⇝ CAPÍTULO 17: O inimigo de Olho Vermelho
É claro que Mya e Oliver não ficaram brigados por muito tempo. Na manhã seguinte já trocavam sorrisos e conversavam acima de seus cavalos, e Dumas cavalgava mansamente na frente de ambos.
Já haviam feito a refeição antes de sair, beberam suas águas e fizeram uma bela fogueira durante um curto espaço de tempo ainda pela manhã, mas a apagaram rispidamente antes de saírem, sem deixar tantos rastros e claro, sem deixar que a fumaça se alastrasse pelo céu; um claro aviso de que havia pessoas por ali, atraindo raças e criaturas das quais eles não queriam encontrar.
— Por que não nos dividimos?
— Por que, garoto, isso seria loucura. – bradou Dumas, olhando para trás.
— Vasculharíamos mais áreas em menos tempo.
— Sim, e a chance de morrermos seria triplicada e nossos corpos jamais encontrados.
— Errado não está. – sussurrou Mya.
— Então o que sugerem, senhor e senhora sabe-tudo?
— Vamos prosseguir a frente. Daremos voltas pelas matas durante o dia e à noite dormiremos.
— É impossível que achemos alguém perdido pelas selvas.
— Caso fracassem, vá servir de lição. Ficará como experiência para vocês, jovens.
Um pouco do sol brilhava sobre a cavalgada, que permaneceu pelas densas árvores por boas horas.
— E para você, não serve?
— Tenho muita experiência. Essa missão é só mais uma. – respondeu seriamente para Oliver, e Mya apenas escutava.
O vento que vinha do norte era frio, e se punha contra o sol acima, mas com o passar da viagem, fora diminuindo e diminuindo, até o clima ficar mais ameno ainda. Seus casacos grossos ainda eram utilizados e de muito bom grado naquele período.
O trio diminuiu o ritmo e pausou a cavalgada quando a noite se iniciou. Os cavalos foram amarrados novamente, e Dumas se prontificou a sair.
— Estudarei o perímetro. – disse. — Dê-me o mapa e o pergaminho com as anotações.
Assim que o pegou, Oliver e Mya se puseram a organizar as camas novamente, e o Amigo-dos-Elfos caminhou ao leste, a pé e estudando os instrumentos de trabalho, que eram brevemente iluminados pela luz da lua.
Naquela região, constava a presença de Shauagins, e Dumas se aproximou o máximo que pôde. Havia um pequeno buraco numa grande rocha, e sua parte traseira não era visível.
Acreditou ali ser a morada das desagradáveis criaturas e a observou por longos minutos, até que o vento gelado aumento e o fez voltar. Não houve som, presença ou nada oriundo de lá, e isso o fez um pouco mais tranquilo. A noite poderia ser bem dormida.
Dado retorno, Mya e Oliver já dormiam, exaustos, dessa vez mais que a noite anterior.
Dumas se pôs a ficar acordado, mesmo sabendo que nada se ouvia ou via da residência dos Shauagins. Nem mesmo o som de águas na parte interna daquele buraco.
No meio da madrugada, quando todos dormiam e Dumas descansava próximo a uma árvore. O som de folhas esmagadas e pisoteadas vieram. Ouvidas à distância, algo, alguém ou muitos se aproximavam.
Oliver e Mya se levantaram, ergueram seus pescoços, assustados com o som, e Dumas colocou uma de suas mãos dentro da longa veste, pronto a sacar alguma arma.
Os sons aumentaram, aumentaram e logo surgiu um Centauro.
— O que fazem aqui? – perguntou, uma voz séria e retumbante, em plena madrugada, se fez, e os pelos do corpo de Oliver se arrepiaram, e o mesmo ficou congelado ao lado de Mya.
Dumas levantou-se, pacífico e sem medo.
— Cairon. – disse, e um sorriso amigável veio em seu rosto.
— Dumas? É você?
Mya e Oliver relaxaram e se entreolharam. Parecia não ser nada temeroso.
— Há muito não o vejo.
— Igualmente, Cairon. – respondeu semelhantemente. — Por onde anda Lorde Tolkien?
— Muito distante daqui. – e olhou de relance para os mais jovens que agora acordaram. — Quem são estes?
— Oliver e Mya. Estou a guiá-los numa missão para a Água.
— Vocês terão um belo professor e guia. – parabenizou.
— Não me disse o que faz por essas bandas, Cairon.
— Ah. – suspirou. — Estávamos observando a noite. Você sabe...
Centauros são extremamente inteligentes, nobres, orgulhosos e grandes guerreiros, mas acima de tudo, apaixonados pelo céu, ainda mais quando este está estrelado e tão exuberante como estava nesta noite.
— Não notou nada de estranho? Não encontrou ninguém pela mata?
— Não, nada. – respondeu enquanto observava as estrelas. — Para ser sincero, não vigiamos e nem observamos com cautela a região, então não sabemos.
— Quantos estão com você?
Pelo menos outros cinco Centauros saíram de trás das matas. Do torso para cima, o corpo humano, e para baixo, a parte de cavalo. Todos semelhantes uns aos outros. Aparência viril e rude. Cairon se destacava pela postura de líder e pelas armas que conduzia à sua cintura, como uma longa faca prateada. Seu cabelo ensebado e castanho sacolejava contra o vento, e seus companheiros se puseram atrás do mesmo.
— Somos todos. Saí com estes camaradas há algumas horas.
— Sem medo dos Orcs, Goblins ou Trolls?
— Eles é que devem nos temer, companheiro! – e sua parte cavalo se ergueu ferozmente, e seu rosto exibiu seus dentes num sorriso. — Agora, se me permite, deixe-me ir, precisamos voltar ao nosso lar! – e bateram em retirada.
— E vocês voltem a dormir. – ordenou Dumas, se recostando novamente.
Oliver e Mya retornaram ao sono, mas antes disso trocaram alguns cochichos sobre a inesperada aparição dos Centauros.
A quarta-feira se iniciou abençoada pelos raios de sol, que cortavam a copa das árvores. Havia forte cheiro de frutas naquele trecho, se juntando também ao aroma do mato umedecido pela chuva de muitos dias atrás e o odor natural de toda a vastidão verde que se encontrava.
Cavalgavam lentamente, e no início da tarde, Dumas se separou da dupla.
— Vou verificar algumas cavernas que encontrei ontem à noite. – disse, sem comentar sobre a possível vivência de Shauagins por lá. — Se possível, trarei algumas frutas comigo.
Oliver foi prontamente contra, e Mya deu aval ao servo de Havertz.
— Antes que eu me esqueça. Dê-me um dos pergaminhos. – e Oliver o entregou. — Quero que cavalguem nesta direção. Eu os encontrarei em breve.
E assim, a jornada se dividiu. Oliver e Mya seguiram adiante, e Dumas desapareceu por entre as árvores.
A dupla acelerou a cavalgada, destrinchando a selva à frente, passando por um terreno macio e largo, diferente de todo o trajeto passado.
Flores cobriam parte do chão, e se juntavam as maiores árvores de toda aquela viagem. O tempo ainda passava, e aos poucos o sol se extinguia.
— Está demorando, não acha?
— Sim, mas ele deve retornar em breve. – disse Mya ao desviar o olhar. — Assim espero.
A já fraca luz do sol, era filtrada pelas copas, e em alguns minutos, já estariam presentes na imensidão noturna.
Conforme a noite se aproximava, os dois persistiam na cavalgada, agora já mais temerosa que outrora, e suas feições eram frágeis e débeis, temendo pelo pior e pensando em Dumas, que ainda não havia retornado ou os encontrado.
— Onde estamos? Estamos no lugar em que ele pediu? – questionou Mya, segurando firmemente em seu cavalo.
— Sim, olhe. – respondeu apontando para o mapa. — Estamos onde ele comentou.
Antes que pudessem descer de seus cavalos, ruídos desconhecidos vieram das matas.
— Foi você? – perguntou Mya, disparando seu olhar para o restante dos lados, e Oliver fez que não, com a cabeça.
Braços se colocaram para fora das plantas que ali ficavam. Alguns grossos, outros finos. Mas todos acinzentados e imundos.
As criaturas grunhiram, e se puseram para fora. Iluminados pela luz da lua que se erguia.
— Orcs. – falou Oliver.
As medonhas criaturas cochicharam entre si, num idioma desconhecido para a dupla da Água.
Uma delas emitiu um alto grito, e simplesmente avançou, com sua calçola podre e sua aparência demoníaca. As costas e pernas arqueadas.
Carregava consigo uma faca, e Oliver teve o tempo de reação perfeito para entrar na frente de Mya, e num reflexo impressionante, sacou o bastão de suas costas, usando-o como escudo.
A faca se chocou, machucando parte da arma de Oliver, que o segurou, olhando olho no olho do demônio de pele cinza e olhos dourados.
O orc mostrou seus dentes tortos e fétidos, e continuou a empurrar a faca, e Oliver empurrou Mya para trás, segurando-se junto ao inimigo. Tensão a mil, força e vontade em sua defesa, até que Oliver conseguiu empurrá-lo de volta.
Alguma de suas tralhas foram ao chão. Mapa e pergaminho se juntaram ao terreno e sujeiras que ali haviam.
— Mya! – gritou Oliver, e um segundo Orc, semelhante ao anterior, avançou com duas facas longas, e a garota bailou sobre o que agora era um campo de batalha.
Desviou de ambas, mas não teve força física para golpeá-lo, assim, deu três passos para trás, evitando um novo confronto.
— Oliver, à sua esquerda. – e agora o mesmo acertou-o com o cotovelo. Estava ao chão, ainda que com o bastão em seu colo. Já era, vamos morrer.
Um jorro de sangue negro se juntou a brisa noturna. Uma afiada faca, arremessada com maestria, engatada no centro da cabeça do Orc, que se debateu instantaneamente.
Era Dumas.
— Fiquem para trás. – e sua voz ecoou como uma sobrevida para os dois.
Largou a cesta com frutas e seu cavalo para com Mya, e se dirigiu ao centro, agora, cercado por pelo menos quatro orcs, já que o quinto estava praticamente morto.
Os passos de Dumas eram cautelosos e beiravam a perfeição. Em segundos, mostrou o motivo de seu apelido, sacando de suas vestes, uma rapieira, longa, fina e mortal.
A proteção que lhe guardava a mão era esmeralda, e agora você entende sua alcunha.
Seus golpes eram tão ágeis que os Orcs mal podiam se defender, e assim, Dumas executou um a um, e o grito de desespero do inimigo se esvaiu por aquela longa noite.
— Corram, rápido, partam! – gritou, e os três montaram em seus cavalos.
Mya e Oliver partiram pelo comando de Dumas, e o trio cavalgou o mais rápido possível.
— Mais orcs virão. Depressa, depressa. – ordenou novamente. Não deveriam estar aqui.
Cavalgavam tão desesperados, que Mya deixou a colheita no local passado. Mapas e pergaminhos também foram perdidos, e assim a bateram em retirada, sem olhar para trás.
— Quantos deles devem ter? – perguntava Oliver enquanto não tirava os olhos do trajeto que agora era desconhecido.
— Muitos. – respondeu. — Orcs, Trolls e Goblins só saem de suas moradas sem a luz do sol. Precisamos nos manter acordados, ou se não, sequer acordaremos.
A paisagem agora era mais obscura, composta por árvores retorcidas e galhos secos. Depois de horas cavalgando, a fuga persistia em seu tom de terror, e o trio precisou parar próximo a um vau. A noite era mais aterrorizante do que tudo neste momento.
Do outro lado, a ignávia se fazia presente num emaranhado de árvores enormes, acobertadas por um terrível breu.
— Vamos embora. – mandou Dumas, e todos se puseram a montar em seus cavalos novamente.
Um urro se fez presente, rasgando a silenciosa noite. Do outro lado, um seleto grupo de Orcs, agora, portavam espadas curvas e outras lâminas pontiagudas.
Acima de seu cavalo, os três se entreolharam, e Dumas agrupou seu dedo indicador e médio, e deu uma breve demonstração de seu controle elementar.
As águas do vau se ergueram, como ondas e avançaram sob o grupo inimigo, como uma rajada devastadora, destroçando árvores e jogando Orcs ao fundo das árvores.
Um tremendo gesto de poder de um Elementalista da Água.
— Incrível. – falou Oliver em voz baixa.
Com seu bastão em mãos, Mya o sacolejou morosamente acima do cavalo, e uma minúscula onda foi feita, encobrindo o corpo dos Orcs e os empurrando ainda mais para trás. Oliver apenas observou, enquanto era salvo por todos.
Então, uma faca rasgou os ares, e cravou-se no centro do cavalo de Oliver, que relinchou bravamente e o jogou ao chão, caindo com as costas nas pedras que se aproximavam do vau.
— Droga! – gritou Dumas. — Pegue-o, Mya.
Havia uma nova leva de orcs saindo da escuridão e pisando sob o agora chão úmido. Caminharam em direção ao vau, pelo menos oito deles, e a rasa água fazia com que as criaturas pudessem caminhar nelas.
Em desespero, Oliver já fechara os olhos, temendo pelo pior. Num reflexo, lembrou-se de seus momentos passados, e o primeiro orc a se pôr na água, saltou para trás de imediato aos gritos. A água estava fervendo em níveis alarmantes, e Orcs não gostam disso. Dumas olhou para Oliver com desconfiança, mas não tinha tempo para questionamentos.
Mya puxou o amigo pelo braço, e ambos dispararam atrás de Dumas, que continuava em alta velocidade pela selva negra que se aproximava.
Já não sabiam o que viria pela frente. A cada minuto, o terreno se tornava mais desconhecido, e a cada cavalgada, aumentava a possibilidade de batalhas futuras.
Já próximo do término do trecho obscuro, Oliver percebeu que também havia perdido seu bastão, e suas costas doíam pela queda do cavalo, agora sendo carregado por Mya.
A cavalgada fora interrompida. Para a infelicidade, o pior havia acontecido.
— É bom ver espécies diferentes nas matas negras. – disse uma voz inescrupulosa. Era ele, o filho de Akonar, o líder dos Orcs.
— Muita audácia terem matado tantos companheiros meus. – ele disse com seu olhar maligno. E seu olho esquerdo era vermelho, vermelho como sangue. E isso o diferenciava de todos os outros três que estavam com ele.
— Akanar, o Orc-do-Olho-Vermelho. – proferiu Dumas, ainda em seu cavalo.
— Bom, vejo que me conhece. – provocou, agora com um sorriso diabólico no rosto cinza escuro.
Akanar era maior e mais forte que todos os capangas que estavam com ele. Era robusto, forte, confiante e tinha pelo menos dois metros e alguns centímetros.
— Por que não desce e confere se a lenda é verdade. – pediu em tom debochado.
Mya e Oliver trocavam olhares. Agora realmente era uma situação de vida ou morte.
— Se é assim que deseja, faremos. - e Dumas saltou de seu cavalo.
O guardião de Havertz retirou sua fina espada. Desafiado a uma batalha surreal contra Akanar.
O líder, então, acenou para que seus servos atacassem os outros, mas Dumas jamais permitiria isso.
Seus movimentos rápidos eram como uma dança, e sozinho, fez com que os companheiros de Akanar fossem ao chão em míseros segundos.
— Eu e você. – ele diz, em tom severo.
E o orc tomou frente, agora balançando sua lança branca e pútrida. Em sua mão esquerda, uma afiada faca negra.
E o confronto se iniciou. Akanar era diferente, e ele estava em vantagem. Salteava para os dois lados com facilidade, desferia golpes vis, e muitos deles acertavam Dumas, que já sangrava na coxa esquerda.
— É isso que tem para me mostrar, assassino de orcs?
Na defensiva, Dumas pouco fazia, e seria derrotado em breve, até que Mya saltou com uma de suas facas, e cravou nas costas da criatura, que gritou e a jogou ao chão, mas isto fez Dumas se soltar das presas inimigas e rasgar um de seus braços.
— Fuja, Mya. – pedia.
E Akanar brincava com sua lança, babando por entre os dentes e caminhando em puro ódio.
Mas foi parado por Oliver, que mesmo lesionado, se pôs de pé, atrasando o embate. Foi jogado pelo inimigo como um saco de batatas, mas ganhou tempo. Mya mudou de posição, e Dumas pôde se reerguer para enfrentá-lo.
A luta se esticou por mais alguns minutos, e o guardião de Mya fez Akanar sangrar inúmeras vezes, mas todas falhas.
O Orc-do-Olho-Vermelho era intenso, e sua lança cravou no peito de Dumas. Os pássaros pararam de cantar, e a luta chegava ao seu fim.
O sangue manchava sua veste élfica, e o orc o jogou ao chão. Sua longa espada próxima a seu ombro. Reluzindo a luz da lua e solitária.
Mya levou suas mãos ao rosto, vermelha e em lágrimas. Oliver se agilizou, ficou a frente do corpo de Dumas, e Akanar riu fervorosamente para ele.
— Pirralho idiota. – disse. — Saia da frente, agora!
— Oliver, proteja ela. – a voz fraca vindo, e Oliver se virou.
— O que? Você não pode morrer aqui.
— Fuja. Proteja a Mya. – pediu novamente. — Eu sei quem você é... – e Oliver foi tomado por incertezas neste momento.
Mya correu para o lado de ambos, e se debruçou em seu guardião, em lágrimas interruptas.
— Fujam. – a boca ainda respingava sangue. A morte era questão de tempo. — Oliver, pegue-a. – seu olhar dirigiu-se à sua espada. Oliver a pegou, ainda que tremendo.
O jovem segurou Mya pelo braço, e o próprio levava consigo um semblante de luto e derrota. Segurando as próprias lágrimas, diferente da amiga, que as punha de fora.
— Venha, Mya. Rápido.
E assim os dois correram juntos, sem cavalo, sem mais nada. Apenas dois jovens perdidos em uma jornada agora dominada por desastre e morte.
Desapareceram na selva uma vez mais, e Mya continuava fora de si.
— Continue. – dizia ele. — Precisamos continuar, por ele. Vamos. – pedia enquanto também sentia a perda de Dumas.
O duelo entre o Amigo-dos-Elfos e o Orc-do-Olho-Vermelho jamais seria esquecido.
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