♣️CAPÍTULO 3♣️

Rebeca

— Não vamos nos mudar para capital! — Mamãe afirma incisiva. — Seria vergonhoso para todos nós aceitar algo assim, filha. Dinheiro não é a solução para nada, é injusto com você e, além disso, a nossa vida está aqui.

— Que vida, Selma? — Vovó retruca tamborilando os dedos sobre a mesa. — Desde que o Joaquim morreu, nós apenas sobrevivemos. Seus filhos merecem uma oportunidade de ter uma vida melhor além dos limites dessa cidade minúscula e sem perspectiva. Às vezes, a sua cegueira me irrita.

— Esse é o seu estado natural, vovó — Benjamin desliza os dedos pela borda dse sua xícara de café.

Estamos os cinco em volta da mesa da cozinha e faz meia hora que tento convence-los de que estamos diante de uma oportunidade ímpar, mas aparentemente eu falo uma língua diferente da deles. Vovó e Lorena estão encantadas com a minha proposta de emprego, ao contrário de mamãe e Benjamin, que se sentiram extremamente ofendidos por acharem que são os únicos responsáveis por sustentarem a nossa família.

— Com o salário que vou ganhar lá, podemos pagar todas as dívidas em seis meses e juntar alguma coisa para comprar um lugar decente para vivermos — tento outra estratégia para mostrar os benefícios. — Por enquanto nem vamos nos preocupar com aluguel, aqui mal temos o que comer. A mãe não vai precisar ficar se matando de trabalhar — acaricio o dorso de sua mão. — É pela sua saúde também, mãezinha.

— Não, Rebeca! A resposta continua sendo, não. — Ela retira a mão da minha e me olha como se tivesse sugerido vender meu corpo na esquina.

Ainda não consigo compreender qual o problema de eles viverem do meu salário, se fazemos isso desde a morte do meu pai.

— Não estudou tanto apenas para sustentar sua família. — Seu tom agora é mais brando, quase como se quisesse se desculpar comigo. — É uma proposta boa demais e inclusive causa desconfiança. Você já tem um emprego no hospital, sei que está muito aquém da sua qualificação, mas precisa parar de se preocupar tanto conosco.

Vovó olha desacreditada para mamãe e balança a cabeça inconformada, não há como controlar suas próximas palavras.

— Ah, claro, o emprego da Rebeca é ótimo! Faça-me o favor, Selma. A menina trabalha igual um burro de carga, envelheceu uns dez anos dos últimos meses e ganha uma miséria — o tom debochado da velha senhora atingem em cheio a minha mãe, mas o pior de tudo é que ela tem razão. Vovó se vira com um olhar de quem sabe o que está dizendo e aponta o dedo em meu rosto. — Continue ouvindo a sua mãe, daqui a pouco vai estar velha, feia, cheia de dores nas costas, sem um lugar decente para descansar a cabeça, sem um marido que supra todas as suas necessidades e fracassada como a Selma.

— Dona Neusa! — Mamãe a repreende, mas ela não se abala.

— Olha onde esse seu orgulho besta nos trouxe, minha nora! Já passou da hora de aceitar que apesar de dinheiro não trazer felicidade, ele dá acesso a muitas coisas. — Vovó dispara com um olhar irritadiço. — Foi por sua causa que meu filho perdeu as melhores oportunidades da vida, porque o impediu de voar alto com essa sua mania idiota de romantizar tudo e ver o dinheiro como uma ameaça a sua felicidade.

A velha discursão sobre a carreira musical promissora que papai poderia ter, caso mamãe não tivesse ficado grávida de mim e interrompido os sonhos dele. Essa história sempre me deixa mal, mas vovó a repete incansavelmente.

Seu filho havia assinado contrato com uma grande gravadora, mas quando estava com tudo pronto para ir embora, descobriu que a noiva esperava um bebê e desistiu de tudo para se casar. Assumindo sem pestanejar a responsabilidade que lhe fora imposta. Depois, segundo ela, a minha mãe enfiou na cabeça dele que a riqueza que ele perseguia só faria mal a todos nós.

— Quer fazer o mesmo com os seus filhos, Selma? — Mamãe quase a fulmina com os olhos. — Não bastou estragar a vida do meu filho, quer fazer a mesma coisa com os meus netos?

— Vovó, não é sobre isso que estamos falando — chamo tentando voltar ao assunto original.

— Claro que é! — A senhora diz irredutível e Lorena pousa a mão em seu ombro como quem diz basta, mas ela continua. — Vamos ficar nessa miséria, mesmo tendo uma boa oportunidade, porque sua mãe é orgulhosa demais para aceitar que você é melhor que ela mesmo morando nesse fim de mundo.

— Esse assunto está encerrado, não vamos a capital e ponto final! — Ben bate na mesa nos assustando. — Eu vou arrumar um emprego e tudo vai melhorar, não precisaremos ir embora.

— Ouvimos isso desde que Rebeca voltou formada, Benjamin. Só que você mal consegue ganhar o dinheiro para pagar o café que toma. — Lorena comenta venenosa e seguro o braço de Ben quando faz menção de reagir as palavras dela.

— Lorena, veja como fala com o seu irmão — a reprimenda vem de mamãe.

— A garota só disse a verdade, Selma — vovó sai em defesa da neta preferida. — Loreninha, não disse nenhuma mentira. Rebeca é a nossa melhor chance de sair desse buraco.

— Como meu filho acabou de dizer, esse assunto está encerrado. — A mulher orgulhosa se levanta da cadeira dando a nossa conversa por terminada e eu se quer tenho a chance de argumentar outra vez.

Vou para o quarto que divido com Lorena e me jogo na cama sentindo uma frustração terrível. Não é possível que mamãe ache que é melhor continuarmos aqui nessa vida miserável do que buscar outras oportunidades. Passo as mãos pelo rosto e ouço a porta se abrir.

— Aposto que mamãe não vai gostar de saber que a filhinha do coração tem uma vida dupla. — Lorena dispara sentando-se no tapete e encostando as costas na minha cama.

Sei o que está fazendo, descontando sua frustração em mim como sempre faz.

— Não vai contar nada a ela, nós precisamos desse dinheiro para pagar o aluguel atrasado — Suplico e a garota dá de ombros. — Só mais uma semana e consigo juntar o que falta.

— Até quando pode responder sobre esse emprego na capital? — Pergunta pegando o celular do bolso.

— Fiquei de responder até o fim da próxima semana, mas vou ligar amanhã cedo e dispensar o Sr. Afonso. — Informo sentindo um aperto no peito por essa oportunidade escapar entre os meus dedos.

Lorena me encara como se eu tivesse ficado louca e, pelo menos dessa vez, acho que ela tem razão.

— Vai mesmo desperdiçar a chance de trabalhar para um dos homens mais poderosos do país, só por causa da mamãe? — balanço a cabeça em afirmativa.

Para mim é uma questão de lógica, se minha mãe não é a favor automaticamente estou do mesmo lado dela, mas a minha irmã é totalmente o oposto.

— Você sabe quem é Afonso Aguiar e quanto dinheiro esse homem tem? — Os olhos dela chegam a brilhar quando falar. — Tem ideia da vida que poderemos ter só por trabalhar para uma família como a dele?

— Sei que é rico e influente, mas isso não é relevante pra mim.

— Para mim também não é — ela dá de ombros sorrindo para alguma coisa na tela de seu celular. — Já não posso dizer o mesmo do filho dele. Caleb Aguiar é o sonho de consumo de todas as mulheres desse país. Tenho certeza de que se estivéssemos sob o mesmo teto eu teria chances com ele, nos tornaríamos parte da família Aguiar e adeus vida miserável.

— Não seja idiota, Lorena — reviro os olhos, minha irmã acha que sua beleza é um passaporte para qualquer loucura que enfie na sua cabeça. — Aquele cara nunca vai olhar para nenhuma de nós e, caso isso aconteça, nunca será para colocar uma aliança em nossos dedos e dar seu sobrenome.

— Fale por você que não liga para aparências — ela acaricia a tela do celular que exibe uma foto do seu objeto de desejo platônico. — Posso apostar a minha vida que consigo fazer Caleb Aguiar se apaixonar por mim se estivermos morando sob o mesmo teto.

— Não vamos morar na mansão — retruco sem paciência.

— Que seja! Se aceitar essa proposta, garanto que farei o impossível para me tornar a próxima senhora daquela mansão — Lorena é jovem e ainda precisa aprender que contos de fadas não existem na vida real. — Ele tem cara de que será um ótimo marido.

Reviro os olhos, não tenho a menor ideia de onde minha irmã tirou essa idiotice romântica. Caleb é só um babaca desordeiro que não tem um pingo de responsabilidade e se mete em uma confusão atrás da outra. Li isso em alguns sites, mas quero discutir sobre o gosto questionável de minha irmã para homens. Tenho coisas bem mais importantes para pensar, como o meu plano de pagar os meses de aluguel atrasado antes que nos despejem.

— Esqueça essas pessoas, Lorena — peço impaciente encarando o teto.

— É impressionante como as boas oportunidades sempre caem nas mãos erradas. — Ela parece inconformada. — Eu nem pensaria duas vezes se me oferecerem para estar entre gente rica, interessante e bonita.

— Não duvido disso — retruco enrolando uma mecha de cabelo entre os dedos. — Mas eu nunca abandonaria minha família, Lorena. Vocês são tudo que eu tenho.

— Grande coisa — ela suspira longamente e muda de assunto. — Vai sair de novo no fim de semana?

— Sim, e preciso da sua cobertura — A encaro esperando por qualquer sinal de que vai continuar guardando o meu segredo. — Para todos os efeitos estou de plantão, juro que vai ser a última vez. Precisamos pagar a dona Zélia e não temos outra opção.

— Temos, sim — diz cutucando o canto da unha. — Mas a vida é sua, irmãzinha.

Olá, tudo bem por aqui? Demorei, mas voltei com outro capítulo.

E ai, o que acharam do posicionamento da família da Rebekinha? 

Espero que tenham curtido o capítulo.

Beijos e nos vemos em breve!

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