Beyond The Realms of Death
Um sonoro e familiar "bip" ecoa nos meus ouvidos. O som está abafado, como se estivesse distante e longe na superfície. Me sinto submerso, num estado de insuficiência, impotência, apatia. É realmente como estar debaixo d'água, numa sensação constante de quase afogamento o tempo inteiro, excesso pelo fato de que não havia água, ou ondas, ou luz. Não havia nada que pudesse me guiar, não há nada que possa me tirar daqui. Não há como voltar para casa, não tem como sair.
O "bip" se intensifica por alguns segundos, uma pequena variação na frequência do som me faz esboçar um vislumbre de consciência. Estou trancando aqui, sem poder falar ou me mover, entre a inconsciência e a morte. Eu devia estar viajando, literalmente. A última coisa que me lembro era de estar num avião. A sensação que vem com a memória traz o pânico crescente. O "bip" volta a aumentar, seguido de um barulho incessante que não parava nunca.
Tudo ao meu redor parecia distante e turvo. A escuridão envolvia meu ser, e eu flutuava em um estado estranho. Não sei até que ponto isso é real, ou se estou num estado alucinógeno. Só sei que em um dado momento eu me sinto em paz. Posso ver estrelas distantes se tornando cada vez mais próximas, se formando bem diante dos meus olhos. Ouço um uivo, um chamado. Posso distinguir seu pelo prateado banhado pela luz da lua. Ela está correndo entre as árvores. Apesar de vê-la e ouví-la, há outra coisa que me impede de focar totalmente nela. Os ruídos externos me envolvem como um manto pesado, possibilitando que eu percebesse a gravidade da situação que me cercava. Mesmo mergulhado nesse ambiente estranhamente calmo de estrelas e luar, eu podia ouvir vozes ao longe, vozes que pareciam ecoar através do abismo da minha consciência fragmentada.
— Vamos lá, rápido! Ele está perdendo os batimentos cardíacos — disse uma voz grave e urgente, trazendo-me um rápido vislumbre de clareza.
Outra voz, mais contida, mas com um traço de preocupação, respondeu:
— Tragam o desfibrilador! Agora!
O som metálico de carrinhos de emergência se aproximando encheu o espaço vazio dentro de mim, como um eco distante de uma realidade que eu mal conseguia compreender. Os ruídos se fundiram em uma sinfonia caótica, misturando-se com o bater fraco e irregular do meu próprio coração. Era uma música estranha, uma que eu eu estava disposto a ouvir terminar, apenas para que não restasse nada além da paz que me preenchia.
— Pronto, carreguem o desfibrilador! Se preparem para o choque — ordenou a voz grave, ainda mais urgente.
Uma tensão palpável pairava no ar enquanto o silêncio me envolvia novamente. Eu me sentia como um mero expectador, desprovido da capacidade de interferir na minha própria condição. Um pensamento rápido invadiu minha mente: "Será que vou sobreviver?"
Subitamente, sinto um afago em minha mão. Era a loba, ela estava ao meu lado agora.
Então, o som ensurdecedor de uma carga elétrica encheu meus ouvidos e, por um breve momento, senti a corrente elétrica percorrer meu corpo. A dor aguda dissipou-se rapidamente, mas o eco continuou a reverberar dentro de mim.
— Recarrega! Vamos tentar de novo! — exclamou a voz grave, determinada.
Outro choque percorreu meu ser, e a escuridão que me envolvia pareceu tremer momentaneamente. Essa sensação eletrizante de vida, de esperança, foi rapidamente substituída pelo vácuo opressivo da inconsciência. Eu não quero ter que voltar e enfrentar tudo novamente. A loba me ronda. As vozes dos médicos se misturavam agora em um frenesi de comandos e discussões acaloradas. Cada palavra chegava até mim como um sussurro distante, difícil de discernir.
— Precisamos reiniciar o coração! Mantenham as compressões no ritmo — a voz grave fala — Recarrega!
Os sons das vozes e máquinas invadiram meus ouvidos, mas eu não consigo distinguir muita coisa. Posso ouvir inclusive as compressões torácicas, fazendo meu peito pulsar, como um eco ritmado da minha própria fragilidade. A cada pressão, eu sentia uma breve sensação de vida, uma fagulha de esperança em meio à escuridão. O tempo parecia se arrastar, enquanto as vozes lutavam para manter a calma, para encontrar soluções, para restaurar o fluxo vital que se esvaía de mim.
Eu olho para a loba, ela continua a me rodear, flutuando ao meu redor, até que para novamente, com o focinho próximo ao meu rosto. Ela fareja, e as lufadas de ar me fazem feliz. Posso sentir sua respiração quente e me sinto verdadeiramente em paz. Seus dentes afiados se destacavam contra a escuridão, mas eu não vejo aonde isso vai dar até ser tarde. Antes que eu pudesse reagir, sinto sua mordida feroz no meu pescoço. Mais uma descarga elétrica percorre meu corpo, e dessa vez meu coração dispara no peito. A adrenalina me invade, meus músculos contraem.
Finalmente, uma voz exausta, mas cheia de alívio, quebrou o tumulto:
— Conseguimos! Ele está voltando! Temos um pulso!
A notícia reverberou em algum lugar dentro de mim, mas minha consciência frágil não era capaz de compreender totalmente seu significado. No entanto, a sensação de paz começou a se infiltrar na escuridão, como um raio tímido de luz despontando no horizonte. Eu não podia mais enxergá-la, eu já não estava no mesmo lugar que ela. Mas estranhamente, eu a sentia mais perto do que nunca, como se estivesse comigo. Não sei onde estou, mas definitivamente estou mais distante das estrelas. O luar ainda chega até mim, mas sinto que agora estou indo para casa. Sinto que desta vez a loba prateada estaria aonde quer que eu estivesse, e por isso a paz é duradoura e estável.
Enquanto minha consciência flutuava, o "bip" se faz presente novamente, fraco, porém aumentando gradativamente. Mesmo sem total compreensão do que acontecia ao meu redor, um sentimento de gratidão invadiu minha alma. Não sei ao certo aonde estive quando meu coração parou de bater, mas a visão foi tão surreal, tão vívida. Apesar da imobilidade, da inconsciência, meus instintos mais primitivos me permitem sentir a conexão recém desencadeada. A dor da mordida é lancinante e ao mesmo tempo acolhedora. Naquele momento eu soube que não estava mais sozinho.
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