♣️CAPÍTULO 4♣️
Caleb
Rejeito pela vigésima vez a ligação de minha mãe, não estou com saco para sua ladainha de familia feliz. A verdade é que gostaria de estar na cobertura em Manhattan nesse momento tomando meu uísque e fodendo gostoso sem ter que dar satisfação a ninguém, mas fui forçado a voltar para casa — se é que aquele hospício pode ser chamado disso.
Afundo o pé no acelerador assim que saio do perímetro do aeroporto, é noite e quase não tem trânsito, aproveito para amaciar o motor do carro, alugado apenas para me levar até o hotel. A pista parece apenas um borrão e gargalho com a adrenalina correndo livre por todo o meu corpo.
Aperto alguns botões para ouvir as mensagens da caixa postal e a voz de mamãe soa pelos alto-falantes:
"Caleb, tentei te ligar o dia inteiro, filho. Sei que o voo só sai as onze da noite, mas queria te desejar uma boa viagem. Sua volta para casa é um recomeço e finalmente seremos uma família de verdade e deixaremos o passado para trás."
Uma ova! Aperto o volante até os nós dos dedos ficarem brancos, a fúria costumeira se alastra por toda parte. Pego o cantil no banco do passageiro, empurro a tampa para o lado e tomo um gole generoso de álcool, limpando a boca com as costas das mãos, a garganta dói e os olhos ardem.
— Que caralho estou fazendo aqui nesse inferno? — Abro o vidro da janela, apoio o cotovelo nela e levo o punho a boca em uma tentativa de controlar a bagunça dentro de mim.
Nada vai mudar. Nada que minha mãe faça ou diga será capaz de me convencer que não sou um monstro terrível e voltar para esse lugar só vai despertar todos os demônios que achei estarem adormecidos para sempre. Talvez eu estivesse distraído demais, bêbado demais, transando demais para dar importância a todos eles, mas aqui me sinto vulnerável.
Não deveria ter permitido que mamãe me convencesse a assumir o meu lugar na empresa da família, poderia muito bem ter insistido e ficado com a minha maldita vida regada a mulheres e festas em Nova Iorque. Pelo menos nenhum deles sabem que já estou aqui, decidi vir em um voo antes do programado. Então hoje não preciso ir a mansão mal-assombrada, onde todos vivem como se a vida fosse a porra de um conto de fadas da Disney. O problema é que não é, ainda que não admitam.
Afrouxo o nó da gravata me sentindo sufocado, essa cidade é uma droga e me deixa doente, com um ódio mortal de todos que me rodeiam e só quero que se sintam tão mal quanto eu. Passo para uma segunda mensagem deixada por ela.
"Por favor, não estrague tudo outra vez!" Suas palavras soam doces demais e me sinto enjoado. "Vamos abrir uma página em branco e reescrever uma nova história a partir de amanhã."
— Isso não vai acontecer — digo entredentes dando um sorriso macabro em seguida virando todo o conteúdo do cantil na boca. — Quer uma nova história, mamãe? Tenho uma má notícia para te dar, vilões nunca têm um final feliz. Não importa quantas vezes reescrevam o caralho do enredo, no fim eles sempre são maus.
Desvio o percurso e sigo para uma casa noturna que costumava frequentar com meus amigos. É um show que minha família quer? É um show que eles terão.
Estaciono na entrada, entrego as chaves do carro ao manobrista, arregaço as mangas da camisa branca até os cotovelos e tiro a gravata, enfiando-a no bolso da calça. Minha entrada é liberada imediatamente, ser filho do homem mais poderoso dessa porcaria de cidade tem lá suas vantagens.
O DJ toca uma música lenta que fala sobre alguém que passou muito tempo perdido e está voltando para casa, uma pena que essa pessoa não sou eu. Aqui nunca foi e nem será o meu lar.
Puxo uma cadeira do bar e me sento sinalizando para o barman, que se aproxima assim que entrega drinks coloridos às loiras gostosas se insinuando para ele descaradamente.
— Duas doses de uísque puro — peço tamborilando os dedos no balcão.
Ele atende prontamente e tomo em um gole só. Não será suficiente, constato. Preciso de muito mais que isso para esquecer onde estou, o que eu fiz e o motivo pelo qual deveria permanecer longe daqui. Logo uma garrafa do melhor uísque está em minhas mãos. É meu pai quem paga a porra toda no final das contas, então que se dane.
Sigo para a pista de dança e logo tenho duas mulheres enroscadas em mim, balanço o corpo no ritmo da música, que agora tem uma batida dançante. A morena que está na frente enlaça os braços em meu pescoço e enfia a língua na minha boca, enquanto a loira de trás espalma as duas mãos sobre o meu peito acariciando-o lentamente.
— Ah, que delícia! — Quase grito ao pé do ouvido da morena apertando a sua bunda e ela exibe um sorriso safado.
Viro a garrafa na boca entornando mais bebida sentindo o mundo girar, mas minhas diabinhas me seguram. O inferno está queimando e essa é mais uma noite que desejo ver tudo explodindo ao meu redor.
Danço, beijo as duas garotas, passo as mãos pelos seus corpos sem o menor pudor e elas fazem o mesmo comigo, gritamos a letra das músicas conhecidas, enquanto bebo o máximo que consigo. A cabeça vai pesando, as pessoas vão ficando distantes e tudo a minha volta parece um borrão.
Luzes piscantes. Comprimidos. Música alta. Corredor. Suíte de hotel. Mulheres nuas. Champanhe. Banheira. Gritos. Policiais. Sirenes. Delegacia. Escuro.
Abro os olhos sentindo o corpo inteiro doer, como se tivesse sido atropelado por um trem desgovernado. Ao contrário do colchão macio que normalmente costumo acordar, há apenas o chão frio. Tento lembrar onde estou, mas é como se as memórias recentes tivessem sido deletadas da minha mente, olho em volta e começo rir histericamente.
Como diabos eu viu parar em uma cela? Levanto devagar segurando a cabeça que pesa uma tonelada e escuto passos vindo ao meu encontro.
— Você é um rapaz de sorte — o policial diz com um olhar julgador ao abrir a cela e indicar para que eu saia. — Se eu fosse seu pai, te deixaria aqui pelo menos por mais uma noite, para aprender a dar valor a grana que tem. Mas ele apenas exigiu que te déssemos um tratamento sem privilégios.
Arqueio a sobrancelha e balanço a cabeça, passando do o polegar no canto dos lábios abrindo um sorrisinho sarcástico quando o homem acena para que eu saia.
— Ainda bem que não é meu pai, campeão — aperto seu ombro ao passar por ele.
Sou conduzido até a saída e solto a respiração devagar ao me dar conta de quem são as pessoas de costas para a porta. Mamãe e papai. Não tinham um advogado para mandar limpar essa bagunça? Qual o sentindo de ter tanto dinheiro e 0precisar resolver tudo pessoalmente? O que caralhos fazem aqui? Aperto a ponte do nariz.
Que comecem os jogos, vamos fingir que somos uma familia feliz.
Caminho preguiçosamente até eles com as mãos enfiadas nos bolsos da calça e um sorriso de quem merece um troféu pelo que quer que tenha aprontado a noite passada.
Maitê Aguiar me vê primeiro, ela parece uma daquelas artistas da televisão, não há um fio de cabelo fora do lugar quando mamãe me enlaça pelo pescoço apertando-me contra seu corpo.
— Ah, meu filho! Como você está? — se afasta tocando o meu rosto como se conferisse se falta algum precioso pedaço. — Te trataram bem? Onde dormiu? Por que não me ligou assim que chegou?
— É uma delegacia e não um hotel cinco estrelas, Maitê — a voz grossa e autoritária do meu pai faz com que eu estremeça. — Esse garoto irresponsável não está em uma colônia de férias.
— Afonso, ele é nosso filho e acabou de voltar para casa — mamãe segura me braço enquanto trinco a mandíbula tenso. — Ao menos finja que está feliz.
Papai desliza os dedos pelo bigode espesso, alinha o terno e dá dois passos ficando frente a frente comigo, seu olhar encontra o meu e não consigo sustentar por muito tempo. Há vergonha, decepção, raiva, além de uma infinidade de sentimentos que me fazem encolher os ombros e olhar para o chão. Sua mão segura meu queixo forçando-me a encará-lo.
— Você não é homem para assumir suas responsabilidades, Caleb. — As palavras duras me atingem em cheio. — Não passa de um moleque mimado.
— Estou muito feliz em vê-lo também, papai — digo sarcasticamente e em resposta recebo um tapa no rosto que me deixa tonto por um momento.
— Afonso, pelo amor de Deus! — Mamãe se coloca entre nós espalmando as mãos em meu peito quando o encaro inflando as narinas e com um ódio incontido. — Ele é seu pai, Caleb. Ele é seu pai, por favor.
— Não finja que está tudo bem, porque não está. — Ele aponta o dedo na minha cara e as pessoas em volta ficam em silencio. — Estou cansado de resolver os seus malditos problemas, Caleb. Se quer bancar o galinho de briga por aí, não conte comigo ou com o meu dinheiro.
— Ele está me ameaçando? — Estreito os olhos encarando a minha mãe. — O que quer dizer com isso?
— Quer dizer que vai trabalhar na empresa, caso queira continuar bancando essas farras escandalosas. — Papai caminha de um lado para o outro impaciente. — Essa foi a condição imposta para que sua conta não fosse bloqueada e seus cartões cancelados, lembra?
Claro que sim, só queria ganhar mais tempo e fingir que aquela maldita conversa de dias atrás não existiu. Prometi coisas no calor da emoção e esse velho rabugento é o meu pai. Não pode ser essa pedra de gelo o tempo todo.
— Eu sou seu filho, herdeiro de tudo aquilo e não preciso trabalhar — ouso enfrentá-lo e seu olhar quase me desintegra.
— Você não é o herdeiro de tudo — ele diz enfiando as mãos no bolso da calça e olho para mamãe tentando entender o que se passa. — Dafne e Natan também são meus herdeiros diretos. — Estremeço apenas com a menção do último nome.
— Ele não tem capacidade mental nem para limpar a própria bunda — as palavras saem furiosas.
Odeio o fato desse inválido ser a maior prioridade do meu pai ao ponto de esquecer do próprio filho.
— Cale a sua boca, Caleb! — ele cospe as palavras. — Você não sabe o que está dizendo. Natan nem é o foco dessa discussão. Se quiser continuar desfrutando de todas as regalias bancadas pelo meu dinheiro, vai ter que andar na linha enquanto morar sob o meu teto.
Balanço a cabeça rindo, é oficial, estou mesmo na porcaria do inferno.
— Adoro recepções calorosas — dou de ombros e começo a caminhar para fora da delegacia.
— Para onde vai, filho? — Mamãe vem logo atrás de mim, ela não resiste em manter seu papel de salvadora da pátria.
— Procurar um banco na praça aqui da frente onde eu possa me abrigar — digo alto o suficiente para que o homem atrás dela escutar. — Talvez consiga até um prato de comida pedindo aos estranhos que passam por aí, não é maravilhoso?
— Caleb, pelo amor de Deus, pare com essa palhaçada — ela implora segurando meu rosto. — Eu vou adoecer sabendo que você está vagando por aí sem rumo. Vamos para casa, por favor.
— Não ouviu o que o seu marido disse? — arqueio a sobrancelha. — "Vai trabalhar na empresa, caso queira continuar bancando essas farras escandalosas." Nem fodendo que eu vou trabalhar para esse velho mal-humorado.
— Caleb! — Mamãe quase perde a compostura. — Pense na sua mãe, pare de tentar medir forças com seu pai.
— Não estou fazendo isso. — Me desvencilho do seu toque. — Ele já tomou a decisão e eu não volto para aquela mansão mal-assombrada.
A mulher põe a mão na testa e começa a cair no chão, mas a seguro antes que aconteça e meu pai corre para ajudá-la também. A levamos de volta a delegacia e a sentamos em uma cadeira da sala de espera. Pego uma água para ela, enquanto seu marido a abana.
— Tome, vai se sentir muito melhor — entrego o copo a ela.
Até parece que eu não conheço seus truques baratos, uma pena que papai tropeça em todos eles.
— Meu amor, você está bem? — o homem pergunta preocupado e ela começa um choro inconsolável.
— Como que eu vou ficar bem, Afonso, me diz? — Ela seca as lágrimas com as pontas dos dedos. — Meu filho acabou de voltar para casa e você já deu um jeito de afastá-lo de mim.
— Eu não fiz isso, mulher. — Papai diz impaciente e me encosto a parede para assistir o desenrolar dessa cena deplorável.
— Fez sim — mais choro. — Ele é seu filho, Afonsinho. Vai mesmo permitir que ele fique vagando por aí sem rumo?
Seguro o riso, ela é muito boa.
— Maitê, eu só disse que ele precisa trabalhar se quiser bancar suas regalias — explica e ela o olha feio. — Tudo bem — ele ergue uma das mãos em rendição. — Tudo bem, você venceu por enquanto. Tem duas semanas, Caleb. Duas semanas e começa a trabalhar como um homem responsável.
A mulher que estava à beira de um desmaio agora a pouco se arruma na cadeira e sorri para mim.
— Ouviu o seu pai, Caleb? — Ela ergue a sobrancelha. — Vamos para casa.
Dessa vez não existe a menor possibilidade de recusar, foi assim a vida toda. Ela manda eu obedeço. Eu cometo erros e ela os varre para debaixo do tapete. Sou o monstro da mamãe.
Eitaaaaaaaaaaaa!!! Esse Caleb é intenso, debochado e incontrolável.
Acham que ele vai conseguir enganar o pai outra vez?
Me contem o que estão achando até agora.
Ah, gostaria de lembrar que minha lojinha de livros físicos está aberta por tempo limitado e com alguns títulos disponíveis. O link clicável está no meu perfil aqui no Wattpad.
www.autoracryscarvalho.com.br
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top