iv. the weight of expectation


132 d.c

Quando Maegelle nasceu, Alicent jurou que não cometeria os mesmos erros que temia ter feito com seus outros filhos. Ela havia planejado criar uma filha perfeita, obediente, moldada pela honra e devoção. 

Maegelle, com sua doçura natural e inocência, parecia destinada a ser essa filha ideal. Mas agora, olhando para a garota, Alicent não conseguia mais enxergar essa perfeição. A conexão que tanto desejara parecia inatingível, e, no fundo, a rainha sabia que algo entre elas se havia rompido para sempre.

Após o trágico incidente que deixou a marca indelével no coração de Maegelle, a pequena se viu isolada em um silêncio profundo. Lucerys e Jacaerys, os sobrinhos que tanto amava, partiram para Dragonstone, levando consigo a luz que uma vez iluminou seus dias. A morte de Laenor e o novo casamento de Rhaenyra com Daemon haviam mudado o destino da família, e Maegelle se sentia uma estranha em sua própria casa.

Nessa solidão, ela encontrou refúgio nas palavras. Escrevia cartas a Jacaerys, cada linha uma súplica por reconciliação, mas as respostas se tornavam cada vez mais raras, como a esperança que escorregava entre seus dedos. Em seu íntimo, a dor da culpa e a saudade oprimiam seu coração, enquanto ela se esforçava para ser a filha perfeita que Alicent tanto desejava.

Nas aulas das septas, sua determinação era admirável, mas também servia como uma prisão. Obedecia cegamente à mãe, cada ato um passo na longa jornada em busca do perdão e do amor que sentia ter perdido. Assim, entre o brilho da luz das velas e o murmúrio das orações, Maegelle buscava desesperadamente um caminho de volta para o seio da família, sem saber se algum dia encontraria o caminho para a redenção.

Viserys e Helaena eram os únicos faróis de compreensão em meio à tempestade que se abatia sobre Maegelle. O olhar de Viserys, embora cansado e marcado pelo peso de seus próprios fardos, refletia uma aceitação silenciosa que a confortava, como se dissesse que, de alguma forma, tudo ficaria bem. Helaena, por sua vez, trazia consigo um toque de bondade, oferecendo abraços apertados e sorrisos tímidos, sem julgamento, apenas amor de irmãs.

Mas a indiferença de Aegon e a crescente hostilidade de Aemond criavam um abismo ainda mais profundo em sua alma. Aemond, outrora seu irmão querido, agora parecia vê-la apenas como um lembrete de sua dor, uma manifestação do que ele havia perdido. À medida que o tempo passava, a raiva dele se intensificava, um fogo que queimava em seus olhos sempre que ele cruzava seu caminho.

Nesse cenário sombrio, a saúde de Maegelle começou a se deteriorar, como uma planta que se recusa a florescer sob a sombra de uma nuvem constante. Ataques de pânico a assaltavam a qualquer momento, fazendo seu coração disparar e seu corpo tremer de medo. Os meistre, preocupados com seu estado, começaram a dopá-la com frequências cada vez maiores, tentando acalmar sua mente em tumulto. 

Outras vezes, a febre a consumia, e os dias se arrastavam lentos e pesados, passando-a para a cama, onde a solidão se tornava seu único companheiro.

A princesa, que um dia sonhara com danças e risos, agora se via aprisionada em um ciclo interminável de dor e arrependimento, lutando contra demônios que pareciam mais poderosos do que qualquer dragão. Cada suspiro se tornava uma lembrança do que havia perdido, e em meio à sua fragilidade, a esperança se tornava uma chama cada vez mais distante.

Por conta da saúde frágil de Maegelle, que se tornara uma sombra da menina vibrante que um dia fora, o rei Viserys decidiu que não era o momento certo para casá-la, mesmo quando o sangue da princesa desceu aos 13 anos.

Agora, em 132 d.C., as marés da fortuna haviam mudado. Maegelle, tinha dezesseis anos e finalmente mais estável e saudável, sentia que, aos poucos, a vida voltava a pulsar em suas veias. No entanto, o seu pai, uma figura que sempre fora seu porto seguro, agora se via consumido pela doença. O corpo de Viserys, antes imponente e protetor, tornara-se uma lembrança frágil do homem que um dia governou com sabedoria.

Alicent, uma figura que antes exercia o papel de mãe rigorosa, agora se tornara rainha regente, segurando as rédeas do reino com mãos firmes e uma determinação inabalável. O trono, que antes era apenas um símbolo de poder, agora era um peso em seus ombros.

Maegelle caminhava pelos corredores da Fortaleza Vermelha, seu vestido suave esvoaçando ao redor de suas pernas. Ela sentia o perfume das flores frescas que adornavam os vasos nos parapeitos, um pequeno consolo em meio à turbulência de seus pensamentos. De repente, avistou seu avô Otto se aproximando, com seu olhar astuto e um sorriso que transparecia mais do que um simples afeto familiar.

— Ah, Maegelle! — exclamou Otto, a voz suave como veludo. — É tão bom vê-la saudável e bonita. A luz da sua juventude brilha ainda mais intensamente.

Maegelle forçou um sorriso, sentindo um arrepio desconfortável percorrer sua espinha.

— Obrigada, lorde avô. É bom estar melhor — respondeu, sua voz gentil, mas marcada pela hesitação.

— Eu diria que você é uma jovem encantadora, e um homem sábio com certeza perceberia isso. É uma pena que ainda não tenha encontrado alguém à altura de sua beleza.

Maegelle não sabia como responder e começou a brincar com as pontas de seu vestido, tentando manter a compostura.

Otto soltou uma risada baixa, que ecoou pelos corredores.

— Ah, minha doce Maegelle, você é tão ingênua.  — Otto pareceu satisfeito com a resposta que não veio, mas ainda com um brilho travesso nos olhos. — Aliás, sua mãe está à sua procura.

— Obrigada, avô. Vou procurá-la agora. — Com um aceno apressado, Maegelle se afastou rapidamente, aliviada ao deixar aquele encontro para trás, sua mente ainda fervilhando com a conversa desconfortável.

Maegelle adentrou a sala, seu coração acelerado ao ver sua mãe, Alicent. A ansiedade se instalou em seu peito como uma sombra familiar. Alicent estava sentada, imersa em um monte de papéis, e sua expressão era tão severa quanto sempre.

— Sente-se, Maegelle — ordenou Alicent, sem levantar os olhos dos documentos.

Maegelle obedeceu, ajustando a postura em uma cadeira diante da mãe. Sentia-se como uma dama da corte, apenas uma peça em um jogo que não compreendia completamente. O olhar de Alicent finalmente se encontrou com o dela, mas não havia o afeto que uma filha desejaria; era um olhar calculista e distante.

— Temos assuntos a discutir — disse Alicent, sua voz firme e autoritária. — É hora de você considerar seu casamento.

As palavras pairaram no ar, e Maegelle sentiu um frio na espinha.

— Mas eu... — começou a protestar, mas Alicent a interrompeu.

— Não há espaço para hesitação, Maegelle. Você precisa entender que seu futuro não é apenas seu; ele também reflete sobre a nossa família e nossa posição na corte.

Maegelle assentiu, engolindo em seco.

— O que você está pensando, mãe? — questionou, tentando manter a voz firme.

Alicent ergueu as sobrancelhas, um brilho astuto nos olhos.

— Estou pensando em Cregan Stark, o Senhor de Winterfell. A aliança com o Norte seria um passo inédito, algo que poderia mudar o rumo da nossa casa e do reino. Imagine, minha filha, uma união entre o sangue do dragão e a força do lobo. A reputação de nossa família se elevaria, e você, Maegelle, seria uma ponte entre duas casas poderosas.

As palavras de Alicent ecoavam na mente de Maegelle como um canto hipnótico, mas o significado delas parecia tão distante quanto o próprio Norte.

— Mas o Norte... — começou a jovem, sua voz hesitante. A ideia de deixar o calor do sul para o frio gélido de Winterfell a deixava inquieta. A imaginação dela se enchia de visões de flocos de neve caindo como penas de um dragão abatido e do vento uivante como um lamento distante. — É... é tão frio...

Alicent, percebendo a hesitação da filha, inclinou-se um pouco mais para frente, seu olhar penetrante quase a paralisando.

— A frieza do Norte é superada pela calorosa lealdade dos Stark. A segurança de uma aliança com eles garantiria um abrigo em tempos de tempestade, tanto literal quanto figurativamente. Você deve entender, Maegelle, que nossas decisões moldam o futuro da casa Targaryen.

As palavras de sua mãe eram como correntes invisíveis, prendendo Maegelle a um destino que ela mal compreendia.

E assim, Maegelle se sentiu cada vez mais oprimida. Era como se estivesse navegando em um mar tempestuoso, sem um mapa para guiá-la. O desejo de agradar a mãe, de ser digna de seu amor, tornou-se um peso esmagador em seu coração.

— Sim, mãe... eu entendo — respondeu, sua voz um sussurro abafado. Acordava cada vez mais para a realidade de que sua vida não era apenas dela; ela era um peão em um jogo onde cada movimento era calculado, cada aliança, uma estratégia.

Alicent, ao ouvir a concordância da filha, sorriu de maneira que Maegelle não conseguia decifrar completamente era uma mistura de satisfação e uma pitada de estratégia.

— Que bom que você entende, Maegelle. — disse, sua voz tão fria e calculada quanto um negócio de inverno. — Farei o possível para cuidar de todos os detalhes. Assim que tudo estiver em ordem, manterei você informada.

As palavras caíram como pedras no coração de Maegelle, mas ela forçou um sorriso, tentando esconder a tempestade de emoções que se formava dentro dela.

— Obrigada, mãe — respondeu, sua voz quase um sussurro. Tentou infundir suas palavras com um otimismo que não sentia. — Eu confio em você.

Alicent, indiferente ao esforço da filha, apenas acenou com a mão, como se estivesse dispensando uma dama da corte, antes de se voltar para seus próprios assuntos.

— Vá, então. Temos muito a fazer. — E com isso, a rainha regente desapareceu em sua própria solidão, enquanto Maegelle permaneceu ali, tentando encontrar consolo em sua própria fragilidade.

Com um último olhar para a figura majestosa de sua mãe, Maegelle se virou e saiu da sala, cada passo ecoando o peso da decisão que acabara de aceitar. No fundo de seu ser, a esperança se debatia contra a realidade, mas, ao sair, ela se forçou a acreditar que poderia enfrentar qualquer desafio, desde que sua mãe estivesse satisfeita.

Ao entrar em seu quarto, Maegelle fechou a porta com cuidado, como se o ato pudesse selar as preocupações do mundo exterior. O ambiente, silencioso e acolhedor, parecia um abrigo temporário das tempestades emocionais que a cercavam. Com um suspiro profundo, ela se aproximou da cama, onde havia escondido uma pequena caixinha sob o colchão. Era um tesouro precioso, guardado a sete chaves, repleto de memórias de tempos mais felizes.

Com mãos trêmulas, ela puxou a caixa para fora e a abriu, revelando uma coleção de cartas amareladas e desgastadas. Eram mensagens de Jacaerys, enviadas por corvos há algum tempo.

"Querida Maegelle," começava a primeira carta, e as palavras pareciam dançar diante de seus olhos. Ele falava de seus irmãos, Lucerys e Joffrey, das travessuras e alegrias que compartilhavam, e da saudade que sentia dos que nunca conheceu — Viserys II e Aegon III. Era como se Jacaerys estivesse pintando uma imagem vívida de sua vida em Dragonstone, e Maegelle se viu perdida em seus relatos, oscilando entre a felicidade e a tristeza.

Ah, como ela queria ter um dragão! Um pensamento que a perseguia incessantemente. Enquanto lia, lembrou-se do ovo que fora colocado em seu berço, tão esperançoso, mas que nunca eclodiu. A frustração e a tristeza misturavam-se em seu coração, como nuvens escuras que pairavam sobre uma paisagem outrora ensolarada.

Com um misto de ansiedade e esperança, Maegelle pegou outra carta da caixinha.

"Minha doce Maegelle," começava a carta, e logo o tom apaixonado fez seu coração se aquecer. "As noites em Dragonstone têm sido mais frias sem a sua luz. Às vezes, me pego perdido em pensamentos sobre você, lembrando do brilho dos seus olhos e da doçura do seu sorriso."

As palavras dançavam na mente de Maegelle como uma melodia suave, despertando sentimentos que ela havia enterrado sob camadas de insegurança. "Sinto falta de nossos dias juntos, de suas risadas e da forma como você falava sobre dragões como se conhecesse cada um deles. Você sempre teve um jeito de ver o mundo que encantava a todos ao seu redor. É como se a vida estivesse mais colorida quando você está presente."

Ela leu mais, sentindo-se envolvida pela sinceridade e calor de Jacaerys. "A verdade é que, mesmo em meio a todas as obrigações e expectativas, ainda penso em você. Se um dia os ventos mudarem e você estiver em Dragonstone, saiba que estarei esperando por você."

As palavras de Jacaerys eram como um abrigo, cada elogio uma nota que tocava sua alma fragilizada. "Você é uma flor rara, Maegelle, e mesmo que não a veja frequentemente, saiba que você está sempre em meus pensamentos. Eu desejo que você encontre a liberdade que tanto anseia, e um dia, talvez, possamos compartilhar o céu juntos."

Maegelle sentiu lágrimas quentes se acumulando em seus olhos. Cada elogio de Jacaerys a envolvia como um cobertor macio, preenchendo o vazio que a cercava. A forma como ele a via, como alguém especial e amada, fez com que sua mente se tornasse um turbilhão de emoções.

"Com todo meu carinho, Jacaerys."

Ela fechou os olhos, permitindo que o doce eco das palavras dele a envolvesse, enquanto a realidade pesada que a cercava parecia se dissipar, mesmo que por um breve momento. O amor e a saudade dançavam em seu coração, deixando-a anseando por um futuro onde pudessem voar juntos, livres das amarras do passado. 

Maegelle ponderou por um momento se deveria escrever para Jacaerys, mas logo uma onda de tristeza a envolveu. As novidades que desejava compartilhar seriam como lâminas afiadas, prontas para ferir o coração dele. A ideia de contar sobre as expectativas de Alicent a pressionando a se casar, a solidão que se tornara seu lar e a angustiante ausência dos irmãos a consumiu, e ela se viu incapaz de trazer mais dor ao garoto que tanto amava.

Com um suspiro profundo, deixou-se cair na cama, abraçando o travesseiro com força, como se pudesse encontrar consolo naquele gesto simples. O travesseiro se tornou um refúgio, acolhendo suas lágrimas silenciosas enquanto ela se permitia sentir o peso insuportável da expectativa que recaía sobre seus ombros jovens.

Se ao menos ela tivesse um dragão... A imagem de um grande e majestoso ser alado a transportando para Dragonstone a seduziu. Em sua mente, ela se via livre, sobrevoando as montanhas e o mar, enquanto Rhaenyra a recebia com abraços calorosos, garantindo que tudo ficaria bem. Mas a realidade era outra; a única coisa que possuía era um ovo que nunca eclodira, um símbolo de um potencial que nunca se realizara.

E mesmo se tivesse um dragão, provavelmente seria fraca e covarde demais para fugir. A ideia a atormentou, e ela não pôde deixar de se sentir como um erro, uma Targaryen que não se encaixava na grandiosidade de sua linhagem. Aquelas palavras ressoavam em sua mente como um eco cruel, um mantra que a acompanhava em seus momentos mais solitários.

Ela virou-se para o lado, a dor e a tristeza se entrelaçando como uma teia espessa em seu coração. O que seria dela? Uma sombra da grandeza de sua família, perdida em um mar de obrigações e expectativas, sem saber como se encontrar.

Era um erro de Targaryen, uma decepção para sua casa como sua própria mãe disse quando ela arrancou o olho de Aemond, ela era cruel, pensou, enquanto a noite caía lá fora, como um manto escuro cobrindo a Fortaleza Vermelha, e com ele, suas esperanças e sonhos pareciam se apagar, um a um.

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