Battery
— Ei Nicholas, sou eu, abre a porta! — ouço batidas na porta.
Acordo num sobressalto. Meus olhos doem por ter acordado de forma tão repentina. O barulho continua, e por mais sonolento que eu estivesse, eu tinha que tomar uma atitude. Me arrasto para fora do sofá dando uma olhada na merda que eu fiz ao cair no sono.
— Já vou — minha voz sai baixa, mas sabia que ele tinha ouvido.
Começo a juntar todos os comprimidos caídos de volta no frasco. Eu não havia tomado na hora certa. Ou será que tomei? Foda-se isso, eu me lembraria depois, ou não, tanto faz. Escondo o frasco em uma gaveta e esfrego o rosto pra tirar a cara de sono, ou amenos disfarçar. Abro a porta e vejo Caleb carregando sacolas cheias de compras.
— Eu disse que não precisava fazer isso. — suspiro ao ver que ele havia feito de novo.
— Nem pense em recusar, você não está em posição pra isso — ele põe as bolsas em cima do balcão e um ser baixinho entra correndo na minha direção.
— TIO NICK! — sinto minha perna sendo abraçada.
— Oi, bonequinha! — ergo minha sobrinha no colo e ela beija minha bochecha.
— Que saudade! — ela me abraça — Posso usar seu computador?
— Nina! — Caleb repreende.
— Tudo bem, claro que pode, já sabe onde fica — eu a coloco no chão e ela agradece enquanto sai correndo em direção ao quarto.
Seu pai suspira em desaprovação, mas não a impede de ir então eu sabia que ele tinha algo a me dizer. Caleb dá uma olhada no ambiente. O apartamento estava visivelmente melhor desde a última visita.
— Não tem muita poeira, nem roupas espalhadas pelo chão... Deixou a barba crescer... — ele me diz com um sorriso de aprovação mas dura pouco — Cadê seu relógio?
Olho em volta procurando aquela coisa. Devia ter caído enquanto eu dormia no sofá. Levanto as almofadas e enfim acho o relógio que eu não deveria retirar por mais de dez minutos no dia. Se isso acontecesse ele emitiria um alerta sonoro por um minuto até que eu o colocasse de volta, e se eu não fizesse isso ele ligaria para o meu contato de emergência.
— Como se sente? — Caleb se senta numa das cadeiras do balcão.
— O mesmo.
— Irmão, pode falar comigo, se quiser conversar eu estou aqui...
— Eu disse que não precisava de ajuda. — eu o interrompo.
Já era ruim o suficiente ter que responder milhões de mensagens de gente se preocupando comigo, eu não precisava que ninguém viesse cuidar de mim.
— Nick, por favor... Parece mais magro, há quanto tempo você não come?
— Estou bem — desconverso, fazia quatro dias — Quanto eu te devo?
— Nada, você está sob o programa de tratamento, lembra? — Caleb diz, como se aquilo fizesse algum sentido — Você quase não sai, mal responde minhas mensagens... Aquele pessoal da banda disse que você não fala com eles há três semanas, seus amigos estão preocup...
— Eu não faço mais parte dela.
— O que?
— E também sou motorista agora. — desbloqueio a tela do celular que mostrava meu cadastro e jogo pra ele.
— Como assim? Por que não me disse? — ele lê rapidamente — Nick, você sabe que não tem que fazer isso. Se não se lembra todo o tratamento está sendo custeado pela Supremacia, isso inclui suas despesas.
— Eu não preciso de mais caridade, eu preciso que me deixe em paz — não queria soar grosso ou ingrato, mas aquilo estava me estressando — Obrigado por toda a ajuda, mas eu me viro.
— Isso não tá certo, você não era assim... — ele diz, aparentemente gostava de me lembrar do passado na esperança de que eu voltasse — Você não devia estar assim, devia estar melhorando.
Já fazia quase três meses desde o acontecido, e a cada dia que passava não ficava mais fácil. A rejeição me quebrava lentamente, e eu não era capaz de controlar o pouco que eu sentia. Um vazio infinito, uma dor exaustiva que nunca terminava. Sinceramente, eu não achava que iria melhorar disso nunca. Na maioria das vezes, rejeitados apresentavam melhoras logo no primeiro mês.
O costumeiro e esquisito silêncio paira entre nós. Eu e Caleb costumávamos ser próximos, amigos até. Se eu tentasse recuperar qualquer fragmento de memória de nós dois eu não conseguiria, mas sei que é pois convivemos juntos a vida inteira. Ainda assim não posso simplesmente admitir que ele faça tudo por mim. Há três meses atrás eu estou nessa situação, e a três meses ele tenta me ajudar. Sei que sua preocupação é genuína, mas eu estou além de sua ajuda e ele parece não querer admitir.
Já haviam tirado tudo de mim, tudo o que eu tinha apreço e gostava anteriormente. Não havia mais prazer em nada, até mesmo a comida havia perdido o gosto. Eu não podia mais trabalhar, não podia mais ter controle sobre a minha vida. Eu só podia dirigir porque passei e ainda passo por dezenas de exames periódicos. Não havia mais nada para mim além de memórias inacessíveis graças a um sentimento que poderia me matar caso eu parasse o tratamento.
— Queria falar com você sem que você achasse que eu estou te impondo algo, é apenas um convite... — Caleb retorna a falar.
Estranho seu tom, ele parecia nervoso, como se tivesse receio do que viria a seguir. Como se tivesse decorado uma fala e estivesse se lembrando de todos os detalhes.
— Por que não vem jantar conosco sexta a noite? Você não precisa dirigir, eu posso te levar e te trazer de volta...
Em outra ocasião eu teria rido pra ajudar a quebrar a atmosfera tensa mas eu não era mais a pessoa de ocasiões anteriores. Podia até não sentir nada agora mas me recordo vagamente de como era sentir alguma coisa.
— Tudo bem — concordo temendo magoá-lo ainda mais, ele claramente estava se esforçando, mas concordo principalmente porque não queria prolongar aquela conversa.
— Que bom! — o bom humor transparece no seu rosto — Ótimo, não fazemos nada em família há um tempo.
— Quem mais vai estar lá? — suspiro.
— Chamei nossos pais, eles também querem te ver, isso é um problema?
Nego lentamente com a cabeça. Na verdade, eu não queria ver ninguém e nem queria sair de casa. Decidi me tornar motorista de aplicativo principalmente porque não suportava mais ficar sozinho em casa, lidando com meus próprios pensamentos. Eu precisava de algo para me distrair e evitar enlouquecer, mas isso não quer dizer que eu queria ter companhia. Eu não precisava disso, desse trabalho, mas era o que eu encontrei para ter a sensação de que eu ainda estava no controle.
Respiro fundo e absorvo a decisão que eu havia acabado de tomar. Era só um jantar, só umas duas horas ouvindo conversa fiada. Ok. Acho que eu poderia aturar tudo.
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