Moonflowers Bloom In Misery
Foi preciso entrar num ônibus e depois num metrô para chegar até Liverance, que segundo o velho magro e de chapéu sentado do meu lado, eu não parecia ser o tipo de pessoa que moraria lá.
— Mas você vai fazer o que lá? É soldado? — ele insiste, me encarando de cima abaixo — Cheio de tatuagens... É sentinela por acaso?
— Não. Vou visitar uma pessoa. — evito contato visual com ele, torcendo pra que parasse de falar comigo.
E então começa uma enxurrada de questionamentos. Eu me desligo completamente, não prestando atenção em nenhuma palavra. Eu só queria poder seguir a viagem em silêncio mas o velho quiz fazer um interrogatório como se ele fosse o próprio Supremo Alfa. Enquanto ele tagarelava, eu começava a sentir a súbita interrupção de todos os remédios de uma vez. Eu deveria ter trazido ao menos alguns... Não. Para onde eu iria não precisaria deles. Não precisaria nunca mais. Eu tinha certeza disso.
— Há, essa pessoa deve ser bem importante. Tá todo se tremendo e suando. — ele observa com um semblante desconfiado — Que tatuagem esquisita no pescoço... Você não é sentinela mesmo? Tá tudo bem?
Ponho a mão na testa me sentindo febril. Minha vontade era de me transformar e sair correndo, mas invocar minha forma lupina nestas condições poderia não ser uma boa ideia. A transformação requeria um esforço físico e mental que eu não disponho no momento. A voz no metrô anuncia a próxima parada. Liverance. Finalmente. Me levanto e vou para a frente da porta, não suportando mais ficar parado.
— Boa sorte, garoto. — o velho me diz antes que eu saia — Vai precisar.
O relógio da estação estava bem em frente a parada, e já era 23:38 da noite. Olho em volta procurando alguma saída e encontro uma farmácia. Caminho apressado até lá. Vou olhando as prateleiras cheias de remédios para sintomas que eu sentia, mas tenho o pressentimento de que nenhum deles me ajudaria agora.
— Posso ajudar? — a funcionária atrás do balcão pergunta. Olho a prateleira de cima abaixo. Não reconheço nenhum dos remédios ali.
— Você por acaso tem... — paro de falar. Lembro que se eu dissesse o nome de qualquer remédio ela saberia o que tinha acontecido comigo.
São medicamentos muito específicos, e é claro que não seriam vendidos em uma farmácia. Ponho ambas as mãos na cabeça sentindo um estranho formigamento.
— Você tá bem, moço? — ela se aproxima, mas ainda mantém distância — Quer que ligue pra alguém?
Alguém? Eu não tinha ninguém ali, só a minha... Companheira?
— Não, obrigado. — respondo.
Mas ela não acredita em mim, já que sai rapidamente de trás do balcão e me ampara. Só percebo que eu estava caindo quando ela vem e me ajuda a sentar no chão.
— Moço, fica aqui eu vou chamar a ambulância, tá? — ela sai correndo antes que eu pudesse negar.
O que eu estava fazendo? Não podia começar a ter crises agora. Não quando estava tão perto. Me forço a levantar. A cada passo meu coração parecia apertar mais, meus pulmões falhavam em puxar o ar pra dentro. Algo tão simples como respirar estava sendo extremamente difícil. Minha cabeça lateja e todos os ruídos e luzes ao meu redor parecem amplificar, piorando tudo. Com um esforço monumental, consigo sair da farmácia antes que a funcionária volte. Subo as escadas mal aguentando sustentar meu próprio peso. Quando finalmente chego lá em cima, eu desabo. Não havia pessoas na rua a essa hora da noite, ao menos não neste bairro.
De acordo com o velho no metrô Liverance era cheio de gente rica e sentinelas particulares. Nem consigo imaginar o que fariam comigo caso um deles me encontrasse, ou o que o exercito lunar faria com um rejeitado fugitivo. Minha mente viaja até aquela noite, me obrigando a sentir tudo de novo. Não. Eu estava tão perto. Se ao menos ela soubesse o quanto pensei nela, o quanto desejei estar com ela nos dias que se seguiram a rejeição. Mesmo após de tudo eu não podia culpa-la, não era capaz disso.
Ao menos se eu morresse ali ela saberia que eu tentei, que não havia desistido de tentar. De repente eu me lembro que ela podia sentir o que eu sentia pela nossa ligação que ainda não havia sido totalmente quebrada... Não. Não posso fazer isso com ela, não posso permitir que ela sinta isso. Me forço a levantar e inspiro fundo, sentindo a dor latejante diminuir. Meu coração acelerado diminui lentamente o ritmo. Ela era a chave para fazer isso tudo parar, e não um monte de pílulas. Me levanto sacudindo a neve da roupa. Ajeito a mochila das costas e começo a caminhar observando os casarões com muros altos, portões de grade ornamentada e jardins enormes.
As casas possuíam bandeiras com brasões estampados acima dos muros. Eu reconheço o brasão da família Beaumont imediatamente. Dois lobos uivando para uma lua embaixo de um céu estrelado e um rio correndo entre os dois, os separando. Não sei bem o motivo, mas achei estranhamente irônico, como se fosse um presságio. Não havia sentinelas a vista como nas outras casas, em que eles ficavam nos muros e patrulhando ao redor. Me aproximo do portão sentindo um cheiro doce, tão agradável, tão convidativo.
Eu me apoio nas grades e o portão se move. Estava aberto, e nenhum sentinela a vista. Havia câmeras nos muros mas não emitem um ruído sequer, nem pareciam estar ligadas. Não havia nenhuma campainha que eu pudesse tocar e esperar ser recepcionado. Meu lobo interior está inquieto querendo sair. Eu entro antes que fosse tarde, antes que alguém aparecesse e minha chance passasse. As luzes do jardim estavam apagadas, mas eu via uma silhueta familiar e ando apressado até ela, de onde exalava o cheiro doce dela.
Eu a via agora. Não penso em mais nada, apenas vou. Apenas... Luzes fracas se acendem no caminho de pedra que dava até a casa. Seu cabelo loiro estava maior desde a última vez em que nos vimos. Seus olhos tão azuis. Seu rosto delicado transbordava tristeza, incerteza, e mais um monte de coisas que não consigo identificar.
— Irina... — digo seu nome mal acreditando que estava mesmo diante dela.
Ela não diz nada. Meu coração se aperta ao pensar que ela ainda se recusava a falar comigo, mesmo agora. Irina ergue uma mão em punho e o jardim se ilumina de uma vez. A luz forte me cega por um momento, e quando olho em volta, estávamos cercados de sentinelas armados. Pequenas luzes vermelhas surgem pelo meu corpo, eram muitas para contar. Pelo modo como os feixes de luz dançavam pelos meus olhos, as armas com miras a laser apontavam principalmente para a minha cabeça. A ficha não caia. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Era assim que acabaria? Ela me mataria sem me dirigir a palavra nenhuma vez?
— Então você finalmente chegou, Nicholas Weston — um homem de cabelo grisalho vem caminhando a passos lentos até nós — Sou Philip Beaumont, Alfa de Arklin e pai de Irina.
— Colin! — minha rejeitora chama por um cara, que vem até ela imediatamente.
Meu coração quebra em mil pedaços ao ouvir minha companheira chamar por outro homem. O tal do Colin a abraça, consolando seu choro, como se eu fosse o problema. Talvez eu fosse mesmo. Ele me encara de modo hostil, como se me desafiasse.
— Irina, está tudo bem? — uma mulher ruiva surge para ampará-la também.
— Sim, madastra. — ela sorri fraco. Aquele pequeno sorriso fez com que meu coração doesse.
— Veja bem... — Philip vem na minha direção — Minha filha esteve tendo sonhos estranhos, dores sem explicação, o que nos fez questionar se você estava seguindo o tratamento adequado. Como não conseguimos contato com você tivemos que buscar outras fontes de informação.
Dois sentinelas uniformizados de preto escoltavam uma mulher morena, baixa e um semblante de puro medo.
— Nicholas o que você tá fazendo? O que tá acontecendo? — ela grita pra mim.
— Claire... — minha voz quase não sai.
O que eles queriam com ela? Fui eu que causei isso! Não, não não...
— Irina contou que teve um sonho onde o homem que ela rejeitou estava vindo pra cá. — Philip continua. — Gostaria de saber de você primeiro, Nicholas, o que te fez pensar que poderia vir aqui?
Um sentinela saca uma pistola e aponta para a cabeça de Claire.Vou na direção dela mas Philip me impede, ficando na minha frente.
— O Alfa te fez uma pergunta. — o homem chamado Colin me dirige a palavra — Responda!
— Nick o que tá acontecendo? O que você fez? — Claire chorava desesperada — Por favor, eu tenho filhos, eu tenho uma família que está preocupada comigo...
Eu estava tão chocado com a situação, tão confuso... Mal conseguia assimilar o que estava acontecendo.
— Deixe ela ir. — eu digo para o pai de Irina, e depois para a própria — Por favor, ela não tem nada a ver com isso, eu agi sozinho.
Philip avança um passo na minha direção. Em resposta, recebo um soco no olho direito. O golpe quase me derruba no chão. Cerro o maxilar, me contendo para não reagir, pois se eu o fizesse Claire estaria morta.
— Ela não tem nada a ver com isso, sou eu quem deveria ser ameaçado, não ela. — volto a dizer e recebo outro soco, desta vez no abdômen.
Um sentinela se aproxima pelas minhas costas e me derruba. Caio de joelhos até que ele me dá um chute e me obriga a ficar com o rosto contra a neve. Posso sentir o cano da arma na minha cabeça.
— Mas você está sendo ameaçado. — o Alfa continua — Se ainda não entendeu, você cometeu crimes bem sérios contra sua própria raça e minha família, mas você não é o único incompetente, aparentemente teve uma cúmplice.
— Deixa ela ir embora, eu falsifiquei o passaporte, Claire não sabia de nada. — digo, sentindo o gosto de sangue na boca.
— Presta atenção. Você foi rejeitado, por que não foi capaz de aceitar e superar? — Philip me segura pela gola do casaco apenas para me largar no chão novamente com mais um soco— Você é um fraco, nunca seria bom o bastante pra ela.
Suas palavras eram tão brutais quanto o sentimento de impotência que eu sentia. Eu não tinha a chance de revidar ou me desculpar. Não, era tarde para fazer isso.
— Irina, por favor, eu vim até aqui por você... — eu imploro, não pela ligação quase totalmente quebrada, não por mim, mas pela única pessoa que não tinha nada a ver com isso, Claire — Eu sei que você não é assim... Por favor, por favor...
Ela se desvencilha do aperto de Colin e se aproxima de mim. A mulher se ajoelha no chão, bem ao meu lado. Permaneço deitado, com dores tanto físicas quanto emocionais. Ela está tão perto que quase posso tocá-la. Entretanto, quando olho em seus olhos, eu não vejo nada além de ódio.
— Você não me conhece. — ela diz — Você fez isso! A culpa é sua!
Meu coração aperta forte e eu me sinto zonzo. Quase me entrego ao vazio, quase me permito desmaiar sem ter a certeza de que eu acordaria, mas não podia deixar Claire naquele situação. Eu tinha que me manter acordado.
— Sempre imaginei como você seria na primeira conversa... — digo sem me preocupar com o que poderia acontecer comigo. Me sinto leve ao pensar nas próximas palavras. Sem toda a carga sentimental provocada pelo laço de companheiros, eu podia vê-la claramente agora — Agora que sei estou decepcionado.
Os olhos de Irina se enchem de água mas eu não sei se ainda podia ser afetado por aquilo. Ela desvia o olhar e diz:
— Tirem ele daqui, agora!
Observo-a se afastar para ir chorar no ombro da madrasta carrancuda. Apesar dos braços estendidos do atual parceiro, ela não vai para ele. Isso parece incomodar o cara e eu quase me sinto um pouco melhor por isso. Irina soluçava. Eu definitivamente ainda era afetado por ela, pois mesmo naquela situação tive vontade de abraçá-la. Meu instinto traidor quase quis pedir perdão e implorar por uma segunda chance. Se a porra da deusa da lua existe, ela deve me odiar. Por que ela simplesmente não me matou? Por que me designou Irina como companheira?
— Tirem esses dois daqui — o Alfa reitera a ordem e os sentinelas me puxam pelos braços, me arrastando em direção a uma vã preta.
Eles me jogam lá dentro, não havia janelas. Claire é colocada em outro veículo. As portas são fechadas e a medida que meus batimentos cardíacos diminuem, a dor vai diminuindo também.
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