08

ELEANOR BLACKWOOD

   — Senhorita Anna, por favor, não corra. — Dominic implorou pelo que eu achava ser a milésima vez.

Anna adorava o Festival Bronwell. As lanternas coloridas eram encantadoras e a comida deliciosa. O fim de tarde estava se aproximando — os tons alaranjados já coloriam o céu — e mesmo assim, Anna parecia que tinha acabado de acordar. Correndo pelas ruas, apontando para vitrines e encantando as pessoas por quem passava. Com seu charme e seu rosto bonito. Era uma dor de cabeça para Dominic.

Mamãe preferiu ficar em casa. Vivi só concordou em sairmos porque era a primeira vez que via Anna animada desde o funeral de papai. Apesar do passeio todo não ser o mesmo sem ele, é reconfortante tendo ela e Dominic ao nosso lado.

Anna escapa dele mais uma vez e sai correndo. Victoria a segura antes que consiga passar por nós. Coloca Anna de frente para ela e se abaixa para seus rostos ficarem na mesma altura. Com uma mão no ombro dela para mantê-ta no lugar e o outro em riste, Vivi avisa, como se ela ainda fosse uma criancinha:

— Nada de correr por aí. Se continuar com isso, vamos para casa agora mesmo.

— Mas ainda tem muitas coisas que desejo ver! — Anna responde emburrada. Faz um bico e olha para o lado, de braços cruzados, para não encarar nossa irmã. Ela murmura: — E você nem me deixou comer aquele bolo de três camadas.

— Isso porque você sempre passa mal quando come doce demais e aquele seria o seu quarto pedaço. — Vivi coloca a mão em concha ao redor da boca e sussurra como se revelasse um grande segredo. — Mas comprei o bolo inteiro para comermos de madrugada enquanto assistimos lançarem os balões ao céu.

Os olhos de Anna brilham.

— Você jura? Comprou mesmo?

— Claro, estão na carruagem!

Anna pula em cima de Victória, abraçando sua cintura e eu sorrio. Havia se tornado uma tradição nossa assistir juntas os balões serem soltos no céu. Um costume aszrianês de enviar pedidos com a esperança de serem atendidos pelos antigos reis. Nos sentamos na sacada do escritório do segundo andar com cobertores, comida e observamos juntas até o amanhecer.

Anna vê uma loja de vestidos e começa a puxar Victória pelo braço naquela direção. Noto seu cansaço e vejo ser a minha vez. Para acompanhar o ritmo de Anna eu e Vivi nos revezamos, assim cada uma tem um momento para descansar da agitação dela.

— Anna, eu vou com você. Vivi comprou vestidos novos na semana passada, mas eu preciso de fitas novas para combinar com o meu vestido dourado. — estendo a mão e ela aceita, entrelaçando seus dedos aos meus.

— Também preciso de uma para meu vestido verde-escuro!

— Esperarei vocês ali perto da fonte. — Victória avisa e nota que Dominic está se aproximando para impedi-la. — Está movimentado e levarei um dos guardas comigo. Não precisa se preocupar. Vamos, Galer.

Ela se afasta com um dos guardas antes que Dominic a impeça. Puxo Anna comigo para ele se concentrar em nós duas e Vivi poder respirar um pouco. A loja não é tão distante do banco onde Vivi se sentou para ouvir um dos trovadores. Então, Dominic fica na entrada enquanto eu e Anna entramos. Olhamos vestidos e compramos fitas até ela enjoar.

— Vai levar mais algum? — pergunto.

— Sim, essa daqui. — balança uma fita laranja brilhante.

— Está bem, vou chamar Dominic.

Assim que saio, vejo Dominic próximo à entrada, mas ele não me escuta quando chamo. Sua atenção está em outra coisa. Quando sigo seu olhar vejo ser em Vivi. Está com um garoto.

Penso que é algum rapaz a incomodando e ergo a mão para chamar um dos guardas. É nesse momento que eu a vejo sorrir. Não, não, ela ri. Seus olhos ficam menores e seus dentes perfeitos ficam à mostra. Está radiante com a luz do entardecer iluminando as ondas castanhas do seu cabelo.

O melhor de tudo é que parece estar se divertindo. Os garotos da nossa idade não têm sido muito gentis com Vivi — segundo o que Anna me conta sobre os bailes. Por isso, fico feliz que alguém decente tenha se aproximado dela.

— Terminaram, Senhorita Eleanor? — Dominic pergunta, chamando minha atenção. — Se a senhorita terminou, entrarei para pagar por suas compras e chamarei a Senhorita Blackwood para voltarmos para a mansão.

— Hã... ainda não. Anna está encantada com as fitas e acabei de lembrar que preciso de um par novo de presilhas. Volto logo. — digo e ele estreita um pouco os olhos, do jeitinho que sempre faz quando desconfia de nós. Minha resposta é o sorriso mais doce que tenho.

— Está bem, senhorita.

Entro novamente na loja.

Se Vivi encontrou alguém que a faz rir, qual o mal de ganhar um pouco mais de tempo para que aproveite essa companhia?

Consigo atrasar nossa partida em quase uma hora. Quando Dominic entra e diz que está na hora de ir para casa, está quase escuro lá fora. Depois de pagar nossas compras, deixa os guardas carregá-las. Esperamos na calçada que voltem com a carruagem enquanto Anna reclama por não poder ficar mais.

Quando param a carruagem na nossa frente, vemos que Victória já está lá dentro. Sento de frente para ela e tento fazer perguntas silenciosas usando minhas sobrancelhas. Ele levou você até nossa carruagem?

Se entende, apenas me ignora e sorri para Anna que faz uma descrição detalhada demais da sua nova fita de cabelo. Sendo sincera, não parece muito diferente do normal. Fui obrigada a engolir toda minha curiosidade durante o caminho, depois durante o jantar e esperar até que Anna fosse dormir.

Nossos quartos eram um de frente para o outro. Se me ouvir sair, acabará me seguindo e destruindo qualquer mísera chance de saber sobre o que aconteceu entre Vivi e o garoto misterioso. Perto da meia-noite consegui me esgueirar para fora do quarto.

Temos bastante tempo para descansar e nos preparar para o lançamento das lanternas. Vivi raramente dormia cedo então, era o momento perfeito para conversarmos. Bati levemente na porta e ela não demorou para abrir, enrolada em seu robe branco, com os cabelos castanhos soltos.

— Você deveria estar dormindo. — me avisa sobre o óbvio e eu a ignoro. Passo por ela e entro no quarto. — Você não conseguirá assistir as lanternas se não descansar.

— Vou sim.

A ouço suspirar atrás de mim enquanto corro e pulo na sua cama. Me escondo debaixo das cobertas quentinhas e roubo um de seus travesseiros. Observo enquanto se aproxima tranquilamente, tento sondar sua expressão, mas como sempre não revela muito.

Victória senta do outro lado da cama, encosta na cabeceira e cobre as pernas para afastar do frio. Mal consigo me conter.

— E então? — pergunto.

Arqueia as sobrancelhas enquanto pega um livro de cima da sua mesinha de cabeceira. Bisbilhoto a capa dele. Reconheço apenas a palavra outono. Suponho que seja algum romance Darsko que está lendo para sua aula de amanhã.

Mamãe me deixou acompanhar algumas aulas quando ela havia começado a aprender. Tinha a esperança de eu ou Anna demonstrarmos algum interesse em aprender. Desisti na quinta aula, Anna na primeira. O idioma é complicado demais e aprender Kersato já era dor de cabeça o suficiente.

— Acha que não vi você e o garoto?

— Pelo contrário, tenho certeza que viu.

— E você sorriu para ele! — falo exasperada quando ela continua focando no livro idiota. Sento sobre meus calcanhares achando que assim terei sua atenção. — Sorriu não, você riu!

— Você já me viu rindo para homens antes, Ella. — responde e calmamente vira a página do livro, mas no segundo seguinte volta para a anterior.

— É, mas daquele jeito jocoso quando os acha estupidamente inadequados ou quando está sutilmente ridicularizando a inteligência deles, como fez com o Lewis.

Um sorrisinho surge em seus lábios. Provavelmente surgiu em sua mente uma das incontáveis vezes em que acobertou sua zombaria com palavras difíceis e um sorriso agradável. O divertido é que Lewis, o filho do banqueiro, nunca entende suas ofensas.

Jocoso? Está treinando seu vocabulário?

— Sim, e não mude de assunto. Você riu!

— Bom — faz uma pausa e seus olhos descem pelo texto. Um sorriso lento curva seus lábios. —, ele era certamente divertido.

Cubro o rosto com a mão e a encaro estarrecida. Isso ainda não é o suficiente para esconder meu sorriso.

Desde sua festa de debutante, a observo chegar em casa desanimada depois de todos os bailes. Suas esperanças quando se trata de pretendentes são baixas — ainda que não diga isso em voz alta.

Essa é a primeira vez que a vejo assim.

Suspira longa e demoradamente. Mesmo que pareça estar concentrada, seus olhos estão perdidos nas palavras. Distraída demais para compreender o que está lendo. Em uma situação normal, já teria terminado duas páginas enquanto conversa comigo. Até mesmo seus movimentos parecem mais leves e suaves. Como se andasse sobre as nuvens.

— Você está apaixonada. — constato e ela ri de mim do mesmo jeito que faz com Lewis, quando ele diz algo estupido.

— Eu mal o conheço.

— Nunca ouviu falar de amor à primeira vista? — cantarolo e Vivi revira os olhos.

— Nunca ouviu falar em realidade?

Victória desiste da leitura e fecha o livro. Coloca ele de volta na mesinha e deita ao meu lado, de barriga para cima. Deito também e a observo encarar o teto.

Sempre soube que herdou o jeito prático de mamãe. Com o modo que as pessoas falam sobre sua aparência acabou usando essa praticidade em relação aos seus pretendentes também.

Vivi não sonha com amor verdadeiro ou finais felizes. Não espera alguém destinado a ela, como acontece comigo e James. Sei que estará contente com alguém rico e nobre que possa elevar nossa família. Porém, se tem alguém nesse mundo que eu torço para que ganhe um final feliz, é ela.

Encaro o mesmo ponto do teto que ela.

— Ele era bonito?

— Parecia ser.

— Rico?

— Provavelmente.

— Você parece apaixonada.

— É impossível se apaixonar por alguém que você acabou de conhecer.

Outro suspiro me faz deitar de lado para olhar seu rosto. Quero contar a ela. Falar sobre a minha história e a de James. Mostrar que amor à primeira vista existe, que eu senti há muitos anos atrás e que ela pode ter o mesmo. Porém, não digo nada.

Sei que ela me apoiaria e me ajudaria, mas ainda não é o momento. Primeiro, preciso convencer a mamãe sobre minha festa de debutante — que está mais atrasada do que deveria segundo os costumes. Mamãe não me deixaria sequer pensar em casamento antes disso. Antes de me tornar a esposa perfeita que ela tanto deseja que eu seja.

— Então por que não para de suspirar?

Vivi fecha os olhos, recusando me responder. Ou pelo menos é o que eu acho. Demora um pouco até sussurrar uma resposta bem baixinho, quase adormecendo.

— Por ser a primeira vez.

— Primeira vez do quê?

— Que alguém me viu.

Espero ela explicar.

Não entendi o que ser vista significa. Todos a vêem e conhecem. Todos sabem que ela é Victória Blackwood. É a filha mais velha de Gerard e Amber Blackwood, a neta favorita de Margaret Blackwood. A herdeira da Companhia Blackwood.

— Não entendi. — sussurro, torcendo para que ainda não tenha dormido. — Vivi? Vivi? Eu não entendi. Vivi!

Seus lábios lentamente se curvam em um sorriso ao ouvir meu desespero. Sem abrir os olhos, puxa o cobertor até meus ombros e tateia meu rosto, acariciando de leve meu cabelo quando o encontra.

— Fico feliz que você não entenda.

...

— Ela está mentindo. — murmuro polindo o que parece ser o milésimo garfo da prataria.

Quando mamãe me fez ajudar na cozinha, fiquei furiosa. Mais que isso, eu a odiei. Disse que estava me dando a oportunidade de conhecer todas as áreas que precisam ser gerenciadas em uma mansão.

Sei que, na verdade, essa não é a lição que mamãe quer que eu aprenda. Tem alguma outra coisa que deseja me ver aprender e — se não consegui através dos livros e das aulas — devo aprender na prática. E enquanto não descobrir que lição é essa, dificilmente serei liberada.

Duvido que tenha algo aqui que uma princesa precise mesmo aprender. Mas como ainda não posso contar para a mamãe sobre James, tenho que aturar essas tarefas. Na verdade, a situação atual é tão irritante que essas tarefas deixaram de ser meu maior incômodo.

Ele roubou o primeiro lugar.

Nos últimos meses, o garoto misterioso da Victória tem me irritado profundamente. Não sei o nome dele ou quem é a sua família, mas sei que é um péssimo pretendente. Ao invés de aparecer com uma rosa para monopolizar o pouco tempo que tenho com minha irmã, deveria pedir formalmente a permissão da mamãe para cortejá-la.

Um detalhe importantíssimo que Victória tem ignorado propositalmente. Dizendo que não são tão próximos assim, que nem sabe o nome dele. Claramente uma mentira. Se não são próximos, ele não traria rosas ou bilhetes. Tenho suspeitado que começaram a trocar cartas. As coisas estão íntimas demais e me surpreende que Victória discorde disso.

— Será que ela enlouqueceu? — reflito alto demais essa possibilidade e acordo Zia.

Ela pula de susto. Olha para os lados, como se Dominic estivesse pronto para repreendê-la. Quando vê que não corre risco nenhum de ser repreendida, esfrega os olhos, tentando afugentar o sono.

— Por ir dormir, Zia. — digo pela milésima vez enquanto aproximo o talher do castiçal para garantir que está bem polido. Mamãe confere na manhã seguinte e uma mancha significa refazer todo o trabalho.

— Não estou com sono, senhorita. — ela mente para a pessoa que a viu dormir de boca aberta. — Mas a senhorita deve estar exausta.

— Estou bem, ainda está cedo.

— Até a Senhorita Blackwood já foi dormir.

— Se a Vivi já está dormindo significa que você também já deveria estar. Não pode me ajudar e tem que acordar cedo amanhã, pode ir descansar.

— Mas senhorita...

— É uma ordem.

Uso um tom firme, mas não sai como o esperado. De todo modo, funciona. Após eu garantir milhares de vezes que não preciso mais da ajuda dela hoje, Zia se retira para descansar.

Demoro mais uma hora na prataria. Confiro todas as peças e depois guardo no lugar certo. Pego o castiçal e atravesso a Ala dos Criados até as escadarias. Olho rapidamente para o relógio que fica em frente aos dormitórios, mas paro ao ver os ponteiros. Meia-noite. Vivi não dorme tão cedo.

Aperto o passo. Subo para o segundo andar, mas ao invés de entrar no meu quarto, sigo até o de Victória. Abro a porta sem bater, para que ela não me dispense pelo horário. Me assusto com a cena.

— O que você está fazendo?!

Ava e Victória olham para mim.

Victória está pendurada no parapeito da sacada. Demoro um pouco para notar que não estava escapando, mas sim voltando. Com um movimento rápido e ágil — de quem não está fazendo aquilo pela primeira vez — ela entra para o quarto e corre até mim. Me puxa para dentro e confere o corredor antes de fechar e trancar a porta.

— Você deveria estar dormindo.

— Você saiu? A essa hora?

Ava passa com uma corda de lençois em mãos que ela se apressa para esconder. Observo chocada o vestido surrado que Victória desabotoa enquanto Ava diz que trará suas vestes de dormir.

— O que você está vestindo?!

— Abaixe a voz, Eleanor.

— Onde você foi uma hora dessas? Sozinha? Você... — fico em silêncio quando entendo.

Permaneço imóvel e observo Victória. Ava corre de um lado para o outro apagando os sinais da escapada secreta da minha irmã, mas ela não parece preocupada. Preocupação é a última coisa que vejo em seu rosto. Pelo contrário, ela está...

Radiante.

É a primeira vez que não vejo sinal dela estar tentando esconder o que sente. Expressões tão claras e espontâneas que são impossíveis de ser fingimento. Ao vestir seu robe, caminha até a sacada e descansa as mãos no parapeito. Sorri docemente para a paisagem.

Me aproximo, tentando ver se há alguém ali, mas vejo que seus olhos focam no contorno dos palácios da Cidade Real. A mente muito longe do seu quarto em nossa mansão. É então que noto o anel masculino em seu polegar. Quadrado, com uma joia enorme no topo.

Vivi também lembra dele e ergue um pouco a mão para observar a joia. Seu olhar suaviza como mel quente. Fico estarrecida. Mamãe poderia entrar por essa porta a qualquer momento. Poderia apanhar pelo que está fazendo ou ser trancada em um dos quartos do terceiro andar. Isso no melhor dos casos.

No pior, algum criado a vê e os boatos começam. Casamento se tornará uma de suas poucas preocupações diante da ruína da sua reputação. Em seguida a da nossa reputação. Ela é a próxima chefe de nossa família, suas escolhas impactam diretamente em nossas reputações. Nossos futuros.

Ava surge ao meu lado repentinamente e dou um pulo assustado para longe dela. Ela curva a cabeça enquanto Victória ri da situação. Como ela não está engasgada de medo?

— Perdão, Senhorita Eleanor.

— Terminou o que pedi? — Victória pergunta e ela se resume a assentir. — Pode ir descansar. Boa noite.

— Boa noite, senhoritas.

Ava junta as mãos em frente ao corpo e curva levemente a cabeça. Primeiro para Victória que é a mais velha e depois para mim. Deixa o cômodo rapidamente com seus passos apressados e silenciosos. Victória me encara de volta no exato momento em que a olho. Não preciso nem verbalizar para que saiba qual é minha opinião sobre o assunto. Afinal, a única surpresa aqui é ela não ter a mesma opinião que a minha.

— Quando mamãe souber...

Começo, tentando trazer um pouco de razão para a situação. Se há alguém nesse mundo que Victória teme o suficiente para repensar suas decisões deve ser mamãe. A mudança em sua expressão me anima um pouco.

— A mamãe descobrirá apenas no momento oportuno. — garante com a certeza de quem calculou todo o curso que seus segredos tomarão. — Não precisa se preocupar.

— E quando será esse momento oportuno?

— Quando ele vier pedir a minha mão.

Victória não espera por uma reação minha, mas mesmo assim sorrio. Não quero que Vivi fique zangada comigo ou pense que não estou feliz por ela, então a parabenizo. Por dentro, estou quase enlouquecendo.

Me alertou tantas vezes sobre o perigo dos boatos — dos garotos! — e como eles podem destruir uma reputação. Repetiu tantas vezes ao ponto de suas palavras ficarem gravadas no fundo da minha mente, principalmente depois, daquele dia que me viu com James na floresta.

No então, aqui estamos. Seja os avisos de mamãe ou os dela mesma, esqueceu todos. E nem tenho esperança de que meus conselhos terão algum efeito. Está apaixonada demais para ouvir qualquer outra pessoa — ou a voz da razão.

Victória passa por mim com um sorriso ainda maior depois do meu aparente apoio. E aperta minha bochecha carinhosamente antes de entrar no quarto. Observo-a tirar um papel e enfiar debaixo do travesseiro. Talvez não tenha notado que eu vi ou simplesmente não se importe.

— Tenho aula amanhã cedo. — avisa. — Pode dormir aqui se quiser, mas sem ficar fazendo perguntas.

— Vou para o meu quarto. — recuso, notando sua forma sutil de dizer que quer ficar sozinha. — Boa noite, Vivi.

— Boa noite, Ella.

Saio do quarto e fecho a porta atrás de mim. Volto para o meu com a cabeça fervendo. Assim que entro deixo o castiçal no móvel próximo ao armário. Enquanto desabotoou o vestido que uso para as tarefas na cozinha, apenas um pensamento me cruza a cabeça.

Victória enlouqueceu.

E o culpado é o idiota das rosas.

Me arrependo amargamente de não ter deixado que Dominic o afastasse de Victória. Deveria ter impedido os encontros dos dois na cidade. Agora corremos o risco de os dois serem descobertos e eu estou presa nesse meio. Se eu intervir ela provavelmente me odiará, se eu não fizer nada seremos arruinadas. E mesmo que queira fazer algo, tenho opções limitadas por não saber quem ele é.

— Ella?

Escuto meu nome e coloco apenas o rosto para fora do armário enquanto termino de me vestir. Anna está parada na porta com o travesseiro junto ao peito. Um sorriso travesso se curva em seus lábios. Ela entra, fecha a porta e corre direto para a minha cama — mesmo sem minha permissão.

Desde a morte de papai Anna tem feito isso. Se esconde em nossos quartos quando tem dificuldade para dormir. Normalmente, corre para o de Victória — mesmo que mamãe já tenha ordenado diversas vezes para que fique em seu próprio quarto.

Fecho as cortinas, apago a vela e também vou deitar.

— Não foi até o quarto da Vivi?

— A porta estava trancada. — reclama em meio a um bocejo e puxa os corretores até o queixo. — Boa noite.

Anna fica de costas para mim e joga seu cabelo acobreado no meu rosto. Afasto os fios para longe de mim e suspiro. O problema com o garoto da Vivi ocupa cada cantinho da minha mente.

Quando penso no meu final feliz imagino eu e James. Estou sentada no trono ao lado dele com uma coroa na minha cabeça. Victória está com seu futuro marido ali também — na fileira dos nobres por conta do título que James concedeu a ela. Condessa Blackwood. Talvez até mesmo marquesa. E me olha com orgulho enquanto os demais se aproximam para se curvar diante de mim.

Esse garoto está arruinando meu final feliz.

Não poderei tornar Vivi condessa caso esses boatos surjam — muito menos me tornar princesa. Por isso, me livrar dele não é algo que pesa em minha consciência. É só que eu não sei como vou fazer isso. Em uma situação normal teria minha irmã para me ajudar, mas por motivos óbvios não tem como acontecer.

Não tenho nem certeza que me perdoará se souber que estou por trás do sumiço dele. Só posso esperar que considere que estou fazendo isso para o nosso bem. Se eu pelo menos pudesse... espera, talvez eu possa.

Nesse momento, Victória está agindo como Anna agiria. A reação de nossa irmã mais nova deve ser parecida com a que ela terá. Claro, não posso contar para Anna porque a mansão inteira descobriria, mas posso encobrir a verdade.

— Anna? — balanço seu corpo. — Anna?

— Hm?

— Você se lembra daquela história que nós lemos para a aula de Kersato?

— Hm? — pergunta com a voz sonolenta.

— Aquela sobre a princesa apaixonada pelo líder do clã inimigo.

— Uhum. — responde.

— Imagina que você é aquela garota e o líder do clã inimigo é o Lewis. Vocês dois se amam e ele te faz feliz.

Seu murmúrio enojado ressoa pelo quarto. Me viro na esperança de ver sua expressão, mas continua de costas para mim.

— Só que ele te faz tomar decisões que não são boas nem para você e nem para a nossa família. Por isso, a Vivi decide separar vocês dois. Como você se sentiria com o que Vivi fez?

Anna vira de frente para mim. Seus olhos verdes brilham com a luz que entra pela fresta da cortina. Despertos. Todo resquício de sono varrido para bem longe deles.

— Eu nunca a perdoaria. — seu tom carregado de emoção faria qualquer um acreditar que viveu essa história na pele. — A odiaria para sempre.

Não respondo. Na verdade, nem sei o que responder nessa situação. Fico assustada. É difícil imaginar a nossa doce Anna odiando alguém — ainda mais nossa irmã mais velha. Só que Victória é um caso completamente diferente. Se Anna sentiria isso, a reação de Vivi seria imensamente pior.

É tão aterrorizante que me vejo tentando me defender. Como se já tivesse feito o estrago.

— Mas ele não é uma boa pessoa!

— Não importa. Eu o amo, então eu a odiaria se ela me separasse dele. — Anna boceja. — Se ela deseja tanto me separar dele, terá que aceitar as consequências. Não acha?

— Sim. — respondo meio perdida e ela sorri.

— Não se preocupa, isso nunca acontecerá. Lewis é nojento. Ei, acha que sobrou algum pedaço da torta de amora que o Chefe Bailey serviu no jantar?

— Não.

— Mas porque você quer saber disso? Tem medo que Vivi separe você do seu admirador secreto? — sorri docemente.

— Que admirador secreto?

— Não finja que não sabe. Já vi você várias vezes no seu quarto antigo com uma carta dele.

Quarto antigo...? O que... Ah!

A carta de mamãe. Quando nos mudamos para os quartos da Ala Blackwood deixei ela escondida no assoalho do quarto antigo. Acabei me esquecendo dela com o tempo.

— Lembrou dele, não é?

— Não. Nunca existiu um admirador secreto. — puxo o cobertor e viro de costas para Anna. — Vamos dormir.

Ela resmunga que sou chata, mas também se arruma para voltar a dormir. Espero pacientemente até ter certeza que Anna adormeceu e levanto da cama. Pego meu robe e acendo o castiçal novamente. Me aventurar pela mansão no meio da madrugada nem de perto é uma das minhas atividades favoritas.

Atravesso os corredores com passos rápidos, sem olhar para trás e nem para os lados. Assim que encontro meu antigo quarto, abro a porta e entro. Existe uma madeira do assoalho, bem no canto do cômodo, que está solta. Me ajoelho na frente dela e me surpreendo de ainda estar intacta, mesmo depois de todas as reformas na mansão.

Tiro uma caixa de madeira de dentro do buraco e coloco no chão, ao lado do castiçal. Os papeis estão com sinais do tempo. Tem pinturas minhas de quando era pequena e alguns diários de mamãe que consegui roubar do sótão há alguns anos. Mas o mais importante é a carta de mamãe. Já faz alguns meses que fiz dezoito anos, então não deve ter problema abrir agora.

São várias páginas repletas de sua escrita instável. Me sinto esquisita tento contato com algo da minha mãe novamente. Será que ela ficaria magoada por eu ter me esquecido dela assim?

Ajeito as páginas e começo a leitura.

Eleanor,

A esta altura tenho certeza que tudo o que eu havia previsto se concretizou. Seu tio havia me avisado sobre os boatos que estavam se espalhando em nosso círculo social. Sobre uma estrangeira de cabelos castanhos e olhos verdes. Nunca quis acreditar — pelo amor e consideração que sempre nutri por seu pai —, mas seu tio foi contra minha decisão e investigou a situação. Acho que foi uma das melhores decisões que ele já tomou.

Sabe o que ele encontrou? Uma casa. As viagens de trabalho que seu pai fazia em nome do seu avô eram apenas uma desculpa. Seu pai tinha uma segunda família. Uma casa confortável ao sul, com criados e um orçamento gigante para as despesas, enquanto nos deixava aqui na miséria. Entende como ele foi cruel?

Enquanto restringia nossos gastos, vestia suas filhas bastardas com roupas caras, presilhas de pérolas, brincos de pedras preciosas. Tudo o que deveria ser seu, reservava para elas. Todo o amor e cuidado que deveríamos receber era delas. Mesmo sabendo da humilhação que sofreríamos, ele não retornou para casa no meu aniversário. Sabe por quê? Por que não somos importantes. Nós nunca passamos de uma obrigação que ele tinha que aturar.

Você nunca passou de uma obrigação que ele tinha que aturar.

Sei que minhas palavras podem doer, mas são sinceras — quero que veja além da fantasia de família perfeita que seu pai a obrigou a acreditar. Nem posso imaginar o quanto deve ter sofrido nas mãos de sua madrasta e suas irmãs nos últimos anos. Sei que deve odiar seu pai e entendo seus sentimentos — esse é o peso que ele deverá carregar pela eternidade.

Porém não se sinta sozinha. Você também é uma Hughes e tem a nós para apoiá-la. Ainda que seu pai não a ame o suficiente para se interessar por seu final feliz, eu e seu tio somos diferentes. Somos seu porto seguro.

Nas próximas folhas encontrará uma conta e os dados para acessá-la no Banco de Egline. Acumulei uma pequena fortuna para que você use em prol dos seus objetivos. Não conte a ninguém sobre ela — esse dinheiro é somente seu. Nas demais, escrevi a história da Pequena Princesa Eleanor, para que não se esqueça do destino glorioso que a aguarda.

Com amor, Sofia.

Suspiro e deixo minhas mãos caírem sobre o colo. Meus olhos ardem e meu nariz começa a pinicar. Olho para o teto e pisco, tentando conter as lágrimas — porque sei que isso era uma das coisas que minha mãe queria com essas palavras. Que eu me sentisse triste e vazia, que odiasse papai, mamãe e minhas irmãs. Que acreditasse que a única pessoa que já me amou nessa vida está morta.

— Você nem me deu feliz aniversário. — murmuro para o papel em minhas mãos. Torcendo para que onde ela esteja, consiga me escutar. — Você tentou me matar, mas diz que é meu porto seguro? Não serei como você — prometo a mim mesma. — Não importa como, não acabarei como você, mãe. Terei um casamento feliz e uma família feliz. E vou ter certeza, que mesmo quando eu alcançar meu final feliz, ninguém lembre do seu nome.

Enxugo os cantos dos olhos rapidamente e enfio as páginas com suas palavras na caixa. Dobro aquela com a informação do meu dinheiro para manter comigo. Antes que eu perceba me pego lendo a história da Pequena Princesa Eleanor. Logo enfio o papel na caixa também — não preciso ler essa história falsa porque conheço muito bem a verdadeira.

Há anos atrás, em um dia de tempestade, nasceu uma menininha. Seus olhos são da cor do céu e seus cabelos dourados como o sol. Sua mãe biológica a odiava ao ponto de tentar matá-la, seu pai havia falecido. E as únicas pessoas que a amam de verdade neste mundo são sua irmã mais velha, sua irmã mais nova e seu príncipe encantado.

Victória foi quem cuidou de mim e me protegeu durante todos esses anos. O mínimo que posso fazer é devolver o favor. Preciso me livrar do garoto que está manipulando seus sentimentos dessa forma.

Mesmo que ela me odeie por isso.

...

— Senhorita, isso é uma péssima ideia. — Zia choraminga enquanto termino de abotoar o vestido que peguei emprestado dela. — Se a Madame Blackwood descobrir, castigará a Senhorita Blackwood no seu lugar, trancará a senhorita novamente e me entregará para a guarda.

Acredito que mamãe faria pior, mas não digo isso a ela. Zia já está tremendo como se estivesse trancada do lado de fora em meio a uma nevasca — não preciso que fique ainda mais nervosa. Estou recorrendo a isso porque me vi sem opções para lidar com o problema de Vivi. Se eu contar a mamãe, nós duas seremos castigadas. Pedir ajuda a titio é uma decisão ainda pior.

Primeiro preciso descobrir quem ele é. Victória não me contará por vontade própria, então preciso descobrir por mim mesma. Não consegui pensar em um bom plano, então decidi adaptar o dela. Zia ficará aqui no meu lugar enquanto finjo ser ela e sigo Victória.

Temos altura parecida e meu cabelo é mais claro que o dela, mas isso não é um problema. Só preciso mantê-lo escondido dentro da capa. Empurro Zia gentilmente em direção a cama.

— Mamãe não descobrirá se fizer exatamente o que eu disse. Confie em mim. Quando eu voltar deixo você escolher uma das minhas presilhas como pagamento.

Sua resposta é um suspiro resignado. Enquanto deita, pego a capa sobre a cama e visto. Confiro o corredor e após ter certeza que está vazio, saio do quarto e fecho a porta. Uso a escada da outra ala e desço até a cozinha. Saio pela porta dos fundos.

Tenho que dar a volta na propriedade. Tive que subornar um dos cavalariços para deixar meu cavalo selado tarde da noite. Ainda que seja arriscado. Desamarro o cavalo da árvore e monto nele. Decido me esconder mais a frente na floresta — um pouco afastada da trilha principal. Se Victória fosse se encontrar na cidade já teria sido descoberta há muito tempo. Certamente eles tomam esse caminho.

Demora quase uma hora para a carruagem que vi outro dia — enquanto tentava aprender o horário em que Vivi saia e voltava — aparecer. Passam por mim, em direção a mansão. Alguns minutos mais tarde, faz o caminho de volta em direção a floresta.

Seguir eles é uma tarefa mais difícil do que esperava. Não posso ficar perto o suficiente ou serei vista, longe demais e os perco. Em certo trecho, vejo Vivi sair da carruagem, enquanto um homem a ajuda a montar em seu cavalo. Imagino que seja ele o idiota, mas não consigo ver seu rosto.

A estrada que pegam é muito estreita, então decido seguir a pé, tomando o máximo de cuidado para não fazer barulho. Depois de dez minutos de caminhada minhas panturrilhas começam a queimar de dor e meu ritmo diminui. Por sorte, nos aproximamos do destino final. Uma clareira com uma cabana de dois andares no centro.

Me apoio em uma das árvores, e vejo uma fogueira ali perto. Um homem de costas para nós observa um guarda atiçar o fogo. Estou tentando discernir o que está acontecendo quando ouço Victória gritar. Um tom tão doce que por um momento duvido que seja ela mesma.

— James!

O garoto vira e perco o ar.

James está parado ao lado da fogueira. As mangas da camisa branca estão dobradas até os cotovelos e as mãos escondidas nos bolsos da calça escura. A luz quente da fogueira faz seus olhos azuis brilharem. Os cantos de sua boca se curvam em um sorriso lento e carinhoso enquanto observam Victória.

Dói, mas não consigo desviar o olhar. Observo em silêncio, escondida atrás de uma árvore, enquanto Victória corre para seus braços e pula em cima dele. James tira as mãos do bolso para segurá-la e gira com ela ao redor do campo. Suas risadas ecoam na noite.

As mãos dele a tocam com cuidado e carinho — como se fosse um bem precioso. Seus olhos a seguem com a adoração que apenas um homem apaixonado tem. Quando ele se abaixa para beijá-la, eu desabo.

Uma vez, quando criança, estava brincando com Anna no jardim. Estávamos correndo, eu tropecei e caí com tudo em um tronco de árvore. A madeira acertou meu estômago com tanta violência que perdi o ar. É como me sinto nesse momento. Caída no meio da terra e das raízes, com as costas pressionadas contra um tronco de árvore. Vulnerável. Indefesa. Tentando lembrar como respirar.

Por isso, só noto a presença dele quando sua espada pressiona meu pescoço. A lâmina é fria e brilhante. E tento me encolher para longe dela, como se fosse possível me tornar uma com o tronco da árvore.

— Quem é você? — uma voz pergunta.

— Eleanor — engulo seco. — Eleanor Blackwood. Irmã mais nova de Victória Blackwood. — espero que o nome de Vivi seja o suficiente, mas a lâmina não se move um centímetro. — Vi que ela estava saindo tarde da noite e fiquei preocupada. Queria saber se estava bem. Eu...

Ergo o olhar. O garoto acima de mim tem uma máscara cobrindo seu rosto, mas seus olhos são familiares. Estreitos e castanhos. Seu cabelo escuro está preso em um rabo de cavalo baixo, mas alguns fios escapam e moldam seu rosto.

Sua mão livre se aproxima do meu rosto e me encolho. Ele hesita e em seguida puxa meu capuz com um único movimento, revelando meu cabelo dourado. Seus olhos o analisam por alguns instantes e finalmente me lembro quem ele é.

— Acker. Você é o Acker, não é mesmo?

Os segundos se arrastam.

Acker recolhe a espada e eu consigo respirar novamente. Toco meu pescoço, esperando encontrar sangue, mas não tem nada. O raspar de metal da espada entrando na bainha chama minha atenção. Ele estende a mão para me ajudar a levantar e eu aceito.

— Senhorita Eleanor, devo pedir que retorne. E...

— Não contarei a ninguém, eu juro. — prometo e engulo seco. Escondo as mãos trêmulas atrás das costas. — Posso falar com sua alteza? — sinto as lágrimas se acumulando em meus olhos e mordo a parte interna da boca. — Só quero garantir que minha irmã ficará bem. Não demorarei.

— Espere aqui, senhorita.

Acker se afasta, mas seguro seu braço, impedindo que ele dê mais um passo adiante. Acker não reage, não demonstra qualquer expressão. Apenas vira na minha direção e espera pelo que tenho a dizer.

— Minha irmã... Pode não dizer a ela que estou aqui? — peço, mas meu tom faz parecer que estou implorando. — Não quero que fique irritada comigo.

— Entendido, senhorita.

Solto e ele continua seu caminho para dentro da clareira. James afasta o cabelo de Victória com o indicador — prendendo a mecha atrás da orelha — e descansa sua testa contra a dela enquanto a abraça. Suas mãos seguram o rosto dela com tanta ternura que doi em mim.

Massageio o peito, querendo que essa sensação ruim desapareça imediatamente. Não funciona.

Acker para ao lado deles e faz uma reverência. Se inclina e sussurra algumas palavras para o príncipe. James ergue o rosto na minha direção. Seu olhar atravessa as árvores, a escuridão da floresta e encontra os meus. Frio e impassível. Uma sensação esquisita se agita em meu estômago e me escondo atrás do tronco.

Encosto a testa na madeira e fecho os olhos. Inspira, expira. Inspira, expira. Já consegui fazer isso antes. Não vou chorar. Não chorei no velório da minha mãe, ou quando li em seu diário que ela gostaria de ter me matado. Não vou chorar agora. Eu consigo.

Reúno coragem e espio novamente. James espera até que Victória esteja dentro da cabana e caminha na minha direção. Só queria trazer ele até mim, mas agora que está vindo mesmo, não sei o que dizer. Não sei como reagir. Não sei...

— Essa a segunda filha dos Blackwood, alteza. — A voz de Acker me traz de volta ao momento. — Eleanor Blackwood.

James está ainda mais bonito do que na última vez que o vi. Os traços dos seus rostos estão mais marcados, seu olhar mais afiado e o modo como sorri me deixa sem jeito. Ele ainda se lembra de mim, certo? Não importa quantos anos passaram nunca me esqueci de nossos encontros. Ele também não esqueceu, não é?

De todo modo, seguro meu vestido e faço a reverência perfeita. Treinei por tanto tempo para o momento em que nos encontramos oficialmente — como Senhorita Eleanor Blackwood e o Príncipe James —, mas nunca imaginei que seria assim.

— Saudações à Vossa Alteza Real, o Príncipe James de Aszria. É uma honra...

— Não precisa de tanta formalidade — ele ergue a mão em sinal de pare e chacoalha ela de um lado para outro, achando a apresentação desnecessária. Me endireito, esperançosa de que se lembre de mim. — Afinal, sou próximo da sua irmã.

Fecho as mãos em punhos. Tento me conter. Claro que está sendo simpático por causa de Victória.

— Tem algo que eu gostaria de perguntar, alteza.

— Vá em frente. — diz e olho de relance para Acker antes de encará-lo. Ele entende o que quero dizer. — Acker, nos dê um momento.

Seu guarda se afasta o bastante para não conseguir entender o assunto de nossa conversa. Olho novamente para o príncipe. As palavras escapam da minha boca como uma acusação ao invés de uma pergunta.

— Você ama a minha irmã?

Não parece surpreso com minha pergunta. Talvez fosse algo que já esperasse nessa situação. Dúvido que a ame de verdade. Se a amasse não teria encontros escondidos em meio a uma cabana horrível na floresta. James viria até nossa casa com presentes, flores tão grandes que precisaríamos de dois vasos. Não isso.

— Amo. — revela, sem hesitar. — Eu amo Victória. — ele leva um indicador aos lábios enquanto dá um sorriso travesso, como de uma criança que está fazendo algo escondido. — Mas isso é um segredo nosso.

— Vossa alteza, parece adorar segredos. — respondo rancorosa. — Guardarei o seu, contanto que guarde o meu. Gostaria que minha irmã não soubesse que estive aqui.

— Tem minha palavra.

— Foi uma honra, conhecê-lo, vossa alteza. — faço uma reverência.

Quero ir embora. Não conseguirei aguentar, continuar aqui. Ele insiste que Acker me acompanhe, apesar das minhas recusas. Quando finalmente aceito, se despede de mim e volta para a cabana.

Victória deveria estar observando da janela, porque quando o príncipe está na metade do caminho, ela surge na entrada da cabana. Enquanto a vejo correr até ele me dou conta do que fiz.

Que esse tempo todo, ajudei Victória e James a se apaixonarem um pelo outro.

...

Eu aguentei.

Cerrei os dentes e não chorei uma lágrima na frente de James ou Acker. Nem na frente de Zia enquanto me ajudava a vestir o pijama e o robe. Mas as imagens de James com Victória continuam voltando para me assombrar. O modo como a segurou, como beijou ela, me faz querer vomitar.

Me sento no chão, sem qualquer vontade de sair do lugar. Minha cabeça doi. Choro tanto que tenho dificuldade de respirar. Essa sensação que esmaga meu peito é horrível.

Por que nunca sou a escolhida? Nunca sou a favorita? A mais amada? Eu sei que James não ama Victória de verdade, mas porque dentre tantas pessoas teve que se envolver justamente com ela? Por quê?

Zia se desespera e me faz levantar. É quando vejo meu reflexo no espelho próximo à parede. Usando essa camisola branca e o robe azul-celeste. Caída no chão com o rosto molhado de lágrimas a expressão desolada.

Sou bonita, sei disso.

Mas parada aqui, em frente ao espelho, vendo meu próprio reflexo. Me sinto tão triste.

Sei que mais da metade das nobres que conheço fariam loucuras para ter o tom dourado do meu cabelo, ou as ondas perfeitas que modelam meus fios. Meus olhos azuis como o céu, meus traços ou minha pele impecável. Para ainda parecer bela, mesmo quando está miserável.

Só que nesse momento, só consigo ver o quão parecida sou com Sofia Hughes. Como a lembrança que tenho dela — alucinada, detestada — vagando por seu quarto. Parecendo morta antes mesmo de ter deixado esse mundo. E isso me enfurece.

Enxugo o rosto com as costas das mãos e me endireito. Não sou minha mãe e mesmo que James e Victória estejam juntos agora, não significa que ficarão juntos para sempre. Ainda que duvide de muitas coisas, sei que aquele nosso encontro quando crianças foi real. Assim como todas as vezes que o destino encontrou formas de nos unir.

James pode gostar de Victória agora, mas sou eu quem ele amará no futuro

Acho que aqui já responde uma grande dúvida que o pessoal tinha enquanto lia vilã: James e Eleanor se conheciam antes do baile? Sim. Eles tinham um caso pelas costas da Vivi? Não. O que quem leu vilã sabe, não significa que a Vivi era única com quem o James estava nessa época. Mas é isso gente, todo romance que existiu entre Eleanor e James até o dia do baile existiu só na cabeça dela.

Prometi cenas de Vilã nesse capítulo, mas tinha esquecido que faltava essa cena da cabana. Mas a partir do próximo, vocês verão as cenas de Vilã do ponto de vista da Eleanor.

Beijinhos e até o próximo capítulo ❤️

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