Black
— A primeira pergunta que eu me fiz foi porque? Porque ele me deixou? Não me quis? Será que sou tão horrível assim? — ela para de falar de repente, e é então que percebo que ela estava esperando uma resposta do grupo.
— Claro que não. — Claire responde prontamente.
— Não. — o cara que estava do meu lado responde, eu apenas balanço a cabeça em negativo.
Ela não era desagradável de se olhar, pelo contrário era bem bonita. Cabelo ruivo com mechas loiras nas pontas, lábios cheios, pele bronzeada... Afasto o pensamento. Eu não estava pronto pra me pegar pensando na beleza de outras mulheres, era algo que eu não podia aceitar, nem mesmo sendo um bom sinal se melhora.
— Bem, obrigada... Acho que todo mundo se faz essas perguntas depois que acontece... Depois que a ficha cai. — ela diz.
— Obrigada pela participação, Taylor. — Claire agradece — Se sentir insuficiente, e problemas de autoestima são normais após esse processo tão difícil... Mas não podemos culpar os que rejeitaram, eles também tem problemas pessoais e motivos para isso. Em alguns anos quando ambos estiverem curados vocês podem se encontrar e conversar, se desejarem.
— Eu não quero olhar pra ele nunca mais, quero que ele se foda. — Taylor sorri docemente. Ela já estava na fase da raiva, e Claire contorna o assunto com alguma baboseira que não prestei atenção.
Além de mim e as duas mulheres na minha frente, havia mais um cara calado ao meu lado que vira e meche enxugava lágrimas com um lenço. A rejeição dele era mais recente, e a de Taylor tinha quase cinco meses. A minha mal fazia três meses e eu já estava começando a me questionar se realmente deveria continuar num processo que levaria mais meses, e talvez anos para esquecer alguém que eu não queria esquecer.
— Jason, gostaria de dizer algo? — Claire pergunta. Ele balança a cabeça negativamente e seu olhar se volta pra mim — Nicholas?
Penso um pouco sobre o assunto. Não havia nada que eu quisesse falar que ela quisesse ouvir. A verdade é que nem mesmo os remédios afastavam minha saudade dela. Eu podia dizer o que eu quisesse, mas se dissesse Claire começaria mais um monólogo inútil sobre como eu iria superar e eventualmente seria feliz com outra pessoa. Mas eu não queria mais ninguém, apenas tomava os remédios porque a dor era insuportável, e sabia que se parasse era provável que eu não durasse muito. Então decido não dizer nada que envolvesse o assunto.
— Já podemos ir embora? — pergunto.
Claire suspira, parecia prestes a dizer algo mas desiste, e eu agradeço mentalmente por isso. Eu não queria frustrá-la, eu até gostava dela, mas até com todo o tipo de psicotrópicos no meu corpo, minha paciência tinha limites.
— Podem ir, vejo vocês amanhã na sessão individual — ela responde — e se cuidem.
Sou o primeiro a levantar da cadeira e minhas costas doem, nem havia me dado conta da má postura que mantive na última hora. A única coisa que vem na minha mente era dormir pelo resto da tarde e talvez até o dia seguinte.
— Ei... — alguém me chama enquanto ando pelo corredor.
Me viro e vejo a outra mulher da sala vindo na minha direção.
— Nicholas, né? — Taylor pergunta e eu confirmo com a cabeça — Você vai superar, sei que todo mundo fica dizendo isso mas é verdade. Você não foi o primeiro rejeitado da história e nem vai ser o último, cedo ou tarde a gente segue em frente.
— Obrigado pelo conselho. — digo.
— Enfim, eu te achei muito bonito, o que acha da gente sair? Ainda dá pra pegar um cinema.
A pergunta me pega de surpresa. Não estava esperando ser convidado pra sair, e muito menos receber um elogio que não parecesse mais um assédio por parte das passageiras que eu tinha que aturar. Tento focar em Taylor e apreciar sua beleza. Além de um rosto bonito ela tinha um corpo atraente, do tipo que ia na academia e deixava os homens atrás dela de boca aberta. Em tempos normais eu seria um louco idiota de recusar, mas esses não eram tempos normais pra mim. A imagem da minha comp... Não, não a minha companheira. A mulher que me rejeitou surge em minha mente. Eu ainda pensava nela como companheira, mesmo ela nunca tendo sido.
"Ela... Quem é ela mesmo?", eu me faço essa pergunta milhares de vezes por dia, e a confusão não ficava mais fácil de lidar. Imagens se fundem na minha mente, vislumbre a e fragmentos que não consigo encaixar. As vezes fica extremamente nítido que há uma diferença entre a mulher que me rejeitou e a mulher que... Não consigo concluir o pensamento. A frustração é diária, saber que há um raciocínio que faz sentido, mas quando estou perto de formulá-lo ele se esvai, como se fosse uma palavra na ponta da língua que esqueci segundos antes de dizê-la. "Eu provavelmente deveria colocar isso no diário", penso. Diante da pergunta, eu esfrego os olhos com uma mão e encaro Taylor.
— Eu ainda não estou preparado pra isso, mas agradeço o convite. — digo. Seria injusto e canalha da minha parte aceitar sabendo que não poderia apreciá-la do jeito que ela merece.
A mulher ri como se já esperasse essa resposta.
— Tudo bem, eu me arrependeria se não tentasse — ela tira meu celular do bolso do meu casaco, digita algo e o devolve — Me liga se mudar de ideia.
Saio do prédio em direção ao estacionamento. Já devia ser quase seis horas, os últimos raios de sol estavam se pondo. Quando entro no carro não dou partida imediatamente. Fico pensando nas palavras de Taylor. Ela ainda estava na terapia então não havia superado completamente, nós poderíamos usar um ao outro para nos esquecermos das pessoas que nos rejeitaram, mas só o pensamento me fazia sentir culpado, como se a estivesse traindo. Em geral lobos não assumiam compromissos a longo prazo e nem se permitiam criar vínculos com ninguém por mais de algumas noites, pois sabíamos que seria difícil deixarmos alguém que já estava apegado a nós.
Subitamente, consigo me lembrar daquela festa em Arklin, não consigo visualizar muito, mas era para ser um dia feliz. Eu não iria, mas todos os lobisomens do meu convívio iriam fazer aquela viagem. Quem não gostaria de uma festa completamente de graça? O Supremo apresentou sua Luna enquanto as sacerdotisas abençoavam essa união, e naquela noite outros companheiros eram encontrados. Só sei que em um momento confuso começo a sentir seu cheiro, era indescritível e irresistível. Eu tinha que ir ver por mim mesmo. Meu lobo interior ávido e ansioso me guia até ela, mas ao mesmo tempo um vazio amargo e premonitório tentava me avisar de que era uma péssima ideia.
Quando nossos olhos finalmente se encontram na multidão todos ao redor parecem deixar de existir, tudo fica em silêncio e em câmera lenta. Houve uma certa comoção dos lobos ao redor ao perceberem mais um casal se formando e lembro que ela parecia levemente assustada ao me ver. Até que a levam dali. Alguém a puxa para longe do meu campo de visão e eu me desespero. Não demora muito tempo para que voltemos a nos ver. Um dos lobos sentinelas me guia até uma sala privada dentro da casa onde o supremo estava hospedado. É difícil me lembrar do meu dia a dia, e é ainda mais difícil tentar remontar todo aquele momento.
Não percebo o que está prestes a acontecer até ser tarde demais. O Supremo entra na sala e se senta na cadeira a nossa frente. Lá ela me rejeita. Preferiu fazer ali e não na frente de todos. Preferiu não me humilhar publicamente como acontecia com alguns infelizes. Lembro da falta de ar, da dor intensa no peito, no lugar onde deveria ser um coração batendo. A sensação era de estar morrendo, e se eu pensasse nisso por muito tempo eu quase podia sentir tudo novamente.
Minhas mãos apertam com força o volante até os nós da minha mão ficarem brancos. Revivi esse pesadelo por vários dias ao longo desses meses, mas hoje parece me atingir com mais força. Quase posso sentir o sentimento chegando, ou ao menos a lembrança dele. Pela primeira vez em semanas tenho vontade de chorar, mas não consigo demonstrar nada.
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