- I -
A criatura planava a cerca de 2 mil pés de altura, estendendo-se como uma gigantesca nuvem de tempestade por um raio de 20 quilômetros. E apesar das constantes previsões dos especialistas de plantão sobre sua rota, ela seguia no seu curso errático, às vezes retornando aos mesmos lugares pelos quais já havia passado, como se minunciosamente procurasse por algo e depois voltasse para conferir se não o havia deixado passar despercebido.
César viu na TV que a estavam chamando de Cthulhu. Ele achava graça da pronúncia afetada dos âncoras do telejornal para a palavra pomposa que haviam escolhido para a criatura. E mais ainda das teorias vazias e mirabolantes sobre a origem daquele ser absurdo.
A bem da verdade ele ria alto às vezes quando assistia às tétricas notícias sobre o monstro que surgira de repente em nosso planeta, como se fossem piadas num programa de humor. A esposa ficava abismada com o as reações inusitadas do marido diante de um assunto tão sério. Mesmo porque usualmente ele não era de rir. Sempre foi o tipo responsável e almofadinha.
Bem! Dois meses se haviam passado desde a primeira visualização de Cthulhu sobre as águas geladas da Antártida e agora finalmente ele chegara a São Paulo, depois de arrasar a Argentina, o Uruguai e o sul do Brasil.
Apesar dos alardes e da hesitação do governo em evacuar a população, a mistura de terror e falta de preparo das autoridades acabou por deixar um grande número de pessoas da região mais populosa do país à mercê da própria sorte. Ou seria melhor dizer azar!?
A esposa de César quis partir desde o começo, mas ele, obcecado com o trabalho, obstinou-se em ficar. Ela então se foi com as crianças há apenas dois dias, depois de desesperadamente tentar dissuadi-lo de sua decisão. Seguiu para Minas Gerais e de lá iria para os Estados Unidos, porque achava mais seguro. César achava que não havia mais lugares seguros nesse mundo.
Todos os dias, desde de o alerta que denunciava a possível chegada de Cthulhu à São Paulo, César saiu para trabalhar normalmente, seguindo sua rotina com a mesma assiduidade. Orgulhava-se de trabalhar e ser um bom cumpridor de seus deveres.
O único inconveniente para sua rotina era o fato de não encontrar mais nenhum restaurante ou lanchonete funcionando em toda região da Avenida Paulista, onde ficava o escritório. Nos primeiros dias, sua esposa ainda deixava o almoço pronto para que ele o levasse, todavia, quando ela se foi, teve que começar a preparar sua marmita.
Não era, entretanto, um cozinheiro muito habilidoso e, conforme as opções de comida foram ficando escassas, fez um pequeno estoque de macarrão instantâneo e pratos de microondas.
Sentia falta do café. Já nem fazia caso que fosse o saudoso café de sua mãe, forte e revigorante, podia ser qualquer café ralo e requentado. Queria café! Não achava em lugar nenhum. Tomou um pouco de mate logo cedo. Amargo. Odiava. Bebeu de um gole. Depois se postou junto à fresta da janela.
Havia dormido pouco na noite anterior e naquela manhã, depois de vinte anos, não fora trabalhar. Estava acordado na madrugada vendo o noticiário, quando Cthulhu começou a destruir a Avenida Paulista com seus braços que, como milhões de flagelos, fustigavam tudo que encontravam pela frente.
Não pôde ver muita coisa, apenas alguns imagens confusas da criatura segundos antes de o sinal de TV, vindo de lá, sair do ar. Acordou sabendo que teria de faltar no trabalho.
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