⇝ CAPÍTULO 06: O historiador
Oliver amanheceu o dia com duas notícias das quais ele não gostou. A primeira, é que seu pai havia viajado e sua mãe não lhe deu mais detalhes. A segunda, era que estava matriculado em uma escola para elementalistas da Água. Ou melhor, a Academia da Água.
A primeira, ele assimilou, mas a seguinte, o deixou embasbacado. Parecia chocado quando sua mãe lhe deu a notícia e ela lhe explicou inúmeras vezes como funcionaria, mas ele teimava em não entender.
Luna também não lhe contou para onde seu pai foi, o que piorou a situação naquele dia.
— Deve haver um engano. – disse ele contrariado.
— Não há engano algum. Tudo que você precisa já está aqui, eu mesmo me encarreguei de organizar tudo, inclusive seu próprio uniforme, feito pelo senhor Farley.
Numa das mesas de madeira da sala e abaixo de um mapa envidraçado na parede direita, estavam todos os pacotes fechados com fitas azuis e com o símbolo da Serpente da Água. Produtos devidamente registrados com o selo do Reino.
O primeiro a ser aberto foi o menor pacote, no qual se tratava de seu uniforme. Uma camisa preta e justa ao corpo. Ainda na parte superior, havia um colete azul e extremamente grosso, além de uma calça preta e botas de guerrilha escuras.
No maior pacote, uma grande caixa, Oliver rasgou as fitas e se deparou com todos os livros necessários e um papel com anotações à respeito das obras e de seus autores. Nele constava:
Guia para Aprendizes da Água, de Ernesto Quinzel.
História da Água, de Quintella Scipione.
Guia de Poções, de Locke Vanhall.
Estudo de Criaturas, de Zotz Boer.
Além de tudo isso, Luna já havia providenciado também o equipamento pessoal e mochila – e essa não o agradou, pois se colocava pelo ombro e Oliver achava extremamente desagradável.
O equipamento consistia em pena, tinta e tinteiro. Pergaminhos e frascos de poções eram entregues gratuitamente pela Academia. Bússola era opcional.
Por último, o Bastão de Controle Retrátil, medindo aproximadamente 1,30 de altura, contudo, havia uma tecnologia no centro, o tornando retrátil, ficando com apenas quarenta centímetros. Próximo à ponta superior, havia o símbolo da Água gravado.
— O que eu faço com isso? – perguntou ao gesticular com o objeto longo.
— É para isso que está indo à Academia. Para aprender. – Luna organizou todo o material e entregou um folheto para Oliver, que dizia:
"Academia do Reino da Água - Primeira turma
Aula: História
Responsável: Neeson Magna
Sexta-Feira, dia primeiro de Outubro
"Horário: 11h as 13h"
Foi de se estranhar, pois haveria somente uma aula no primeiro dia. Por um lado, foi satisfatório, pois não haveria de levar o bastão em sua estréia.
— Tem certeza que isto está certo?
— Sim. O primeiro dia serve de conhecimento para os alunos, amostragem do local, e boas vindas da diretoria. – respondeu. — E você terá uma semana para se preparar. – finalizou.
— Como assim? Só terei aula uma semana e em seguida férias? Que tipo de ensino é esse?
— Você terá uma semana de aula, no qual será basicamente repassado à vocês um pouco de como são as funcionalidades da Academia. Aí vocês terão uma semana para se prepararem para o ano letivo.
— Na sua época era assim?
— Na minha era pior, acredite.
E Oliver recostou-se na poltrona de seu pai.
— E o papai, ainda vai demorar?
— Aparentemente, sim. Mas não se preocupe.
Antes de Luna dar as costas e se retirar, Oliver finalmente pôs para fora sua maior dúvida e medo.
— Uma pergunta, mãe. – pediu em voz alta. — Eu não consigo controlar nem a água num banho, não tenho habilidade alguma. Você e o papai têm certeza de que estão fazendo a coisa certa?
Sua mãe assentiu.
— Sim.
— Mas e se... por um acaso, eu usar Fogo ao invés de Água. – e ele desviou o olhar. A sala mergulhou em silêncio.
— É muito improvável que isso aconteça. A chance é praticamente zero. – responde depois de alguns longos segundos pensando.
Ela, então, voltou a colocar os pacotes sob a mesa e acendeu a lareira com um simples gesto com os dedos da mão esquerda.
— Vou lhe explicar uma coisa, filho. – disse em tom rígido. — As Manifestações Elementais demoram à ocorrer, e geralmente iniciam-se entre os 16 e os 18 anos. São raríssimos os casos no qual uma pessoa manifesta antes disso. E se quer saber, o Fogo é o Elemento com maior dificuldade para se Manifestar e controlar.
Oliver olhou ressabiado e Luna continuou.
— O Fogo se Manifesta em momentos de raiva e ódio. E pode ser um inferno para domesticá-lo. O Ar, se manifesta em momentos de fé e espiritualidade, enquanto a Terra se manifesta em momentos de defesa e retração. – assim, ela deu as costas, mas Oliver a segurou pelos braços.
— Esqueceu-se da Água.
— Em momentos de carinho e afeto.
Mais tarde, Luna teve de sair para comprar a janta e ainda visitou o casebre do senhor Farley, pois o colete que Oliver havia experimentado em outrora, estava apertado demais. O humilde alfaiate o consertou e neste período, Oliver passou a noite em casa e trancado no quarto, aproveitando para dar uma breve conferida em seu material escolar, no qual viajou por horas passando as páginas no livro de História e em nomes que faziam parte de uma cultura lendária para o povo do Reino. Além, claro, de tentar brincar com o bastão e quase quebrar a janela uma dezena de vezes.
Camisa vestida, colete ajustado, mochila encaixada e material devidamente guardado. Assim iniciou-se o primeiro dia como aluno da Academia.
O céu estava nublado e Luna havia separado alguns biscoitos e café na sala. Não demorou alguns minutos e Oliver já estava conferindo os últimos detalhes para partir, mas antes disso, sua mãe fez com que suas bochechas corassem.
— Está a cara do seu pai. – disse ela.
A verdade é que os uniformes das épocas eram bem diferentes um dos outros, e Luna poucas vezes viu Eskkad com o mesmo, mas Oliver sequer pensou nesses detalhes, e ele acabou aceitando de bom grado.
Bateu a porta uma última vez, e saiu logo cedo. No meio do caminho, lembrou-se de algo importante: não sabia o caminho. E era tarde demais para retornar à casa ou perguntar por alguém no caminho.
Assim, encontrou alguns grupos com as mesmas vestes e decidiu segui-los calmamente, até passarem por humildes ruas e simples vielas, com mato e latões de lixo, e chegou ao local de destino por volta de meia hora.
Não havia seguranças ou oficiais à frente. Grandes colunas brancas e detalhadas em prata e azul. Ao centro, na entrada principal, erguido por dois paredões, havia duas estátuas de serpente, e de suas bocas escorriam água. Assim era a entrada da Academia.
Quando passou por ela, havia uma espécie de colunata e era um lugar enorme, ligados por entablamento. Fora que havia bons andares, todos milimetricamente sobrepostos. Ao centro, apenas um espaço enorme, com ladrinhos acinzentados, no qual havia uma espécie de praça, onde provavelmente os alunos passavam o tempo livre e os intervalos. Ali mesmo, uma escultura de um homem ao centro, com pelo menos dois metros.
Ao lado, de ambos os cantos, havia uma espécie de reservatório. Dois largos espaços ao chão com uma abundante quantidade d'água ao fundo. Espaço reservado para as aulas de Ataque e Defesa.
Alguns pássaros piavam nesta hora e muitos alunos estavam caminhando de um lado para o outro, sempre em grupos e conversando entre si, o que acarretava em inúmeras conversas paralelas onde ninguém entendia nada.
Oliver passou timidamente de um lado para o outro, mas todas as portas de madeira estavam fechadas. Nenhuma sala funcionava.
O burburinho aumentou no momento em que um homem alto, seguido por um grupo de pessoas extremamente sérias passou pelo meio do caminho. Todos os alunos se abriram como alas para que o grupo passasse, e eles pararam frente à estátua, ficando ao centro e a frente de todos.
O cochicho simplesmente parou. Havia um enorme respeito agora.
— Caros alunos e alunas. – começou.
Era alto, viril, tinha um pequeno cavanhaque, que combinava com seu cabelo castanho e sua pele morena. Quando falava, era visível algumas de suas rugas, o que deixava claro que não era nenhum jovial.
— Muito bem! – disse efusivamente. — Sejam todos bem vindos.
Um sorriso radiante ocupava seu rosto.
— Alunos novos, queremos que se sintam em casa. E aos mais velhos, continuem passando de ano, por favor. – os estudantes caíram em risada, e o homem abriu seus braços, parecendo ser ainda maior.
— Para quem não sabe, os juvenis, acredito eu. Me chamo Godric, e sou o Diretor-Geral da Academia há quase uma década.
Oliver agora deduziu que as pessoas que acompanhavam faziam parte do grupo docente.
Todos estavam alinhados, um ao lado do outro e atrás do Diretor, e nas extremidades, ele pôde notar Virgo. Não posso acreditar que ele é um professor.
— Eu não sou muito de enrolar, como alguns de vocês sabem. Dirijam-se assim que puderem para o quadro de aulas, que está situado no terceiro corredor do primeiro piso. – Godric respirou fundo e olhou para uma das senhoras que estavam enfileiradas atrás do mesmo. Ela sorriu, e ele devolveu. — Além disso, lá estarão as salas e o calendário de aulas. As primeiras aulas iniciam em alguns minutos. Tenham uma boa sorte.
Godric movimentou os dedos da mão direita, de forma que quase ninguém reparou, e as águas ao lado rapidamente se agitaram, subindo à metros, tomando a forma de seres angelicais e desaguando novamente.
Brilhante. Este ano me superei. Pensou ele, enquanto gesticulou positivamente para os professores. Os alunos correram para conferirem os horários e Oliver até tentou se aproximar de Virgo, mas o mesmo havia desaparecido ao encerramento do Diretor.
Foi um sacrifício para que ele chegasse até o quadro de horários, e quando chegou, já havia dado a hora de irem à sala, e isso acabou sendo a única coisa que conseguiu gravar, o local.
A porta de madeira agora estava aberta e cabiam pelo menos vinte alunos. Depois de entrar, ainda passaram por ela mais uns três rapazes, mas a sala não estava completa.
Ele não conhecia ninguém, e se sentou ao fundo. O teto era extremamente alto e havia quatro mesas apenas. Enormes e cumpridas, todas de madeira escura, na qual, em cada faixa, sentavam-se cinco alunos. As paredes revestidas e oito janelas, todas fechadas no momento. No centro e mais a frente, ficavam uma cadeira bem alta e azulada, com uma mesa e sobre a mesma, estavam uma dúzia de livros, postas pelo próprio professor. Além de uma pequena estatueta desconhecida para Oliver. O teto era alto para os padrões comuns e havia luzes por todos os cantos, e todas acesas, visto o tempo escuro.
Na última mesa, Oliver se sentiu desconfortável, pois não conhecia ninguém e sobrava apenas uma cadeira, a de seu lado direito, vazia. Passou alguns segundos imaginando quem infelizmente seria seu vizinho.
Oliver estava com a mão sobre o queixo, e extremamente impaciente, até que uma voz feminina o tocou.
— Bom dia.
— Igualmente. – ele devolveu, porém, ao olhar, revirou os olhos, pois de imediato conheceu quem se tratava. A mesma garota que havia trombado nele em dias passados. É claro que a mesma também esboçou reação de desprezo, e ambos viraram os rostos para frente.
Um homem bem baixo e acima do peso entrou, vestia um colete marrom sob uma blusa branca. Uma calça escura e seu cabelo tinha pouco volume e era um tanto quanto encaracolado. Mas o pior mesmo eram seus calçados, pois utilizava sandálias. Ele era engraçado.
Além dos livros que o mesmo já havia deixado sobre a mesa de aula, ainda trazia mais um em baixo do braço. No outro, ele conduzia um jarro d'água bem grande.
— Muito bem-vindos, crianças. – ele colocou o restante do material sobre a mesa e notou que os alunos não gostavam muito de serem chamados de crianças.
Um grupelho bem desagradável se pôs a gargalhar timidamente da aparência do professor, e o baixinho ergueu sua mão e seu dedo indicador, enquanto os outros se fecharam. A sala ficou quieta, e da ponta dele, saiu um jorro de água no rosto do engraçadinho. A sala caiu em gargalhada e assim eles perceberam que não se pode debochar de um professor.
— Eu me chamo Neeson, e vocês já devem saber disso. Agora, quero que coloquem seus livros sobre a mesa e abram na página 281.
As penas e o tinteiro já estavam nas mesas quando os alunos chegaram, além, claro de enormes pergaminhos para anotações e estudos. Devidamente postas por outros funcionários.
Agora, Oliver reparou que aquele livro deveria ter pelo menos mil páginas, na noite anterior, ele parecia menor, ou talvez fosse o sono do horário.
Passava página a página, textos, textos e mais textos. Até chegar na pedida pelo professor.
Grandes nomes da Água.
Estava bem no centro da página.
— Vocês já entenderam, não é? Agora, me respondam. De quem era a estátua que vocês viram no centro?
Os alunos se entreolharam, e um rapaz da mesma altura de Oliver mas bem rechonchudo respondeu.
— Quintino Shickle. – disse timidamente.
— Repita, por favor. – pediu o professor.
— Quintino Shickle, senhor.
— E você sabe me dizer quem foi esta pessoa, meu caro aluno?
— Foi uma das mentes que participaram da arquitetura que hoje é usada na Academia.
Poucos alunos se mostraram interessados, mas Oliver não se mostrou não por não ligar para a aula, mas por que realmente não sabia nada do que era falado.
— Houve mais duas pessoas com ele nesta obra, você sabe me dizer quem fora?
— Não, senhor.
Neeson conduziu a água da grande jarra que trouxe consigo. A manipulou como se fosse um braço enorme e uma mão, e agora você entende porque ele a trouxe. Não tinha altura o suficiente para escrever no quadro.
Segurando a pena e a tinta, ele anotou em letras garranchosas.
Filida Anastar e Binns Biggs.
— São essas as três mentes que arquitetaram a construção que é usada até os dias atuais aqui.
A garota, ao lado de Oliver ergueu as mãos e Neeson deu permissão para falar.
— E como eles faleceram?
— Bem, Filida e Binns se casaram e morreram de causas naturais. Quintino morreu após ser picado por uma criatura venenosa nas Montanhas enquanto realizava uma missão.
Ela se sentou, e Neeson prosseguiu a falar.
— Mas algum de vocês pode me citar uma pessoa famosa do Reino? Hoje eu quero conversar sobre pessoas importantes com vocês.
Neeson reparou perfeitamente que havia um aluno mais deslocado que todos os outros. E ele se sentava na última mesa, mas não era Oliver.
Um garoto branco, de olhos escuros e um cachecol negro enrolado no pescoço. Seu cabelo era liso e pouco volumoso.
— Você, de cachecol. Pode me citar o nome das Cinco Grandes Famílias da Água?
Ele então se moveu na cadeira, e desconfortavelmente proferiu os nomes.
— Swam, Svensson, Engels e Lancaster.
— Você não esqueceu uma, meu jovem?
— Pollock, senhor.
O restante da aula prosseguiu a mesma toada, onde o professor listou inúmeros nomes de grande fama no Reino, além de pedir para que os alunos lessem trechos e mais trechos dos enormes textos nos livros. Por fim, pediu desculpas ao aluno paspalhão pelo jato d'água no rosto e todos saíram satisfeitos, exceto pelo último pedido de Neeson, que pediu que eles lessem as páginas 300 e 301 do mesmo livro para o retorno das aulas mais à frente.
Os alunos se despediram carinhosamente do baixinho e quando saíram, o tempo estava ainda mais escuro e algumas gotas já caíam do céu.
Oliver passou pelos corredores ainda cheios de alunos que também partiam para suas casas, tentou avistar Virgo mais uma vez, mas não houve sucesso.
No caminho, encontrou a garota que sentou ao seu lado, mas a mesma sumiu repentinamente entre os mercadores que corriam de um lado para o outro.
Ao chegar em casa, seu pai ainda não estava presente, e sua mãe trocava as lenhas da lareira.
— Como foi o primeiro dia?
— Muita leitura.
— E aprendeu algo?
— Uns nomes aqui, outros nomes ali.
Oliver dirigiu-se ao seu quarto, ainda umedecido pela chuva e caiu de barriga na cama, direto para cochilar e descansar.
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