Vermilion
No dia seguinte eu fui falar com ela. A casa estava estranhamente silenciosa quando sai da cama, mas minha mente estava turbulenta. Tento me lembrar do sonho que tive mas ele simplesmente se esvai. Sonhos eram muito importantes quando se tratavam de companheiros, e a palavra "companheira" estava na minha mente no momento em que eu acordei. No entanto, quando penso na palavra, não é Irina quem vem a minha mente. Lavo o rosto com água gelada e tento me recompor. Eu tinha que dar um jeito nisso, eu não podia ter vindo até aqui em vão.
Eu estava determinado, mas quando bati na porta do quarto onde ela estava fui ignorado. Tudo bem... Acho. Talvez ela precisasse de espaço. Talvez precisasse de um tempo sozinha para pensar. Ela acabou de sair de um relacionamento. Um relacionamento em que ela não deveria estar, afinal estava cobrando lealdade de mim... Mas afasto o pensamento. Ela estava aqui agora, mesmo que do outro lado da porta e não quisesse falar comigo. Foi o que pensei no dia, e no dia seguinte também. Dois dias se passaram sem que ela falasse comigo. Durante esse tempo tentei fazer com que ela me ouvisse, mas ou a porta estava trancada ou ela saia para correr na floresta.
Rastreei sua forma lupina da primeira vez e na segunda também, mas em ambas ela rosnou para mim, e eu respeitei seu espaço. Passei todas as noites me revirando na cama, não conseguindo dormir nem um segundo. Sinto falta dos remédios que me colocavam para dormir, e quase sinto falta de não sentir nada. Por mais que eu quisesse arrombar aquela porta e fazê-la me escutar eu temia que acabaria piorando as coisas. Não sabia o que ela estava fazendo, apenas achei cruel demais. Eu jamais faria algo assim.
Tento relevar, tento entender o lado dela, mas ficava mais difícil respirar a cada dia. Dois dias nessa casa sentindo seu cheiro, ouvindo seus passos, sabendo que ela estava tão perto e não podia vê-la. Meu lobo interior voltou a rondar minha mente, inquieto e infeliz. Até agora, hoje estava sendo igual aos outros dias. Mais uma noite sem dormir, pensando sobre tudo o que eu fiz de errado. Queria tanto poder voltar atrás e ter sido fiel para ela. A voz de consciência grita comigo internamente, dizendo que eu não tinha feito nada de errado. Mas então por que me sinto tão mal? Não era assim que as coisas deveriam ser.
Me arrasto pra fora da cama, indo em direção ao banheiro. Meu cabelo e barba estavam começando a crescer de novo. Eu tinha olheiras profundas embaixo dos dois olhos. Quase não me reconheço ali, não parecia eu, nem mesmo nos meus piores dias longe dela e entupido de remédios eu me senti mal desse jeito. E eu achava que não podia ficar pior. Saio do banheiro e vou até a sala. Nos últimos dias eu me fiz o favor de me mostrar os arredores, indo caminhar pela neve até perder a noção do tempo. Meu egoísmo e desespero haviam me levado há lugares inimagináveis, que nem mesmo o diabo ousaria adentrar sem uma força tarefa de elite. Céus, o que eu estou fazendo aqui? Onde está minha família e a vida que eu deixei para trás?
Ao chegar na sala de estar, estou determinado a por um fim nessa loucura que já havia perdido o sentido há muito tempo. Não têm nem um telefone na porra dessa casa, e não sei onde ela mantém o celular. Não posso nem avisar a ninguém onde estou, e meu lobo interior esteve tão fortemente reprimido por tanto tempo que não sei nem para que lado devo ir para sair do meio dessa floresta. Talvez ela me trouxe aqui de propósito, talvez estaivesse me mantendo refém ou algo do tipo, apenas para continuar me torturando. Acho um papel e caneta sem muito esforço e começo a escrever:
"Não aguento mais ficar aqui sem você. Minha permanência nessa casa se tornou insuportável nestes últimos dias. Espero que consiga me perdoar por tudo o que eu fiz, pela dor que eu causei, pelos erros que cometi. Estarei em um hotel na cidade, espero também que possa ir me ver se ainda sentir algo por mim".
Risco a último frase. Não era possível que eu tinha escrito aquilo. Não podia ser. Eu não devia implorar por isso. A voz na minha consciência grita. "Amo você". Penso em escrever, mas a ideia fica apenas no pensamento. Amava?
"Isso não é amor, Nick, é uma maldição" minha irmã havia dito para mim uma vez. Eu já não sabia o que sentir. Respiro fundo e penso em deixar o bilhete em cima da mesa de centro quando ouço a porta abrir de repente. Irina olha pra mim, parecia ter raiva, desdém, ou algo do tipo. Aquela ela era minha chance de dizer algo, mas não consigo. Tudo o que eu queria dizer parecia já não fazer mais sentido, assim como tudo aqui. Era óbvio que a esse ponto eu me arrependia de ter vindo.
— O que é isso? — ela pergunta.
Olho a carta em minha mão. Me aproximo dela e a entrego. Ela lê rapidamente e da uma risada sarcástica.
— Então não é homem suficiente pra dizer isso na minha cara?
Cerro o maxilar. Meu sangue parece ferver dentro das veias. Comprimo os lábios por tempo suficiente para que eu consiga segurar o que eu realmente queria responder.
— Você claramente não me quer aqui, não tem porque eu ficar...
— Sabe... — ela amassa o bilhete e joga por cima do ombro — Colin derrubaria a porta do quarto e diria na minha cara, e não se comunicaria por bilhetinhos como uma criança.
— Vocês pareciam ter um relacionamento muito saudável. — rebato.
Nenhuma provocação dela me atingiria agora, nem mesmo ouvi-la me comparar com ele.
— E você é um babaca. — ela se aproxima e tenta me empurrar.
Eu não me movo com sua tentativa patética, e também não responderia suas palavras hostis. Ela não estava conseguindo me irritar ao ponto de me fazer ter uma reação extrema, então a saída era me insultar. Para mim já chega. Eu já tinha aturado muito.
— Adeus, Irina. — dou as costas para ela, indo em direção ao quarto para pegar minhas coisas. Eu não sabia para que lado ir, mas estava disposto a tentar.
— Eu fui ver o Supremo Alfa hoje. — Irina diz, e eu paro.
— Vai me rejeitar de novo? — eu provavelmente estaria morto se ela fizesse isso, mal consegui sobreviver a primeira vez, mas aquele ponto eu já não ligava para o que podia ou não acontecer comigo. Eu de certa forma mereço e mereci passar pelo o que passei.
— Eu fui dizer a ele que nós estávamos tendo problemas.
— E? — me viro para olhar para ela.
— E ele disse que eu tinha que viver com a minha escolha. — ela quase parece triste — Disse que nós tínhamos uma consulta na cidade.
— Com ele? — pergunto, querendo revirar os olhos.
— Eu não sei, ele só disse pra irmos nesse endereço. — ela mostra a localização no celular — Você vai ficar de gracinha ou nós vamos enfrentar isso?
Rio sem humor enquanto nego com a cabeça. Aquela situação chegava a ser engraçada. Se eu soubesse que isso aconteceria eu teria pensado um trilhão vezes antes de vir até aqui.
— Vai ficar de gracinha então? — ela cruza os braços — Será que você é mesmo um Alfa?
— Pode ir. — dou de ombros colocando as mãos no bolso — Tenho que arrumar minha mala.
— Ele mandou nós dois. — Irina eleva o tom.
A dominância em sua voz era fraca e pouco convincente. Aquela entonação não era apenas para me intimidar, era para me forçar a ir. Ainda assim, aquela frágil tentativa não me atinge. Ela não seria alfa de Arklin apenas por ser mulher, disso eu tinha certeza.
— Ok, eu vou com você. — desisto de argumentar. Qualquer coisa que pudesse ser essa "consulta" não seria capaz de piorar as coisas. Tudo já estava péssimo, além disso, eu ganharia uma carona até a cidade e de lá poderia ir embora para sempre.
— Você tem vinte minutos, vou esperar no carro. — ela sai primeiro.
Não foi preciso nem cinco minutos. Eu já havia tomado banho e minha mala já estava pronta, afinal eu não tinha retirado nada da mochila para guardar em algum armário, estava tudo ali. Saio da casa inalando ar puro, e foi um alívio até entrar no carro novamente, onde o cheiro dela estava impregnado.
— Você vai mesmo levar isso? — ela olha a mochila no banco de trás.
— Vou.
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