⇝ CAPÍTULO 10: A causa rebelde
A visão era estarrecedora. O Reino mais pobre de Valerian. Virgo e Salazar voltaram a se olhar e pararam seus cavalos para observar o cenário.
A única coisa em abundância era pobreza, tristeza e caos. Fumaça nos céus naquele início de noite, o ar poluído e todas as construções pareciam depredadas.
Conforme cavalgavam lentamente, se via a feição sem esperança de homens e mulheres. Vestidos com trapos, cobertos por roupas sujas e rasgadas.
Crianças corriam de um lado para o outro. Poucas sorriam, muitas sentiam fome.
— Continue a cavalgar. - disse Virgo, engolindo seco.
Muitos moradores passavam olhando para os dois, muitos outros assistiam a cavalgada de suas janelas quebradas. Muitos tinham medo de quem eram, outros poderiam acreditar que os ajudariam com alimento ou bebida.
Um povo largado pelos poderosos, derrotados de uma Guerra. Necessitavam e esperavam a vinda de um herói que nunca veio.
A Junta Militar que governava o Fogo desde o pós-Guerra jamais conseguiu reerguer seu Reino, mas também não faziam esforço algum para isso.
As Cinco Grandes Famílias gozavam dos melhores e poucos bairros, e jamais chegara perto do verdadeiro povo do Fogo, aquele esquecido pelos governantes e ricos.
Não havia programas sociais, políticas de ajuda ou um braço amigo para os mais pobres, marginalizados e esquecidos por aqueles que exercem altos cargos. Um povo que clamava por alguém que lhe desse esperança e que colocasse um prato de comida em suas mesas.
Cidadãos carentes, com fome e sede. Não possuíam nada. Eram nada.
— O que faremos agora? - perguntou Salazar.
— Vamos para as áreas mais nobres.
Os dois prosseguiram, e uma criança puxava Virgo pela roupa negra que escorria pelo corcel escuro. Pedia algo, mas Virgo olhou com medo, recuou os olhos e continuou em frente. Salazar sentia profunda tristeza em seus olhos.
As ruas ficavam mais pobres a cada metro caminhado. Os dois observavam o movimentar das ruas. Praças estavam cheias com crianças pobres saciando sua fome com pães velhos e com o rosto enfiado em pequenos chafariz construídos ali mesmo. Por um momento, Salazar pensou em brincar com a água, para quem sabe, colocar um riso no rosto dos pobres garotos.
O cenário caótico se esvaiu aos poucos, e ruas limpas e um pouco mais elegantes apareceram em seus caminhos. Não eram gloriosas e magníficas, mas se destacavam em relação a pobreza passada. Eram iluminadas, e pessoas com vestes normais passeavam.
Havia uma aglomeração a frente, e alguns homens a cavalo por lá estavam. Virgo e Salazar se aproximaram dos mesmos. Na frente, um soldado do Fogo ordenava aos cidadãos que ficassem de olho nos rebeldes, e que entregassem a cabeça dos mesmos, ou se não, passariam fome assim como o povo das áreas mais pobres.
Os cidadãos se dissiparam, e o soldado gritou por Virgo e Salazar.
— E vocês dois? Ouviram-me bem? - disse com voz rouca.
O homem vestia coletes negros, um peitoral vermelho em malhas finas e pouco cabelo tinha.
— Sim, senhor. Traremos suas cabeças em bandejas. - disse Virgo ao se virar.
— Muito bem. Agora sumam da minha frente.
Os dois cavalgaram lentamente, lado a lado, enquanto a rua ficava mais vazia a cada instante. Era noite, e pouco havia a se fazer fora de casa.
Um bar com ruídos altos estava aberto. Virgo e Salazar amarraram seus cavalos a frente. Pela janela, observavam homens do Fogo. Se reuniam, e conversavam sobre o velho Heigel, que eles só conheciam de nome, pois era um dos três homens que governava o Fogo.
— Melhor sairmos dessa área. Os poucos poderosos podem estar aqui. - salientou Salazar, com medo.
Virgo soltou os cavalos novamente, dessa vez deu razão a Salazar, e ambos retornaram pacificamente até as ruas mais pobres.
Estavam mais vazias e ambos procuravam um lugar para parar ou até mesmo dormir. Havia uma porta semiaberta, com luzes fortes vindo do mesmo lugar. A dupla trocou olhares desconfiados, puseram seus cavalos ao lado.
O ambiente era feio, uma pequena casa, com homens pobres, com rostos secos e perigosos. Vestiam roupas simples e comuns, e muitos possuíam facas em seus bolsos. No entanto, o local era usado como um pequeno bar, no qual o balcão de madeira estava imundo, mas o importante mesmo para o povo era a quantidade de bebidas acima dele, havia de tudo.
No entanto, os olhares perigosos se voltaram a Virgo e Salazar. Suas vestes eram bem mais elaboradas e ricas que a daquela gente e todos olharam com receio.
Um senhor calvo, de blusa branca e suspensório com uma espécie de saia preta estava atrás do balcão. Olhos humildes, trabalhando honestamente.
— Os senhores querem algo?
Virgo e Salazar sentarem-se nos pequenos bancos de madeira, ainda com todos os outros os encarando.
— Qualquer bebida forte. - disse Salazar.
Um sujeito desconfiado, sem camisa e com cabelos grossos enfincou sua faca no balcão. Os olhos fervendo em direção aos visitantes, que de imediato voltaram seus olhos ao homem.
As bebidas chegaram, e o homem gritou.
— Vai servir mesmo estes sujeitos? - e todos no bar concordaram com a figura mau encarada.
— Senhor Cazos, deixe-me ganhar meu humilde dinheiro. Sem brigas por hoje. - pediu o senhor solenemente, enquanto servia Virgo e Salazar.
— Não percebe que são inimigos?
Agora, inspetor e professor se sentiram realmente acuados.
— As vestes, esse olhar, essa pele limpa... Tenho certeza que são Ethel e Fritzer... - o ódio crescendo nos olhos e a mão na faca atravessada no balcão.
Virgo mudou os olhares, uma criança o puxava pela longa roupa preta. Olhar desesperançoso, maltrapilho e com cortes nos braços, já cicatrizados. Pedia esmola e Virgo colocou sua mão em seu bolso.
Salazar sacudiu a cabeça negativamente. Vai dar problema. Não temos moedas vermelhas.
— Fique com isto. - Virgo colocou pelo menos cinquenta moedas do Fogo, os Yngs Rubros, na mão suja da criança. Salazar respirou fundo, e sorriu com o canto da boca, sem saber o que Virgo havia feito para ter aquele dinheiro.
— Viu, um Ethel ou Fritzer jamais daria dinheiro para um garoto de rua. - defendeu o velho do balcão. — Nem mesmo um Thanbrak, Chopaxe ou Demetrio. Agora, Cazos, deixe meus clientes em paz.
Neste momento, a dupla descobria o nome das Cinco Grandes Famílias. Os dois tomaram suas bebidas, e o bar esvaziava aos poucos, com isso, eles pagaram o senhor e se retiraram.
Não havia mais ninguém nas ruas, Virgo pisou em uma poça, Salazar em algo macio. Era uma bandeira do Fogo, com o leão dourado rasgado e sujo, jogado ao chão. Aquele lugar estava morto, não havia dúvidas. Salazar, curioso, perguntou sobre o dinheiro do Fogo que Virgo possuía, e o mesmo lhe explicou ter roubado espertamente naquela noite, quando se aproximaram da pequena aglomeração na parte rica do Reino. Tirou de quem muito tinha para dar a quem pouco tem.
O velho balconista apareceu atrás de ambos, com um sorriso gostoso no rosto.
— Muito bonito o seu gesto, posso saber o nome dos camaradas? Eu me chamo Benito, Benito Marín.
Virgo olhou rapidamente para Salazar, e o inspetor tratou de responder.
— Sou Ferrero, e este é Mozilla.
— Olhem, senhores. Eu não sei quem são, se são viajantes, membros das Grandes Famílias ou até mesmo humildes trabalhadores como eu, mas gostaria de agradecê-los pelo que fez aquela criança. Não são todos que tomam atitudes tão boas por aqui. Tem algo que eu possa fazer por vocês?
Virgo tomou frente, com as mãos dentro das roupas negras e a postura frívola de sempre.
— Estamos procurando uma pessoa. Ou melhor, um grupo.
O senhor se curvou.
— Há muitos grupos por essas bandas, meu caro visitante.
— Um grupo político.
— Eu não deveria falar sobre isso, mas por simpatizar com ambos, vou lhes dar essa resposta como agradecimento. - disse. — Estão procurando os rebeldes, não é?
E Salazar e Virgo responderam juntamente.
— Exato. - a voz ecoou, e Virgo encarou o senhor profundamente.
— Temos interesses em seus ideais.
— Por favor, entrem. Já é tarde, algum soldado pode estar nos espionando.
O bar agora vazio tinha cheiro de bebida, poeira, e havia uma coruja acima de um dos móveis de madeira. Benito a acariciou ao entrar, e convidou gentilmente que a dupla continuasse a andar, passando sobre a entrada, e adentrando agora a uma portão fechado, destrancada pelo velho.
Era um quarto, no qual havia uma cama, onde uma senhora dormia com duas crianças. Um garoto e uma garota. Tinham entre dez e treze anos.
— São minha família. - disse em voz baixa. — Minha esposa há dezenove anos, Akana, meu filho Anodor e minha princesa, Alanda.
— São belos, senhor. - sussurrou Salazar, e o velho os guiou até o balcão novamente, servindo agora água para ambos. Benito trancou as portas, as janelas e as cobriu com panos.
— É hora do exército vasculhas as áreas. Se encontrar alguém nas ruas, é espancamento e forca. Não tenho dúvidas.
Virgo e Salazar sabiam que o exército do Fogo não era grande coisa, mas num duelo contra pobres homens, provavelmente atropelariam.
— E os rebeldes? Como funcionam as coisas? - perguntou Virgo.
— Está falando com um deles. - disse para o espanto de ambos. — Olhem, eu não vou estar aqui para ver o Fogo prosperar, talvez nem minha amada, mas meus filhos estarão. E eu quero poder ajudar na nossa volta por cima.
— Podemos ajudar?
— Naturalmente, não. Ninguém faz parte do grupo do dia para noite, mas vocês deram sorte. Simpatizei com vocês, parecem bons homens. Talvez eu possa levar-vos a um encontro. - disse olhando nos olhos. — Amanhã, às duas da manhã.
— E onde será?
— No porão do Cazos, o ignorante que estava aqui.
— Que infelicidade. O brutamonte nunca vai nos deixar entrar. - disse rindo Salazar.
— Fiquem tranquilos. Estarão comigo. Eu os levarei.
Virgo e Salazar acenaram para o bom senhor, e se levantaram.
— Para onde vão? Por favor, senhores Ferrero e Mozilla, não sejam loucos de sair à esta hora. Seja lá onde moram, se o exército encontrarem vocês, não tem conversa. - explicou. — Vocês são meus visitantes, eu moro aqui mesmo, minha casa fica acima. Há um quarto vazio e alguns cobertores velhos. Vocês podem ficar por aqui.
Virgo e Salazar dariam conta dos soldados do Fogo, mas não podiam perder o disfarce e a conquista que haviam conseguido até então. Agradeceram à Benito, e subiram para dormir.
O quarto não era dos mais confortáveis, é verdade. Mas era de se esperar. Benito era um homem rico apenas de coração.
A parede depredada, janela quebrada, cama dura feito um tronco de árvore, e talvez por isso Salazar tenha dormido como pedra, pois acostumou-se a dormir recostado em árvores. Virgo, por outro lado, optou por dormir num colchão rasgado ao chão, mas acordou cedo, e passou boas horas da manhã próximo a janela, acompanhando o passo dos cidadãos.
Já cedo, alguns soldados do Fogo caminhavam nas pobres regiões, verificando cada mercador ou criança que caminhava por lá.
— Acorde. - disse Virgo. — E vista-se, rápido.
Salazar se levantou. O cabelo bagunçado e a boina jogada ao chão. Havia dormido sem calças, o que irritou profundamente seu companheiro de quarto, que ronronou sobre aquilo durante todo o dia.
Ambos saíram pela porta quebradiça, passaram pelo breve corredor e desceram as escadarias até o bar, que já estava aberto. Lavaram seus rostos numa pia que ficava próxima ao balcão, onde Benito já servia amigos e clientes.
O senhor jogou duas canecas de madeira e uma garrafa de uísque.
— É por conta da casa. - sussurrou gentilmente.
Cazos entrou em seguida, com meia dúzia de homens ao seu lado. Estava sem blusa, e a única coisa na parte de cima de seu corpo eram pelos. Sua calça e chinelo eram o que lhe vestia no momento.
— Três guardas nas ruas. Esquerda, direita e na antiga praça central.
Os pouco mais de sete homens no bar iniciaram um cochicho, e Benito o encerrou.
— Acalmem-se, homens. Acalmem-se. Hoje teremos nosso encontro. Eu garanto.
Cazoz bateu a porta e entrou com seus acompanhantes, todos suando e com péssimo odor, pediram logo garrafas de bebida, e se puseram a beber como loucos.
— Benito, acho melhor encerrarmos o assunto. - disse olhando com desdém para Virgo e Salazar.
— Tudo bem, Cazos. Eles são meus visitantes.
A única coisa que se ouviu por uma sequencia de horas, foi pequenas conversas paralelas e taças e garrafas se batendo a mesa. O sol parecia querer sumir, e muitos dos clientes e amigos agora saiam do estabelecimento.
— Benito. - Cazos agora tinha seriedade em seus olhos, e questionou o velho. — Sabe se o viajante participará?
Agora, pela primeira vez, o senhor se sentiu desconfortável com a presença dos dois visitantes, e com pesar e desconfiança, respondeu sutilmente.
— Não sei dizer.
E Cazos se retirou com seus amigos. Mais tarde, Virgo e Salazar questionaram Benito sobre o suposto viajante que os visitariam, mas não obtiveram resposta.
O velho e sua esposa, uma senhora de rostos magros, físico fraco e cabelos grisalhos, fecharam o estabelecimento horas depois. Organizaram uma das mesas e prepararam um humilde almoço para os rapazes, que desfrutaram do bar sozinhos e sem incômodo algum. As crianças brincavam no andar de cima, e Benito e sua mulher limpavam os chãos.
Conforme o dia seguia e as horas passavam, Virgo e Salazar seguravam a ansiedade e demostravam pouca curiosidade para não despertar dúvidas a respeito de suas identidades.
Benito subia e descia as escadas, limpando e cantarolando canções sobre a história do Fogo, na qual sempre recordava com imenso carinho seus anos de juventude, que, obviamente, preferiu não contar a dupla.
Já era fim de tarde quando Benito entregou um pacote grená e sujo para os visitantes. Jogou sobre a mesa em que estavam.
— Vão precisar.
Quando abriram, tratava-se de longas roupas escuras, com detalhes avermelhados nas mangas e na parte interna do mesmo, um leão dourado cercado por chamas.
— Pertenciam a dois rapazes mortos na semana passada. - explicou com olhos tristes. — Eram dos nossos. Troquem-se, em poucas horas sairemos.
Os dois estavam em seu quarto agora. Virgo devidamente arrumado, e sua aparência pouco mudava, pois este sempre se vestia de preto. Salazar parecia outra pessoa.
Os olhos fixos na janela. Pelo menos sete soldados do Fogo caminhavam, e observavam de perto os poucos moradores que estavam caminhando pelas ruas esburacadas ou pelas calçadas quebradas. Eles desceram as escadas uma vez mais, e encontrou Benito ao lado de sua amada, debruçada em seu colo. O velho segurava sua esposa e com um pano úmido refrescava sua testa.
— Ela não se sente bem.
Virgo e Salazar se entreolharam, nervosos, pois já não tinha seu anfitrião. Nervoso, o senhor conversava próximo ao ouvido da senhora.
Murros foram escutados. Havia alguém na porta, e Benito negou o pedido, mas eram Cazos e mais dois companheiros, que logo receberam permissão para entrar.
— Já subiram. Há dez soldados do Fogo. Dois estão no trajeto. O que faremos? - disse aos berros, tão nervoso que sequer percebeu o momento que Benito vivia com sua mulher.
O brutamonte se irritou ao ver Virgo e Salazar com os trajes, e só não partiu para um combate pois o primeiro se prontificou a ajudar.
— Como farão isso? - reclamou ao olhar de cima abaixo os sujeitos que vestiam trajes de antigos amigos seus.
— Ferrero, vamos tirar nossas capas da reunião. Os soldados acham que entregaremos os rebeldes. Assim faremos.
O silêncio passou pelo bar, e Salazar entendeu. Jogou sua capa acima de uma mesa, agora vestindo apenas a camisa simples de outrora. Sua missão era arrastar soldados para o lado oposto, despistá-los e abrir caminho para o restante dos rebeldes irem até a reunião.
Salazar disparou pela porta, passou por duas vielas e dobrou a esquina que estava tão escura quanto a noite.
— Rebeldes! Eu disse rebeldes! Um grupo está ao leste, preparando-se para saquear as ruas próximas ao portão dos fundos!
Os soldados próximos ao local escutaram, esperaram alguns segundos e deram a se retirar em velocidade. Mesmo à pé, dispararam em velocidade.
Bons metros separava Salazar de seus aliados, que agora saíram do bar. Benito ficou com seus familiares. Virgo seguiu Cazos e seus capangas, que corriam pelas ruas e becos que ardiam com latões em chamas. Havia pouca iluminação na rua em que estavam agora, e a lua se encarregava de fazer o serviço.
Adentraram a uma humilde residência de apenas um andar. Estava tudo escuro, e abaixo de um tapete preto, havia uma entrada.
Cazos deixou que todos entrassem, e esperou por Virgo. Ambos se encararam.
— Me enganei sobre você e seu amigo. Entre. - acenando com a cabeça. — Seu amigo já deve chegar. O estarei esperando.
Salazar chegou minutos depois, a casa foi trancada e a descida para o porão também. Tudo estava devidamente dentro do plano dos rebeldes.
A escadaria levava à um porão no subsolo. Paredes rochosas, um clima obscuro e recheado de dúvidas e medo. O lugar era espaçoso, e haviam pelo menos cento e trinta pessoas ali, abarrotadas e vestindo as mesmas vestes, exceto Salazar, que havia trocado pelo objetivo anterior.
Havia candelabros nas paredes, mas todos apagados. O único funcionando era o do teto de pedras, e a frente, havia um pequeno palanque. Era chegado o momento.
Cazos subiu, e alguns centímetros acima do povo, deu início a reunião.
— Meus célebres amigos e amigas, está iniciado a nossa terceira e última reunião neste mês. Por favor, senhor. - e assim, um homem de pouco mais de um metro e oitenta subiu em seu lugar. A luz principal se apagou, e tudo ficou escuro como as trevas.
Agora, as chamas ardiam nas paredes, instantaneamente. O homem agora estava de pé no palanque, mas seu rosto estava coberto por uma máscara branca com a cabeça de um leão na testa. Seus olhos não eram identificáveis naquele momento, e o sujeito vestia botas negras e uma longa capa escarlate sob roupas sombrias. Sua mão estava livre, e sua pele era clara. Não conduzia arma alguma. Atrás dele, uma bandeira do Reino do Fogo intacta e radiante.
— Companheiros e companheiras. Agradeço-os do fundo do meu coração a presença de cada um de vocês. Mês após mês, vocês estiveram aqui, neste pequeno porão cedido por um amigo. Somos poucos reunidos aqui, mas acredito que seremos muitos quando nossa mensagem for espalhada. - disse de forma ereta, olhando para todos presentes.
Um trovão estourou nos céus, e o homem suspirou para continuar. Virgo e Salazar se olhavam cuidadosamente.
— Durante muito tempo, o Reino do Fogo foi jogado as traças pelos outros três. - uma grande quantidade de pessoas esticam seus pescoços para ter uma visão melhor do homem, que continua. — Desde que nosso povo foi massacrado pela Terra com o auxílio da Água, nunca mais desfrutamos de bons momentos. Os velhos inoportunos não souberam gerir nosso reino. Perdemos muitas coisas, como territórios, empregos, mas o principal, perdemos vidas. Muitas vidas. Vidas inocentes. Seus pais guerrearam para protegerem suas casas. Eles foram mortos, assassinados sem piedade. Meu próprio pai ruiu. E por isso tomei liberdade com a benção dos Deuses em reerguer minha casa e dar ao meu povo um motivo para viver. Estou presente aqui por vocês, para vocês e com vocês.
O povo suspirou, gostavam do que era dito, e esboçavam um sorriso satisfatório no rosto.
— Resgatar nossas origens, limpar nossas terras e expurgar os impuros. Pois cada um de vocês sabem, que a chama se acende apenas nos mais fortes.
Agora, após caminhar de um lado para o outro, ele se fixa no meio de todos, e simula a saudação rebelde, com o punho esquerdo erguido em direção a bandeira pregada a parede. A honra do Fogo a de voltar.
O líder saiu de rompante, e o burburinho se iniciou. Gritos, sorrisos e satisfação em cada um presente.
— Pelo Fogo! Pelo Fogo! - gritava um garoto no colo de seu pai.
Virgo e Salazar repararam em cada detalhe, até o mais minucioso. E perceberam também que a grande maioria eram jovens que aparentavam ter entre quinze e vinte e cinco anos. Havia alguns mais velhos e poucas pessoas de idade avançada.
A porta do porão foi destrancada, e os rebeldes saíam um por um, calmamente e disfarçadamente. Cada um ajudava o próximo, e assim a multidão se dissipou pelas ruas à noite.
A dupla da Água caminhava apressadamente para o bar de Benito para pegar suas vestes e estudar a situação, mas próximo a entrada, puderam observar as luzes piscando, as janelas quebradas e a porta entreaberta. Correram em direção ao local e entraram.
Para a surpresa de ambos, Benito estava estendido no balcão, a perna direita queimada, o olho direito inchado e em seu peito havia uma faca curta cravada. O velho mal respirava, e atrás do balcão, sua esposa estava morta. Brutalmente assassinada.
Virgo não soube reagir, e ficou tal qual uma estátua. Salazar correu para socorrê-lo, mas o velho pouco conseguia fazer.
— Meus filhos... - ele forçava a voz. — Eles os levaram. Salvem-os, por favor. Eu imploro...
Salazar virou-se para Virgo, que continuava estático. Era como se ele nunca tivesse visto a morte.
— O que faz parado, ajude-me, rápido! - berrava Salazar, pensando em retirar a faca do peito.
— Não podemos. - ecoou a voz de Virgo. — Não podemos fazer nada.
Salazar se indignou, olhou para Virgo com nojo e voltou a tentar ajudar o velho.
— Eu já estou morto... - dizia quase sem voz. — Mas os meus filhos. Busquem eles, eles ajudarão os rebeldes no futuro.
Salazar chorou, enquanto Virgo caminhava para as escadas.
— Para onde vai, maldito?
— Trocar de roupa.
Por um instante, Salazar pensou seriamente em atacar Virgo, mas se segurou, e quando voltou a olhar, os olhos de Benito se fecharam. Ele estava morto.
Salazar secou as lágrimas e subiu as escadas. Virgo já havia largado a veste anterior e trajava seu costume original, observando pela janela.
— Fale comigo! Por que não quis o ajudar, ou ao menos encontrar as crianças.
— Não faz parte da nossa missão. - disse secamente, enquanto continuava com os olhos nas janelas. — Precisamos ir. Cazos e outros chegarão aqui em breve e possivelmente nos culparão.
O inspetor se vestiu. Estava ainda possesso por dentro, mas seguiu em frente.
— Nossos cavalos estão na parte de trás. Eu vi quando um capanga os levou. - e assim foram, pegaram suas montarias e foram embora.
— Fique tranquilo. As crianças estão bem. - contou Virgo. — O exército os transformarão em soldados.
Salazar engoliu seco, já não confiava mais no professor. Eles dispararam pelo portão ainda aberto, e fugiram, até que um um cavalo marrom os alcançou na entrada de Anazel.
— Vocês fizeram isso! Traidores! Vocês são piores do que lixo. - era Cazos, sozinho.
Virgo e Salazar pararam de cavalgar, e se viraram. Cazos saltou do cavalo, em total fúria e descontrole.
— Vão pagar por tudo. - resmungou. — Como podem, matar um pobre senhor que tanto lhe ajudou? Eu desconfiei desde o início, mas aquele homem de bom coração continuou acreditando! Ele acreditava em vocês. - gritava aos choros.
O vento aumentava, e Virgo saltou do cavalo. Cazos agora, tinha chamas em seu punho direito, e num soco poderoso a disparou, e Virgo desviou como se nada fosse. A técnica era tão fraca, que se dissipou metros depois, mal tocando uma árvore em suas costas.
Virgo, no silêncio da noite, apareceu atrás de Cazos, como uma sombra.
— Não fomos nós. - um golpe duro e bem executado. Cazos foi ao chão sem sequer ver.
Salazar virou-se em seu cavalo.
— Vamos, não temos tempo. Outros virão.
Virgo montou em seu corcel mais uma vez, e a dupla agora cavalgava para seu retorno a água.
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