Nutshell

Eu estava na sala de espera, esperando minha vez de entrar no consultório da Dra. Claire. Os minutos pareciam horas, e eu estava ansioso para me livrar daquele aperto no peito. Quando ela finalmente me chamou, entrei e ela sorriu calorosamente. Os tons de azul claro característicos de todas as clínicas e hospitais do mundo podiam até ter um efeito psicológico em certas pessoas, mas no meu caso, não fazia muito mais do que me irritar lentamente.

Meus dedos já estão doloridos de tanto tentar estalá-los. A palpitação constante era acompanhada de uma dor profunda. Era quase imperceptível sob o efeito de todos os remédios, mas ainda estava lá, me lembrando do o tempo inteiro, não me deixando em paz por um segundo.

— Nick — a recepcionista me chama com um sorriso gentil — Pode entrar.

Me levanto da cadeira, pronto para acabar logo com aquilo, voltar para casa e me entupir de remédios para desmaiar e só acordar no dia seguinte. No começo odiei ter que tomá-los, pois realmente me apagavam durante a noite. Hoje são o único tipo de alívio que tenho, pois não tenho que lidar com sonhos ou memórias durante o sono pesado, mas também nunca me sinto totalmente descansado. Nada me tira realmente me afeta emocionalmente, mas também nunca é o suficiente.

— Então... Como você está? — perguntou a Dra. Claire assim que eu entro, por trás dos óculos, ela demonstra uma preocupação genuína em seu olhar.

— O mesmo. — respondi, tentando esconder a apatia que me dominava, mas é em vão.

— Você tem se alimentado? Feito exercícios? Está conseguindo dormir? — ela fez sua série de perguntas, anotando tudo em sua prancheta.

Concordei com a cabeça enquanto ela continuava a me questionar. E continuei concordando até que todas elas acabassem, mas Claire não era o tipo de pessoa que desistia facilmente.

— Alguma mulher chamou sua atenção ultimamente? Se sentiu atraído por alguém? — indagou ela.

— Não. — respondi automaticamente.

— Você chorou alguma vez nessa semana? Como tem lidado com as suas emoções? — Claire sempre me alertava sobre os remédios, dizendo que eles não paravam completamente minha carga emocional, apenas reprimiam a maior parte.

— Eu não sinto nada. — admiti, sendo sincero. Chorar foi a última expressão da dor, e a última vez foi há pelo menos um mês.

— Ok, está fazendo um bom progresso até agora — ela murmurou, mais para si mesma — Está tomando todos os remédios na hora certa?

Lembrei do monte de comprimidos espalhados pela mesa ontem, e engoli em seco. Não sabia ao certo se tomei todos, e a médica percebeu minha hesitação.

— Nicholas, você não pode parar de tomar os remédios, é muito perigoso. Se não conseguir fazer isso sozinho, vai ter que ficar aqui conosco até se recuperar — ela me repreende como se fosse uma professora — Você já fez um progresso muito bom, não pode desistir agora.

Meus olhos estreitam involuntariamente diante de seu tom. Tenho a vaga impressão de que eu não reagiria de forma totalmente diferente em outro contexto, mas não tenho a menor ideia de como seria isso. Acredito que sua maneira de me tratar como criança pudesse me incomodar, mas agora não causa mais do que um leve arquear de sobrancelhas.

— O que acontece se eu esquecer? — perguntei, quase preocupado — Estou tendo dificuldade para lembrar, não sei se tomei ontem ou não.

— Por isso que te pedi para colocar o alarme no celular e marcar na caixa toda vez que tomar — ela anotou em seu caderno — Temos que estabelecer uma rotina melhor...

Enquanto ela falava, eu tentava formular um pensamento coerente para questionar o que mais me atormentava naquele momento. Tinha quase certeza de que já fiz essa pergunta antes, mas não me lembrava da resposta.

— Quando terminar o tratamento, vou esquecer dela? — soltei a pergunta de uma vez, esperando por uma resposta que eu já imaginava.

Claire olhou para mim com um semblante que beirava pena, mas ao mesmo tempo era sério. Eu sabia dos efeitos colaterais que os medicamentos causavam. Mas além de perda de memória e da apatia constante, eu também não sentia que estava melhorando, e não sabia como lidar com isso.

— Os psicotrópicos fazem uma espécie de apagamento seletivo das memórias, sobretudo as mais dolorosas e que causam as sensações físicas que você vivenciou no momento da rejeição. Mas lembre que isso não dura para sempre. Você vai ser capaz de ser feliz de novo, vai esquecer dos sentimentos que a ligação provocou — ela disse — Sente raiva dela?

— Nunca. — eu era incapaz de ter qualquer pensamento negativo sobre ela.

— Se começar a sentir, significa que você está quase lá... É comum e faz parte do processo de cura, mas não vai durar para sempre. Eventualmente você seguirá em frente e...

— Eu não quero isso — confessei, quase sentindo medo do que poderia acontecer caso continuasse — Eu já nem me lembro de nada...

— Nicholas, você não pode ter dúvidas quanto ao tratamento, precisa confiar em mim. Eu quero ajudar você! Você é um homem bonito, forte, leal e tenho certeza de que vai fazer uma mulher muito feliz um dia, seja ela loba ou não. — ela me encorajou, mas depois demonstrou preocupação — O que quer dizer com não se lembra de nada?

— Às vezes, penso em voltar... Ir atrás dela... Se eu fizer isso, acho que posso fazer tudo isso parar — ignorei tudo o que ela disse e continuei a dizer o que pensava.

— Tudo o que? — ela perguntou, querendo entender melhor meus pensamentos.

— A dor que ainda sinto, os remédios não têm efeito quanto a isso — respondi, subitamente me lembrando de algo.

— Os remédios não fazem tudo, você precisa estar no controle de si mesmo. E você não pode voltar, e mesmo que soubesse o caminho até ela, não vou deixar ou encorajar esse tipo de ideia para você não acabar se machucando ainda mais e a ela também.

Fico em silêncio depois de ter minhas ideias reprimidas pela possibilidade de machucá-la. Eu não ia querer ser a causa de dor para ela também, mesmo não sabendo se ela sentia o que eu sentia.

— As sessões individuais ajudam, mas como já estamos no terceiro mês, vou colocar você na terapia em grupo junto com outros que estão passando por situações parecidas.

— Um grupo de apoio para rejeitados. — traduzi, num tom sarcástico.

— Você vai sair dessa, Nick. — ela sorriu fraco — Eu acredito em você.

Olhei pela janela, para o céu noturno, para os prédios ao redor, imaginando onde ela estaria e o que estaria fazendo. Se ainda pensava em mim.

— Você já falou com ela alguma vez? — voltei a perguntar — Sabe onde ela está?

— Você sabe que eu não posso te dar nenhuma informação sobre ela. — ela respondeu, firme.

— E por que não? — insisti, querendo entender as razões dela, mas a julgar pela reação, essa com certeza não era a primeira vez que faço essa pergunta.

— Lembra daquele ditado antigo que eu falei? "Quando um não quer, dois não fazem". — Claire tentou ler minha expressão impassível e sem reação — A rejeição geralmente é impulsiva, é confusa e são muitos sentimentos para assimilar, o que pode assustar. Mas antes de fazermos qualquer coisa, nós conversamos com os rejeitores, damos a eles a chance de voltar atrás e completar a ligação, mas às vezes não dá certo e não podemos obrigá-los.

Desviei o olhar dela e voltei a olhar para a janela. Havia algo errado comigo, e eu sabia disso pelo modo como ela respondeu. Não acredito em uma palavra do que ela diz. Eu sabia o caminho para encontrá-la, eu só precisava me lembrar.

— Sei que não pode sentir agora, mas se coloque no lugar dela... Se você a tivesse rejeitado, não ia querer que ela respeitasse isso e seguisse em frente? — ela disse, buscando fazer com que eu enxergasse a situação por outra perspectiva.

Voltei meu olhar diretamente para Claire. A ideia era absurda. Eu jamais faria isso, jamais a rejeitaria. Mas entendia seu ponto, ou pelo menos tentava. Eu tinha que respeitá-la, sim, mas não respondi. Ouvi Claire suspirar e o barulho da caneta riscando o papel.

— Que tal você voltar a escrever no diário e me deixar ler? Alguns dos meus pacientes preferem escrever do que falar, fica mais fácil para eles se expressarem e também com a questão da memória. Alguns fazem até desenhos. — ela riu.

— Alguns dos seus pacientes são crianças. — observei o mural na parede do fundo com desenhos infantis.

— Verdade, alguns são crianças de vinte e sete anos, perfeitamente saudáveis e que não querem me contar a verdade. — ela devolveu — Sei que está passando por um período difícil, mas eu garanto que você vai ficar bem se seguir o tratamento, ele não vai durar para sempre.

Só então percebi que, depois de tantas perguntas, eu tinha começado a dizer o que realmente estava pensando. Olhei para ela, sabendo que era verdade. Mesmo não querendo, eu sabia que era obrigado, era por isso que tomava os remédios, era por isso que vinha pra cá. Eu não tinha escolha. Eu fazia tudo isso porque nunca mais queria sentir o que senti quando ouvi aquelas palavras, quando fui rejeitado. A sensação era simplesmente horrível demais para suportar novamente.

— Aqui, pegue. — ela me estendeu um caderno preto simples com pauta — Nele você vai escrever seu dia, tudo o que fez, tudo que sentiu. Consegue fazer isso?

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