sua esposa se foi, decidiu arrancar algumas tábuas e deixar uma brecha para que pudesse visualizar a criatura quando passasse por lá. Estava curioso para ver o tal Cthulhu. E bem conforme o alerta, naquela manhã fria de junho, lá estava o monstro finalmente diante de seus olhos.
Cthulhu parecia uma imensa nuvem de energia luminosa, um tanto diáfana, expandindo-se por todos os lados. Dentro de suas entranhas parecia revolver uma sombra irriquieta que contrastava com sua luminosidade externa.
Milhões de apêndices saiam pelo corpo todo, aos quais alguns chamavam de braços, outros de tentáculos, outros ainda de cílios, enfim... para César, eles se pareciam mais com os raios dentro de um globo de plasma do que com qualquer coisa orgânica. Depois de vê-lo de perto, decepcionou-se um pouco, achava que as descrições que haviam feito de Cthulhu sugeriam algo mais surpreendente. No fim das contas, não era nada demais. Nada que justificasse as horas infinitas de cobertura, entrevistas com especialistas, reportagens in loco que os telejornais dedicavam à criatura.
Tentou ligar a TV, mas a mensagem de sinal fora do ar continuava rodopiando pela tela de LCD, independente do canal que selecionava. Aborreceu-se. Estava entediado. Queria ver alguma notícia.
Foi quando se lembrou do debate que vira na noite anterior, pouco antes do monstro chegar à Paulista: Um astrônomo que se recusava a chamar Cthulhu de criatura, contra um biólogo que o descrevia como um ser senciente.
Para o primeiro, era um fenômeno natural que ele classificava como uma tempestade espacial gasosa eletromagnética (TEGE), enquanto, para o segundo, que também era adepto da teoria da origem extraterrena de Cthulhu, ele seria um organismo alógeno.
Tudo era besteira! Irrelevante! O que importava essas coisas se ninguém podia detê-lo, fosse o que quer que fosse? - pensava César. Era por causa disso que ria tanto. A graça era que não havia qualquer escapatória. E era bastante curioso ver que, mesmo naquela situação extrema, as pessoas discutiam sobre tantas futilidades.
Era manhã. Quer dizer: o sol já havia surgido em algum horizonte distante dali. Mas era como se fosse noite. Uma escuridão insuportável reinava sobre toda a cidade e invadia o apartamento de César pela fresta que ele abriu na janela.
A TV era inútil sem sinal e agora ainda mais sem energia elétrica. No escuro silencioso de seu apartamento, podia ouvir o angustiante som do próprio coração batendo. E era como se a cada momento o som da sua pulsação fosse ficando mais alto. Começava mesmo a sentir uma vibração tomando conta de todo seu corpo e depois se espalhando por todos os lados, pela TV inânime à sua frente, pelas paredes. E depois pelo prédio todo que começava a sacudir.
Nunca havia visto um terremoto. Não havia terremotos em São Paulo - pensou. Mas agora Cthulhu estava lá fora.
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