♣️CAPÍTULO 5♣️
Rebeca
Seguro firme o lápis, tentando não tremer a mão ao puxar o delineado esperando que ele saia tão perfeito quanto o do outro olho. Coloco o batom vermelho e voilá! Sorrio animada para o espelho, como se o coração não estivesse batendo de forma desenfreada no peito e as pernas tremendo por antecipação.
"Vai dar tudo certo, Rebeca" sussurro o mantra que me acompanha desde que decidi ter uma vida secreta, que com certeza mamãe reprovaria. Não é que eu esteja com medo de enfrentar mais uma noite, até porque sei que tudo isso é para ajudar a minha família. É só que fico pensando que tenho mentido para mamãe, vovó e Ben esse tempo todo, se descobrirem ficarão decepcionados comigo.
Fecho os olhos e faço um exercício de respiração que aprendi com o papai, tentando limpar a mente de todos os problemas, pensando apenas no que a música me faz sentir e como tudo parece fácil quando estou no palco diante da plateia.
Cantar para mim é algo muito natural, mas cresci ouvindo sobre as desavenças que a paixão de papai causou em nossa família. Então, achei melhor guardar esse sonho apenas para mim. É óbvio que não consegui! Quando estava na faculdade, fui descoberta pelos meus colegas em uma festa, depois disso eles sempre arranjavam um jeito de me colocar para cantar.
Foi assim que conheci a Vick, que é dona de uma rede de boates badaladas na região e, quando soube que eu estava precisando de grana, acabou me convencendo a fazer algumas apresentações. Nunca imaginei que as pessoas poderiam gostar tanto da minha voz e está cada vez mais complicado manter essa vida dupla.
Arrumo a peruca de corte Chanel e cor bem mais escura que o meu cabelo, é óbvio que ela sozinha não esconde a minha identidade. Esse papel fica para a maquiagem carregada, máscara sexy, lentes de contato, roupas ousadas e o nome artístico. Tudo isso me deixa confiante o suficiente para subir ao palco e dar o melhor de mim em cada apresentação.
Ouço uma batida na porta seguida do aviso de que preciso me apressar. Levanto da cadeira encarando o espelho, passo as mãos pelo tubinho preto com cortes nas laterais e abertura que vai até o meio da coxa. Não estou nada mal para a mulher sensual e misteriosa que represento quando estou cantando. Os sapatos vermelhos são extremamente confortáveis e lembro de colocar os brincos de pendentes prateados que Aylla me emprestou por essa noite.
Minha família jamais concordaria com isso, para todos eles, é abominável que uma mulher se preste a esse papel. Cantar já seria ruim, só que cantar vestindo essas roupas é como se eu estivesse jogando o nosso nome na lama. Como sei disso? Anos atrás quando cantava nas festas da faculdade, Nicole desenterrou um vídeo em que eu vestia roupas justíssimas em um palco. Nossos pais foram parar na república onde eu vivia e fui obrigada a prometer que isso jamais voltaria a acontecer.
Claro que papai pareceu até orgulhoso de mim, mas mamãe o convenceu que aquilo era motivo de vergonha para nós. A música nunca mais faria parte de nossas vidas e ponto final. Juro que tentei cumprir essa promessa, porém não fui capaz de ver a nossa família passando por dificuldades quando eu podia fazer alguma coisa com o meu talento.
Mesmo sabendo que não estou fazendo nada de errado, já tive inúmeros pesadelos com eles descobrindo como ganho o dinheiro que nos salva todos os meses. Consigo visualizar a cena em que sou expulsa de casa como uma vagabunda imoral que desonrou todos eles. Mesmo assim prefiro correr esse risco a deixá-los morrer de fome ou ficarem sem um teto para morar.
Checo meu reflexo no espelho uma última vez e aparentemente tudo está na mais perfeita ordem. Faço uma prece silenciosa para que tudo corra bem hoje e abro a porta que dá para o depósito.
— Você está deslumbrante! — Uma das garçonetes elogia ao me ver.
— Obrigada, como estão as coisas lá fora? — indago ao ouvir o burburinho vindo do bar.
— Estamos de casa cheia, parece que todos concordam que temos a melhor música da cidade — ela pisca para mim. — Boa sorte, Mila.
Apenas aceno em agradecimento ao ouvi-la mencionar meu nome artístico. Caminho até a próxima porta que leva ao salão principal, onde sou ovacionada pelos clientes. Cumprimento alguns com um sorriso tímido e sigo para o palco.
— Boa noite, senhoras e senhores — digo antes de começar apresentação. — É um prazer estar aqui com vocês. Eu sou Mila Arantes e espero que curtam o show.
A banda começa a tocar e fecho os olhos por um momento esquecendo o mundo lá fora. Para começarmos, escolhi uma música que fala sobre uma garota que não planejava se apaixonar e caiu nas armadilhas do amor, agora enxerga seu objeto de desejo como seu salvador.
Adoro cada sensação que a música causa em quem a ouve, a forma como a minha voz preenche todos os espaços, como as pessoas se prendem na interpretação e parecem teletransportadas a outro mundo. Conforme avanço, os pedidos começam a surgir e vou intercalando com o repertório do show.
Faço algumas pausas para descansar, interajo com o público e no final todo o nervosismo que estava sentindo antes de entrar some por completo. Uma hora e meia passa muito rápido quando estamos imersos, logo chego a última música da apresentação.
— Essa vai para todas as mulheres aqui presentes — digo um pouco antes de começar a cantar. — Vocês são perfeitas pra caralho e não aceitem que ninguém diga o contrário.
A letra é forte e consigo entregar tudo que a apresentação exige, porque me identifico com cada frase. Danço, pulo e levo o público comigo nessa viagem louca para um mundo onde as mulheres apertaram o foda-se e não permitem que o mundo as humilhe. Estar em um palco faz com que me sinta eu mesma e essa sensação me deixa em êxtase.
Quando canto a última frase e abro os olhos, sinto o sangue gelar nas veias e perco totalmente e ritmo. Diante do palco estão Benjamim e mamãe sendo contidos pelos seguranças. A voz morre na garganta, sou incapaz de encerrar o show como deveria, o olhar decepcionado de ambos me corta ao meio.
Saio apressada sem me despedir da plateia, tropeço na escada quase caindo e a o pessoal da banda não entende nada. Tento me misturar aos clientes e correr até o camarim antes que seja tarde demais, porém alguma coisa dentro de mim já sabe que não adianta mais fugir disso.
— Rebeca? — estremeço ao ouvir a voz de mamãe tão perto.
A mão firme segura meu braço impedindo que eu possa continuar andando, fico paralisada incapaz de responder muito menos encarar o seu olhar. Isso não a impede de se aproximar e arrancar a peruca ou a marcara que protegem a minha identidade.
— O que eu fiz de errado? — pergunta quando nossos olhares se encontram.
— Mãe eu... — um golpe certeiro atinge meu rosto antes que eu consiga assimilar o que está acontecendo.
— Você não tinha o direito de envergonhar sua família dessa forma, Rebeca — repreende ao mesmo tempo em que me arrasta entre as pessoas.
— Mila, posso te ajudar em alguma coisa? — um dos seguranças da casa alcança e segura minha mãe quando chegamos a saída. — Quer que eu chame a polícia?
— Está tudo bem Jonas — garanto, mas ele não parece acreditar. — Não se preocupe comigo.
O homem permite a nossa saída sem perder a expressão preocupada, mas não quero chamar ainda mais atenção para nós. Já bastam os flashes ligados em nossa direção dando indícios de que esse pesadelo está longe de acabar. Do lado de fora, atravessamos a avenida até um canto escuro e me solto do aperto dela.
Benjamim nos alcança, sua camiseta rasgada indica que ele deixou seu temperamento complicado falar mais alto. As lágrimas escorrem pelo meu rosto, as pernas falham e não sei ao certo o que fazer agora. Tenho consciência de que não fiz nada de errado, mas a decepção exala pelos poros deles dizendo o contrário.
Não foi assim que imaginei que minha família descobriria como nossas contas estavam sendo pagas, na verdade eu nunca quis que soubessem disso. Limpo o rosto com as costas das mãos e encaro os meus sapatos.
— Olhe para mim, Rebeca — mamãe pede com a voz trêmula. — Como pode fazer isso conosco, ainda mais depois de tudo que passamos com o seu pai?
Fico em silencio, porque não existe uma resposta certa para sua pergunta. O que eu fiz foi tentar mantê-los bem, ao contrário do que papai fez, e isso não é nenhum pecado, mas não quero discutir sobre isso no meio da rua. Passo as mãos pelo vestido... merda! Me ver assim deve ter sido um choque para ambos, não costumo ser tão ousada com as minhas roupas.
Sinto o olhar de Benjamim me queimando e abraço meu próprio corpo em uma tentativa falha de evitar que sua atenção se volte para o que estou vestindo, mas é tarde demais.
— Que... que roupas indecentes são essas? — ele parece enojado ao falar e quando inicia a próxima frase, sei que não vou permitir que seja cruel. — Você está vulgar parecendo uma...
— Uma mulher que consegue sustentar a nossa família? — o interrompo magoada sentindo o peito apertar de tanta tristeza. — Porque é isso que vem acontecendo o tempo todo, Benjamim. — Bato a mão no próprio peito profundamente irritada com a forma como se referem a mim. — Podem até não gostar de nada disso, mas são essas roupas indecentes e essa mulher vulgar que paga todas as dívidas que temos. Se não fosse por ela, nos estaríamos morando debaixo da ponte e passando fome.
— É vergonhoso — ele diz como se fosse difícil me olhar. — O que as pessoas vão pensar da gente? Meu Deus, estamos arruinados.
Meu irmão caminha de um lado para o outro, bagunçando os cabelos. O conheço bem o suficiente para saber que está a ponto de explodir, mas isso não me intimida como deveria. Por mais que ele não leve isso em consideração, eu continuo sendo sua irmã mais velha.
— Vergonhoso? — o questiono segurando seu braço forçando-o a parar de caminhar — de maneira nenhuma, isso é fazer o necessário para sobreviver. Acha que eu deveria simplesmente cruzar os braços e ver nossa família se afundando em dívidas? — meu corpo inteiro treme quando fico a centímetros do rosto dele. — Não, vergonhosa foi a cena que acabaram de fazer lá dentro. Deviam ter pensado nisso antes de invadir a apresentação e me arrastado de lá, tudo o que faço desde que papai morreu é por todos nós.
— Não é não, só estava pensando em si mesma — mamãe acusa sem qualquer piedade. — Acha que ficar se exibindo como uma prostituta para aquelas pessoas é ajudar sua família?
— Por acaso esqueceu de como foram feitas as dívidas que temos? Esqueceu que foi o sonho maluco do papai de viver de música que nos colocou nessa situação? — Ben dispara lembrando de coisas que nos ferem profundamente. — Depois de tudo que passamos, nunca imaginei que minha irmã fosse ganhar a vida com a única coisa que prometemos jamais fazer. Se quer imaginei que teria coragem de se vestir de forma tão imoral quanto uma vagabunda barata.
Quando foi que as pessoas que amo se tornaram tão cruéis ao ponto de não enxergarem que tudo que faço é para mantê-las bem? Pressiono a mão contra o próprio peito sentindo meu coração se partindo. O ar parece faltar quando encosto na parede mais próxima, os soluços escapam pela garganta na mesma medida em que as lágrimas escorrem pelo rosto. Nenhum deles tem a sensibilidade de segurar a minha mão quando estou desabando.
Voltei, meu povooo! Como é que vocês estão?
Gostaram do capítulo, quero saber de tudooooo...
Se de um lado temos um Calebe surtado que não quer se comprometer com nada em sua vida, do outro temos Rebeca que dá tudo de si para ver as pessoas que ama bem.
Mas até que ponto isso é saudável? No lugar dela o que vocês fariam?
Beijos e até o próximo capítulo!
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