It's Been Awhile
Irina não quis falar sobre o jantar. Ao contrário, quis continuar bebendo até cair no sofá, e eu me encarreguei de levá-la para o quarto. Retiro suas sandálias e a cubro. A cena do jantar na casa dos pais dela volta a minha mente. Não esperava ser aceito por eles como num passe de mágica, afinal Irina me escolheu passando por cima de "ordens" dele. Ainda assim eu não havia desistido dela, e ela também não. Não desistiríamos um do outro sem lutar, ao menos eu não tinha a intenção de separar o vínculo que me mantinha satisfeito e confortável.
Então porque não conseguiam ver que a filha estava feliz? Ou ao menos tentando ser depois de ter sido tão coagida? O pensamento me faz pensar na minha própria família, no quanto deviam estar preocupados. Volto para a sala, encontrando a bolsa de Irina sobre o sofá. Sei que as ordens foram para que eu não me comunicasse com ninguém, sei que isso poderia ter consequências. Também sei que Claire ficou responsável de avisá-los que eu estava bem e vivo. Mas não confiava totalmente nisso. Sem pensar muito eu disco o número torcendo para que eu ainda lembrasse.
"Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagem, por favor deixe...". Desligo colocando o celular de lado. Uma sensação esquisita tira meu sono. Não conseguia parar de pensar no olhar irritado do Alfa, como se eu fosse a personificação de todos os seus problemas. Do quanto ele parecia temer que seu pequeno império autoritário fosse desmoronado por um rejeitado. Do quanto ele temia perder o posto tão respeitado por causa de um Supremo mais novo do que ele, e que já impunha tantas mudanças ousadas.
Não sabia como as outras alcateias reagiriam, mas eu não poderia me opor a ideia, não quando eu poderia ter sido beneficiado com isso caso Irina ainda tivesse que passar uma semana comigo antes de tomar alguma decisão. Uma urgência me invade, e eu sinto uma suvita falta de ar a medida que meu coração acelera. Respiro fundo e tento me acalmar, aquilo não podia estar acontecendo. Não posso ter crises ou qualquer coisa do tipo. Eu estou bem. Eu me sinto bem. É o que eu repito a mim mesmo todos os dias.
Tento pensar em Irina, a imagem dela deveria me acalmar, mas tem o efeito contrário. Toda vez que eu pensava na palavra companheira eu pensava em outro alguém, e que definitivamente não era Irina. Afasto as divagações, me concentrando apenas no presente, mas não tenho nem certeza de quem estou falando quando penso na minha companheira. Tenho certeza de que poderíamos ter sido o que somos agora desde o início, mas mesmo com nossa ligação quebrada nós conseguimos juntar os pedaços. Ainda não estava completa, era um trabalho em progresso. Um trabalho que infelizmente nunca terminaria.
A sensação de pânico crescente diminui gradativamente, mas não consigo dormir ao lado dela. Volto para a sala, não me lembro de ter caído no sono. Depois de me revirar acordado por horas naquele sofá, em algum momento eu acabei dormindo. Meus ombros são sacudidos de leve e eu abro os olhos como se não tivesse passado dez minutos da última vez que estava acordado.
— Nick, levanta... — sua voz era urgente.
Abro os olhos imediatamente, como se tivesse acabado de sair de um pesadelo, entretanto, eu não lembro do que eu estava sonhando, e nem se havia sonhado. "Isso é péssimo em todos os sentidos", Claire disse para mim sobre eu não lembrar dos meus sonhos. Acontece que isso era meio que importante quando se tratava de lobisomens, mas era um sintoma bem fantasioso. Não me preocupo tanto com a perda de memória, mas ainda assim desperto sobressaltado.
— Desculpe, não quis te assustar, mas o Beta do Supremo está vindo pra cá. — ela diz. Seu cabelo bagunçado denunciava que também havia acabado de acordar.
— Vem logo. — ela me puxa pela mão.
Após o banho eu me sinto revigorado, quase feliz. Eu estou feliz. Eu estou satisfeito. Eu estou... Droga. Nem eu acredito nisso tanto assim. Estou saindo do banheiro quando a campainha toca. Nós dois descemos a escada para recebê-lo, e meu coração já estava pesado antes mesmo dela abrir a porta.
— Mark, há quanto tempo. — Irina o cumprimenta.
— Senhorita Beaumont, senhor Weston. — ele devolve em tom formal — Eu não vou tomar muito do seu tempo, sinto em ser eu a trazer essa notícia, Nicholas, mas seu irmão foi encontrado muito ferido ontem quando voltava do trabalho.
— Mas ele está bem? Como..? — a sensação ruim desde a noite passada não era nada comparado a sensação de ouvir aquilo.
— O estado dele é estável, foi transferido para o hospital da alcateia de Monttoise, ele estará mais seguro lá do que num hospital comum, já que não temos certeza do que aconteceu. — Mark continua.
Irina me olha preocupada. Não consigo reagir de outra forma a não ser descrença. Ontem tive a sensação de que algo ruim aconteceria, e realmente aconteceu.
— Sei que é difícil processar tudo, mas o Supremo pediu que eu investigasse pessoalmente... Consegue pensar em alguém que tenha motivos para isso? Ele tinha inimigos? Alguém que não gostava dele?
Nego com a cabeça. Caleb sempre foi muito centrado e simpático com todos que conhecia. É exatamente por isso que a sensação estranha retorna mais intensamente. Ninguém que o conhecia seria capaz de fazer algo assim.
— Não... — minto. Não queria ter que dizer na frente de Irina, mas minha hesitação me denuncia.
— Tem certeza? — ele não parece convencido.
— Você tem notícias da minha cunhada e da minha sobrinha? Elas estão bem? — mudo de assunto.
— Estão sim, estão seguras. Já entrei em contato com ela informando onde você estava, aliás... — ele retira um aparelho do bolso do paletó — Meu celular é o único contato gravado nele. Eu vou embora pra Monttoise amanhã há tarde caso queiram vir. Ligue também se lembrar de alguma coisa.
Assinto e me afasto. Ainda estou sem palavras pela notícia. Eu precisava ir vê-lo.
— Nick, tá tudo bem? — Irina me chama. Nego. Não estava nada bem.
— Acho que sei quem pode ter feito isso ao Caleb.
— Quem? — ela cruza os braços em expectativa.
— Seu pai. — me arrependo assim que termino de falar.
Irina continua de braços cruzados, me olhando com a testa franzida como se não tivesse ouvido direito, mas eu sabia que sim.
— Como é que é? — ela mantém a voz perigosamente baixa.
— Irina, por favor, eu não tô tentando te jogar contra eles, mas eu preciso que fique do meu lado. Eu sinto que foi ele, eu confio no meu instinto tanto quanto confio em você.
— Meu pai não seria capaz de fazer isso, além do mais o estado de Monttoise fica há milhões de quilômetros daqui, como acha que ele pode ter feito isso? — Irina devolve raivosa.
Respiro fundo tentando achar um motivo que a fizesse pensar com clareza. Nem eu pensava com clareza, como posso convencer outra pessoa quando eu não consigo convencer a mim mesmo?
— Não lembra do olhar dele para mim ontem a noite? — resolvo apelar para suas emoções, era só o que eu tinha — Lembra de quando os espiões dele souberam que eu estava vindo aqui e me encurralaram na sua casa? Irina ele sequestrou minha terapeuta!
Isso finalmente parecia ter tinha algum efeito nela, já que sua expressão suaviza, mas suas palavras dizem o contrário.
— Isso é loucura...
— Eu vou ligar para o Beta. Talvez ele não esteja longe — pego o celular pronto para iniciar a chamada quando Irina vem pra cima de mim.
— Espera, acho que você tá um pouco precipitado, por que a pressa? — ela alcança o celular e o joga em um canto — Você ouviu ele, o avião só parte amanhã há tarde. Temos tempo pra pensar numa solução mais agradável do que ficar acusando a família dos outros de tentativa de homicídio.
Seu tom de voz era calmo, mas detecto uma centelha de ameaça. Engulo meu ceticismo, torcendo para que dessa vez fosse a última. Não sei se realmente a estou vendo de verdade ou se eu apenas fingia que não via. Seja lá como for, eu não quero ter essa discussão. Talvez ela estivesse certa, talvez eu não estivesse em perfeito juízo para fazer acusações.
— Vamos comer alguma coisa — ela me puxa pela mão, com um olhar provocante.
Tento me agarrar a esse fio de esperança, de que ela ainda estava tentando processar a possibilidade do pai ter mandado atacar meu irmão para me atingir. Para me fazer ir embora e afastar qualquer ameaça de seu posto de Alfa, que aliás eu não dava a mínima. Estou prestes a abrir a geladeira quando ela me empurra de leve até a cadeira.
— Nada disso, você vai ficar bem quietinho e relaxar. Ok?
Forço um sorriso com o "gesto de cuidado" que também pareceu forçado. Em pouco tempo ela prepara a mesa com torradas, ovos, geleias e panquecas. Irina enche um copo de suco e propõe um brinde.
— À nossa ligação. Nada mais importa, e nada vai ficar no nosso caminho.
Eu hesito, como se tivesse sido pego no flagra. Não havia como ela saber que eu não pensava nela. Não havia como saber que eu imaginava outro rosto no lugar do dela. Eu mantenho o sorriso firme. Nós brindamos a isso, escutando o tilintar dos copos de vidro. Bebo de uma vez só, e a cada gole sinto mais sede, como uma líquido viciante me preenchendo por completo. Assim que termino sinto uma tontura esquisita e quase desabo da cadeira sem nenhuma explicação, apenas sonolência e cansaço.
— Não... Preeya... — sussurro, trocando os nomes sem perceber. Tento alcançar o copo que deixei em cima da mesa, tentando cheirar o líquido a fim de descobrir o que tinha naquilo, mas ela segura minha mão.
— Eu sinto muito, mas você vai entender que eu estou fazendo isso por nós... Por favor, acabamos de nos conhecer, eu não quero estragar isso, não posso deixar você ir embora. — Irina me ampara para que eu não cai com a cara no chão.
Em uma última tentativa de pegar o copo eu o acabo derrubando. Estilhaços me atingem, mas eu não sinto nada, nem o peso do meu próprio corpo. De relance vejo que seu próprio copo de suco estava intacto.
— Shhh... — Irina passa as mãos pelo meu cabelo — Eu vou cuidar de você. Prometo.
Rostos se confundem e se mesclam diante dos meus olhos quando tudo começa a girar. Eu não consigo ver claramente, não consigo distinguir o que é fantasia e o que é real. Tento me manter acordado, mas meus olhos pesam de maneira insuportável.
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