3
Zheth tentava se distrair ao sentar a um canto. Sorriu a observar as crianças a correr com seus cabelos soltos, desejando ser como elas, a brincar sem qualquer preocupação que não se divertir ao máximo. O sorriso logo sumiu de seu rosto. Não recordava seu tempo de criança, os amigos, as brincadeiras, a casa, o pai, a mãe.
Talvez por perceber como estava quieto e amargurado, a filha do casal o convidou a conhecer a aldeia. Alguns poucos aldeões se apresentaram, apontaram suas casas, seus trabalhos, comentaram sobre a plantação ou o festival de pesca a ocorrer na próxima chuva. A maioria, entretanto, preferia manter distância. As jovens como Cristialli o observavam com curiosidade, cheias de cochichos e risinhos que o deixavam vermelho. Os rapazes mediam seu corpo magro e puxavam as mangas das roupas para deixar os músculos fortes à mostra, sempre a rir de sua cara.
– Não dê atenção, são todos idiotas. – sussurrou ela, guiando-o para longe.
A respirar fundo, Zheth percebeu que não era nada ruim passar sol após sol no pequeno quarto com teto de palha.
Ao avistar uma pequena arena cercada de espinhos, perguntou a respeito e, ao saber que a chamada 'cerca' servia para prender possíveis invasores, criaturas ou visitantes não bem-vindos, a garota riu de sua expressão e completou que a cerca não era usada desde que seu pai corria de cabelos soltos.
Cristialli juntou-se a um grupo de mulheres em uma cabana sem paredes, para aprender a coser roupas. As mais novas cochichavam aos risinhos, e as adultas resmungavam incomodadas, então Zheth preferiu se afastar.
A se sentar sozinho sob uma árvore, estava certo de não se encaixar naquela vila. Permaneceu infeliz e a remoer preocupações, distante, até uma bolota atingir sua bochecha. Tentou não demonstrar reação conforme o grupo de rapazolas se aproximava.
– Cara branca. – debochou um deles. – Saiba que não o consideramos bem-vindo aqui. Vá embora o quanto antes, ou encontraremos um meio de colocá-lo na cerca.
Antes que tentasse dizer qualquer coisa, o grupo atirou mais bolotas em sua direção. Pelo menos não machucam, pensou infeliz. Levantou com a bengala para poder se afastar, recebendo uma rasteira que arrancou uma exclamação de sua boca ao se estatelar contra o chão.
– Da próxima vez, usaremos pedras. – o rapazola vociferou ao seu ouvido.
– Zheth? – chamou Mjehad.
O grupo se afastou apressado antes que o homem chegasse. Ao vê-lo caído, Mjehad se aproximou realmente preocupado.
– Acho que se esforçou muito, está mais pálido ainda.
– Nem todos os jovens são educados como sua filha. – resmungou ao se erguer trêmulo.
– O que disse? – o homem franziu a testa em uma expressão de raiva e incredulidade.
– Eu só... Eu só quis dizer que... Aqueles rapazes... – constrangido, percebeu que o melhor era simplesmente calar a boca.
– Sua falta de memória também o deixa com falta de educação? – perguntou ofendido. – Nossa aldeia é unida como uma enorme família. Todos são pais, todos são filhos. Criamos e tratamos a todos da melhor maneira possível. E agora você quer dizer que não educamos nossos rapazes direito? Se não foi isso que quis dizer, então o que foi?
– Eu quis dizer que são fortes. Não tive intenção de ofender. Digo isso perante Írmia. – arriscou, aliviado em perceber alguma melhora no rosto do outro.
A engolir seco, Zheth sentiu o buraco em seu interior se alargar ainda mais enquanto os olhos começavam a arder. Teria de ir embora, e só sabia o nome da ilha, que não significava nada. Não fazia a menor ideia de quem era, nem para onde poderia ir.
– Por Írmia, rapaz misterioso. Tome cuidado com suas frases. Prefiro que pare e pense a dizer qualquer coisa de forma errada. Esquecerei os insultos desse sol, mas você deve lembrá-los para não cometer outros.
Zheth não conseguia deixar de se sentir rebaixado. Tudo parecia rude. Certamente era um estranho na aldeia, diferente de todos, encontrado de forma suspeita. Não eram obrigados a confiar nele. Ainda assim estava angustiado. Seguiu para seu quarto e lá permaneceu decaído até Crizhad o chamar para comer à lua. Sua verdadeira vontade era dizer que não queria ir. Preferia ficar naquele quarto que parecia mais seguro.
– Covarde. – resmungou sozinho. - Não sei se é mais covarde por não querer ir ou por não conseguir dizer que não quer.
Acompanhado pela família de Mjehad, seguiu até a praça central. Grandiosa fogueira iluminava as mesas forradas de comida, assim como uma feia estátua de madeira da criatura encapuzada, quase do seu tamanho. Respirou fundo ao conseguir sentar em uma mesa bem afastada daquela coisa.
Aldeões mais amigáveis se aproximavam para lhe dar palavras simpáticas. Crianças pequenas se aventuravam a tocar sua perna, fugindo em seguida para rir com as outras, e era algo tão inocente que Zheth acabou por achar engraçado. Não ousou olhar na direção dos rapazes e fingiu não escutar alguns deboches, assim como fez de tudo para ignorar as risadinhas das garotas. Tentou atentar às histórias e lendas que alguns aldeões contavam ao se posicionar ao lado da fogueira, só que os nomes estranhos faziam com que se perdesse e confundisse o conto inteiro.
Ao fim, todos entoaram a longa canção dedicada à Írmia, lançaram comida na fogueira em homenagem à encapuzada e se despediram para rumar para casa. Cheio de expectativa de poder se deitar, empalideceu quando Crizhad perguntou se não iria cantar à Írmia.
– Ele cantou conosco. – interveio Cristialli. – Errou uma ou outra parte apenas.
– Eu não vi. – murmurou a mulher, medindo-o em dúvida.
– Por Írmia! Eu não preciso ver para saber que você detesta peixe! – resmungou a garota, e a mãe cruzou os braços e deu as costas, realmente alterada. – Sempre que ela insistir em algo, é só falar em peixe. – sussurrou para Zheth, o sorriso cruzando o rosto.
Zheth retribuiu o sorriso, apesar de se sentir estranho. Conforme os seguia, percebeu que o rosto zangado da mulher se desfez, e aquela família riu, brincou e se abraçou. Uma pontada se fez em seu peito. Queria lembrar com quem convivera no passado. Pessoas que gostaram dele. Que sorriram, abraçaram. Um incômodo o atravessou ao imaginar se haveria alguém preocupado com ele naquele exato momento. Esperando-o, chorando de saudades. Com o vazio a corroê-lo, sequer suportou ouvir mais nada. Só queria se retirar ao quarto e mergulhar no sono para esquecer o buraco que crescia em seu interior.
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<3
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