⇝ CAPÍTULO 14: Família de assassinos

   Oliver havia acordado cedo naquela manhã, já não estava mais em casa quando seus pais acordaram, mas deixou um bilhete, no qual dizia com firmeza que voltaria tarde para casa, pois pegaria pesado no treinamento. Ao fim do mesmo, ele notifica aos entes que havia levado Ikki consigo. Como ele conseguiu escapulir do Reino e passar pela guarnição, eu realmente não sei, mas prefiro acreditar que ele tenha utilizado todos os seus métodos e conhecimentos que aprendeu com os Selvagens.

   Assim, o pesar de Eskkad naquele dia não era implícito. Pensava muito em sua amada, e era notório que ambos não estavam bem, mas ele acreditava fielmente que estava fazendo o certo com seu filho.

   Luna permanecia incólume em seu quarto, dormiu até passar da hora adequada, mas estava acordada neste momento. Apenas recostada na cama observando o sol deitar-se sob a janela que ficava ao seu lado.

   Eskkad não estava de ressaca. Havia dormido bem, e pouco combalido estava. Refrescado pelo banho de outrora, um odor agradável subia de suas vestes claras e ajustadas ao corpo.

   Completou seu traje com um roupão gordo e azul-escuro, pois sabia que o frio se aproximara com o passar das horas.

   Antes disto, havia limpado a casa e evitou falar para com Luna, pois sabia que ambos não estavam no auge de um relacionamento positivo. Ainda assim, deixou a casa como um brinco, inclusive seu quarto, no qual limpou sutilmente sem acordar sua esposa horas atrás. Por pouco não derrubou um jarro de plantas, mas tudo ocorreu muito bem e mesmo com adversidade de não realizar movimentos bruscos, pôde deixar o cômodo limpo e agradável.

   Concomitante a isto, deixou um bilhete ao lado da cômoda, e o mesmo dizia que ainda agradecia todos os dias ao acordar com a mulher de sua vida. Entretanto, notificava sua querida Luna de que sairia com o Rei para tratar de assuntos vultosos e que em breve traria informações.

   O sol ainda estava quente quando Eskkad pôs o pé direito para fora. Tratou de tirar a grande veste azul e a colocou em seu ombro esquerdo. Para sua infelicidade, a calça grossa e azul ainda esquentava bastante, mas o passar do tempo o compensaria com o frio que chegara.

   As ruas ainda movimentadas, bem, ainda é fim de semana. Todos estão livres para se divertir e confraternizarem. E passou por muitos caminhantes pelo trajeto.

   Pessoas de toda as classes vinham e iam, e Eskkad foi se esgueirando pelo povo da Água num dia em que muitos estavam pelas ruas. 

   Ao noroeste do Palácio ficava seu objetivo. Um pequeno bar, ou melhor, taverna. A taverna mais cobiçada pelos admiradores de uma boa bebida da Água.

   A placa de madeira erguida a alguns metros do chão dizia com louvor o nome que o local carregara consigo: "Covil dos Beberrões".

   Eskkad sabia exatamente qual lugar Meltar havia citado na noite passada. Era este.

   Olhou para ambos os lados, e passou por entre muitos cidadãos e adentrou ao bar.

   Você deve estranhar o Rei querer conversar numa taverna, mas Meltar era um homem do povo e entenderá isso caso continue acompanhando.

   O local era completamente amarronzado, seja pelas suas paredes ou móveis de madeira. Bancos e mesas arredondados espalhados por todos os cantos. O balcão longo, e atrás do mesmo, pilhas e pilhas de garrafas grandes e pequenas.

   A taverna estava lotada. Havia pelo menos uns vinte e cinco presentes. Todos homens.

   As poucas janelas ainda permitiam os raios solares por suas frestas, e Eskkad caminhou vagarosamente, passando por todos aqueles homens que seguravam suas garrafas de bebida como se fossem seus filhos.

   Dirigiu-se até o balcão, onde se sentou. Recusou pedir algo ao homenzarrão forte atrás do mesmo, e por ali ficou, até que ouviu a voz do Rei.

   Meltar estava sentado numa cadeira robusta de madeira, virando garrafas de vinho para dentro. Ao lado dele, estavam cidadãos comuns da Água, o apoiando na bebedeira e todos cantarolavam músicas bestas e sorriam como tolos.

   Havia ainda uma meia dúzia de homens baixos que tocavam instrumentos curiosos, e acompanhavam a cantoria do restante, mesmo que nenhuma melodia se encaixasse naquilo.

   Os olhos de todos brilhavam enquanto derramavam suas bebidas, principalmente os de sua majestade. Um bêbado de primeira classe, mas que até o dado momento estava sóbrio.

   Em algumas mesas, além claro, da boa bebida, havia comida, como batatas e tortilhas espalhadas.

   Era uma paz soberana no local. Como se nada de errado pudesse acontecer. Os homens sorriam, bebiam, contavam piadas e cantavam entre si na mais pura diversão.

   Eskkad acenou para o Rei, que de imediato soltou um grande arroto e o cumprimentou com a cabeça.

   Ali, o senhor máximo do Reino, era só mais um entre todos. Um homem qualquer, simples e do povo. Não havia sequer soldados ou qualquer outro tipo de segurança sobre ele, se protegendo de atentados, briga ou qualquer outro tumulto. Ele era dali, desde que ainda era um jovem. Sempre um homem do povo, de raízes e origens humildes, e assim sempre será.

   Foram longos minutos que pareciam se repetir de tal forma, mas chegado momento em que o Rei se levanta de onde estava, entrega uma das garrafas ao companheiros próximos e simplesmente sobe numa das mesas redondas.

   Ele, então, pede encarecidamente um cistre de um dos rapazes baixos que estavam ao canto da taverna.

   Definitivamente o Rei da Água não bate bem da cabeça, mas ali, entre seu povo, ele pouco se importava com isto. Ele era ele mesmo, e só isto importava.

   Em cima da mesa, tinha uma visão bem mais alta que os demais, e agora com um instrumento em mãos, danou-se a cantar e tocar, e a canção da vez dizia algo próximo a isso.

"Derrama, entorna, bebe e enche

com a malvada viramos uma, duas e continuamos

eu bebo e não saio

regado e acompanhado

caio e dou trabalho

mas não vomito no assoalho".

   Depois de cantar este único verso por três vezes e incrivelmente não cair da mesa, todos os outros presentes na taverna, subiram noutras mesas e prosseguiram com o cântico sem parar.

   Próximo ao balcão, Eskkad sorria, pois era impossível se manter sério com aquela cena estupenda que estava acontecendo diante de seus olhos.

   Agora, a taverna se pôs em aplausos de todos, que não precisaram se levantar, pois já estavam de pé a um bom tempo. Só Eskkad teve este trabalho, mas o fez de bom grado e com grandes risadas cômicas depois de todo o ocorrido.

   O Rei desceu da mesa, rindo aos montes e se dirigiu ao amigo.

   — Gostou? Dediquei-me ao máximo.

   — Ora, foi incrível. Parecia um cantor de primeira. – disse Eskkad aos risos.

    Meltar sentou-se, e Eskkad repetiu o gesto. O Rei pediu uma garrafa de rum, e o funcionário lhe entregou de bom grado.

   — É por conta da casa, majestade.

   — Por conta da casa uma ova, homem! – respondeu o Rei, que sacou uma quantia de dezesseis Yngs Índigos de um de seus bolsos da calçola marrom e jogou sobre o balcão.

   — Meu cargo não me difere de nenhum. Pago como deve ser feito. – exclamou, e Eskkad esboçou um leve riso, pois conhecia o caráter de seu amigo.

   O trabalhador, no entanto, recolheu o dinheiro, e estava extremamente contente. Agradeceu timidamente ao Rei, e voltou ao seu trabalho costumeiro.

   — E os preparativos para o Oliver?

   — Vou avisá-lo hoje a noite. – respondeu Eskkad. — Mesmo Luna sendo contra. – concluiu em voz baixa.

   — Acha que o garoto vai realizá-la?

   — Acredito que sim. Ele está louco para sair do Reino e respirar o ar das selvas e florestas. – disse enquanto tamborilava o balcão com os dedos.

   O Rei manteve-se bebendo no pequeno copo que havia pego com o balconista quando lhe serviu a bebida, e Eskkad dialogou por um tempo onde o Rei ouviu calmamente.

   — Precisamos conversar sobre isso. Será uma jornada e tanto. – salientou. —Aqueles relatórios e análises que pedi na Reunião já estão prontos. Posso lhe entregar outrora e você passa para o garoto.

   Eskkad assentiu.

   — Vai começar a luta! – uma voz soou como um soco pelo ar.

   Era um rapaz magricelo e sem camisa. Abriu a porta dos fundos aos berros, e quando proferiu esta frase, todos gritaram em conjunto em momento de felicidade.

   Eskkad olhou de rabo de olho para o Rei, que sorriu maldosamente.

   — Vamos lá, companheiro. Uma boa briga de homens é o que precisamos ver após um dia de álcool.

   Todos passaram pela porta onde o magro estava. O Rei foi em seguida, junto com Eskkad e sua garrafa. O balconista foi em seguida e a taverna parecia fechada agora.

   Desceram uma escadaria de pedra, e chegaram a um subsolo iluminado. No centro, havia uma elevação rochosa, e dois homens se atracavam por lá, ambos sem blusa e com uma grande calça preta. Um terceiro acompanhava nas proximidades, como um árbitro.

   De fora, todos os que bebiam na taverna, agora gritavam cânticos de briga e assistiam a luta. Era como uma Arena, e na lateral do centro, havia longos poços com água.

   — Continua com a mesmíssima cara. – comentou Eskkad, que observava moderadamente.

   — Pensei que fosse me criticar. – respondeu. — Ora, um Rei apoiando lutas clandestinas.

   — Todos gostam. E é só diversão, ninguém se machuca de verdade.

   À frente, os homens duelavam. O da direita, robusto empurrava o inimigo, um homem de pele alva, magro e de nariz grande.

   A platéia continuava em gritos, apoiando um ou outro, mas estremecendo com a diversão e luta que acontecia em sua frente.

   O narigudo agora se esquivava, escapava e contra golpeava conduzindo jatos de água em velocidade média. O robusto, se defendia com os punhos, e logo avançou com o punho cerrado, golpeando o queixo do adversário, que foi ao chão. O homem que provavelmente controlava a luta, ergueu o braço do grandalhão.

   — Scully é o vencedor! Scully Barriga-Alta é o vencedor do confronto!

   E a platéia permaneceu aos gritos. Independente de quem venceria, todos festejariam. E logo o derrotado se pôs de pé com um sorriso no rosto e saiu junto ao vencedor, como bons amigos.

   Posteriormente, o dito cujo que permanecia no centro, chamou mais dois combatentes, e a massa foi aos gritos.

   — Corodor, o Pé-Duro e Demetrio, o Peito-de-Aço!

   E os dois homens já estavam presentes. Cordor tinha as coxa grossas, era viril e também estava sem blusa, apenas com uma calça como os outros.

   Demetrio o encarou por alguns segundos. Tinha a cabeça raspada, olhos cruéis, mas se cumprimentaram em sorrisos e começaram a se atacarem entre si.

   Corodor enlaçava o adversário em águas rasantes, e Demetrio saltava para trás, em defesa, até que notou o cansaço de Corodor, e se aproveitou dos espaços do inimigo.

   Sem utilizar a água, afiou suas mãos no rosto do adversário, e o fez cair do local marcado para a luta. Ele havia vencido! E todos comemoraram.

   — A próxima é a que todos esperam. – disse o Rei.

   Os homens se reuniram em grupo, e despejaram moedas para fora de seus bolsos. Apostariam de bom grado no próximo embate.

   O Rei tirou um bolo de moedas e arremessou.

   — Aposto tudo isso no Carpinteiro! – gritou.

   Eskkad passou o olho sob a troca de dinheiro dos homens, e obviamente não participou.

   O Rei foi o único a apostar no chamado Carpinteiro.

   — Por que apostou nele? Só você palpitou nessa pessoa. – interrogou Eskkad.

   — Não sei dizer. – respondeu olhando para a espécie de Arena. — Mas se ele ganhar, vou levar uma grana alta.

   — Subam, minhas estrelas! – pediu em voz alta o homem do centro. — Eucarios, o Carpinteiro! Barnett, o Cara-de-Bebê!

   O local se encheu de comemoração e os dois homens subiram para o chamado confronto.

   Eucarios tinha ombros largos, olhos esbugalhados e as pernas magras. Barnett tinha olhos azuis e pequenos, além de um cabelo espetado e um rosto jovial.

   Por algum motivo, essa luta era a mais esperada, e por um segundo motivo, Barnett era respeitado por todos.

   E a luta começou. Jarros de água eram controlado pelos homens, e as técnicas estouravam entre si nas alturas, respigando água para os quatro cantos.

   — Vou virar o jogo hoje. – sussurrou Eucarios, e Barnett sorriu debochadamente.

   Cara-de-Bebê era ágil, parecia sapatear num palco, e logo arrancou sangue da boca do adversário com seu punho esquerdo. Ele era realmente forte, e Eucarios sofria para se defender agora. A reviravolta poderia ter sido no momento em que Barnett se desconcentrou, e o Carpinteiro o acertou em cheio com uma rasteira.

   — Está acabado, Cara-de-Bebê. – provocou, e a platéia se ergueu, mas era o inverso.

   As águas se fecharam como cordas nas canelas de Eucarios, e seu corpo foi arrastado para fora dos limites. O Cara-de-Bebê venceu, e o árbitro levantou seu braço.

   — Me lasquei. – disse o Rei em voz baixa, e Eskkad segurou a gargalhada.

   — E agora? – perguntou o amigo.

   Os homens se retiraram do local aos risos e conversação. O show estava encerrado e muitos deles retornaram a taverna.

   O Covil dos Beberrões realmente estava mais vazio agora. Eskkad e Meltar sentaram-se numa pequena mesa que ficava próxima a uma das paredes e bem distantes uma das outras.

   — Agora podemos ir ao que interessa?

   — Sim, vamos lá. – pediu o Rei.

   O homem do balcão colocou uma garrafa de água na mesa da dupla.

   — Essa pode ser por conta da casa. – disse o Rei, e o camarada trabalhador riu. Dessa vez ele realmente não tinha dinheiro. Havia perdido tudo.

   — Então, sobre o Oliver ir acompanhado por algum aluno e considerarmos uma Missão de Rank A. – começou enquanto colocava água em seu copo. — Tem uma aluna que me interessa.

   — E quem?

   — Chama-se Mya.

   — Mya?

   — Sim. É uma garota de pele bem clara, cabelos curtos e negros. – explicou.

   — Por que o interesse nesta aluna em específico?

   — Bem, parece que o Olie tem alguma amizade com ela, sentam-se perto, algo assim.

   — Só por isso? Não me agrada.

   — Não... Eu a vi lutando. Treinei ela e ele num dia. Ela é incrível. E tenho um pensamento sobre ela.

   — Explique-se. Fica difícil entender sem que você detalhe a garota.

   — Ela luta de modo diferente. É ágil, sutil, usa a palma das mãos nas lutas. E o pior, sabe utilizar a minha arma.

   — Você descreveu a filha de Arvid Havertz, o Punho-Cortante.

   — Exatamente. Foi a primeira coisa que imaginei quando a vi com essa postura e manejo da alabarda.

   — Você sabe o que os Havertz foram, não sabem? – disse o Rei em tom amedrontador, e se aproximou do amigo. — Uma família de assassinos. Treinados para matar inimigos como se fossem papéis.

   — Ela é ótima. Com certeza seguiu os treinamentos da família à risca.

   — O pai jamais vai permitir.

    — É a única que conheço. E parece capacitada, já tem conhecimento do Olie. Podem formar uma boa dupla.

   — Veja bem, não conheço os Havertz a fundo. Sei que o pai também era um dos que usava alabarda em combate, mas não sou amigo deles. Só sei das histórias que os cercam. A mãe da garota, por exemplo, faleceu assim que a mesma nasceu. O pai não deixará de modo algum.

   — Você é o Rei. Peça permissão à família. Eles precisam deixar.

   — Olha, já lhe fiz muitos favores, Eskkad. Mas este você está de parabéns.

   O Rei de um suspiro fundo, bebericou seu copo de água e se recostou na cadeira. Eskkad o olhou.

   — E?

   — Vou ver o que posso fazer.

   Eskkad bateu com as mãos em seu ombro, se levantou e se despediu.

   — Eskkad. Virgo não está por dentro disso, não é?

   — Não. Mal o vejo. – respondeu ao virar-se. Agora, caminhou para fora da taverna, havia acabado sua tarde.

   No caminho de volta, Virgo apareceu por trás de Eskkad, silenciosamente num beco escuro onde o segundo passava ao voltar para casa.

   — Se encontrou com o Rei? – sua voz soou macia.

   — Sim, estava com ele. – respondeu. — Você me assusta aparecendo assim.

   — Desculpe-me. Se me permite, sobre o que falaram?

   — Sobre Olie. Pedi um favor. Uma aluna para acompanhá-lo na missão. – e virou-se, e Virgo agora estava encostado numa parede de tijolos. — Mya, soube que trata-se de uma Havertz.

   — É uma boa escolha. Eu a conheço das aulas – disse com consciência. — Tem olhos vorazes.

   A lua se definiu no céu, e Virgo já não estava mais no beco. Eskkad assentiu, mesmo que sozinho, e continuou seu trajeto até sua casa.

   Luna acendeu a lareira com um estalo dedos. Foi a primeira coisa que Eskkad viu quando chegou em casa.

   — Voltei. Está tudo bem?

   — Sim. Olie chegou um pouco antes. – respondeu com um breve sorriso.

   O garoto estava esfregando um pano úmido na parte traseira da perna esquerda, havia se cortado, provavelmente em espinhos.

   — Como foi? – perguntou o pai pela porta entreaberta.

   — Bem. – disse. — Mas esse corte ardeu. Não vi os espinhos em uma parte de plantas. – continuou a esfregar.

   O jantar ficou pronto horas depois, e o trio se reuniu também com a presença de Ikki.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top