Hunting High And Low

Cerca de quarenta minutos depois, eu chego ao aeroporto. Tive tempo o suficiente para repensar essa decisão, e a cada segundo que passava não parecia menos errado. Mas não vou voltar para o mesmo estado de antes, não posso continuar assim quando tenho certeza de que posso reverter as coisas. Se eu não achasse que tivesse uma pequena possibilidade de sair dessa, talvez eu não  fosse e desse mais uma chance ao tratamento. Mal tenho tempo de entrar no saguão quando meu celular começa a vibrar.

— Nicholas! Aonde caralhos você tá pensando que vai? — a voz dela grita comigo assim que atendo — Como pode vir parar no mesmo lugar que eu?

— No mesmo lugar? O que você tá fazendo aqui? — devolvo, reconhecendo sua voz.

— O que VOCÊ tá fazendo aqui? — Megan rebate — Já devia estar dirigindo?

Merda. Eu entro na fila e começo a procurar por ela, mas não vejo nenhuma mulher baixinha furiosa ao telefone. Esqueci completamente sobre sua viagem de volta, ela veio passar apenas alguns dias para o meu aniversário, e depois voltaria para o alojamento da faculdade. Que ótimo timming, eu realmente sou muito sortudo.

— Eu só vim... Deixar um passageiro. Eu sou motorista de aplicativo, esqueceu? — a desculpa vem tão naturalmente que eu quase não me sinto mal por estar mentindo.

— Ah, ok, tudo bem... — ouço minha irmã suspirar do outro lado da linha — Olha, me desculpa não ter confiado em você... E desculpa pelo rastreador no seu celular, eu só queria saber que você estava bem depois daquele dia. Não queria ter que acordar de manhã e receber a notícia de que você foi pro hospital de novo. Entende?

É oficial, me sinto um lixo. Não mereço o menor resquício de confiança, e se eu ainda tivesse algum respeito por qualquer pessoa que eu conheço eu daria meia volta agora. Só que eu não podia encarar as consequências do que viria depois. Não podia voltar ao estado de antes. Eu devia estar tão maluco que Claire teria que começar uma nova pesquisa para entender como um mero Alfa de Monttoise havia tido tanta resistência ao tratamento. Nem mesmo eu sabia, mas eu sabia que precisava tentar descobrir.

— Claro, Megan. Está tudo bem. — minha voz sai mecânica e sem emoção, do jeito que ela estava acostumada a ouvir — Boa viagem.

Desligo o celular e quase o jogo na primeira lixeira que encontro, mas apenas o mantenho desligado. Controlo minha mão trêmula e contrário o maxilar, tentando continuar a não dar a mínima para o que eu estava abandonando. Já era minha vez.

— Passaporte, por favor. — a atendente pede entediada.

Coloco no balcão o documento, inclusive o que estava "assinado" por Claire. A mulher lê rapidamente.

— Tem como chamar a Raven, aí? — ela pede para mais alguém na sala atrás dela.

— Raven tá no almoço e o Johnny ainda não chegou. — outra mulher responde de volta.

A atendente solta um grunhido, lê o papel novamente e olha para mim com um olhar extremamente suspeito. Sustento seu olhar com seriedade, eu não podia demonstrar que havia algo errado. De repente, ela suspira e carimba o documento.

— Aqui — ela me devolve o passaporte — Vai logo.

Respiro fundo enquanto caminho para o embarque, pensando na sorte que tive por Raven e Johnny não estarem aqui, provavelmente eram os lobisomens responsáveis por verificar esse tipo de visto. Se a humana não tivesse simplesmente me deixado ir eu não sabia se poderia enganá-los com a história que eu tinha em mente.

De trem a viagem demoraria quase tanto quanto o ônibus com tantas paradas. E era inviável ir pro outro lado do país de carro. Por isso a única opção plausível era o aeroporto. Eu não tinha nem autorização para sair da cidade, o documento que Claire forneceu dava acesso somente até a Mountnear. Foi bastante fácil falsificar sua assinatura, e eu nem precisei de um decalque. Aquilo estranhamente me fez lembrar do emprego que eu tinha e gostava, e que eu estava terminantemente proibido de exercer devido a minha condição. Merda.

Esse era o tipo de coisa que não me fazia hesitar em seguir em frente. Para mim já chega. Eu não posso voltar para lá, não posso deixar que controlem minha vida de novo, não vou permitir que me dêem aqueles remédios nunca mais. Neste momento, sinto que estou até disposto a morrer antes que eu tenha que voltar para o estado inerte de antes. E aqui estou eu, prestes a entrar num avião.

Continuo caminhando até o portão de embarque, o vôo sairia em meia hora, então eu tinha que ir depressa. Eu provavelmente não conseguiria uma passagem para Arklin sendo um humano, mas sempre disponibilizavam assentos extras para lobisomens. O dinheiro não havia sido um problema até agora, eu tinha uma reserva em espécie, mas minhas contas bancárias estavam totalmente bloqueadas. Ao menos eu tinha dinheiro suficiente em casa, caso contrário isso não seria possível, já que todas as minhas despesas em cartão também eram monitoradas, e eu não podia tirar mais do que $500 do caixa eletrônico sem a autorização de Claire.

Como minha vida se tornou isso? Com eu me sujeitei a isso? Como eu aguentava viver assim? Caleb estava certo, isso não era vida. Tantas regras, tantas restrições. Apenas para que eu não fosse atrás dela? Bom, isso não estava me impedindo agora. Deixei todos os remédios restantes no apartamento, se eu fosse fazer isso não podia ter uma escapatória fácil. Não havia mais volta agora. Para onde eu estava indo eu não precisaria de nenhum comprimido.

Tento não pensar em detalhes do que minha vida virou e entro na fila para passar pelos scanners e detectores de metal. Dezenas de seguranças estavam ali, inclusive alguns uniformizados com insígnias de outros clãs de metamorfos, mas os lobos estavam ali em peso, talvez pela proximidade com a alcateia de Monttoise. Ainda não tinha a capacidade de ficar nervoso pela situação perigosa que eu eu estava prestes a entrar, então os pensamentos iam e viam na minha mente sem que eu deixasse transparecer. O que era muito irritante e deixava meu lobo interior inquieto. Assim que passo pela fila eu retiro as malas da esteira. Nada podia dar errado agora.

Era tudo ou nada, eu estava arriscando tudo por ela. Ela tinha que estar no lugar para onde eu estava indo, caso contrário porque eu havia tudo um tido sonho tão vívido com a loba prateada? Se eu estivesse errado então uma força superior estava brincando comigo, mas se a deusa da tal Lua fosse real e onisciente ela havia permitido que eu chegasse até aqui.

...

Depois de vôo de quase quatro horas, já estou desembarcando. Me sinto exausto, principalmente por querer e não conseguir dormir. Caminho a passos lentos pelo aeroporto até achar uma saída. De lá de dentro posso ver as montanhas com seus tipos cobertos de neve e florestas. Um pequeno indício de aurora boreal serpenteava o céu, e a lua já estava visível mesmo no pôr do sol. Não era assim que eu me lembrava. Na verdade não lembro de nada da primeira e última vez que estive aqui. Não sei até que ponto os remédios me fizeram esquecer, ou se minha própria mente deletou isso afim de me tentar conter a dor. Mais alguns passos para fora do aeroporto e já estou aqui, o maior distrito de lobisomens do mundo.

— Bem-vindos a Arklin! Turistas e trabalhadores humanos pelo lado direito, licantropos com identificação em mãos pela esquerda. — uma voz suave anuncia repetidamente nos autofalantes.

Eu não gosto do arrepio que percorre minha espinha conforme me aproximo do portão. Pego o documento e me junto a fila da esquerda. Não restavam mais saídas, eu já estava aqui. Um choque de realidade toma conta de mim, mas tento controlar o surto frenético e talvez inevitável. Se meus batimentos ficassem muito altos os outros lobos iriam ouvir e eu teria que passar por uma avaliação da qual eu não seria aprovado.

Tento me concentrar em coisas ao meu redor que eu pudesse contar. Nunca pensei que fosse apelar novamente para essa técnica, mas estou sem opções. Ao longe no horizonte, depois dos prédios e casarões da cidade, eu podia ver a floresta de pinheiros, e a enorme cadeia de montanhas. Conto não sei quantas árvore até que desisto e respiro fundo, me concentrando apenas em olhar a paisagem. Arklin era o tipo de lugar que tinha neve a maior parte do ano.

Tenho apenas que mostrar minha identificação para o sentinela entediado na entrada, que não diz nem uma palavra para mim. Assim que realmente entro no distrito e passo pelos portões um mal estar súbito toma conta de mim. Respiro fundo novamente, não podia deixar transparecer, não podia ter uma crise agora. Um vento gelado traz um cheiro agradável e familiar. Meu coração se aperta, meu lobo interior se agita querendo correr para ir até ela. Ela estava aqui... Eu podia sentir.



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