⇝ CAPÍTULO 12: O perigo que se aproxima


   Foram longos dias sem seu pai por perto, e Oliver passava boa parte deles em treinamento, lendo e tentando principalmente controlar alguma água, já que fogo ele sequer chegava perto e ainda temia ser flagrado tentando fazer algo diferente, por mais que ele pouco tivesse noção disso.

   Ao fim do dia que se aproximava, resolveu não sair. Ouvia por uma boa distância vozes e barulhos. Havia muitas crianças brincando pelas ruas do Reino naquela ocasião. Homens bebiam pelas praças e mulheres conversavam entre si.

   Em muitas momentos, jurava ter visto Virgo vagando pelas proximidades da casa como um corvo na noite. Era assustador. Saiu por três vezes para conferir se o professor estava por perto, mas logicamente nada encontrou.

   De longe uma das pessoas mais sorrateiras do Reino e que detinha uma enorme qualidade em se ocultar misteriosamente. Virgo realizava a ronda por Eskkad todos os dias. Por vezes, acima de árvores próximas, outras, sentado em telhados vizinhos ou construções distantes e altas, onde conseguia observar cada passo não só de Oliver, mas de todos os civis. Era similar à um animal notívago, e raramente era visto durante o dia, exceto quando lecionava na Academia e em momentos especiais, como em treinos para o garoto.

   Na manhã seguinte, Oliver recebeu uma carta, deixada na soleira da porta.

   "Caro Oliver, filho de Eskkad e Luna. Espero você ao fim da tarde frente ao Covil dos Beberrões. Conto com a sua presença."

   Não havia nome, assinatura ou remetente. Estava posta próximo a porta redonda de sua casa. Retornando para dentro e após lê-la, Oliver olhou pela janela para ver se havia alguém, mas nada viu.

   Poderia ter sido qualquer um. De Virgo à Mya, mas após alguns segundos, tomou-se por outra idéia: sua mãe. Assim, seus olhos brilharam, e ele ficou radiante com a possibilidade. Seria Luna querendo reencontrar seu filho às escuras e disfarçadamente?

   O resto dia lhe foi tomado por perguntas, inventando cenários, imaginando cenas e refletindo sobre um provável retorno da pessoa que ele mais amava.

   Assim sendo, por volta das seis e meia da tarde, ajeitou as calças, colocou um casaco fino herdado de seu pai e se pôs a andar. Sem o bastão, sem uniformes.

   Demorou alguns bons minutos para se localizar, e só assim entrou na rua que levava ao destino pedido pela carta. À noite se reservava curiosa e mística, e havia um aroma floral por cada canto que passava, subindo pelos canteiros e jardins que ficavam a frente de algumas modestas casas.

   Naquele período, não se sentiu seguido ou observado por ninguém. Sem saber, claro, ele estava correto, já que Virgo não o acompanhou sordidamente naquela ocasião.

   Apontou numa esquina e a dobrou por completo para parar próximo ao local desejado. Por alguns minutos, observou a localidade, e pela janela que se observava, apenas homens estavam presentes. Bebendo e cantando músicas com palavras de baixo calão. Não se pode negar que estavam felizes e se divertindo.

   Logo em seguida, girou seu pescoço para observar outros cantos. Tudo ali estava vazio, e os becos escuros e solitários como de praxe.

   Enquanto caminhava de um lado para o outro, esbarrou em alguém, e logo se virou. Acreditou ser sua mãe de imediato à sua espera, mas após a trombada e a locomoção, apenas viu Mya, com uma espécie de jaleco claro e também sem entender o que estava acontecendo.

   — Está me seguindo!? – gritaram juntos.

   — O que quer aqui!? – novamente falaram ao mesmo tempo.

   — Certo. Eu falo primeiro. – cortou Oliver. — Estou esperando uma pessoa.

   — Não. Ora! Eu estou esperando uma pessoa. – respondeu rispidamente. — E o que é isso!? – Questionou ao reparar que Oliver guardava algo em suas mãos.

   — Fui chamado por essa carta.

   — Mas eu recebi uma carta idêntica! – logo ela puxou sua carta e entregou a Oliver, que a leu prontamente.

   "Digníssima Mya Havertz, filha de Arvid e componente da família da qual respeito muito. Espero você próxima ao Covil dos Beberrões, ao fim da tarde e início da noite. Conto com a sua estimada presença."

   — São praticamente os mesmos dizeres. – explicou ao devolvê-la.

   Logo, olharam para todos os lados. Curiosos a procura de algo ou alguém, que logo viria. Em instantes, quando de costas estavam para um dos becos enegrecidos, foram puxados instantaneamente para as sombras e não mais foram vistos ali. Sequer tiveram tempo para contra-atacar, gritar ou pedir por ajuda.

   Quando finalmente conseguiram enxergar e raciocionar perfeitamente, estavam descendo uma curiosa escadaria subterrânea. Água escorria pelos degraus e pelas paredes grossas e rígidas. Eram acompanhados por duas pessoas, como uma escolta, e não conseguivam ver seus rostos. Temerosos, fizeram o caminho em silêncio e receio do que estava acontecendo.

   Adentraram a um espaço de rochas e similar ao trajeto que fazia. O subsolo estava bem iluminado, por incrível que pareça, e agora ambos tinham visão melhor, embora pouco conteúdo possuía o local. Uma elevação rochosa ao centro e poços ao lado, mas estavam vazios.

   Logicamente, ambos não conheciam a localidade, mas era apenas a parte subterrânea da taverna, onde muito se fazia lutas clandestinas e seus pais assistiam em determinadas ocasiões.

   Por trás de uma escada que ficava a frente e próxima a um portão de ferro, saiu Meltar, o Rei. Vestia uma calça rasgada e uma camiseta branca. Felizmente não estava bebendo.

   — Desculpem por tudo isso, crianças.

   — Majestade! – gritou Mya, curvando-se a Meltar, e Oliver a imitou.

   — O que é isso? Basta, basta. – disse o Rei. — Por aqui, jovens.

   Realizaram a trajetória até a porta, e cada vez mais se distanciavam das ruas, agora completamente longe de onde civis passavam. Estavam no fundo do fundo do subsolo.

   Havia uma pequena sala, completamente vazia e com pouca iluminação. Uma mesa ao centro e uma cadeira de um lado, tendo visão para mais duas, do lado inverso da mesa. O Rei sentou-se numa delas, e a dupla na outra. A porta se bateu sozinha, e não se tinha visão do que havia empurrado a mesma.

   — É uma sala de tortura?

   — Interrogatório? - perguntou Oliver, superando a voz de Mya.

   — Bem, era durante a primeira Guerra, mas ela foi desativada, felizmente. Trouxe vocês dois aqui para conversar a respeito da viagem passada.

   — Por que num lugar tão feio e assustador assim?

   — Ah, minha jovem. Eu fiquei receoso que as pessoas vissem vocês dois com o Rei por aí. Sabe, batendo papo, jogando conversa fora. Aqui é mais seguro.

   — Aliás, eu tenho certeza que alguém nos trouxe até aqui por aquele beco medonho. - Oliver foi o primeiro a questionar veementemente os métodos daquela conversa.

   — Ah, esqueça isso, Oliver! Vamos ao que interessa. Ah! Só mais uma coisa. A carta fui eu mesmo quem fiz. Só não fui eu quem deixei na casa de vocês. Pedi a alguns subordinados. Agora, Mya, como conseguiu sair de casa?

   — Meu pai ainda anda de luto pelo amigo morto. Não foi fácil driblar os vigias da minha família.

   — Tudo bem... Fico grato com a presença de vocês. Não quis assustá-los, acredite. É que preciso saber sobre a missão que fizeram. Deixei-os em silêncio por muito tempo, não quis assustá-los, mas é chegado o momento em que eu preciso entender o que aconteceu naquela viagem.

   — O Mago não lhe contou?

   — Não, meu querido! Digo, eu tive uma longa conversa com ele, mas o coitado não participou de toda a aventura com vocês, não é mesmo? Debatemos sobre muitas coisas... Coisas especiais, eu digo.

   — Especiais como? – Mya passou seus curiosos olhos no Rei.

   — É... Coisas referentes ao bem estar de Valerian, dos povos!

   Ele não mente muito bem. Pensou Oliver. 

   — O que quer saber?

   — Vocês viram algo diferente? Sentiram algo pelas florestas?

   Oliver e Mya trocaram olhares receosos, e a garota tomou frente, como sempre fazia.

   — Bem... Passamos por alguns perrengues. Digo, encaramos Orcs. – iniciou. — Aquele maldito orc com olhos vermelhos... – continuou, dessa vez em um tom que guardava ódio, e seu punho cerrou-se próximo a sua coxa, e Oliver colocou a mão sobre ela, como se quisesse acalmá-la, e assim prosseguiu.

   — Tiveram também os goblins nas noites anteriores ao equinócio. Mas tudo isso normal. Quero dizer, se você sai em uma aventura pelas matas, é claro que vai encontrar orcs, goblins e até trolls. É o que se espera, a não ser que você tenha muita sorte e saia ileso.

   — Acredito que essas criaturas estavam vagando por algum outro motivo. Pela época do ano, por exemplo, não deveriam estar batendo perna assim. Eu sei, tudo bem, eles saem à noite, mas não me convence. – o tom do Rei era lento, meio com pesar. — Não houve mais nada?

   — O Mago provavelmente lhe contou sobre a criatura de fogo, não é? Também sabe que o monstro estava nos salões dos Anões, provavelmente.

   — Sim, claro. Essa parte ele esteve presente.

   — Bom, não houve mais nada, vossa majestade. Eu sinto muito.

   — Mya, o papel deles! – comentou Oliver.

   — Papel de quem, garoto!?

   — Dos Anões, ora!

   — Ah sim, perdão. – respondeu Mya ao entender e perceber do que se tratava. — Encontramos um papel em uma das casas do Povo Anão. Era como um bilhete, ou uma carta.

   — E você lembra o que estava escrito nesse papel? Trouxe consigo?

   — Sim! Digo, não lembro exatamente, mas eu trouxe de volta, embora tenha ficado chamuscado em uma parte. Mas está em casa. Eu não sabia que seria sequestrada pelo Rei!

   — Acalme-se, querida!

   — Eu me lembro vagamente de cabeça. – introduziu Oliver. — O anão que escreveu estava a trabalhar nos Campos Verdes, algo assim o nome do lugar. Disse que estava muito produtiva a colheita, se não me engano e que estava com saudades de alguém. Também perguntou a respeito de um outro anão, que acredito eu, estava doente quando o autor da carta saiu a trabalho.

   — Curioso... Os Orcs tomaram aquele lugar, e posteriormente ao tentarem saquear o ouro dos Anões, muitos deles foram brutalmente mortos e uma parcela dizimada pelo demônio de fogo. É o que eu consigo encaixar na minha tese. O período de tempo se enquadra perfeitamente.

   O Rei coçava a testa, como se pensasse em algo.

   — Todos os Anões estão mortos? – perguntou a garota.

   — Eu acredito que não, e espero do fundo do coração que não. Eu adoro os Anões! Eles gostam muito de beber e de farrear, mas faz muito tempo que não se ouve falar neles.

   — Por que não envia uma equipe de busca por Valerian?

   — Seria insanidade, Oliver. Mas os Anões sabem se cuidar e se virar sozinhos. Tenho certeza que aqueles baixinhos estão dando um show onde estiverem.

   — Entendo, majestade. Se me permite, preciso ir embora.

   — Uma última questão! Por favor. - bradou Meltar.

   — O inimigo de fogo não pode ter adentrado aos Salões de Valamar assim... Vocês dois, não viram nada de estranho?

   Os jovens respiraram um pouco, e dessa vez Oliver tomou a dianteira.

   — Não podemos garantir nada, mas...

   — Diga logo, Oliver. – resmungou a garota.

   — Tudo bem. Nós dois tivemos a impressão de ver algo, ou alguém antes da aparição da criatura naquele instante.

   Os olhos de Meltar se puseram para fora e ele se ergueu da cadeira.

   — Um homem? Uma mulher? Do que se tratava!?

   — Não fazemos idéia, desculpe. Parecia ter a altura média de um homem alto. Não vimos mais nada, mas ele parecia vestir uma capa às costas. Desapareceu momentos depois.

   — Já está ficando tarde... - sussurrou Mya.

   Meltar se acalmou em seguida.

   — Mil desculpas. Podem se retirar. Sabem o caminho de volta. Saindo por essa porta, subam a escada de pedra à esquerda e aí o trajeto se abrirá.

   A dupla abriu a porta mansamente, e Oliver esperou alguns segundos com a mão na maçaneta, como se sentisse a presença de alguém. Olhou de relance para o Rei, que acenou com um sorriso simpático. Assim saíram.

   — Podem aparecer.

   Assim que o pedido foi feito, duas pessoas saíram dos cantos da sala, tomados por escuridão onde sequer foram vistos por Oliver e Mya. Meltar respirou fundo.

   Um dos sujeitos era esguio e vestia um manto negro de pano, e o outro era ligeiramente mais baixo, vestindo as mesmas roupas. Retiraram a veste morosamente. Era Virgo, de um lado, e o Milo, um dos Capitães do Exército, na outra ponta.

   — São boas informações. Como eu imaginava. Existe alguém tramando pelas costas de Valerian. Vocês ouviram a conversa, ouviram o que os garotos viram e contaram. Aquele demônio antigo foi invocado pelo ser misterioso que foi visto por eles. Eu não só deduzo! Eu tenho certeza! - gritou o Rei.

   — Logicamente sem Anões e sem uma comunidade de Orcs num lugar que deveria estar tomado por eles. Ou o demônio de fogo dizimou, ou o personagem oculto deu cabo de todos eles. - opinou o baixinho Milo com seu olhar gélido e cruel.

   — Basicamente é isso. Bem, uma criatura daquelas pode devastar um Reino sozinho. Limpar um vilarejo com Orcs não é nada para eles. Porém, o participante que não conhecemos... Teria ele poder o suficiente para acabar com varios Orcs facilmente?

   — Não. - disse Virgo, se adentrando a conversa. — Meu palpite parte do ponto em que o desconhecido apenas invocou o monstro e o resto aconteceu por tabela.

   — Não tem como sabermos. E outra, como o maldito sem nome identidade entrou sem que os Orcs o detectassem? Não bate!

   — Isso gera um enorme debate, meu Rei.

  — São tempos obscuros. – disse Virgo. — Agora, se me permite, preciso acompanhar Oliver no retorno a sua casa. Ele sequer deve estar no meio do caminho e não posso perdê-lo de vista.

   — Tudo bem. Uma coisa, somente.

   Os dois se viraram novamente para a autoridade, que se pôs a explicar.

   — Tenho um acordo fechado com as lideranças do Fogo, Ar e Terra. Mantive sigilo por um tempo, mas a Rainha da Terra viu Azelio chegando naquela data. Precisaremos debater e explicar a respeito da profecia e da chegada de um inimigo superior. Se for preciso, teremos que nos unir.

   Os acompanhantes do Rei se despediram, e Meltar retornou ao seu Templo posteriormente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top