All Apologies

Irina me leva em seu carro até a casa que ela tinha nas montanhas. Para sair da instalação onde eu estava preso, nos colocaram vendas e nos trouxeram até uma estrada nos limites da cidade, antes que a deixassem assumir o volante. Estava no final da tarde, e eu começava a ficar com fome. O aquecedor do carro estava ligado me mantinha aquecido mesmo no meio desse monte de neve, já que meu lobo interior continuava tão inerte que eu mal conseguia sentir sua presença. Não sei se devo me preocupar tanto com isso, pois passado um tempo, retiro o casaco sentindo o olhar de Irina sobre mim.

— Você é muito bonito — ela comenta — Até mesmo com esse novo corte.

— Você é mais. — devolvo sem saber como reagir. Bom saber que a falta de cabelo não era motivo para afetar minha autoestima.

O restante do trajeto foi silencioso. Ao chegarmos, fiquei no mínimo impressionado com a casa. Era totalmente revestida em madeira escura, as janelas panorâmicas eram de vidro e possuía um varanda larga. Entramos pela escada da garagem, e um pressentimento faz meu coração apertar ao notar que mais alguem esteve ali com ela, seu ex noivo provavelmente. Tento não focar na parte dolorosa, o pior já havia passado. Foco no ambiente ao meu redor. Lá dentro era ainda mais luxuoso. Os móveis antigos e rústicos, o piso de madeira aquecida e polida, os tapetes macios, os lustres elaborados. Tudo ali praticamente gritava "caro".

— Uau — digo assim que ela me mostra o interior da casa.

A decoração, no entanto, não era a única coisa que me chamou a atenção. Uma escultura exótica era ostentada bem no meio da parede da sala.

— Deixa eu tirar isso daqui. — Irina sobe em uma cadeira e retira um par de chifres de alce pendurados da parede.

— Um certo alguém gostava de deixar isso aqui, eu sempre odiei. — ela se explica sem necessidade. Eu preferia não saber essa informação e ela parece notar meu desconforto — O banheiro é ali caso queira tomar banho... Eu já volto.

Ela aponta a direção da suíte antes de eu ter a chance de responder. Sem alternativas, eu deixo minha mochila no chão ao lado da cama e vou em direção ao banheiro. Ao entrar debaixo do chuveiro quente me pego pensando em quão estranho e embaraçoso estava sendo nosso primeiro contato. Não era para ser assim, eu acredito. Conversar com ela deveria ser mais fácil do que isso. Eu ainda estava atordoado por tudo o que aconteceu nos últimos dias. Pelo que o Supremo Alfa disse, fazia oito dias desde que eu havia chegado, e nesse tempo fui rejeitado pela segunda vez, preso, torturado e depois de tudo isso eu estava aqui. Talvez as sessões de tortura e alguns dias isolados estivessem afetando meu julgamento, mas só talvez.

Eu não deveria estar aqui, mas estava. Eu não me sentia exatamente "bem" e nem tinha um bom pressentimento sobre o que estava acontecendo, mas depois de tudo o que aconteceu, quem estaria? Céus. Eu estou perdendo a cabeça. Minha família nem sabia que eu estava aqui. Dada as circunstâncias, eles provavelmente deveriam achar que eu me matei. Eu nem ao menos podia falar com eles, ninguém podia saber que eu estava aqui. Tinha que confiar na palavra de Irina que Claire estava bem, e estava a salvo. Então percebo que não confio na minha companheira como deveria. Minha respiração sai entrecortada, meu coração acelera e uma sensação de angústia me invade. A marca da queimadura volta a arder com intensidade. Eu tinha tantas dúvidas, tanta coisa passando pela minha mente agora que não conseguia me concentrar em nada.

Sinto uma mão passando pelas minhas costas e depois outra. O gesto não serve em nada para apaziguar a tensão crescente, na verdade, só intensifica a sensação ruim. Irina me abraça por trás e repousa a cabeça em mim. Toco sua mão bem em cima do meu coração disparado, mesmo na sua presença, ele demora a se acalmar. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, ou porque estava começando a ter dúvidas sobre nós, quando eu sempre tive certeza de que daríamos certo juntos. Bastava vir aqui e todos os meus problemas sumiriam. Não era?

— O que houve? — ela me pergunta.

Penso antes de responder. Eu tinha que ser honesto com ela, era o único jeito de recuperar a confiança.

— Ainda não me acostumei com a ideia... Nós dois juntos, aqui...

— Não era isso que você queria? — ela me solta e fica na minha frente — Não foi por isso que veio?

Tenho que perder um tempo para pensar novamente. Vim para tentar esquecer meu problema. Vim para tentar recuperar minha vida de volta. Ficar com ela e tentar fazê-la me aceitar de volta seria um bônus. Somos companheiros e estamos destinados e ficarmos juntos ou alguma merda parecida. Meu lobo interior me fez sentir milhares de coisas quando a vi pela primeira vez, então ela era sim destinada a mim. Não faria sentido não ser assim.

Irina não parece gostar nada da minha hesitação em responder. Decido dizer logo o que eu pensava naquele momento.

— Eu sei que é, sei que é o certo mas não parece certo... Sinto que te forcei a tomar uma decisão que você nunca quis... E eu me sinto culpado, você parecia feliz com ele.

Irina respira fundo. Eu estava tão tenso que não pude sequer apreciar seu corpo escultural, sua beleza incomparável. Pensar nela havia me excitado sem efeitos de remédios, mas não agora. Se o lobo estivesse acordado, nem mesmo ele estaria de acordo com esse momento.

— Você ficou com outra pessoa. — ela devolve. Não era uma pergunta, e sim uma afirmação. Aquilo me pega de surpresa. Não esperava que ela tocasse no assunto.

— Sim. — admito — Você também.

Irina me olha com certa raiva, como se eu a tivesse desafiado. Em outro momento eu teria revidado o olhar, ou talvez questionado primeiro, mas fico sem saber como reagir diante daquilo.

— Mas eu estava com o meu noivo, estava num relacionamento. Fui eu quem te rejeitei, você deveria ter permanecido leal a mim e não o contrário.

Um misto de choque e culpa me invade com essas palavras. Eu não tinha como saber se ela me aceitaria de volta, eu tinha corrido inúmeros riscos por ela. Eu quase fui morto por vir atrás dela. Não consigo dizer nada, não me sinto mais o mesmo de antes. O que sentia antes mesmo? Irina soluça e isso quase parte meu coração. Quase.

— Naquele dia eu senti você com ela... Eu senti através da ligação o quanto você gostou. — ela continua — Eu tive que ficar horas num hospital para me recuperar.

E após a rejeição eu havia ficado três dias internado, e meses praticamente sem vida, dopado com remédios apenas para não me matar com saudades. Minha consciência me alerta para tudo o que eu sofri, mas eu mas não diria isso. Não estávamos competindo para saber quem sofreu mais com a rejeição. Nada disso deveria importar agora, e realmente não importava o quanto eu havia suportado, ela estava certa. Tinha que estar.

— Me desculpe, eu não queria... Eu não sabia como te encontrar, apenas queria que aquilo parasse. — lamento sem saber exatamente o que dizer, apenas não queria mais vê-la triste desse jeito.

Irina se afasta rindo baixo.

— Você não queria me trair mas não sabia como fazer o calor parar? Já ouviu falar em masturbação? — ela sai de baixo do chuveiro com raiva e veste um roupão — Não quero ouvir mais desculpas suas, o problema não é meu se você não soube lidar com a rejeição por conta própria.

Ela vai embora me deixando ali sozinho com aquelas palavras. Agora além de pária eu também era um traidor. Eu fiquei com outra mulher quando deveria ter simplesmente vindo aqui mais cedo. Ou simplesmente me masturbado. Uma luz de consciência me alerta novamente, e diz que ela estava errada, que eu não deveria me culpar quando eu fui o único que tentei. Mas não consigo. Não consigo culpa-la.

Eu deveria ter tentado mais.

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