♣️CAPÍTULO 6♣️
CALEB
— É impressão minha ou você ainda não foi ao último andar, desde que retornou? — Dafne me encara curiosa quando se junta a mim para tomar café da manhã.
— Não há nada interessante por lá, bonequinha — tento parecer despretensioso, mas ela me conhece bem o suficiente para saber quanto estou mentindo.
— Será mesmo, irmãozinho? — ela me encara por um momento antes de voltar sua atenção para a comida.
Não pretendo quebrar a promessa que fiz anos atrás, de nunca mais colocar os pés naquele quarto e que não me importaria com nada do que se passava entre aquelas paredes. Foi o que fiz todo esse tempo longe desse inferno.
— Ouvi papai comentar que nosso primo pareceu muito agitado ao saber de seu retorno. — É claro que Dafne não está disposta a encerrar essa conversa. — Outro dia encontrei os álbuns de família em busca de alguma inspiração e fiquei muito surpresa com o que vi. Por que nunca me contou que Natan e você eram tão amigos?
— Nós não... — um bolo quase intragável se forma em minha garganta quando endireito o corpo na cadeira. — Isso não...
— É verdade? — ela ergue a sobrancelha incrédula. — Fotos não mentem, irmãozinho. O papai disse saudosamente que vocês costumavam fazer tudo juntos e ainda tem esperanças de que retomem de onde pararam.
Solto uma risada sem graça. Nosso pai deve estar ficando senil, porque no que depender de mim seus desejos jamais serão atendidos.
— Nunca vai acontecer — solto a xícara de café sobre a mesa sem nenhuma delicadeza, o desconforto está em cada célula do meu corpo. — Natan é um inválido que passará o resto dos seus dias em uma cama e não tenho a menor pretensão de ter monólogos com ele.
— Não seja cruel, seu cretino! — o olhar reprovador recai sobre mim.
Se tem uma coisa que minha irmã é especialista é em me fazer sentir culpado por ser um grande babaca o tempo todo.
— Longe de mim — digo ironicamente erguendo as mãos em rendição.
— Sabia que o Natan tem evoluído bastante nos últimos meses? — Ela inclina o corpo por cima da mesa para ficar mais próxima e sussurra: — Cá entre nós, acredito que nosso primo irá se recuperar muito em breve.
A informação repentina me pega desprevenido, as mãos tremem e acabo derrubando o garfo no chão. Não pode ser. A boca seca, as pernas pesam, a respiração fica descontrolada e fico mudo sem saber o que dizer, causando uma impressão errada em Dafne.
— Sim, eu também fiquei do mesmo modo — ela sorri largamente sem olhar para mim. — Não é incrível que ele possa sair daquela cama, depois de tantos anos?
Não, não é. Esse filho da puta não vai estragar tudo a essa altura da minha vida, mamãe garantiu que tinha tudo sob controle. Meu coração bate desesperado no peito e fecho as mãos em punho por baixo da mesa. Porra!
— T-tem certeza? — as palavras escapam sem que possa impedir. — Natan... ele pode mesmo voltar a ser alguém normal?
— Os novos médicos que papai contratou, estão otimistas — ela continua, alheia ao meu desconforto. — Papai demitiu toda a equipe anterior, depois de suspeitar que Natan parecia ter medo deles. A melhora dele foi significativa...
— C-como assim significativa? — Indago sentindo o corpo tenso e uma vontade de correr para o mais longe possível desse maldito lugar.
— Ele ainda não consegue falar, os movimentos das pernas estão voltando aos poucos e seus olhos parecem entender tudo que conversamos — a empolgação dela é nítida. — Mamãe se ofereceu para ajudar o papai com contratação dos novos profissionais, mas aquele velho ranzinza acha que a coitadinha está sobrecarregada e resolveu cuidar pessoalmente das novas contratações.
Agora entendo a urgência para que eu voltasse para casa, entretanto não pretendo fazer parte dos planos dela novamente. Sou adulto e mamãe não pode mais me manipular como antes. Quanto Afonso Aguiar, ele sempre vai fazer o impossível para salvar a vida miserável de Natan, sem se importar o quanto isso machuca o seu próprio filho.
— Isso é... Isso é... — Inacreditável. Limpo a garganta. — Muito bom.
— Sim, é maravilhoso — Dafne parece realmente acreditar no que diz. — Nossa família vai deixar de ser tão estranha.
— Duvido muito — digo pegando o copo de água mais próximo. — Quer dizer, talvez seja uma boa oportunidade para que eu vá embora definitivamente.
— Ainda vai insistir nisso? — ela finalmente olha para mim e fica confusa com o que nota. — Vai usar a recuperação de Natan para nos abandonar outra vez?
— Não abandonei ninguém, bonequinha — levanto-me de uma vez cansado dessa conversa. — Aqui só não é o meu lugar e todos sabe bem disso.
— Mentiroso! — Daf acusa sem desviar os olhos. — Acha que tudo isso tem a ver com o Natan. Não sou mais uma criança, já está na hora de me contarem o que aconteceu entre vocês. Sempre imaginei que o motivo de querer se manter o mais longe possível dessa casa tem a ver com o que aconteceu naquela noite.
Balanço a cabeça sorrindo histericamente. Não quero lembrar. Dou as costas para ela e saio sem me despedir. Não quero lembrar. Passo pelos empregados sem cumprimentá-los. Preciso ir para longe. Esbarro em mamãe e ignoro seus chamados insistentes.
A manhã parece quente demais, não consigo respirar direito mesmo estando ao ar livre. A imagem desfocada invade meus pensamentos. Não posso lembrar. Levo as mãos trêmulas ao rosto. Preciso ir para longe. O medo esmaga meu peito, o coração parece que vai sair pela boca, enquanto coloco uma distância segura entre mim e a maldita casa. Não posso lembrar.
Entro no primeiro carro que encontro, ignorando os protestos do motorista de papai e dou partida. Preciso ir para longe. Não consigo controlar a porra da bagunça que se formou, é impossível fazer isso. Não posso lembrar. Bato a mão direita na cabeça como se isso fosse capaz de afastar as lembranças. Preciso ir para longe. Aperto o controle do protão freneticamente e arranco de uma vez assim que a passagem se abre.
As ruas do condomínio estão desertas, é domingo. Afundo o pé no acelerador até que tudo ao redor se transforme em um borrão. Preciso ir para longe. Desabotoo a camisa, mas a sensação de afogamento não passa. Bato as mãos no volante. Não posso lembrar. Paro o carro bruscamente de frente ao mar e corro até o píer, respirando com dificuldade. Os olhos estão nublados e não consigo segurar mais nada.
— EU SOU UM MONSTRO! — Grito por fim com a culpa me corroendo por toda parte. — EU SOU A PORRA DE UM MONSTRO SÁDICO!
Demorei, mas voltei! E aí como é que vcs estão?
O capítulo foi curtinho, só que foi tenso de escrever.
O que será que aconteceu com Caleb?
Beijos e até o próximo capítulo!
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